Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01024/17.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/13/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECURSO. MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. RESIDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS ALÍNEAS A) E B) DO N.º 1 DO ART.º 16.º DO CIRS.
Sumário:
I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
III) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
IV) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
V) No caso dos autos, perante a factualidade apurada, resulta claro que, no ano de 2012, a recorrente e o seu marido residiam na Venezuela e não permaneceram em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, o que significa que está afastada que está o critério de “residência” à luz da alínea a), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS.
VI) Quanto ao critério legal previsto na alínea b) do nº 1 do art. 16º do CIRS «exige a reunião do “corpus” e do “animus”. (...) um “corpus”, constituído por um local de residência, associado a um animus”, que consiste na “intenção” de a manter e ocupar como residência habitual (...)», pelo que «(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.
VII) Ora, esta intenção imediatista [de a ora recorrente e o seu marido passarem a residir, com carácter de habitualidade, na habitação sita no território português, àquela data (31-12-2012)] não resulta dos autos., até porque o sujeito passivo A… ainda hoje reside na Venezuela e que a ora recorrente voltou há cerca de 2/3 anos. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:MFMCN
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 10-05-2018, que julgou procedente o recurso apresentado por MFMCN, contra a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, em sede IRS.

Formulou nas respectivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
i) Visa o presente recurso reagir contra a sentença que concedeu provimento ao recurso interposto ao abrigo do disposto no Art.º 146.º-B do CPPT – manifestação de fortuna -, com a consequente anulação da decisão recorrida, porquanto a sentença considerou em face da prova documental e da prova testemunhal que, no ano de 2012, a Recorrida e o seu marido residiam na Venezuela e não permaneceram em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados.
ii) Conforme resultam dos autos, a Recorrente no âmbito da resposta ao recurso suscitou que os documentos 10 e 11 (certificados de residência) carreados pela Recorrida, na medida em que consubstanciavam documentos emitidos por entidades estrangeiras (Governacion del Estado Lara), deveriam ter sido objecto de apostila, nos termos da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, de 1961.10.05 (Decreto-Lei 48.450, de 1968.06.24), formalidade que não se verificou.
iii) Todavia, o Tribunal a quo omitiu pronúncia e não conheceu da questão referente à legalização dos documentos estrangeiros carreados para os autos pela Recorrida e pelo marido, e muito menos se pronunciou acerca da questão suscitada pela Recorrente, tanto mais que, tal questão não era despicienda, porquanto, a Recorrente impugnou sempre os factos que a Recorrida pretendia demonstrar com os aludidos documentos.
iv) A Recorrente desconhece a razão ou razões de índole legal, jurisprudencial e/ou doutrinal que aparentemente justificam, por um lado, a inobservância da já citada Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros, e, por outro, a admissão sem qualquer reserva dos Documentos 10 e 11 juntos à p.i. e a sua valoração pelo Tribunal a quo.
v) Logo, a douta sentença omitiu pronúncia quanto à questão referente à legalização dos documentos estrangeiros, e no facto de os mesmos não conterem apostila.
vi) Neste desiderato, tendo sido omitida pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar, é peremptório que a sentença é nula, por violação do disposto no Art.º 608.º, nº 2, do CPC e do Art.º 125.º n.º 1 do CPPT.
vii) No âmbito da prova carreada pelo Recorrente ao longo do procedimento inspectivo de que a Recorrida e o marido eram residentes em Portugal, aquilatou a douta sentença que “- Da consulta ao sistema informático da AT, em momento algum, os sujeitos passivos constam como não residentes em território nacional. – Não obstante, os sujeitos passivos apresentaram a sua declaração de rendimentos do ano em análise como residentes em território nacional, (…) - Também foram analisadas as declarações Mod. 3 IRS de anos anteriores (2002 a 2011) respeitantes à residência fiscal e verificou-se que, em todos aqueles anos os sujeitos passivos sempre apresentaram as suas declarações de rendimentos (IRS) como residentes em Portugal (continente)- Não é crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, porquanto JN é gerente e administrador de um conjunto bastante alagado de sociedades”.
viii) Destarte, a sentença é nula por não especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, uma vez que a Recorrente carreou todo um manancial de prova e de fundamentos de facto que não foi especificada na sentença, não tendo sido levados na sua totalidade ao probatório.
ix) Desde logo, apurou-se que o marido da Recorrida, esteve colectado em Portugal na actividade registada com a CAE “68100” correspondente a “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” até 2001.05.24, não se encontrando no ano em questão (2012) registado para o exercício de qualquer actividade de natureza industrial, comercial ou agrícola, e que análise das aplicações informáticas do património, de que a Recorrida e o marido eram proprietários de 55 prédios de valor patrimonial tributário total de € 2.760.345,88 no ano de 2012, e à data de consulta – 2017.08.07 – e possuíam 35 imóveis de valor patrimonial tributário no valor de € 896.970,44 factos que não foram especificados, e muito menos relevados na fundamentação de facto.
x) Foi ainda carreado que a Recorrida e o marido eram proprietários de vários imóveis, entre eles, casa de habitação localizada em “Rua P… - F…”, que aquando deslocação de técnicos da Direcção de Finanças de Aveiro àquela morada, foi identificada por parte de vizinhos como a moradia da família N…, facto que nunca foi especificado na sentença, nem levado ao probatório, não tendo sido valorado na fundamentação de facto.
xi) Da consulta ao sistema informático “Gestão de Pedidos de Isenção CA", verificou-se a existência de isenção de contribuição autárquica do referido imóvel, tal como se verificou a existência de isenção de contribuição autárquica para outro prédio urbano, localizado em Av. J… - GN, ambos pertencentes à Recorrida e ao marido, tendo-se ainda aferido que, à data dos pedidos de isenção efectuados em 2003, por motivos da “poupança-emigrante”, a Recorrida e o marido tinham os seus domicílios fiscais localizados em Portugal (F…), detendo uma habitação destinada a sua residência, sendo residentes em Portugal, facto esse que não foi especificado, nem levado à fundamentação da matéria de facto.
xii) Logo, a fundamentação da sentença que procede à rejeição da prova careada pela Recorrente apenas e somente com base na consulta das declarações de rendimento e com o facto de não ser crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, pelo marido da Recorrente na administração das empresas, sem que para o efeito tivesse especificado e valorado os factos, na sua totalidade que atestavam a residência da Recorrida e do marido em território nacional, é nula por não especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
xiii) É que, assentando o segmento decisório da sentença no pressuposto que à data dos factos não era aplicável o regime do art.º 89-A da LGT, por a Recorrida e do marido não serem residentes em Portugal, impunha-se que tivesse fundamentado e especificado de que modo toda a prova que demonstrava o inverso, não corroborava que a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal, ou seja, a sentença não especificou nem fundamentou a decisão com base em todos os factos carreados pela Recorrente.
xiv) A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o Art.º 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no Art.º 659º, nº 3 do CPC.
xv) Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …Vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 348.
xvi) Nos termos do disposto no actual Art. 615.º,nº. 1, al. b), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo que, para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
xvii) In casu a sentença não especificou nem fundamentou com base em todos os factos que foram colhidos pela Recorrente, e que demonstravam que a Recorrida e o marido, eram residentes em Portugal, à data dos factos, pelo que a sentença padece da nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão a que alude o disposto no Art.º 125.º nº 1 do CPPT.
xviii) Entendeu a sentença recorrida com base na prova testemunhal e “(…) nos documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico, mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 e do documento n.º 7 junto com a PI a fls. 31 [todos esses documentos dão conta que a ora recorrente e o seu marido residiam em no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela].
xix) Conforme entendimento doutrina e jurisprudencial a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, abrangendo tal nulidade tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo Art.º 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no Art.º 607º, nº 4 do CPC (a este propósito vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. II, pág. 358.)
xx) Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
xxi) O Tribunal a quo entendeu com base nos documentos n.º 10, 11, 3 e 7, que a Recorrida e o marido residiam no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela, destarte, importa referir que a Recorrida e o marido, foram ao longo do processo carreando mais prova com vista a demonstrar a residência na Venezuela à data dos factos, à medida que a Recorrente refutava e impugnava o seu valor probatório.
xxii) No que respeita ao DOCUMENTO N.º 7 sobre o qual a sentença se escorou a sua fundamentação, a Recorrente impugnou desde logo, o seu valor probatório, porquanto, o mesmo consistia num passaporte em nome de JN, o qual tinha como data de validade 20.12.1995, tendo o mesmo sido objecto de renovação efectuada em 20.12.2000, e posteriormente, em 20.12.2005, não demonstrando que relativamente ao ano em causa – 2012 – a Recorrida e o marido não eram residentes em território nacional.
xxiii) Acresce que, a sentença não procedeu a qualquer análise crítica dos documentos juntos pela Recorrida e o marido, com vista a atestar que eram ambos assistentes administrativos na ADUANERA POTOSI, com sede na CALLE PUERTO CABELLO, pois, como a Recorrente demonstrou, a distância entre o suposto local de residência e o suposto local de trabalho da Recorrida e do marido era de 232 km, percurso este com uma duração de 2 horas e 55 minutos, sendo claramente inverosímil e desafiando a lógica mundana que um casal desempenhe funções numa empresa a mais de 230 km da sua residência familiar.
xxiv) Ou seja, a sentença absteve-se por completo de fazer uma análise crítica dos documentos apresentados, bem como do seu valor probatório limitando-se a extrapolar que tais documentos demonstravam que a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal no ano dos factos – 2012, sendo residentes na Venezuela.
xxv) Também quanto aos documentos N.º 10 e 11, a Recorrente para além de ter suscitado que tais documentos não continham, referiu ainda que tais documentos não consubstanciam certificados de residência na Venezuela, na medida em, não indicavam qual a residência que a Recorrida tinha na Venezuela, não fazendo qualquer referência a um período específico, limitando-se os mesmos a declarar que segundo os testemunhos de ARM Y ZG, que conhecem a Recorrida e JN, de vista trato e comunicação, todavia a sentença, não procedeu a qualquer análise crítica dos documentos, limitando-se a admitir o seu valor probatório sem que sobre estes recaísse qualquer posição crítica, ou que demonstrasse que os mesmos eram idóneos a demonstrar os factos que pretendiam.
xxvi) Quanto à declaração de rendimentos referente ao ano de 2012 entregue na Venezuela pelo marido da Recorrida, e que foi amplamente valorada pelo Tribunal a quo, pese embora não ter tecido qualquer análise crítica acerca do seu conteúdo ou das questões suscitadas pela Recorrente limitando-se a dar como idóneo o seu valor probatório no sentido demonstrar a residência na Venezuela, a Recorrente suscitou que a declaração de rendimentos com base Certificado Electrónico, apenas atesta a recepção da declaração por parte da Administração Tributária da Venezuela, não atestando, que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, não tendo sido junta a liquidação de imposto ou qualquer outro documento de demonstrasse de forma inequívoca de que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
xxvii) De igual forma, o passaporte que foi posteriormente carreado pela Recorrida e o marido, não demonstra como entendeu a sentença que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, na medida em que o documento junto e valorado pelo Tribunal a quo não é a cópia integral do passaporte, mas apenas de uma folha de rosto (pag. 3) e posteriormente os carimbos de entrada e saída na Venezuela (pag. 9), desconhecendo-se desde logo, se a pag n.º 9 correspondente ao passaporte em questão, não tendo sido integralmente fotocopiado tendo apenas sido impressas apenas duas páginas do mesmo, insuficiente para poder não demonstrar como anuiu a sentença que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela em 2012.
xxviii) Neste desiderato, a sentença é nula ao ter procedido ao exame crítico das provas (acerca do exame crítico das provas refere PEREIRA BAPTISTA cfr. PEREIRA BAPTISTA in Reforma do Processo Civil 1997 páginas 90 e seguintes; ABRANTES GERALDES in "Temas da Reforma do Processo Civil" II Volume 2ª edição páginas. 253 a 256 e ao nível da jurisprudência cfr. Acórdão do Tribuna! Central Administrativo Norte n.° 409/06.6BEPNF,de 27 de Fevereiro de 2014; e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 00565/07 de 11 de Fevereiro de 2016).
xxix) Ora, o Tribunal a quo, não procedeu à análise crítica dos documentos, mormente carreados pela Recorrida, na medida que se tivesse procedido à sua análise crítica nunca concluiria como concluiu que os aludidos documentos demonstravam que a Recorrida e o marido eram residentes à data dos factos – 2012 - na Venezuela.
xxx) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida por violação dos Art.º 123,°, n.° 2 e 125.°, n.° l, do CPPT, tudo com as demais consequências legais.
xxxi) Aquilatou o tribunal a quo que in casu que resulta inequívoco quer da prova documental (atestados de residência; declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo JNG na Venezuela, no ano de 2012; passaporte da recorrente, do qual se vislumbra que, em relação ao ano de 2012, aquela entrou na Venezuela em 5 de Janeiro de 2012 e saiu em 11 de Agosto desse ano e inclusivamente do extracto bancário da conta do BANIF n.º 90…10, referente a 30-11-2011, onde consta que a residência de JNG se situa no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela], quer da prova testemunhal [depoimentos das testemunhas MEGM e JMCS], que, no ano de 2012, a Recorrida e o seu marido residiam na Venezuela e não permaneceram em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, não sendo ainda aplicável o disposto no n.º 2 do Art.º 16.º do CIRS, por falta de intenção de habitar em condições de manter e ocupar como residência habitual.
xxxii) É contra tal entendimento que se insurge a Recorrente, desde logo porque, a prova documental em que se escorou a sentença, não permite determinar como determinou, que a Recorrida e o marido não eram residentes em território nacional em 2012.
xxxiii) A sentença escorou a sua fundamentação para prova de que a Recorrida e o marido não eram residentes em território nacional à data dos factos, sendo residentes na Venezuela, pais para onde emigraram nos anos sessenta, com base nos documentos 7 a 11 junto com a p.i. e com base na prova testemunhal.
xxxiv) Referira-se que a prova carreada pela Recorrida ao longo de todo o processo, foi sempre carreada no pressuposto de criar verdades alternativas à medida que os documentos iam sendo impugnados pela ora Recorrente.
xxxv) Para além disso, importa referir que, tal conduta processual decorrente da junção de documentos ao longo do processo, para além de nunca ter produzido qualquer reparo ou sancionamento por parte do Tribunal a quo, o seu valor probatório foi liminarmente valorado sem que para o efeito o tribunal tivesse procedido a qualquer análise crítica.
xxxvi) Quanto ao DOCUMENTO N.º 7 o mesmo consistia num passaporte em nome de JN, o qual tinha como data de validade 20.12.1995, tendo o mesmo sido objecto de renovação efectuada em 20.12.2000, e posteriormente, em 20.12.2005, não demonstrando que a Recorrida e o marido não eram residentes em território português no ano de 2012, tanto mais que o aludido documento não demonstra que à data dos factos a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal.
xxxvii) O DOCUMENTO N.º 8, padece do mesmo deficit probatório na medida em que, consiste num passaporte Português em nome da Recorrida e de JN destarte, o passaporte da Recorrida tem como data de validade a data de 13.07.2003, ou seja, 9 anos antes dos factos tributários em causa, sendo o carimbo de entrada na Venezuela constante no passaporte da Recorrente é de 14.12.1990, ou seja, 22 anos antes dos factos tributários em causa (2012).
xxxviii) No que concerne ao passaporte do marido da Recorrida, o mesmo tem como data de validade, o dia 12.12.2000, ou seja, 12 anos antes dos factos tributários em causa (2012), e nesse desiderato não demonstra que à data dos factos (2012) a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, não sendo residentes em território nacional.
xxxix) O DOCUMENTO N.º 9, que se reporta a um passaporte em nome da Recorrida, o mesmo contêm a menção “ANULADO”, para além de que o mesmo foi validado em 21.01.1993, encontrando-se aposto o último carimbo em 05.05.1992.
xl) Quanto aos documentos N.º 10 e 11, sob os quais o tribunal a quo escorou a sua fundamentação e aquilatou que a Recorrida e o marido não eram à data dos factos residentes em território português, para além de tais documentos não conterem a apostila, não consubstanciam certificados de residência na Venezuela, isto porque os mesmos não indicam qual a residência que a Recorrida tinha na Venezuela, não fazendo qualquer referência a um período específico, limitando-se os mesmos a declarar que segundo os testemunhos de ARM Y ZG, que conhecem a Recorrida e JN, de vista trato e comunicação.
xli) Neste desiderato, a sentença labora em manifesto erro de julgamento, porquanto os documentos 10 e 11 sob os quais se escorou com vista a aferir que a Recorrida e o marido não eram residentes na Venezuela, para além de não conterem a apostila, limitam-se a atestar por testemunhas que os conhecem de vista e trato, para além de que não mencionam qualquer morada que a Recorrida e o marido aí possuíssem.
xlii) Também no que concerne aos documentos juntos pela Recorrida para prova da residência, no ano em causa, na Venezuela, com vista a atestar que eram ambos assistentes administrativos na ADUANERA POTOSI, com sede na CALLE PUERTO CABELLO, como a Recorrente demonstrou a distância entre o local de residência e o suposto local de trabalho da Recorrida e do marido era de 232 km, percurso este com uma duração de 2 horas e 55 minutos, sendo claramente inverosímil e desafiando a lógica mundana que um casal desempenhe funções numa empresa a mais de 230 km da sua residência familiar, não podendo deixar de causar, no mínimo, estranheza que, ambos tenham iniciado funções exactamente no mesmo período de tempo.
xliii) Quanto à declaração de rendimentos referente ao ano de 2012 entregue na Venezuela pelo marido da Recorrida, e que foi amplamente valorada pelo Tribunal a quo, pese embora não ter tecido qualquer análise crítica acerca do seu conteúdo ou das questões suscitadas pela Recorrente limitando-se a dar como idóneo o seu valor probatório no sentido demonstrar a residência na Venezuela, importa referir que também aqui a sentença labora em notório erro, pois, a declaração de rendimentos do Certificado Electrónico, o mesmo apenas e tão somente atesta a recepção da declaração por parte da Administração Tributária da Venezuela, e não atesta, que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
xliv) Acresce que, não foi junta a liquidação de imposto ou qualquer outro documento de demonstrasse de forma inequívoca de que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
xlv) De igual forma, o passaporte que foi posteriormente carreado pela Recorrida e o marido, não demonstra como entendeu a sentença que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, na medida que o documento junto e valorado pelo Tribunal a quo não é a cópia integral do passaporte, mas apenas de uma folha de rosto (pag. 3) e posteriormente os carimbos de entrada e saída na Venezuela (pag. 9), desconhecendo-se desde logo, se a pag n.º 9 correspondente ao passaporte em questão.
xlvi) Ou seja, o passaporte não foi integralmente fotocopiado tendo apenas sido impressas apenas duas páginas do mesmo, insuficiente para poder não demonstrar como anuiu a sentença que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela em 2012.
xlvii) Acresce ainda que, como se refere na pag., n.,º 3 do passaporte, este foi emitido em 14.07.2014 e tem o mesmo número de um outro emitido em 27.11.2003 que foi extraviado, sendo claramente despicienda a conclusão a que chegou a sentença de que o passaporte constituiu documento com valor probatório bastante com vista a determinar que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela.
xlviii) Na mesma esteira, a sentença padece de erro de julgamento no que concerne à valoração da prova testemunhal com vista à demonstração da residência da Recorrida e do marido como residentes na Venezuela em 2012, na medida em que esta não permite concluir como concluiu a sentença pela não residência da Recorrida e do marido em Portugal.
xlix) Quanto, à 1ª testemunha – filha da Recorrida e do marido JMCS– referiu que apresentou as declarações de rendimentos das Recorrida e do marido, uma vez que aqueles auferiam rendimentos de várias empresas em Portugal, bem como de escritório e de lojas (cfr. transcrição 27:06) e que o marido da Recorrida tinha um ordenado das empresas de que era administrador (cfr. transcrição 27:13).
l) Referiu ainda que o pai era gerente/administrador de várias empresas em Portugal (cfr. transcrição 30:16), desconhecendo por seu turno as empresas onde o pai trabalha como gerente ou por conta de outrem na Venezuela, não as conhecendo em termos de denominação comercial (cfr. transcrição 33:04).
li) Já no que concerne ao depoimento da 2ª testemunha o mesmo é manifestamente vago e perfunctório para demonstrar que a Recorrida e o marido residiam na Venezuela, porquanto, pese embora ter alegado era amiga da Recorrida e do marido na Venezuela há cerca de 42, e de ter uma relação forte (cfr. transcrição 37:20) privando durante esses anos cerca de 8 a 10 vezes por ano (cfr. transcrição 37:41), às instâncias do Meritíssimo Juiz referiu desconhecer a morada do marido da Recorrida, onde este residia na Venezuela ou se tinha negócios em Portugal (cfr. transcrição 42:56).
lii) Ou seja, a sentença recorrida conclui que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela com base na relevância do depoimento das testemunhas mormente da segunda testemunha, alegando que veio corroborar os documentos junto aos autos, testemunha essa que quando interpelada pelo Meritíssimo juiz referiu que conhecia marido e a Recorrida, privando com estes há vários anos cerca de 8 a 10 vezes por ano, indo a casa destes, porém quando questionada acerca da morada onde aqueles viviam desconhecia e não fazia ideia (cfr. transcrição 42:56 e 43;27).
liii) Quanto à 3ª testemunha, trata-se uma testemunha de ouvir dizer, sem qualquer conhecimento sobre os factos em análise.
liv) Donde se conclui, que a sentença enferma de erro de julgamento quer ao ter relevado documentos que não demonstram de forma clara e inequívoca atendendo às vicissitudes suscitadas pela Recorrente, que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela à data dos factos, quer porque a prova testemunhal em que assentou, não permite, em face das incongruências detectadas concluir, por tal premissa.
lv) Acresce ainda que a sentença labora em manifesto erro ao não ter dado como demonstrada a residência em território nacional da Recorrido e do marido, com base no manancial de prova carreada pela Recorrente, pois ao longo do procedimento inspectivo apurou-se que o marido da Recorrida, esteve colectado em Portugal na actividade registada com a CAE “68100” correspondente a “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” até 2001.05.24, não se encontrando no ano em questão (2012) registado para o exercício de qualquer actividade de natureza industrial, comercial ou agrícola, tendo a Recorrida e o marido, apresentado em 2013.05.31, a correspondente declaração Mod.3 IRS, da qual resultou a declaração de rendimentos líquidos para aquele ano no valor de € 45.806,22, tendo aí declarado em eram residentes em território Português, tendo apresentado declarações Mod.3 IRS nos anos anteriores (respeitantes aos anos de 2002 a 2011) e no que concerne à residência fiscal, verificou-se que, em todos aqueles anos sempre apresentaram as suas declarações de rendimentos (IRS) como residentes em Portugal (continente).
lvi) Em face das responsabilidades assumidas pelo marido da Recorrida como gerente e administrador de um conjunto bastante alargado de sociedades (identificadas no relatório de inspecção tributária), não faz sentido e muitos menos é crível que a Recorrente e JN apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, como alegam, sendo de acordo com a análise das aplicações informáticas do património, a Recorrida e o marido eram proprietários de 55 prédios de valor patrimonial tributário total de € 2.760.345,88 no ano de 2012, e à data de consulta – 2017.08.07 - possuíam 35 imóveis de valor patrimonial tributário no valor de € 896.970,44.
lvii) Quanto à declaração do ano de 2012, os rendimentos auferidos eram de trabalho dependente (Categoría A) auferidos pela Recorrida e o marido, foram pagos pelas seguintes entidades sedeadas em Portugal: NIF 5…01 - CCP LDA em relação a JN e NIF 5…94 - NC LDA, sendo ainda proprietários de vários imóveis, entre eles, casa de habitação localizada em “Rua P… - F…”, que aquando deslocação de técnicos da Direção de Finanças de Aveiro àquela morada, foi identificada por parte de vizinhos como a moradia da família N….
lviii) Ainda da consulta ao sistema informático - “Gestão de Pedidos de Isenção CA", verificou-se a existência de isenção de contribuição autárquica do referido imóvel, bem como a existência de isenção de contribuição autárquica para outro prédio urbano, localizado em Av. J… - GN, ambos pertencentes à Recorrida e ao marido, sendo que, à data dos pedidos de isenção efectuados em 2003, por motivos da “poupança-emigrante”, a Recorrida e o marido tinham os seus domicílios fiscais localizados em Portugal (F…) e detinham uma habitação destinada a sua residência sendo residentes em Portugal.
lix) Destarte, a sentença procede à rejeição da prova careada pela Recorrente apenas e somente com base na consulta das declarações de rendimento e com o facto de não ser crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, pelo marido da Recorrente na administração das empresas, sem que para o efeito tivesse valorado e especificado toda a prova carreada pelo Recorrente que atestava a residência da Recorrida e do marido em território nacional, procedendo assim em manifesto erro de julgamento ao apenas ter relevado alguns dos factos e da prova careada pelo Recorrente, sem que para o efeito tivesse valorado toda a prova carreada pelo Recorrente.
lx) Conclui por fim a sentença que a Recorrida e o marido, não eram residentes em Portugal, atendendo à prova testemunhal e documental, não havendo permanecido mais de 183 dias seguidos ou interpolados não sendo residentes à luz dos critérios definidos nas alíneas a) e b) do Art.º 16.º do CIRS, todavia procede à errada interpretação e aplicação dos citados normativos legais.
lxi) Em sede de IRS, o elemento de conexão pessoal “residência” assume predominante importância, ao qualificar como sujeito passivo do imposto as pessoas singulares que, alternativamente, tenham permanecido no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou aquelas que, tendo permanecido menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual (Artº.16, nº.1, alíneas a) e b), do C.I.R.S.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.285 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.17 e seg.).
lxii) Assim, a origem ou fonte dos rendimentos só opera quando não releva o elemento de residência, significando que a tributação se deve fazer no Estado de que os rendimentos são provenientes – elemento de sujeição real ou ilimitado, estabelecendo o Art.º 13.º do CIRS, ao prever a aquisição de estatuto de residente, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais forem as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, a 31 de Dezembro, "de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual" (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, "a" e "b"), acolhe uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus”.
lxiii) A sentença entendeu que no caso dos autos não se encontrava subjacente essa intenção imediata de residir com carácter de permanência em Portugal, por parte da Recorrida e do marido, na medida em que este ainda reside hoje na Venezuela e aquela regressou há cerca de 2 ou 3 anos, destarte, a em face da factualidade vertida nos autos e da prova carreada pela Recorrente, labora em manifesto erro.
lxiv) Sendo certo que a lei ficciona vários critérios para a sua determinação entre eles a permanência de menos tempo, mas de que disponham no território português, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, da prova carreada pela Recorrente, ou seja tendo a Recorrida e o marido apresentado desde 2002 declarações de rendimentos nas quais declaram ter residência em território nacional, declarando que são residentes em território nacional, sendo inclusive o marido da Recorrida, administrador e gerente de várias empresas e auferindo rendimentos em território nacional, tendo aqui domicílio fiscal e beneficiando entre 2003 e 2012 de isenção para efeitos de contribuição autárquica e IMI, recorta-se que à revelia da sentença recorrida existe uma intenção imediata em residir com carácter em Portugal sendo residentes para todos os efeitos legais. (Conforme se aquilatou no Acórdão do TCAS proferido no Proc. n.º 0679/13 de 05.07.2013 e o Acórdão do TCAS proferido no Proc. n.º 08331/15 de 02.05.2015).
lxv) Neste desiderato, e em face da factualidade carreada aos autos pela Recorrente afere-se que a sentença labora em manifesto erro de julgamento de facto e de direito e à errada interpretação e aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do Art.º 16.º do CIRS, no que contende com a residência da Recorrida e do marido na Venezuela.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão do Tribunal a quo ser declarada nula, ou caso assim não se entenda deverá ser revogada, e em consequência manter-se a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto na ordem jurídica com todas as legais consequências.
PORÉM V. EX.AS ASSIM DECIDINDO FARÃO SÃ, SERENA E A COSTUMADA JUSTIÇA”
*
A Recorrida MFMCN apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
1ª - Não assiste qualquer razão à Recorrente no que respeita à alegada nulidade da douta Sentença recorrida “por violação do disposto no Art.º 608.º, nº 2, do CPC e do Art.º 125.º n.º 1 do CPPT”.
2ª - A omissão de pronúncia só existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
3ª - Contrariamente ao alegado no recurso sob resposta, a falta de legalização dos documentos que, sob os nºs 10 e 11, foram juntos aos autos com a Petição, não é uma questão em si mesma, mas antes um mero argumento utilizado pela Recorrente para fazer valer o seu ponto de vista no sentido de que não podia ser dado como provado que a Recorrida e o seu marido, no ano de 2012, não residiam em território português.
4ª - Uma vez que, por um lado, o tribunal a quo decidiu a questão posta pelas partes (que era a de saber se a Recorrida e o seu marido, no ano de 2012, tinham ou não residido em território português) e, por outro lado, que esse mesmo tribunal não estava obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos apresentados pela Recorrente relativamente a essa questão, não se verifica a invocada nulidade da Sentença por omissão de pronúncia.
5ª - De todo o modo, e sem conceder, a Recorrente não tem razão no que respeita à pretensa ausência de valor probatório, por falta de legalização nos termos da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros (de 05/10/1961), dos documentos que, sob os nºs 10 e 11, foram juntos aos autos pela Recorrida com a Petição.
6ª - Nos termos do disposto no art. 365º-2 do Código Civil, a legalização não é hoje requisito da autenticidade de documento passado em país estrangeiro, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade.
7ª - Não tendo essas fundadas dúvidas surgido no caso sub judice, e uma vez que inexistem razões para, em face das regras de normalidade e experiência comum, não considerar que os referidos documentos nºs 10 e 11 que foram juntos aos autos com a Petição consubstanciam a tradução da materialidade fáctica que expressam, andou bem o tribunal a quo ao valorá-los segundo o princípio da livre apreciação da prova.
8ª - No que respeita à pretensa nulidade da douta Sentença recorrida “por não especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, o raciocínio da Recorrente improcede, em absoluto, e só se compreende à luz de uma incorrecta interpretação do que dispõem os arts. 615º-1/b do CPC e 125º-1 do CPPT.
9ª - Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista no art. 125º-1 do CPPT, isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
10ª - A fundamentação incompleta, deficiente ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não produz nulidade.
11ª - No caso em apreço é manifesto que o tribunal a quo fundamentou e motivou, de forma bastante completa, a formação da sua convicção, discriminando, passo a passo, os documentos dos autos e os depoimentos das testemunhas em que essa convicção se alicerçou, pelo que a douta Sentença recorrida não padece da nulidade prevista nos citados dispositivos legais.
12ª - O tribunal a quo não estava legalmente obrigado a levar em consideração todos os factos que pela Recorrente foram alegados, mas apenas aqueles que, no seu entender, se afiguravam relevantes para as várias soluções plausíveis de direito e, consequentemente, para a decisão da causa.
13ª - Não corresponde à verdade que o que vem alegado pela Recorrente nos nºs 4.4., 4.5., 4.6., 4.7. e 4.8. do recurso sob resposta não tenha sido “especificado” na douta Sentença recorrida, uma vez que, no ponto 8) da matéria de facto provada, o tribunal a quo deu por integralmente reproduzido o teor do RIT, de onde constam todos os referidos factos a que se alude no recurso ora em apreço.
14ª - De todo o modo, todos esses pretensos factos, ainda que se encontrando incluídos no RIT, não passam de meras alegações que a ora Recorrida impugnou na sua Petição e que a Recorrente não logrou provar por qualquer meio (realce-se que esta última não apresentou uma única testemunha para prova dos factos que alegou).
15ª - Na douta Sentença recorrida não ocorreu, pois, qualquer omissão de fundamentação, mas antes uma mera selecção dos factos que o tribunal a quo legitimamente considerou como pertinentes para a solução da causa, sendo certo que não lhe competia apreciar toda a factualidade carreada para os autos.
16ª - À semelhança do acima referido quanto à invocada nulidade por falta de fundamentação, falece igualmente razão à Recorrente no que respeita à circunstância da douta Sentença recorrida ser alegadamente nula por não “ter procedido ao exame crítico das provas”.
17ª - Contrariamente àquele que parece ser o entendimento da Recorrente, nos casos em que os elementos probatórios têm um valor objectivo (como sucede com a prova documental), a revelação das razões por que se decide dar como provados determinados factos é normalmente atingida através da mera indicação dos respectivos meios de prova, afigurando-se desnecessária uma pormenorizada apreciação crítica sobre os mesmos.
18ª - Cotejando o teor da douta Sentença recorrida facilmente se conclui que a fundamentação apresentada (designadamente no que respeita à indicação e apreciação dos meios de prova documentais) revela todo o itinerário cognoscitivo e valorativo do tribunal a quo, sendo perfeitamente percetíveis as razões pelas quais o mesmo decidiu num determinado sentido e não noutro.
19ª - A apreciação das provas (designadamente, das documentais) faz-se através da formação de juízos e da elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador por força das máximas de experiência e regras da lógica, pelo que a certeza a que conduz à ideia de prova suficiente é, pois, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta, afigurando-se bastante que a convicção do julgador assente num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.
20ª - Foi precisamente isso que o tribunal a quo fez no caso sub judice, pelo que se afigura totalmente desprovido de sentido afirmar-se, como se afirma no ponto 5.23. do recurso sob resposta, que “o Tribunal a quo não procedeu à análise crítica dos documentos, carreados pela Recorrida, na medida que se tivesse procedido à sua análise crítica nunca concluiria como concluiu que os aludidos documentos demonstravam que a Recorrida e o marido serem residentes à data dos factos – 2012 – na Venezuela”.
21ª - O raciocínio que levou a Recorrente a concluir que a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento “ao não dar por verificada a residência em território português da recorrido e do marido” está alicerçado em factos que não corresponderem à verdade, designadamente no que se refere à alegação de que os documentos nºs 7, 8 e 9 juntos com a Petição serviram para dar como provado que a ora Recorrida e o seu marido durante o ano de 2012, residiam na Venezuela.
22ª - Foi com base na conjugação de múltiplos meios de prova e com recurso às máximas de experiência e às regras da lógica que o tribunal a quo se convenceu que a Recorrida e o seu marido, durante o ano de 2012, residiam na Venezuela.
23ª - A fundamentação exarada na douta Sentença recorrida é, por si só, esclarecedora sobre o cuidado com que o Mm.º Juiz do tribunal a quo analisou a prova produzida, e sobre o acerto com que a decisão foi tomada.
Termos em que deverá ser mantida a douta Sentença recorrida, assim sendo feita JUSTIÇA!”
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, analisar o suscitado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e apreciar a apontada errada interpretação e aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do Art.º 16.º do CIRS, no que contende com a residência da Recorrida e do marido na Venezuela.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1) Os contribuintes JNG e mulher MFMCN foram alvo de procedimento de inspecção externa ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201602108, de 08-09-2016, de âmbito geral e incidente sobre o ano de 2012, tendo a mesma sido iniciada em 27-09-2016 – cfr. resulta de fls. 110 e 111 do processo físico;
2) Em 27-09-2016, foi a ora recorrente notificada nos termos que constam de fls. 170 a 171 do processo físico, designadamente para o seguinte:
«1 – No seguimento de procedimento inspetivo à sociedade SSI, S.A., NIF 5…34, confirmou-se terem ocorrido em 2012, empréstimos/suprimentos efetuados àquela sociedade pelo sócio JNG, NIF 1…55, no montante de € 2.306.340,89.
2 – De acordo com os elementos disponíveis na base de dados da AT, o agregado familiar JNG, NIF 1…55 sujeito passivo A, constituído por ele próprio e pelo sujeito passivo MFMCN, NIF 1…36, sujeito passivo B, apresentaram na declaração Mod.3 IRS/2012 rendimento líquido/coletável no valor total de € 54.014,82.
(…)
7 – Face ao exposto, verifica-se estarem reunidas as condições legais para, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento líquido da categoria G – Incrementos Patrimoniais do V. agregado familiar, para o ano de 2013, nos termos da alínea d) do n.º 1 e nº 3 do art.º 9.º do código do IRS e a confirmar-se os valores anteriormente referidos, será dado pela diferença entre a despesa efetuada (suprimentos) e os rendimentos declarados pelo agregado familiar no mesmo período de tributação, (…)
(…)
11 – Assim, para efeitos do disposto nos artigos 37.º, 38.º e 42.º, todos do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e no artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), ficam NOTIFICADOS os sujeitos passivos JNG, com o NIF 1…55 e MFMCN, NIF 1…36, (…), para apresentar e prestar, no prazo de 10 dias, às Inspetoras Tributárias, (…), os seguintes elementos e esclarecimentos:
-Elementos documentais que justifiquem quais os concretos meios financeiros que afetou à realização dos suprimentos, com apresentação de cópia de todos os extratos bancários desde 2012-01-01 a 2012-12-31, que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para a realização desses suprimentos.
--Elementos documentais que demonstrem a proveniência inequívoca daqueles montantes, por forma a que, se possa estabelecer o nexo de casualidade entre os rendimentos e a sua efetiva aplicação na operação a justificar (suprimentos).
(…)»;
3) Por requerimento entrado na Direcção de Finanças de Aveiro em 24-10-2016, veio a ora recorrente pronunciar-se nos termos que constam de fls. 172 a 177 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
4) Em 24-11-2016, foi remetido aos sujeitos passivos JNG e MFMCN o ofício n.º 8210130, tendo em vista a notificação destes para os termos referidos em 2), mas desta feita relativamente aos suprimentos não justificados no valor de € 3.290.451,13, referente às demais sociedades a que JNG tem ligações, nas quais se inclui a sociedade “CCP, LDA.” – cfr. resulta de fls. 66 do processo físico;
5) A notificação mencionada no ponto anterior veio devolvida com a menção de “objeto não reclamado” – cfr. resulta de fls. 66vº do processo físico;
6) Em 07-09-2017 foram expedidos os ofícios n.º 8205581 e 8205582, remetidos, respectivamente, para JNG e MFMCN, ambos dirigidos para a Rua Doutor L… - 3810-100 Aveiro, para notificação de que, no prazo de 15 dias poderão, querendo, exercer o direito de audição prévia quanto ao projecto de relatório de inspecção – cfr. fls. 117, 118, 123 e 124 do processo físico;
7) As notificações mencionadas no ponto anterior foram devolvidas com a indicação de “objeto não reclamado” – cfr. fls. 75vº “in fine” do processo físico;
8) Em 26-09-2017, foi elaborado o RIT constante de fls. 56 a 76 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, donde se destaca o seguinte:
«(…)
II.4.2 Análises efetuadas para o S.P.
O sujeito passivo JNG (doravante designado por JN), NIF 1…55, esteve coletado na atividade registada com a CAE “68100” correspondente a “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” até 2001-05-24.
Assim, no ano em análise (2012) não se encontra registado para o exercício de qualquer atividade de natureza industrial, comercial ou agrícola.
O agregado familiar constituído por JN, NIF 1…55, sujeito passivo A e MFMCN (doravante designada por MN), NIF 1…36, sujeito passivo B, no estado civil de casados, apresentaram em 2013-05-31, a declaração Mod.3 IRS/2012, donde resultou a declaração de rendimentos líquidos para aquele ano no valor de € 45.806,22, conforme se demonstra.
Rend. GlobalDeduçãoRend. Líquido
Cat. A 15.383,16 8.208,00 7.175,16
Cat. F 38.631,66 0,00 38.631,66
Total 54.014,82 8.208,00 45.806,82
(…)
II.5. DILIGÊNCIAS JUNTO DO SUJEITO PASSIVO
Em 2016-09-09 foi remetida via postal, carta aviso, através do ofício nº 8207799, onde se comunica aos sujeitos passivos que nos termos da al. l) do n.º 3 do art.º 59.º da LGT e do art.º 49.º do RCPITA, que a muito curto prazo iria ser dado início um procedimento inspectivo.
A carta aviso veio devolvida e, 2016-09-23, com a indicação de “Objeto não reclamado”.
A 26 de setembro de 2016, deslocámo-nos ao domicílio fiscal dos sujeitos passivos, onde, nos foi informado por parte de vizinhos, que JN não se encontrava no país, referindo, no entanto, que a sua esposa possuía um cabeleireiro em Aveiro.
Em 27 de setembro de 2016, na sede da empresa NC LDA, e após várias deslocações ao local naquele dia, MN, sujeito passivo B, assinou a ordem de serviço, OI201602108, tendo também sido notificada pessoalmente … [nos termos do referido em 2) da matéria assente]
(…)
Em resposta à referida notificação, em 24 de outubro de 2016 foi apresentada exposição (anexo 2) em nome MN (a que correspondeu a entrada n.º E003426145), referindo que, a própria e o marido, durante o ano de 2012 “não residiam no território português”, pois ambos emigraram para a Venezuela no final da década de sessenta e desde aí apenas se deslocavam a Portugal para visitas a familiares e por negócios, não permanecendo no país mais de dois ou três meses por ano.
Também foi mencionado que, o sujeito passivo JN é empresário da indústria da panificação e da construção civil na Venezuela, o que lhe permitiu acumular poupanças no BANIF e CGD.
(…) Juntou ainda alguns extratos bancários (…)
(…)
Após análise aos elementos apresentados foi possível concluir o seguinte:
- Da consulta ao sistema informático da AT, em momento algum, os sujeitos passivos constam como não residentes em território nacional.
- Não obstante, os sujeitos passivos apresentaram a sua declaração de rendimentos do ano em análise como residentes em território nacional, conforme se verifica no “print” que se apresenta:
(…)
- Também foram analisadas as declarações Mod.3 IRS de anos anteriores (2002 a 2011) respeitantes à residência fiscal e verificou-se que, em todos aqueles anos os sujeitos passivos sempre apresentaram as suas declarações de rendimentos (IRS) como residentes em Portugal (continente).
- Não é crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, porquanto JN é gerente e administrador de um conjunto bastante alargado de sociedades.
(…)
II.6. LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO
(…)
II.6.5.2. Banif
(…)
CCP
Na data-valor de 2012-01-15, ocorre uma saída da conta 9…107…710 para a conta 7…025…710 (ambas do sujeito passivo) do montante de €1.700.000,00 que de seguida é transferido para a conta nº 7…021…710 da sociedade CCP, que serviu para efetuar suprimentos àquela sociedade e que se considera devidamente justificado, pois foi possível estabelecer uma relação causa/efeito entre os referidos movimentos financeiros.
Atendendo ao anteriormente exposto, os montantes dos suprimentos efetuados a esta entidade ainda não justificados ascendem a €846.161,33 (2.546.161,33 – 1.700.000,00).
Em 2012-02-09 foi descontado cheque nº 5…724 do Banif na conta 7…025…710 do sujeito passivo, emitido à sociedade CCP, no valor de €75.000,00, correspondendo a suprimentos conforme consta na conta SNC respetiva. Considerando que, na mesma data, ocorre uma entrada na conta do montante de €76.444,80 cuja origem é desconhecida, não se considera justificado este suprimento efetuado, pois não é possível estabelecer uma relação direta e inequívoca entre o rendimento e a despesa realizada.
Na data-valor 2012-05-02, também proveniente da liquidação de depósito a prazo, constata-se a saída de €619.335,35 da conta 9…107…710 e entrada na conta 7…025…710 (ambas do sujeito passivo), e posteriormente na mesma data saída daquele montante para a realização de suprimentos na empresa CCP (conta 7…021…710).
Desta forma, este valor é considerado justificado, pois foi possível estabelecer o nexo de causalidade entre os rendimentos e a sua efetiva utilização a título de suprimentos efetuados a esta sociedade, ficando ainda por justificar o valor de €226.825,98 (846.161,33 – 619.335,35).
Na data-valor 2012-11-23 e também fruto da mobilização de um depósito a prazo, é realizada a transferência da conta 9…075…710 para a conta 7…025…710 (ambas do sujeito passivo) no valor de €597.541,89. Este montante, é depois na mesma data, transferido para várias contas, conforme descrito no extrato integrado nº 120.
Contudo, pela análise às contas de sócios das entidades S… e CCP, verificou-se que, aquele montante foi distribuído por ambas as sociedades (S… - €541.074,91 …; CCP - €56.466,98) que se consideram devidamente justificados, pois fica demonstrado a origem dos rendimentos e a respetiva despesa (suprimentos).
Assim, atendendo a todo o exposto, o montante de suprimentos efetuados à sociedade CCP ainda não justificados ascende a €170.359,00 (226.825,98 – 56.466,98).
(…)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Nos termos da al. d) do nº 1 do art.º 87º da LGT, a avaliação indireta pode efetuar-se no caso de “os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
De acordo com o nº 1 do art.º 89º-A também da LGT, a avaliação indireta será efetuada se, o rendimento líquido declarado mostrar uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
Dispõe ainda a al. f) do nº 1 do art.º 87º do mesmo diploma legal que, a avaliação indireta pode efetuar-se no caso de “acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
O n.º 2 desse artigo refere ainda que “no caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do número anterior, a avaliação indireta deve ser efetuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A.”
No caso em apreço, verificam-se ambos os pressupostos, i.e., uma desproporção superior a 30%, para menos, entre os rendimentos líquidos declarados e o rendimento padrão previsto no n.º 4 do artigo 89.º-A e a existência de um acréscimo de despesa efetuada superior a €100.000,00.
Ora, verifica-se estarem reunidas as condições legais para, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 5 do art.º 89.º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento líquido da categoria G – Incrementos Patrimoniais, para o ano de 2012, nos termos da al. d) do nº 1 e nº 3 do art.º 9º do CIRS.
Contudo, conforme dispõe o nº 3 do art.º 89º-A da LGT, para obstar ao procedimento de fixação da matéria coletável, os sujeitos passivos podem fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da despesa efetuada a título de suprimentos.
Ou seja, perante indícios da existência de um tipo de manifestações de fortuna previstos na lei, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimento sujeito a declaração em sede de IRS, não bastando ao sujeito passivo demonstrar que tem meios financeiros capazes de lhe permitir realizar aquelas despesas.
Nestes termos e conforme já mencionado, os sujeitos passivos foram notificados para que, demonstrassem quais os concretos meios financeiros afetos à realização dos suprimentos, com apresentação de cópia de extratos bancários que evidenciassem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para a realização daquelas despesas.
Através da análise às exposições apresentadas pelo sujeito passivo e respetiva documentação de suporte, bem como as informações remetidas pelas diversas entidades bancárias, verificou-se que não foram justificados na íntegra a totalidade dos suprimentos efetuados como lhes competia.
Por tudo quanto foi exposto, cabendo aos sujeitos passivos, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 89.º-A da LGT, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada, não sujeitos a declaração tributária, e não tendo procedido a tal prova, estamos perante uma divergência não justificada entre rendimentos declarados e acréscimos patrimoniais evidenciados, legitimadora de tributação por via de avaliação indireta nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 87º da LGT.
De acordo com o nº 11 do art.º 89.º-A da LGT “a avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do art.º 87º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos”.
Conforme o disposto na al. c) do nº 1 do art.º 63º-B da LGT “a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, …, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos… c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º.”
No seguimento da autorização da derrogação do sigilo bancário por parte da Srª Diretora Geral da AT, foram solicitados às instituições bancárias, no âmbito do dever de colaboração, extratos das contas bancárias indicadas e tituladas em nome dos sujeitos passivos (…).
Nesta medida, atendendo aos elementos remetidos pelas várias instituições financeiras, ainda foi possível apurar rendimentos provenientes das contas bancárias com destino às sociedades onde JN era sócio. Pela análise aos respetivos extratos, e confirmando-se a existência de saldo suficiente para suportar os suprimentos efetuados, foram alguns dos suprimentos considerados justificados, conforme já foi abordado.
Assim, tendo em conta tudo o que já foi exposto, pode-se resumir a situação nos seguintes itens:
-No ano de 2012 os sujeitos passivos declararam na declaração Mod.3 de IRS, rendimentos líquidos no valor de €45.806,82.
-No mesmo ano e conforme anteriormente demonstrado, o sujeito passivo JN efetuou suprimentos a várias sociedades que a seguir se apresentam:
NIFNOMESUPRIMENTOS
5…59 N E C, LDA 1.950,00
5…94 NC LDA 650,00
5…91 N & F LDA 86.682,45
5…49 NII LDA 4.043,56
9…27 J E JMOB 1.397,81
5…29 SIII, S.A. 214.100,00
5…34 SSI SA 2.306.340,89
5…01 CCP LDA 2.756.461,33
Total 5.371.626,04

-O montante dos suprimentos efetuados e não justificados ascende a €295.976,06, conforme se demonstra:
S.P. SSI SA CCP LDA SIII, S.A. N & F LDA NII LDA J E JMOB N E C LDA NC LDA TOTAIS
NIF 5…34 5…01 5…29 5…91 5…49 9…27 5…59 5…94
Suprimentos Totais (1) 2.306.340,89 2.756.461,33 214.100,00 86.682,45 4.043,56 1.397,81 1.950,00 650,00 5.371.626,04
Suprim. Justificados (2) 2.235.574,91 2.586.102,33 174522,74 75.950,00 2.500,00 1.000,00 0,00 0 5.075.649,98
Suprim. Não Justificados (1-2) 70.765,98 170.359,00 39.577,26 10.732,45 1.543,56 397,81 1.950,00 650,00 295.976,06
Conclui-se portanto que, face às divergências não justificadas quando comparadas com os rendimentos declarados, estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta, previstos na al. f) do nº 1 do art.º 87º da LGT, de maneira a ser determinado o rendimento tributável dos sujeitos passivos para o ano de 2012.
Em conformidade com o disposto na alínea d) do número 2 do artigo 75.º da LGT, a presunção de veracidade da declaração do contribuinte para o exercício de 2012, é pois afastada.
A existência de divergência não justificada entre os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e constante da declaração de rendimentos – IRS – Mod. 3 e o acréscimo de património de valor superior a € 100.000,00 no exercício em análise, constituindo pressuposto do recurso à avaliação indireta, de acordo com o disposto na alínea f) n.º 1 do artigo 87.º da LGT, são os referidos acréscimos patrimoniais de tributar pelas regras da categoria «G» do IRS, previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS – Acréscimos patrimoniais não justificados.
V. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
Dispõe a al. a) do nº 5 do art.º 89º-A da LGT, que para efeitos da aplicação da al. f) do nº 1 do art.º 87º também da LGT, «Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existem indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;”
Por sua vez a al. b) do mesmo normativo, estabelece que “os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifesta a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada.”.
Tendo em conta o exposto no capítulo anterior, o rendimento tributável em sede de IRS do ano de 2012, apurado com recurso à avaliação indireta, considerado como incrementos patrimoniais (rendimento de categoria G de IRS) nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, corresponde à diferença entre o acréscimo de património / despesas (suprimentos efetuados) e os rendimentos líquidos declarados pelos sujeitos passivos no mesmo período de tributação:
DescriçãoValor
Acréscimo de património / despesa (suprimentos efetuados) A €295.976,06
Rendimento líquido (coletável) declarado B € 45.806,82
Incrementos patrimoniais não justificados (Categoria G) C=A-B € 250.169,24
Por se tratar de acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, de valor superior a €100.000,00, são tributados à taxa de 60% prevista no nº 11 do art.º 72.º do CIRS, resultando daqui imposto em falta no montante de €150.101,64 (€250.169,24 * 60%).
Assim, e aos rendimentos declarados pelos sujeitos passivos, serão acrescentados os incrementos patrimoniais anteriormente apurados, procedendo-se à fixação do rendimento coletável total conforme se segue:
Rend. GlobalDeduçãoRend. Líquido
Cat. A 15.383,16 8.208,00 7.175,16
Cat. F 38.631,66 0,00 38.631,66
Cat. G 250.169,24 0,00 250.169,24
Total 54.014,82 8.208,00 295.976,06
(…)» - cfr. fls. 56 a 76 do processo físico;
9) Sobre o RIT anterior recaiu pareceres e despacho concordantes – cfr. fls. 56 57 do processo físico;
10) Em 02-10-2017 foi elaborado pelo Director de Finanças o “Documento de Fixação/Alteração”, fixando o conjunto dos rendimentos líquidos em sede de IRS aos contribuintes JNG e mulher MFMCN o montante de € 295.976,06 – cfr. fls. 55 do processo físico;
11) Em 17-10-2017 foi emitido o ofício n.º 8206408, dirigido a MFMCN e JNG, expedido sob registo postal com Aviso de Recepção [RH065595652PT], com o Assunto “2ª NOTIFICAÇÃO DO RELATORIO DE INSPEÇÃO TRIBUTARIA – ARTº 62º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTARIA E ADUANEIRA (RCPITA)”, para notificação de que foram fixados, em sede de IRS, o conjunto dos rendimentos líquidos dos contribuintes acima referenciados em € 295.976,09 – cfr. fls. 54 do processo físico;
12) Em 30-10-2017 foi apresentada neste TAF a presente acção – cfr. resulta de fls. 1 e 2 do processo físico;
MAIS SE PROVOU QUE:
13) Na década de sessenta do século passado, JNG, primeiro e a ora recorrente, cerca de três anos mais tarde, emigraram para a Venezuela, tendo, desde então, passado a aí residir, tendo o JNG adquirido nacionalidade venezuelana – cfr. depoimento das testemunhas MEGM [que inclusivamente disse ter nascido na Venezuela e vindo para Portugal com cerca de 12 anos de idade, ficando, a partir de então, ao cuidado da sua avó] e JMCS, conjugados com os documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico, mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 e do documento n.º 7 junto com a PI a fls. 31 [todos esses documentos dão conta que a ora recorrente e o seu marido residiam em no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela];
14) Desde essa altura, a ora recorrente e o seu marido só se deslocaram a Portugal para visitar familiares e para acompanhar e concretizar alguns negócios, nunca permanecendo em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias – cfr. depoimento da testemunha MEGM, conjugado com o documento junto a fls. 224 e 224vº do processo físico [cópia do passaporte da ora recorrente que dá conta que aquela não esteve ausente da Venezuela por período superior a 183 dias];
15) Em 2012, a ora recorrente e o seu marido ainda residiam na Venezuela – cfr. depoimento das testemunhas MEGM e JMCS, conjugados com os documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico [atestado de residência na Venezuela à data de 10-05-2012], mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 [extracto bancário da conta n.º 9…90, titulada por JNG no BANIF, referente à data de 30-12-2011, o qual foi dirigido para a sua residência na Venezuela], do documento junto a fls. 221 a 223 do processo físico [declaração de rendimentos apresentada por JNG na Venezuela em 26-03-2013, referente ao ano de 2012] e do documento de fls. 224 e 224vº do processo físico [cópia de passaporte da ora recorrente, do qual consta, por referência ao ano de 2012, que aquela entrou na Venezuela no dia 5 de Janeiro e saiu em 11 de Agosto desse ano];
16) Na Venezuela, JNG começou por trabalhar na área da construção civil, primeiro por conta de outrem e depois por conta própria, tendo a seguir passado a trabalhar num supermercado, como talhante e mais tarde adquirido um supermercado – cfr. depoimento da testemunha MEGM;
17) Actualmente o sujeito passivo JNG ainda reside na Venezuela, tendo negócios na área da panificação, restauração [supermercados] e importação de bens [para revenda ou para venda nos seus supermercados] – cfr. depoimento da testemunha MEGM;
18) Já a ora recorrente regressou a Portugal há cerca de 2/3 anos, para cuidar da sua mãe, a qual padece da doença de Parkinson – cfr. depoimento da testemunha MEGM;
19) O sujeito passivo JNG e a ora recorrente tinham contas para emigrantes abertas, designadamente no BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., onde depositavam os rendimentos auferidos na Venezuela – cfr. depoimento da testemunha MEGM;
20) Numa dessas contas, concretamente a conta bancária n.º 9…10, à data de 30-11-2011, apresentava depósitos à ordem no montante de € 4.317.954,06 e títulos no valor de € 15.090,16, perfazendo um saldo na quantia global de € 4.333.044,22 – cfr. documento n.º 3, junto com a PI, constante de fls. 27 do processo físico;
21) Com data-valor de 31-07-2012 foi transferido da conta bancária n.º 9…107…710, titulada por JNG a quantia de € 101.325,00 para a conta n.º 7…252…710, também titulada pelo mesmo – cfr. extracto bancário junto com a PI, sob o documento n.º 2, a fls. 26 do processo físico;
22) Nesse mesmo dia 31-07-2012 foi transferida da conta bancária n.º 7…025…710, titulada pelo contribuinte JNG a quantia de € 101.325,00, sob o documento n.º 3808338, com destino a várias contas, sendo uma delas a conta n.º 7…021…835, da sociedade “CCP, LDA.”, respeitante à quantia de € 63.359,00 – cfr. extractos bancários juntos com a PI, sob os documentos n.º 1 e 2, a fls. 25 e 26 do processo físico;
23) JNG procedeu à venda ao BANIF, S.A. de um cheque no montante de cem mil dólares americanos por si emitido sobre uma conta aberta no Banco Excel Bank, encontrando-se a mesma reflectida na conta bancária n.º 7…025…710, titulada pelo sujeito passivo JNG, no montante de € 76.444,80 [data-valor 09-02-2012] – cfr. documento n.º 5 e 6 junto com a PI, constante de fls. 29 e 30 do processo físico;
24) Nesse mesmo dia 09-02-2012, o sujeito passivo JNG emitiu o cheque n.º 5…724, à ordem da sociedade “CCP, LDA.”, respeitante à quantia de € 75.000,00, quantia essa que saiu da conta n.º 7…025…710 – cfr. documentos n.º 4 e 5 junto com a PI, constante de fls. 28 e 29 do processo físico.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
*
O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos ao processo físico, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, particularmente a primeira [EMGM] que, sendo filha da ora recorrente e de JNG, tem um conhecimento privilegiado da vida daqueles.
Tal testemunha depôs de forma convincente, demonstrando ter conhecimento directo sobre o que está em discussão neste processo, sendo o seu depoimento congruente com a demais prova produzida [quer a testemunhal – depoimento da testemunha JMCS, quer a documental], razão pela qual o seu depoimento foi considerado digno de crédito, pese embora os laços familiares que a unem à recorrente e ao marido desta [seus pais].
Quanto ao depoimento da testemunha JMCS, cumpre referir que a mesma esteve emigrada na Venezuela por mais de 30 anos, tendo regressado a Portugal em 2013, tendo afirmado que conheceu NG e a ora recorrente, há cerca de 42 anos, na Venezuela, de quem se tornou amiga, confraternizando uns com os outros cerca de dez vezes por ano, na Venezuela.
Disse, ainda, que no ano de 2012 aqueles ainda residiam na Venezuela, afirmando que sabe que o Sr. JN ainda hoje lá reside, sendo que a ora recorrente regressou a Portugal porque a sua mãe estava muito mal.
O seu depoimento veio corroborar quer os documentos já juntos aos autos, quer o depoimento da testemunha EMGM, no que concerne à emigração e residência na Venezuela da ora recorrente e do seu marido, pelo menos, até 2012, inclusivamente, sendo digno de crédito.
Já o depoimento da testemunha MJV, de concreto apenas disse que, habitualmente, em Agosto o Sr. JNG ia visitar o stand M…, em Aveiro, onde o depoente trabalhava, sendo que lhe foi dito que aquele residia na Venezuela.
Considerando que apenas sabe que o marido da recorrente residia na Venezuela, por este ou outras pessoas lhe disseram, tal depoimento não tem qualquer relevo para a decisão da causa.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente começa por dizer que resulta dos autos que no âmbito da resposta ao recurso suscitou que os documentos 10 e 11 (certificados de residência) carreados pela Recorrida, na medida em que consubstanciavam documentos emitidos por entidades estrangeiras (Governacion del Estado Lara), deveriam ter sido objecto de apostila, nos termos da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, de 1961.10.05 (Decreto-Lei 48.450, de 1968.06.24), formalidade que não se verificou, sendo que o Tribunal a quo omitiu pronúncia e não conheceu da questão referente à legalização dos documentos estrangeiros carreados para os autos pela Recorrida e pelo marido, e muito menos se pronunciou acerca da questão suscitada pela Recorrente, tanto mais que, tal questão não era despicienda, porquanto, a Recorrente impugnou sempre os factos que a Recorrida pretendia demonstrar com os aludidos documentos e a Recorrente desconhece a razão ou razões de índole legal, jurisprudencial e/ou doutrinal que aparentemente justificam, por um lado, a inobservância da já citada Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros, e, por outro, a admissão sem qualquer reserva dos Documentos 10 e 11 juntos à p.i. e a sua valoração pelo Tribunal a quo, ou seja, a douta sentença omitiu pronúncia quanto à questão referente à legalização dos documentos estrangeiros, e no facto de os mesmos não conterem apostila e tendo sido omitida pronuncia sobre questões que o juiz devia apreciar, é peremptório que a sentença é nula, por violação do disposto no Art.º 608.º, nº 2, do CPC e do Art.º 125.º n.º 1 do CPPT.
Por outro lado, no âmbito da prova carreada pelo Recorrente ao longo do procedimento inspectivo de que a Recorrida e o marido eram residentes em Portugal, aquilatou a douta sentença que “- Da consulta ao sistema informático da AT, em momento algum, os sujeitos passivos constam como não residentes em território nacional. – Não obstante, os sujeitos passivos apresentaram a sua declaração de rendimentos do ano em análise como residentes em território nacional, (…) - Também foram analisadas as declarações Mod. 3 IRS de anos anteriores (2002 a 2011) respeitantes à residência fiscal e verificou-se que, em todos aqueles anos os sujeitos passivos sempre apresentaram as suas declarações de rendimentos (IRS) como residentes em Portugal (continente)- Não é crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, porquanto JN é gerente e administrador de um conjunto bastante alagado de sociedades”.
Destarte, a sentença é nula por não especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, uma vez que a Recorrente carreou todo um manancial de prova e de fundamentos de facto que não foi especificada na sentença, não tendo sido levados na sua totalidade ao probatório, pois que, apurou-se que o marido da Recorrida, esteve colectado em Portugal na actividade registada com a CAE “68100” correspondente a “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” até 2001.05.24, não se encontrando no ano em questão (2012) registado para o exercício de qualquer actividade de natureza industrial, comercial ou agrícola, e que análise das aplicações informáticas do património, de que a Recorrida e o marido eram proprietários de 55 prédios de valor patrimonial tributário total de € 2.760.345,88 no ano de 2012, e à data de consulta – 2017.08.07 – e possuíam 35 imóveis de valor patrimonial tributário no valor de € 896.970,44 factos que não foram especificados, e muito menos relevados na fundamentação de facto e foi ainda carreado que a Recorrida e o marido eram proprietários de vários imóveis, entre eles, casa de habitação localizada em “Rua P… – F…”, que aquando deslocação de técnicos da Direcção de Finanças de Aveiro àquela morada, foi identificada por parte de vizinhos como a moradia da família N…, facto que nunca foi especificado na sentença, nem levado ao probatório, não tendo sido valorado na fundamentação de facto e da consulta ao sistema informático “Gestão de Pedidos de Isenção CA", verificou-se a existência de isenção de contribuição autárquica do referido imóvel, tal como se verificou a existência de isenção de contribuição autárquica para outro prédio urbano, localizado em Av. J… - GN, ambos pertencentes à Recorrida e ao marido, tendo-se ainda aferido que, à data dos pedidos de isenção efectuados em 2003, por motivos da “poupança-emigrante”, a Recorrida e o marido tinham os seus domicílios fiscais localizados em Portugal (F…), detendo uma habitação destinada a sua residência, sendo residentes em Portugal, facto esse que não foi especificado, nem levado à fundamentação da matéria de facto, logo, a fundamentação da sentença que procede à rejeição da prova carreada pela Recorrente apenas e somente com base na consulta das declarações de rendimento e com o facto de não ser crível que apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, atendendo às responsabilidades assumidas, pelo marido da Recorrente na administração das empresas, sem que para o efeito tivesse especificado e valorado os factos, na sua totalidade que atestavam a residência da Recorrida e do marido em território nacional, é nula por não especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na medida em que, assentando o segmento decisório da sentença no pressuposto que à data dos factos não era aplicável o regime do art.º 89-A da LGT, por a Recorrida e do marido não serem residentes em Portugal, impunha-se que tivesse fundamentado e especificado de que modo toda a prova que demonstrava o inverso, não corroborava que a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal, ou seja, a sentença não especificou nem fundamentou a decisão com base em todos os factos carreados pela Recorrente e a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o Art.º 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no Art.º 659º, nº 3 do CPC.
Ora, a sentença não especificou nem fundamentou com base em todos os factos que foram colhidos pela Recorrente, e que demonstravam que a Recorrida e o marido, eram residentes em Portugal, à data dos factos, pelo que a sentença padece da nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão a que alude o disposto no Art.º 125.º nº 1 do CPPT, sendo que entendeu a sentença recorrida com base na prova testemunhal e “(…) nos documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico, mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 e do documento n.º 7 junto com a PI a fls. 31 [todos esses documentos dão conta que a ora recorrente e o seu marido residiam em no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela].
Conforme entendimento doutrina e jurisprudencial a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, abrangendo tal nulidade tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo Art.º 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no Art.º 607º, nº 4 do CPC, isto é, exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida, verificando-se que o Tribunal a quo entendeu com base nos documentos n.º 10, 11, 3 e 7, que a Recorrida e o marido residiam no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela, destarte, importa referir que a Recorrida e o marido, foram ao longo do processo carreando mais prova com vista a demonstrar a residência na Venezuela à data dos factos, à medida que a Recorrente refutava e impugnava o seu valor probatório.
No que respeita ao DOCUMENTO N.º 7 sobre o qual a sentença se escorou a sua fundamentação, a Recorrente impugnou desde logo, o seu valor probatório, porquanto, o mesmo consistia num passaporte em nome de JN, o qual tinha como data de validade 20.12.1995, tendo o mesmo sido objecto de renovação efectuada em 20.12.2000, e posteriormente, em 20.12.2005, não demonstrando que relativamente ao ano em causa – 2012 – a Recorrida e o marido não eram residentes em território nacional.
Acresce que, a sentença não procedeu a qualquer análise crítica dos documentos juntos pela Recorrida e o marido, com vista a atestar que eram ambos assistentes administrativos na AP, com sede na CALLE PUERTO CABELLO, pois, como a Recorrente demonstrou, a distância entre o suposto local de residência e o suposto local de trabalho da Recorrida e do marido era de 232 km, percurso este com uma duração de 2 horas e 55 minutos, sendo claramente inverosímil e desafiando a lógica mundana que um casal desempenhe funções numa empresa a mais de 230 km da sua residência familiar, ou seja, a sentença absteve-se por completo de fazer uma análise crítica dos documentos apresentados, bem como do seu valor probatório limitando-se a extrapolar que tais documentos demonstravam que a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal no ano dos factos – 2012, sendo residentes na Venezuela e também quanto aos documentos N.º 10 e 11, a Recorrente para além de ter suscitado que tais documentos não continham, referiu ainda que tais documentos não consubstanciam certificados de residência na Venezuela, na medida em, não indicavam qual a residência que a Recorrida tinha na Venezuela, não fazendo qualquer referência a um período específico, limitando-se os mesmos a declarar que segundo os testemunhos de ARM Y ZG, que conhecem a Recorrida e JN, de vista trato e comunicação, todavia a sentença, não procedeu a qualquer análise crítica dos documentos, limitando-se a admitir o seu valor probatório sem que sobre estes recaísse qualquer posição crítica, ou que demonstrasse que os mesmos eram idóneos a demonstrar os factos que pretendiam e quanto à declaração de rendimentos referente ao ano de 2012 entregue na Venezuela pelo marido da Recorrida, e que foi amplamente valorada pelo Tribunal a quo, pese embora não ter tecido qualquer análise crítica acerca do seu conteúdo ou das questões suscitadas pela Recorrente limitando-se a dar como idóneo o seu valor probatório no sentido demonstrar a residência na Venezuela, a Recorrente suscitou que a declaração de rendimentos com base Certificado Electrónico, apenas atesta a recepção da declaração por parte da Administração Tributária da Venezuela, não atestando, que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, não tendo sido junta a liquidação de imposto ou qualquer outro documento de demonstrasse de forma inequívoca de que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
De igual forma, o passaporte que foi posteriormente carreado pela Recorrida e o marido, não demonstra como entendeu a sentença que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, na medida em que o documento junto e valorado pelo Tribunal a quo não é a cópia integral do passaporte, mas apenas de uma folha de rosto (pag. 3) e posteriormente os carimbos de entrada e saída na Venezuela (pag. 9), desconhecendo-se desde logo, se a pag n.º 9 correspondente ao passaporte em questão, não tendo sido integralmente fotocopiado tendo apenas sido impressas apenas duas páginas do mesmo, insuficiente para poder não demonstrar como anuiu a sentença que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela em 2012.
Neste desiderato, a sentença é nula ao ter procedido ao exame crítico das provas (acerca do exame crítico das provas refere PEREIRA BAPTISTA cfr. PEREIRA BAPTISTA in Reforma do Processo Civil 1997 páginas 90 e seguintes; ABRANTES GERALDES in "Temas da Reforma do Processo Civil" II Volume 2ª edição páginas. 253 a 256 e ao nível da jurisprudência cfr. Acórdão do Tribuna! Central Administrativo Norte n.° 409/06.6BEPNF,de 27 de Fevereiro de 2014; e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 00565/07 de 11 de Fevereiro de 2016) e o Tribunal a quo, não procedeu à análise crítica dos documentos, mormente carreados pela Recorrida, na medida que se tivesse procedido à sua análise crítica nunca concluiria como concluiu que os aludidos documentos demonstravam que a Recorrida e o marido eram residentes à data dos factos – 2012 - na Venezuela, o que impõe que se reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida por violação dos Art.º 123,°, n.° 2 e 125.°, n.° l, do CPPT, tudo com as demais consequências legais.
Em relação ao primeiro elemento referido, importa notar que segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Pois bem, considerando a matéria em apreço, não existe qualquer elemento susceptível de suportar o exposto pela Recorrente ao nível da invocada nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que a decisão recorrida produziu a sua análise sobre a matéria suscitada nos autos, sendo que em relação à questão apontada com referência à relevância de determinados elementos de prova, sem prejuízo de a avaliação do Tribunal poder, isso sim, estar inquinada de erro, não pode fundamentar, de maneira nenhuma, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Quanto ao segundo elemento referido, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 06-05-2015, Proc. nº 1340/14, www.dgsi.pt -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
A razão da exigência de indicação da matéria de facto não provada, além da provada, que não aparece no então art. 659º nº 2 do C. Proc. Civil, está em que, no contencioso tributário, não há lugar à decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil - art. 653º nº 2 -, em que se exige a indicação dos “factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados”, sendo que no contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontada, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, tendo-se consignado, além do mais, que “Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
*
O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos ao processo físico, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, particularmente a primeira [EMGM] que, sendo filha da ora recorrente e de JNG, tem um conhecimento privilegiado da vida daqueles.
Tal testemunha depôs de forma convincente, demonstrando ter conhecimento directo sobre o que está em discussão neste processo, sendo o seu depoimento congruente com a demais prova produzida [quer a testemunhal – depoimento da testemunha JMCS, quer a documental], razão pela qual o seu depoimento foi considerado digno de crédito, pese embora os laços familiares que a unem à recorrente e ao marido desta [seus pais].
Quanto ao depoimento da testemunha JMCS, cumpre referir que a mesma esteve emigrada na Venezuela por mais de 30 anos, tendo regressado a Portugal em 2013, tendo afirmado que conheceu JNG e a ora recorrente, há cerca de 42 anos, na Venezuela, de quem se tornou amiga, confraternizando uns com os outros cerca de dez vezes por ano, na Venezuela.
Disse, ainda, que no ano de 2012 aqueles ainda residiam na Venezuela, afirmando que sabe que o Sr. JN ainda hoje lá reside, sendo que a ora recorrente regressou a Portugal porque a sua mãe estava muito mal.
O seu depoimento veio corroborar quer os documentos já juntos aos autos, quer o depoimento da testemunha EMGM, no que concerne à emigração e residência na Venezuela da ora recorrente e do seu marido, pelo menos, até 2012, inclusivamente, sendo digno de crédito.
Já o depoimento da testemunha MJV, de concreto apenas disse que, habitualmente, em Agosto o Sr. JNG ia visitar o stand M…, em Aveiro, onde o depoente trabalhava, sendo que lhe foi dito que aquele residia na Venezuela.
Considerando que apenas sabe que o marido da recorrente residia na Venezuela, por este ou outras pessoas lhe disseram, tal depoimento não tem qualquer relevo para a decisão da causa.”.
Assim sendo, considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a enunciada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, a matéria apontada pela Recorrente terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica dessas mesmas provas, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto, não podendo suportar a invocada nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 640º do C. Proc. Civil, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no aludido art. 640º do C. Proc. Civil, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 640º do C. Proc. Civil.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 607º do C. Proc. Civil, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Num primeiro momento, a Recorrente insiste em colocar em crise a valoração dos documentos N.º 10 e 11, sob os quais o tribunal a quo escorou a sua fundamentação por tais documentos não conterem a apostila.
Sobre este elemento, importa ter presente que o art. 365º do C. Civil aponta que:
“1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.
2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.”.
Por outro lado, o art. 440º do C. Proc. Civil dispõe que:
“1 - Sem prejuízo do que se encontra estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respetivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respetivo.
2 - Se os documentos particulares lavrados fora de Portugal estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no número anterior.”
No domínio da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 a legalização do documento faz-se através da aposição duma apostilha pela entidade pública que o Estado de origem para o efeito tenha designado.
Em anotação ao art. 365º do Código Civil explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento.» (Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed, pág. 324).
Também a este respeito escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: “A legalização não é indispensável para que o documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal.
O art. 365º do C. Civil confere a tal documento, seja autêntico seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização nos termos do art. 540º).” (Código de Processo Civil anotado, Vol. II, 2ª ed, pág. 474).
Com este pano de fundo, não pode acompanhar-se a posição da Recorrente no que diz respeito à consideração de tais documentos, pois que não foi efectivamente preterida qualquer formalidade legal, até porque referir de forma mecânica que “levanta-se desde já a dúvida quanto à sua genuinidade” não equivale à descrição de elementos susceptíveis de levar à afirmação da existência de fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, o que significa que nada impedia o Tribunal a quo de valorar tais documentos como meio de prova.
E quanto à crítica dirigida à valoração dos documentos ponderados pelo Tribunal?
Neste domínio, a Recorrente refere que o tribunal a quo aquilatou que in casu que resulta inequívoco quer da prova documental (atestados de residência; declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo JNG na Venezuela, no ano de 2012; passaporte da recorrente, do qual se vislumbra que, em relação ao ano de 2012, aquela entrou na Venezuela em 5 de Janeiro de 2012 e saiu em 11 de Agosto desse ano e inclusivamente do extracto bancário da conta do BANIF n.º 9…107…710, referente a 30-11-2011, onde consta que a residência de JNG se situa no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela], quer da prova testemunhal [depoimentos das testemunhas MEGM e JMCS], que, no ano de 2012, a Recorrida e o seu marido residiam na Venezuela e não permaneceram em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, não sendo ainda aplicável o disposto no n.º 2 do Art.º 16.º do CIRS, por falta de intenção de habitar em condições de manter e ocupar como residência habitual.
Ora, a sentença escorou a sua fundamentação para prova de que a Recorrida e o marido não eram residentes em território nacional à data dos factos, sendo residentes na Venezuela, pais para onde emigraram nos anos sessenta, com base nos documentos 7 a 11 junto com a p.i. e com base na prova testemunhal, verificando-se que a prova carreada pela Recorrida ao longo de todo o processo, foi sempre carreada no pressuposto de criar verdades alternativas à medida que os documentos iam sendo impugnados pela ora Recorrente e para além disso, importa referir que, tal conduta processual decorrente da junção de documentos ao longo do processo, para além de nunca ter produzido qualquer reparo ou sancionamento por parte do Tribunal a quo, o seu valor probatório foi liminarmente valorado sem que para o efeito o tribunal tivesse procedido a qualquer análise crítica.
Quanto ao DOCUMENTO N.º 7 o mesmo consistia num passaporte em nome de JN, o qual tinha como data de validade 20.12.1995, tendo o mesmo sido objecto de renovação efectuada em 20.12.2000, e posteriormente, em 20.12.2005, não demonstrando que a Recorrida e o marido não eram residentes em território português no ano de 2012, tanto mais que o aludido documento não demonstra que à data dos factos a Recorrida e o marido não eram residentes em Portugal.
O DOCUMENTO N.º 8, padece do mesmo deficit probatório na medida em que, consiste num passaporte Português em nome da Recorrida e de JN destarte, o passaporte da Recorrida tem como data de validade a data de 13.07.2003, ou seja, 9 anos antes dos factos tributários em causa, sendo o carimbo de entrada na Venezuela constante no passaporte da Recorrente é de 14.12.1990, ou seja, 22 anos antes dos factos tributários em causa (2012).
No que concerne ao passaporte do marido da Recorrida, o mesmo tem como data de validade, o dia 12.12.2000, ou seja, 12 anos antes dos factos tributários em causa (2012), e nesse desiderato não demonstra que à data dos factos (2012) a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, não sendo residentes em território nacional.
O DOCUMENTO N.º 9, que se reporta a um passaporte em nome da Recorrida, o mesmo contêm a menção “ANULADO”, para além de que o mesmo foi validado em 21.01.1993, encontrando-se aposto o último carimbo em 05.05.1992.
Quanto aos documentos N.º 10 e 11, sob os quais o tribunal a quo escorou a sua fundamentação e aquilatou que a Recorrida e o marido não eram à data dos factos residentes em território português, para além de tais documentos não conterem a apostila, não consubstanciam certificados de residência na Venezuela, isto porque os mesmos não indicam qual a residência que a Recorrida tinha na Venezuela, não fazendo qualquer referência a um período específico, limitando-se os mesmos a declarar que segundo os testemunhos de ARM Y ZG, que conhecem a Recorrida e JN, de vista trato e comunicação.
Neste desiderato, a sentença labora em manifesto erro de julgamento, porquanto os documentos 10 e 11 sob os quais se escorou com vista a aferir que a Recorrida e o marido não eram residentes na Venezuela, para além de não conterem a apostila, limitam-se a atestar por testemunhas que os conhecem de vista e trato, para além de que não mencionam qualquer morada que a Recorrida e o marido aí possuíssem.
Também no que concerne aos documentos juntos pela Recorrida para prova da residência, no ano em causa, na Venezuela, com vista a atestar que eram ambos assistentes administrativos na AP, com sede na CALLE PUERTO CABELLO, como a Recorrente demonstrou a distância entre o local de residência e o suposto local de trabalho da Recorrida e do marido era de 232 km, percurso este com uma duração de 2 horas e 55 minutos, sendo claramente inverosímil e desafiando a lógica mundana que um casal desempenhe funções numa empresa a mais de 230 km da sua residência familiar, não podendo deixar de causar, no mínimo, estranheza que, ambos tenham iniciado funções exactamente no mesmo período de tempo.
Quanto à declaração de rendimentos referente ao ano de 2012 entregue na Venezuela pelo marido da Recorrida, e que foi amplamente valorada pelo Tribunal a quo, pese embora não ter tecido qualquer análise crítica acerca do seu conteúdo ou das questões suscitadas pela Recorrente limitando-se a dar como idóneo o seu valor probatório no sentido demonstrar a residência na Venezuela, importa referir que também aqui a sentença labora em notório erro, pois, a declaração de rendimentos do Certificado Electrónico, o mesmo apenas e tão somente atesta a recepção da declaração por parte da Administração Tributária da Venezuela, e não atesta, que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
Acresce que, não foi junta a liquidação de imposto ou qualquer outro documento de demonstrasse de forma inequívoca de que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela.
De igual forma, o passaporte que foi posteriormente carreado pela Recorrida e o marido, não demonstra como entendeu a sentença que a Recorrida e o marido, eram residentes na Venezuela, na medida que o documento junto e valorado pelo Tribunal a quo não é a cópia integral do passaporte, mas apenas de uma folha de rosto (pag. 3) e posteriormente os carimbos de entrada e saída na Venezuela (pag. 9), desconhecendo-se desde logo, se a pag n.º 9 correspondente ao passaporte em questão, ou seja, o passaporte não foi integralmente fotocopiado tendo apenas sido impressas apenas duas páginas do mesmo, insuficiente para poder não demonstrar como anuiu a sentença que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela em 2012.
Acresce ainda que, como se refere na pag., n.,º 3 do passaporte, este foi emitido em 14.07.2014 e tem o mesmo número de um outro emitido em 27.11.2003 que foi extraviado, sendo claramente despicienda a conclusão a que chegou a sentença de que o passaporte constituiu documento com valor probatório bastante com vista a determinar que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela.
Em termos essenciais, a realidade em apreço contende com os seguintes elementos do probatório:
“MAIS SE PROVOU QUE:
13) Na década de sessenta do século passado, JNG, primeiro e a ora recorrente, cerca de três anos mais tarde, emigraram para a Venezuela, tendo, desde então, passado a aí residir, tendo o JNG adquirido nacionalidade venezuelana – cfr. depoimento das testemunhas MEGM [que inclusivamente disse ter nascido na Venezuela e vindo para Portugal com cerca de 12 anos de idade, ficando, a partir de então, ao cuidado da sua avó] e JMCS, conjugados com os documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico, mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 e do documento n.º 7 junto com a PI a fls. 31 [todos esses documentos dão conta que a ora recorrente e o seu marido residiam em no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela];
14) Desde essa altura, a ora recorrente e o seu marido só se deslocaram a Portugal para visitar familiares e para acompanhar e concretizar alguns negócios, nunca permanecendo em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias – cfr. depoimento da testemunha MEGM, conjugado com o documento junto a fls. 224 e 224vº do processo físico [cópia do passaporte da ora recorrente que dá conta que aquela não esteve ausente da Venezuela por período superior a 183 dias];
15) Em 2012, a ora recorrente e o seu marido ainda residiam na Venezuela – cfr. depoimento das testemunhas MEGM e JMCS, conjugados com os documentos n.º 10 e 11 juntos com a PI, a fls. 52 e 53 do processo físico [atestado de residência na Venezuela à data de 10-05-2012], mas também do documento n.º 3 junto com a PI, a fls. 27 [extracto bancário da conta n.º 9…107…190, titulada por JNG no BANIF, referente à data de 30-12-2011, o qual foi dirigido para a sua residência na Venezuela], do documento junto a fls. 221 a 223 do processo físico [declaração de rendimentos apresentada por JNG na Venezuela em 26-03-2013, referente ao ano de 2012] e do documento de fls. 224 e 224vº do processo físico [cópia de passaporte da ora recorrente, do qual consta, por referência ao ano de 2012, que aquela entrou na Venezuela no dia 5 de Janeiro e saiu em 11 de Agosto desse ano]; “.
Pois bem, no que concerne aos documentos nºs 7 e 8 os mesmos visam essencialmente comprovar a ligação da Recorrida e marido à Venezuela nos termos descritos no ponto 13) do probatório, não tendo qualquer sentido a crítica da Recorrente neste âmbito.
No que diz respeito aos documentos nºs 10 e 11 (atestados de residência), como se viu, nada impedia o Tribunal de proceder à sua valoração, sem prejuízo de se notar que não se alcança que a realidade em apreço tenha sido atestada com base na percepção da entidade documentadora, o que significa que o atestado em apreço não faz prova plena da residência, podendo tal matéria ser posta em crise através dos meios probatórios admissíveis.
No entanto, no caso em apreço, não pode deixar de notar-se que a morada apontada nos citados atestados integra elementos que constam já dos documentos nºs 7 e 8, o que significa que a sua análise conjunta adquire consistência probatória, não se vislumbrando no exposto pela Recorrente matéria para, sem mais, colocar em crise o juízo probatório vertido na decisão recorrida.
Antes de avançar, importa notar que a Recorrente discute também a apreciação da prova testemunhal, apontando que a 1ª testemunha – filha da Recorrida e do marido JMCS– referiu que apresentou as declarações de rendimentos das Recorrida e do marido, uma vez que aqueles auferiam rendimentos de várias empresas em Portugal, bem como de escritório e de lojas (cfr. transcrição 27:06) e que o marido da Recorrida tinha um ordenado das empresas de que era administrador (cfr. transcrição 27:13), referindo ainda que o pai era gerente/administrador de várias empresas em Portugal (cfr. transcrição 30:16), desconhecendo por seu turno as empresas onde o pai trabalha como gerente ou por conta de outrem na Venezuela, não as conhecendo em termos de denominação comercial (cfr. transcrição 33:04).
Já no que concerne ao depoimento da 2ª testemunha o mesmo é manifestamente vago e perfunctório para demonstrar que a Recorrida e o marido residiam na Venezuela, porquanto, pese embora ter alegado era amiga da Recorrida e do marido na Venezuela à cerca de 42, e de ter uma relação forte (cfr. transcrição 37:20) privando durante esses anos cerca de 8 a 10 vezes por ano (cfr. transcrição 37:41), às instâncias do Meritíssimo Juiz referiu desconhecer a morada do marido da Recorrida, onde este residia na Venezuela ou se tinha negócios em Portugal (cfr. transcrição 42:56), ou seja, a sentença recorrida conclui que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela com base na relevância do depoimento das testemunhas mormente da segunda testemunha, alegando que veio corroborar os documentos junto aos autos, testemunha essa que quando interpelada pelo Meritíssimo juiz referiu que conhecia marido e a Recorrida, privando com estes há vários anos cerca de 8 a 10 vezes por ano, indo a casa destes, porém quando questionada acerca da morada onde aqueles viviam desconhecia e não fazia ideia (cfr. transcrição 42:56 e 43;27).
Quanto à 3ª testemunha, trata-se uma testemunha de ouvir dizer, sem qualquer conhecimento sobre os factos em análise, donde se conclui, que a sentença enferma de erro de julgamento quer ao ter relevado documentos que não demonstram de forma clara e inequívoca atendendo às vicissitudes suscitadas pela Recorrente, que a Recorrida e o marido eram residentes na Venezuela à data dos factos, quer porque a prova testemunhal em que assentou, não permite, em face das incongruências detectadas concluir, por tal premissa.
Acresce ainda que a sentença labora em manifesto erro ao não ter dado como demonstrada a residência em território nacional da Recorrido e do marido, com base no manancial de prova carreada pela Recorrente, pois ao longo do procedimento inspectivo apurou-se que o marido da Recorrida, esteve colectado em Portugal na actividade registada com a CAE “68100” correspondente a “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” até 2001.05.24, não se encontrando no ano em questão (2012) registado para o exercício de qualquer actividade de natureza industrial, comercial ou agrícola, tendo a Recorrida e o marido, apresentado em 2013.05.31, a correspondente declaração Mod.3 IRS, da qual resultou a declaração de rendimentos líquidos para aquele ano no valor de € 45.806,22, tendo aí declarado em eram residentes em território Português, tendo apresentado declarações Mod.3 IRS nos anos anteriores (respeitantes aos anos de 2002 a 2011) e no que concerne à residência fiscal, verificou-se que, em todos aqueles anos sempre apresentaram as suas declarações de rendimentos (IRS) como residentes em Portugal (continente).
Em relação a este último ponto, resulta claro que se trata de matéria que integra o RIT vertido no probatório, o que significa que não pode acompanhar-se a crítica da Recorrente nesta sede, dado que, sem prejuízo de as partes destacadas não conterem toda a realidade constante do RIT, a sua integração no probatório permite colmatar eventual lacuna neste âmbito, dado que, tem de ponderar-se toda a matéria de facto que se colhe de tal elemento.
No que concerne à apreciação da prova testemunhal, o Tribunal a quo ponderou o seguinte:
“O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos ao processo físico, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, particularmente a primeira [EMGM] que, sendo filha da ora recorrente e de JNG, tem um conhecimento privilegiado da vida daqueles.
Tal testemunha depôs de forma convincente, demonstrando ter conhecimento directo sobre o que está em discussão neste processo, sendo o seu depoimento congruente com a demais prova produzida [quer a testemunhal – depoimento da testemunha JMCS, quer a documental], razão pela qual o seu depoimento foi considerado digno de crédito, pese embora os laços familiares que a unem à recorrente e ao marido desta [seus pais].
Quanto ao depoimento da testemunha JMCS, cumpre referir que a mesma esteve emigrada na Venezuela por mais de 30 anos, tendo regressado a Portugal em 2013, tendo afirmado que conheceu JNG e a ora recorrente, há cerca de 42 anos, na Venezuela, de quem se tornou amiga, confraternizando uns com os outros cerca de dez vezes por ano, na Venezuela.
Disse, ainda, que no ano de 2012 aqueles ainda residiam na Venezuela, afirmando que sabe que o Sr. JN ainda hoje lá reside, sendo que a ora recorrente regressou a Portugal porque a sua mãe estava muito mal.
O seu depoimento veio corroborar quer os documentos já juntos aos autos, quer o depoimento da testemunha EMGM, no que concerne à emigração e residência na Venezuela da ora recorrente e do seu marido, pelo menos, até 2012, inclusivamente, sendo digno de crédito.
Já o depoimento da testemunha MJV, de concreto apenas disse que, habitualmente, em Agosto o Sr. JNG ia visitar o stand M…, em Aveiro, onde o depoente trabalhava, sendo que lhe foi dito que aquele residia na Venezuela.
Considerando que apenas sabe que o marido da recorrente residia na Venezuela, por este ou outras pessoas lhe disseram, tal depoimento não tem qualquer relevo para a decisão da causa.”
Com este pano de fundo, tem de adiantar-se que não pode conceder-se abrigo à pretensão da Recorrente.
Na verdade, para além do que já ficou dito a propósito dos documentos nºs 7 e 8 e 10 e 11, os depoimentos de 2 das testemunhas apontados permitiu ao Tribunal produzir a matéria acima descrita, situação consolidade pela presença nos autos do documento nº 3 (extracto de conta do BANIF com data de 30-12-2011 dirigido ao marido da recorrente para morada na Venezuela e com um saldo superior a 4 milhões de euros) não se percebendo na lógica de raciocínio da Recorrente como enquadrar o sentido de alguém que, afinal, tem tantas responsabilidades em Portugal que tornam inverosímel a afirmação da sua residência que não em Portugal, ter depois uma conta cujo extracto é enviado para uma morada na Venezuela.
Por outro lado, temos depois o documento de fls. 224 e 224vº do processo físico [cópia de passaporte da ora recorrente, do qual consta, por referência ao ano de 2012, que aquela entrou na Venezuela no dia 5 de Janeiro e saiu em 11 de Agosto desse ano], sendo que os elementos descritos estão relacionados com o passaporte identificado, situação que permite afirmar a realidade que daí se retira, resultando meramente artificial o exposto pela Recorrente sobre a matéria em apreço.
Do mesmo modo, não pode olvidar-se o documento junto a fls. 221 a 223 do processo físico [declaração de rendimentos apresentada por JNG na Venezuela em 26-03-2013, referente ao ano de 2012], sendo que o exposto pela Recorrente em nada afasta o valor probatório de tal documento.
Isto para dizer que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar da bondade do julgamento de direito consequente, no que diz respeito à matéria em crise.
Diga-se ainda em relação à prova testemunhal que a mesma tem de ser considerada no seu todo, não podendo este ou aquele elemento e olvidar todo o contexto que envolve o depoimento.
A afirmação de que perante as responsabilidades assumidas pelo marido da Recorrida como gerente e administrador de um conjunto bastante alargado de sociedades (identificadas no relatório de inspecção tributária), não faz sentido e muitos menos é crível que a Recorrente e JN apenas permanecessem em Portugal dois a três meses por ano, como alegam, constitui um mero exercício de análise da AT, sendo que o facto de serem proprietários de vários imóveis nada acrescenta de decisivo nesta sede, do mesmo modo que a Recorrente e marido terem indicado em várias situações serem residentes em Portugal no sentido que se afigura claro de retirar determinados benefícios dessa situação teve como efeito a necessidade de demonstrarem que tal não correspondia à realidade (sem prejuízo do desvalor que representa tal afirmação em situação que não tinha correspondência com a realidade, dado que, se é verdade que uma pessoa pode ter várias residências; no entanto, o que releva neste âmbito é a residência habitual, o lugar preparado para servir com estabilidade de base de vida) e a existência de uma moradia da família N… constitui algo comum a todos os emigrantes da geração da Recorrida e marido.
Em suma, e como ficou dito, a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar da bondade do julgamento de direito consequente, no que diz respeito à matéria em crise.
Nesta sequência, em termos substanciais, a decisão recorrida ponderou o seguinte:
“…
Resta, apenas, aferir se a recorrente e o seu marido eram (ou não eram) residentes no território português, no ano de 2012, à luz dos critérios de residência previstos nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS que, no fundo, se subsumem ao critério da “permanência”, da presença física no território português, senão durante a maior parte do ano [alínea a), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS], pelo menos que, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual [alínea b), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS].
Volvendo ao caso versado, resulta inequívoco, quer da prova documental [atestados de residência; declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo JNG na Venezuela, no ano de 2012; o próprio passaporte da recorrente, do qual se vislumbra que, em relação ao ano de 2012, aquela entrou na Venezuela em 5 de Janeiro de 2012 e saiu em 11 de Agosto desse ano e inclusivamente do extracto bancário da conta do BANIF n.º 9…107…710, referente a 30-11-2011, onde consta que a residência de JNG se situa no Município de Iribarren, Área Metropolitana de Barquisimeto, Estado de Lara, na Venezuela], quer da prova testemunhal [concretamente depoimentos das testemunhas MEGM e JMCS], que, naquele ano de 2012, a recorrente e o seu marido residiam na Venezuela e não permaneceram em Portugal, num período de um ano, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados [vide factos 13) a 15) da matéria assente].
Afastada que está o critério de “residência” à luz da alínea a), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS, importa agora verificar se a recorrente e o seu marido podem ser considerados como residentes à luz da alínea b), do mesmo preceito legal.
Quanto a esta hipótese refere MANUEL FAUSTINO [In “Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, Revista Ciência Técnica Fiscal n.º 424, pp. 124-125], que esta «exige a reunião do “corpus” e do “animus”. (…) um “corpus”, constituído por um local de residência, associado a um “animus”, que consiste na “intenção” de a manter e ocupar como residência habitual (…)» pelo que, «(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em território português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção “de a vir a ocupar” como sua residência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente.».
Aliás, percebe-se que assim seja, pois, tal como afirma ANDRÉ SALGADO DE MATOS [In Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, anotação 2. ao artigo 16.º, página 206], «Este critério está, por natureza, destinado a ter aplicação apenas em situações patológicas», pelo que, «(…) só poderá ser considerado como residente alguém que não esteja nas condições da al. a), desde que seja demonstrado pela Administração fiscal que o sujeito passivo se colocou fora da incidência de IRS, por via da não permanência em território português por mais de 183 dias, com dolo directo específico de defraudar a lei fiscal portuguesa.», acrescentando que, «Por exemplo, não poderá ser considerado como residente em território português alguém que passou a residir fora dele, com a finalidade de realizar uma actividade de carácter temporário, e que aqui deixou residência que indicie tratar-se da sua residência habitual. Do mesmo modo, não poderá esta norma ter aplicação em relação a alguém que abandone território português sem saber quando voltará, aqui deixando residência nos mesmos termos, ou a alguém que prepare um regresso futuro, aqui instalando uma residência com as características legalmente previstas.».
Tendo por base estes ensinamentos, facilmente se concluirá que a ora recorrente e o seu marido não podem ser considerados como residentes em território português, no ano de 2012, ao abrigo desta alínea. É que não basta para o preenchimento desta previsão normativa que estes, à data de 31 de Dezembro do ano em causa, tenham habitação em condições de manter e ocupar como residência habitual é essencial que haja uma intenção imediatista de nela a habitar com carácter de habitualidade [neste sentido, vide, igualmente, o Aresto do STA de 24-01-2018, proferido no recurso n.º 01347/15, disponível em www.dgsi.pt, cuja doutrina nele vertida aqui acompanhamos na íntegra].
Ora, esta intenção imediatista [de a ora recorrente e o seu marido passarem a residir, com carácter de habitualidade, na habitação sita no território português, àquela data (31-12-2012)] não resulta dos autos. Veja-se que, aliás, o sujeito passivo JNG ainda hoje reside na Venezuela e que a ora recorrente voltou há cerca de 2/3 anos, isto porque a sua mãe se encontrava doente, padecendo de Parkinson.
Não cumprindo nenhuma das alíneas do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS [que, no fundo, concretizam quem é residente no território português], é de concluir que, efectivamente, a ora recorrente e JNG eram não residentes em território português, no ano de 2012 e, consequentemente, não estavam sujeitos à avaliação indirecta da sua matéria colectável à luz do artigo 89.º-A, da LGT.
Nesta conformidade, impõe-se julgar procedente o presente recurso, com as suas consequências legais, o que se determinará a final, quedando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados…”.
Nas suas alegações, a Recorrente aponta ainda que em sede de IRS, o elemento de conexão pessoal “residência” assume predominante importância, ao qualificar como sujeito passivo do imposto as pessoas singulares que, alternativamente, tenham permanecido no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou aquelas que, tendo permanecido menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual (Artº.16, nº.1, alíneas a) e b), do C.I.R.S.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.285 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.17 e seg.).
Assim, a origem ou fonte dos rendimentos só opera quando não releva o elemento de residência, significando que a tributação se deve fazer no Estado de que os rendimentos são provenientes – elemento de sujeição real ou ilimitado, estabelecendo o Art.º 13.º do CIRS, ao prever a aquisição de estatuto de residente, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais forem as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, a 31 de Dezembro, "de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual" (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, "a" e "b"), acolhe uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus”.
A sentença entendeu que no caso dos autos não se encontrava subjacente essa intenção imediata de residir com carácter de permanência em Portugal, por parte da Recorrida e do marido, na medida em que este ainda reside hoje na Venezuela e aquela regressou há cerca de 2 ou 3 anos, destarte, a em face da factualidade vertida nos autos e da prova carreada pela Recorrente, labora em manifesto erro, sendo certo que a lei ficciona vários critérios para a sua determinação entre eles a permanência de menos tempo, mas de que disponham no território português, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, da prova carreada pela Recorrente, ou seja tendo a Recorrida e o marido apresentado desde 2002 declarações de rendimentos nas quais declaram ter residência em território nacional, declarando que são residentes em território nacional, sendo inclusive o marido da Recorrida, administrador e gerente de várias empresas e auferindo rendimentos em território nacional, tendo aqui domicílio fiscal e beneficiando entre 2003 e 2012 de isenção para efeitos de contribuição autárquica e IMI, recorta-se que à revelia da sentença recorrida existe uma intenção imediata em residir com carácter em Portugal sendo residentes para todos os efeitos legais.
Neste desiderato, e em face da factualidade carreada aos autos pela Recorrente afere-se que a sentença labora em manifesto erro de julgamento de facto e de direito e à errada interpretação e aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do Art.º 16.º do CIRS, no que contende com a residência da Recorrida e do marido na Venezuela.
Que dizer?
Em relação à matéria em causa, cremos que apesar da perspicácia e do esforço de análise da Recorrente, tendo presente a matéria vertida no probatório, não é possível atender a sua pretensão neste âmbito, na medida em que não podemos conferir ao exposto a abrangência reclamada no âmbito do presente recurso.
Na verdade, perante a bondade dos elementos doutrinais vertidos na sentença recorrida apud Acórdão do S.T.A. de 24-01-2018, Proc. nº 1347/15, www.dgsi.pt, tendo sido demonstrado nos autos que o sujeito passivo JNG ainda hoje reside na Venezuela e que a ora recorrente voltou há cerca de 2/3 anos, isto porque a sua mãe se encontrava doente, padecendo de Parkinson, não é possível dar guarida ao exposto pela Recorrente.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
***
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 13 de Setembro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos