Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00364/20.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:IFAP; PRODER; DEVOLUÇÃO DE SUBSIDIO; FUMUS BONI IURIS;
Sumário:1 – Em conformidade com a redação introduzida no Artº 120º do CPTA pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015, o fumus boni iuris apresenta-se hoje sob a formulação positiva, idêntica àquela que anteriormente constava da alínea c) do n° 1 do art.º 120° do CPTA.
A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redação do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA do substantivo "provável", que imprime uma menor flexibilidade à análise a fazer.

2 – A factualidade dada como provada infirma o sentido da decisão cuja suspensão vem requerida, não permitindo perfunctoriamente concluir pela improbabilidade de procedência da Ação principal.
A prova fixada e disponível aponta no sentido da verificação do pressuposto do fumus bonis iuris, não podendo o Recorrente a cingir-se a remeter em abstrato para a prova constante do Processo Administrativo em defesa do seu entendimento.

3 - Por maioria de razão em Processo Cautelar, urgente, por natureza, não basta a junção do Processo Administrativo para que o Tribunal acriticamente e em bloco dê como provada toda a factualidade constante do mesmo.

4 - Os factos apurados pela Administração na fase procedimental e o respetivo processo administrativo não fazem prova plena dos factos apurados, antes se encontrando submetidos à livre apreciação da prova, podendo ser contraditados pelo Autor.

5 - Como é consabido, além do onus allegandi, há também o onus probandi. Se a documentação constante do Processo Administrativo constituísse, só por si, e em bloco, prova a atender e suficiente, seria despicienda a produção de outra prova tendente ao controlo da atividade administrativa, cabendo pois às partes identificar em concreto e especificadamente a factualidade que sustentará a sua posição, mesmo de entre aquela que se encontra depositada no Processo Administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:IFAP
Recorrido 1:S.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

O IFAP – Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., no seguimento de Providência Cautelar apresentada por S., com os demais sinais nos autos, tendente a que fosse suspensa a “decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo, (...) que determinou a devolução integral da importância de €240.005,76”, inconformado com a decisão proferida no TAF de Mirandela, em 14 de julho de 2021, através da qual foi decidido julgar procedente o presente Processo Cautelar, no qual se decidiu:
“Decreta-se a suspensão da eficácia do despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP que, no âmbito da ação “Instalação de Jovens Agricultores”, ao abrigo do programa PRODER, relativamente à operação nº 020000030178, determinou a devolução integral da importância de 240.005,76€”, veio em 23 de julho de 2021 recorrer da decisão proferida para este TCAN, na qual se conclui:

“A. Vem o presente recurso de sentença de 5/3/2021 (SIC), proferida nos autos à margem melhor referenciados, através do qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, através da qual foi decretada “...a suspensão da eficácia do despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP que, no âmbito da ação “Instalação de Jovens Agricultores”, ao abrigo do programa PRODER, relativamente à operação nº 020000030178, determinou a devolução integral da importância de 240.005,76€;”, no entendimento que “…à luz da matéria de facto dada como provada, mesmo que indiciariamente, mormente a que consta dos itens 11) e seguintes do probatório, importa concluir que se afigura provável que o ato administrativo suspendendo venha a ser anulado na ação principal com fundamento em erro nos pressupostos de facto, designadamente, os que constam dos pontos 4.1 e 4.2 da fundamentação do ato administrativo”.
B. Entendeu o Tribunal que apenas a Requerente se propôs a produzir prova e arrolou as testemunhas que tiveram conhecimento direto dos factos,
C. Salvo melhor opinião, na situação em apreço, não foi devidamente valorada a prova documental constante do Processo Administrativo, o que levou o Tribunal a quo a fazer uma interpretação errada dos factos e da legislação aplicável.
D. Mais concretamente, resulta do ponto 7 da matéria de facto dada como provada que “Em 20-11-2018, os serviços da Entidade Requerida efetuaram uma verificação física no mesmo local, concluindo pela existência das desconformidades/irregularidades expostas na Informação nº 2109/2018 [cf. posição das partes em conjugação com a Informação nº 2109/2018, a qual se dá por integralmente reproduzida].”
E. Ou seja, o ora recorrente não se demitiu de fazer prova dos factos, quando resulta provado que pela DRAP Norte foi efetuada uma verificação física no local, efetuada por três colaboradores da DRAP Norte em conjunto com representantes da CCDRN, APA/ARH Norte, Município de Mesão Frio e de J., tendo sido detetadas desconformidades/irregularidades.
F. Desconformidades/irregularidades essas, que se encontram descritas na Informação nº 2109/2018, junta ao PA, designadamente, o abandono das plantações, da recente intervenção efetuada de forma insuficiente e insatisfatória e que a área envolvente ao armazém aprovado é estaleiro/parque de máquinas da empresa J..
G. Mas na Informação nº 2109/2018, a DRAP Norte não se limita a descrever as desconformidades/irregularidades detetadas, pois comprova cada uma delas através da junção de fotografias e imagens do Google, nomeadamente, fotos 3, 4, 5, 6, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 e imagens do Google juntas em diversos anexos da Informação nº 2109/2018)
H. Fica assim demonstrado, pelo IFAP, I.P. foram apresentadas provas documentais (fotografias e imagens do Google em anexo à Informação nº 2109/2018) que demonstram as irregularidades detetadas pela DRAP Norte e que apesar de terem sido dadas como provadas pelo no ponto 7 da matéria de facto dada como provada, não mereceram a devida apreciação critica por parte do Tribunal.
I. Atenta a prova documental existente no PA, salvo melhor opinião, não existem dúvidas de que pela recorrida foram praticadas irregularidades.
J. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não faz uma correta interpretação dos factos e da legislação aplicável, razão pela qual, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que seja negado provimento à providência cautelar por não estar preenchido o requisito do fumus bonus iuris.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que seja negado provimento à providência cautelar por não estar preenchido o requisito do fumus bonus iuris.”

A Recorrida/S. veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 13 de agosto de 2021, nas quais concluiu:

“A. Por sentença datada de 14.07.2021, o Tribunal a quo decretou a providência cautelar intentada pela Recorrida e, em consequência, suspendeu o ato administrativo, consubstanciado no despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, I.P., que determinou a devolução do montante de € 240.005,76.
B. Percorrido o recurso ao qual se responde, entende o Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento uma vez que, atendendo à prova documental junta aos autos, mormente o Processo Administrativo, teria o Tribunal a quo de decidir pela não verificação do pressuposto do fumus bonis iuris.
C. Diga-se, desde logo, que através do presente recurso o Recorrente visa colmatar a sua inércia no que respeita ao ónus que sobre ele impedia de provar os factos essenciais que alegou. Contudo, não o tendo feito, sibi imputet.
D. Com efeito, o Recorrente, em sede de audiência e discussão de julgamento, demitiu-se de fazer qualquer prova que sustentasse os factos apurados na fase procedimental nos quais se louvou o ato suspendendo.
E. Na verdade, não bastava a junção do Processo Administrativo aos presentes autos para que o Tribunal a quo desse como provados os factos apurados na fase procedimental e, em virtude disso, não valorasse a restante prova (testemunhal e documental) produzida pela parte contrária.
F. Por outro lado, ao contrário daquilo que o Recorrente pretende fazer crer, o procedimento administrativo não goza atualmente de qualquer presunção de legalidade/regularidade, nem tão pouco qualquer presunção de veracidade do seu conteúdo que desobrigue a entidade administrativa de fazer prova (processual) dos pressupostos de facto do ato administrativo.
G. Percorrido o lençol fáctico dado como provado na sentença recorrida, bem como a sua fundamentação, torna-se inequívoco que o Tribunal a quo valorou, devidamente, quer a prova documental junta aos autos, bem como a produzida - apenas pela Recorrida - em sede de audiência e discussão de julgamento.
H. Ademais, a tese do Recorrente de que o processo administrativo contem elementos inequívocos que demonstram a existência de abandono da operação cai por terra quando nos deparamos com o “Relatório de Controlo SUP2”, respeitante a uma visita ao terreno em 29.11.2019, no qual a entidade administrativa faz constar que são cumpridos todos os compromissos assinalados por parte da Recorrida – cfr. facto 18) dado como provado na sentença recorrida.
I. Destarte, in casu, atendendo à base factual convocada, assim como às normas legais aplicáveis, nenhuma censura pode ser apontada ao entendimento do Tribunal a quo no sentido de considerar ser provável a procedência da ação principal.
J. Pelo que, face ao exposto, bem como os fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo Tribunal a quo, é entendimento da Recorrida que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com o que será feita Sã e Costumeira Justiça!”

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 10 de setembro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, importando verificar se se mostram preenchidos os pressupostos suscetíveis de determinar o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:

“1) No âmbito da ação Instalação de Jovens Agricultores ao abrigo do programa PRODER, a aqui Requerente celebrou com o Requerido um contrato financiamento com o nº 02021664/0, relativo à operação n.º 020000030178 [cf. doc. 2 junto com o requerimento inicial (r.i.)].
2) No âmbito do projeto financiado, foram aprovados os investimentos de plantação de 6,29ha de macieiras, 3,47ha de cerejeiras, 2,74ha de pereiras e 2,67ha de marmeleiros com instalação de rega gota-a-gota, dois reservatórios, abertura de um furo, construção de um armazém de 400m², com aquisição de trator, reboque e diversas alfaias [admissão por acordo].
3) O referido contrato de financiamento previa, na cláusula 3ª, que durante a execução da operação o plano financeiro previsional seria realizado da seguinte forma: o pagamento de uma tranche no valor de 30.000,00, com data prevista para pagamento em 01.10.2012, a título de prémio à instalação de jovem agricultor; o pagamento de uma tranche no valor de 210.006,12, com data prevista para pagamento a 30.06.2013, a título de incentivo [cf. doc. 2 junto com o r.i.].
4) Na sequência de um requerimento apresentado pela Requerente à Entidade Requerida no sentido da atualização de datas de execução de operações, que obteve decisão favorável, foram fixadas novas datas de execução da operação, nos seguintes termos: data de início: 30-11-2012; data de fim: 19-08-2014; e data fim vínculo: 29-04-2019 [cf. fls. 96 do processo administrativo instrutor junto aos autos (PA)].
5) Entre 29-11-2012 e 31-03-2016, a Entidade Requerida pagou à Requerente as quantias de 30.000,00, 64.271,16, 35.367,00, 32.661,60 e 77.706,00, num montante global de 240.005,76 [cf. fls. 28 do PA].
6) Em 06-11-2015, os serviços da Entidade Requerida efetuaram uma verificação física no local afeto à referida operação n.º 020000030178, concluindo pela conformidade da situação e assinalando a ausência de irregularidades [cf. fls. 30-32 do PA].
7) Em 20-11-2018, os serviços da Entidade Requerida efetuaram uma verificação física no mesmo local, concluindo pela existência das desconformidades/irregularidades expostas na Informação nº 2109/2018 [cf. posição das partes em conjugação com a Informação nº 2109/2018, a qual se dá por integralmente reproduzida].
8) Em 22-02-2020, foi a Requerente notificada do projeto de decisão que determinava a devolução integral da quantia de 240.005,76 [admissão por acordo quanto à data da notificação, resultando tudo o mais do doc. 3 junto com o r.i.].
9) A Requerente exerceu o seu direito à audiência prévia [admissão por acordo].
10) Posteriormente, foi a Requerente notificada do ofício remetido pela Entidade Requerida com a refª 006058/2020 DAl-UREC, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[]
“(…)ASSUNTO: PRODER / Ação 1.1.3 - «Instalação de Jovens Agricultores»
Operação 020000030178 (“Plantação de Pomares, Construções, Trator e Equipamentos")
Decisão Final
(…)
2. A promotora instalou-se como jovem agricultora ao abrigo do programa Proder, mediante a aprovação da operação 020000030178 aqui em apreço (Ação 1.1.- «Instalação de Jovens Agricultores»), incluindo ainda a candidatura 020000036327 (Ação 1.1.2- «Investimentos de Pequena Dimensão»), cuja área de intervenção afeta aos projetos [cfr. declarado pelo proprietário do terreno (J.) e, consta do iE (parcelário)], fora cedida por aquele em regime de comodato.
3. No projeto ora aqui em apreço (PA 020000030178), foram em suma aprovados os seguintes investimentos: plantação de 6,29 ha de macieiras, 3,47 ha de cerejeiras, 2,74 ha de pereiras e 2,67 ha de marmeleiros, com instalação de rega gota-a-gota, dois reservatórios, abertura de um furo, construção de um armazém de 400 m2, aquisição de trator, reboque e diversas alfaias.
4. Com efeito, releva-se que a intenção referida no ponto n° 1 deste ofício teve fundamento no seguinte:
4.1 Já anteriormente na visita a um outro projeto localizado em área adjacente à operação 020000030178, efetuada em 26/09/2018 pela DRAPN e demais entidades (CCDRN, APA/ARH Norte e Município de Mesão Frio), nomeadamente nas imediações da intervenção efetuada na parcela 2194647555016, constatou-se que esta área em concreto encontrava-se abandonada, vislumbrando-se a situação irregular da operação ora aqui em apreço, atento as situações a seguir relevadas:
i.) afigura-se a situação de abandono do projeto (concretamente a parcela 2194647555016), evidenciando este local a elevada presença de mimosas e regeneração natural de pinheiro bravo, significativa vegetação arbustiva e herbácea, elevada taxa de mortalidade das macieiras, sistema de rega danificado, bem como, a presença de materiais plástico dispersos no espaço fisco do projeto (conforme consta fotograficamente documentado no processo);
ii.) não obstante, o projeto PRODER 020000030178 de que é titular, fora executado pela empresa «J. Lda.» pertencente ao proprietário do terreno «J.», o qual através da sua empresa, "faturou" investimentos (ex: sistema de rega, reservatórios, tanque, armazém de 400 m2) e, “emitiu faturas” da totalidade da preparação do terreno, plantação, adubo, sistema de rega, construção de armazém, construção de tanque, fornecimento e montagem de reservatórios do projeto PRODER 30178. Para o efeito, releva-se que das onze (11) faturas no v/ projeto 30178, sete (7) foram emitidas pela J., Lda., no valor total de 244.513,00 € (sem IVA), o que implicitamente denota que o proprietário do terreno (J.) executou operações na sua propriedade, tendo este (ainda que indiretamente) auferido ajuda pública para realizar essas intervenções, afigurando-se a v/ instalação (“artificial”) de jovem agricultora;
4.2 Por conseguinte, em 20/11/2018 fora efetuada a visita in loco ao projeto em apreço (PA 020000030178), realizada pela DRAPN - Divisão de Investimento de Trás-os-Montes, na qual foram confirmadas as irregularidades adiante identificadas que lhe são imputadas, reiterando-se que, não obstante entre 26/09/2018 e 20/11/2018, a área tenha sido alvo de intervenção (controlo de vegetação arbustiva e herbácea), com destruição das plantas e sistema de rega danificado (logo não funcional), a operação está efetiva e globalmente abandonada, cujas plantas se apresentam num desenvolvimento vegetativo demasiado débil, apurando-se nomeadamente que:
i.) na parcela 2204674275012 plantada com macieiras, cerejeiras e marmeleiros houve intervenção recente (controlo de vegetação arbustiva), a qual foi efetuada de forma insuficiente e claramente insatisfatória, conforme consta fotograficamente documentado no processo;
ii.) na parcela 2204688286001, verifica-se existência de mato rasteiro e as plantas têm um diminuto desenvolvimento vegetativo - conforme fotograficamente documentado no processo;
iii.) a área envolvente ao armazém é utilizada como estaleiro / parque de máquinas da empresa J. (pertencente ao proprietário do próprio terreno «J.), conforme observado e consta fotograficamente documentado, cuja infraestrutura, a 20/11/2018 detinha no seu interior diversos veículos, materiais de construção civil e outros materiais;
iv.) mais, nesta ação de Verificação Física ao Local (VFL) de 20/11/2018, o acesso ao armazém (candidatado e aprovado para armazém destinado à recolha de fruta e equipamentos agrícolas) não fora facultado aos técnicos da DRAPN, tendo alegado que a chave do armazém estava num automóvel de que é proprietária, mas que a sua irmã tinha levado esse veiculo para o Porto.
Todavia, releva-se que foi possível observar in situ que o armazém aprovado (400 m2), está claramente a ser utilizado para recolha de veículos, motores, materiais de construção e outros materiais, presumivelmente pertencentes à empresa J., conforme fora visualmente verificado através das janelas e consta fotograficamente documentado no processo, encontrando-se o armazém a ser utilizado por «J.» e/ou pela sua empresa «J.» como garagem e local de recolha de materiais de construção, ou seja, para fim distinto do consubstanciado nas condições de aprovação do PA 02-30178.
4.3 Não obstante, releva-se ainda que a entrega de um Pedido de Pagamento (PP), representa a v/ declaração, de que para a execução material e financeira da operação, a despesa fora paga, assumindo a concretização dos trabalhos e instalação de equipamentos faturados / comprovados, com realização e manutenção do investimento nos termos aprovados na candidatura (cujo reembolso veio solicitar), obrigando-se assim ao cumprimento estrito das condicionantes contratuais e regulamentares estabelecidas o que face ao procedimento demonstrado não sucedera.
4.4 Em suma, realça-se o estado de abandono das plantações e desenvolvimento débil das plantas, não tendo sido atingido o objetivo que esteve na génese das condições de aprovação do projeto nos termos estabelecidos na candidatura, ao que se alia o v/ manifesto desinteresse, despreocupação e/ou indiferença face ao acompanhamento descuidado do projeto (não se afigurando proatividade em ações corretivas desenvolvidas e/ou a implementação / manutenção continuada de boas práticas culturais e condução técnica adequada das plantações e devida finalidade dada a infraestrutura cofinanciada), com vista à efetiva realização e manutenção contínua do projeto nos termos aprovados, conforme compromisso e obrigações a que estava contratual e regulamentarmente vinculada, encontrando-se liminarmente comprometido o sucesso e a viabilidade da operação aqui em apreço.
4.5 Nesse sentido, porquanto a avaliação do direito às ajudas já pagas, comprovação dos requisitos da sua concessão e monitorização do cumprimento dos compromissos assumidos / obrigações contratuais expressas, resultam da VFL de 20/11/2018 (sem desvirtuar a razão e resultado daquela no tempo e espaço) e, respetiva ação de controlo administrativo à operação em apreço, reitera-se não ter mantido integralmente as condições determinantes da concessão do apoio, não tendo cumprido pontualmente as condicionantes do projeto nos termos aprovados / comprovados, conforme compromissos e obrigações a que estava contratual e regulamentarmente adstrita, contrariando as alíneas A.l e A.4 do ponto 2 (“Condições Especificas) e alíneas B.l, B.3 e B.15 do ponto 3 (“Condições Gerais") do contrato e, bem assim, violando igualmente o disposto nas alíneas a) e f) do nº 1 do art. 7º da Portaria nº 184/2011 de 5 de Maio.
4.6 Com efeito, a valoração das irregularidades cometidas e aqui imputadas, após n/confirmação na VFL de 20/11/2018 e reavaliação do projeto efetuada, implica a consequente reposição integral da verba indevidamente recebida (correspondente ao total pago na operação), atento o incumprimento do disposto na legislação aplicável à concernente ajuda e, bem assim, do clausulado nas condições contratuais, bem como, de determinações legal e regulamentarmente estabelecidas a que estava adstrita no programa e medida-ação-projeto aqui em apreço, no qual recaíam obrigações expressas da v/responsabilidade ao nível da sua execução, que efetivamente não cumpriu.
4.7 Atento a tudo o exposto, procedeu-se à reanálise da operação, para exclusão da totalidade das despesas pagas consideradas não elegíveis, pelo que não resulta qualquer ajuda pública validada, concluindo-se deste modo pela necessidade de devolução da verba indevidamente recebida, no valor de 240.005,76 €, correspondente ao total pago no projeto em causa.
(…)
6. Reavaliado o processo, e sem que subsistam elementos probatórios irrefutáveis passíveis de impugnar a factualidade documentada, cabe a improcedência da v/contestação, cujos argumentos aduzidos não são contundentes e suscetíveis de sanar as irregularidades cometidas ora aqui ratificadas, reiterando- se as desconformidades imputadas nos termos / fundamentos referidos, as quais consubstanciam uma objetiva situação irregular do projeto detida, esclarecendo-se o seguinte:
(…)
7. Nestes termos, em face das situações de incumprimento concretamente verificadas, determina-se a devolução integral da importância indevidamente recebida, no valor a seguir indicado.
8. Assim e, para efeitos de reposição voluntária do quantitativo de 240.005,76 €, fica pelo presente ofício notificada de que esta poderá ser efetuada, utilizando uma das modalidades de pagamento adiante indicadas, no prazo de trinta (30) dias a contar da receção do mesmo.
9. Findo o citado prazo no parágrafo anterior, caso não se verifique a restituição voluntária da referida quantia, será o montante em divida compensado nos termos legais, com créditos que venham a ser-lhe atribuídos, seguindo-se na falta ou insuficiência destes, a instauração do processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do valor em dívida, no qual serão pedidos para além do capital, os juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral reembolso.
[]
[cf. fls. 190-198 do PA]
11) No âmbito do projeto financiado, a Autora procedeu à plantação de 6,29ha de macieiras, 3,47ha de cerejeiras, 2,74ha de pereiras e 2,67ha de marmeleiros com instalação de rega gota-a-gota, dois reservatórios, abertura de um furo, construção de um armazém de 400m², com aquisição de trator, reboque e diversas alfaias.
12) O terreno foi desmatado, limpo e tratado, em Dezembro de 2017.
13) Em 20-11-2018, existia mato e vegetação infestante visível, mas tal vegetação não colocava em causa o desenvolvimento do pomar.
14) A Requerente obteve receita proveniente da venda da fruta colhida do pomar entre os anos de 2017 e 2018.
15) Aquando a visita ao local da DRAPN, em 20-11-2018, a Requerente não se encontrava na posse da chave do armazém, motivo pelo qual encontrava-se impedida de aceder ao interior do mesmo, contudo, prontificou-se e disponibilizou-se, em data posterior, em permitir o acesso ao mesmo.
16) A Requerente permitia que a empresa J., Lda. guardasse algumas máquinas no armazém, de forma temporária e esporádica.
17) A Requerente continuou a utilizar o referido armazém para guardar fruta e as máquinas adstritas à manutenção do pomar.
18) A Entidade Requerida elaborou o Relatório de controlo SUP2, respeitante a uma visita de 29-11-2019, relativamente às parcelas nº 2194647555016 e 2204674275012, no qual se fez constar que a Requerente cumpre todos os compromissos assinalados [cf. doc. junto com o requerimento a fls. 004421704].”

IV - Do Direito

Importa agora analisar, ponderar e decidir o suscitado no Recurso.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:

“(...) Principie-se pela probabilidade de procedência do vício de violação de lei na modalidade de erro nos pressupostos de facto, que, a verificar-se na ação principal, motivará a anulação do ato administrativo em crise, nos termos do artigo 163º, nº 1, do CPA.
Estando em causa a invocação de um erro nos pressupostos de facto, há que chamar à colação a matéria de facto indiciariamente dada como provada e, de forma ínsita, o critério de repartição do ónus da prova em casos como o dos autos.
(…)
A acrescer, saliente-se que resulta dos artigos 342º, nº 1, 798º e 799º do CC que o ónus da prova da ausência de culpa pertence ao devedor, incumbindo ao credor a prova do facto ilícito do não cumprimento. Embora o ónus da justificação do incumprimento recaia sobre os beneficiários dos apoios, competindo ao incumpridor provar que o incumprimento se justificava, não deixa de caber ao credor a prova do facto ilícito do incumprimento (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-07-2018, proc. nº 017/18; Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07-07-2017, proc. nº 00563/08.2BEPRT, de 04-02-2010, proc. nº 02553/06.0BEPRT).
Isto posto, tendo em conta o enquadramento que precede e à luz da matéria de facto dada como provada, mesmo que indiciariamente, mormente a que consta dos itens 11) e seguintes do probatório, importa concluir que se afigura provável que o ato administrativo suspendendo venha a ser anulado na ação principal com fundamento em erro nos pressupostos de facto, designadamente, os que constam dos pontos 4.1 e 4.2 da fundamentação do ato administrativo [cf. item 10) do probatório].
Com a solução que acaba de se acolher, fica prejudicado o conhecimento da aparência do bom direito da alegação de violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que vem alegada numa lógica de subsidiariedade em relação ao erro nos pressupostos de facto (cf. artigo 608º, nº 2, do CPC).
Ante o exposto, cabe concluir pela verificação do fumus boni iuris.
O terceiro dos requisitos do decretamento de providências cautelares deflui de um critério de proporcionalidade da decisão, mediante a ponderação de todos os interesses em presença. Ora, mesmo que os dois requisitos positivos do periculum in mora e do fumus boni iuris se verifiquem, o juiz, aquilatando dos resultados concretos que poderão sobrevir da adoção da providência cautelar, deve recusar-se a concedê-la quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos que resultariam da não concessão, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (cf. artigo 120º, nºs 2 a 5, do CPTA).
(…)
Em jeito sumário, do que se trata é de, num juízo de prognose, avaliar os resultados da medida cautelar sobre cada um dos interesses em confronto, não se concedendo a providência quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da recusa.
(…)
Do lado do Requerido, como vimos, este alega que estando em causa ajudas comunitárias, conforme a mais recente jurisprudência, é de prevalecer o interesse público, nomeadamente através da recuperação de quantias antecipadamente pagas, tanto mais que subsiste o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida.
Adiante-se que se afigura ser de decidir por uma ponderação de interesses favorável à Requerente.
(…)
Como também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27-09-2019, proc. nº 00016/19.3BECBR-A, do qual se retira, entre o mais, o seguinte:
O Argumento do IFAP, de acordo com o qual, estando em causa ajudas comunitárias, deveria ser acautelado primariamente o seu interesse, é algo que não merece assentimento, pois que se em termos legais vigorará o primado do direito comunitário, tal não significa uma integral subserviência aos interesses económicos das entidades comunitárias, até porque, se for caso disso, sempre as mesmas serão ressarcidas por eventuais atribuições indevidas de subsídios.
(…)
Não está em causa a ponderação ou não do interesse público com o interesse privado, mas sim a ponderação dos danos que possam resultar para qualquer das partes. Se os danos ou prejuízos forem de valor significativo para alguma dos lados, então tem de se avaliar se deve ou não deferir a providência – Cfr. Acórdão do TCA Norte de 02-02-2018, Processo n.º 00432/17.5BEPNF-A, e Acórdão do TCA Norte, de 20-10-2017, processo n.º 01527/16.8BEPNF.
Em face de tudo quanto se discorreu, é manifesto que os danos resultantes da recusa da providência serão claramente superiores para a I. V., Lda., relativamente aos que decorrem da sua concessão para o IFAP, em face do que, será o presente recurso julgado improcedente, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão de 1ª instância.
Perfilha-se, pois, a tese preconizada na jurisprudência acabada de citar, a qual, revertendo ao caso concreto, reforça conclusão adversa à posição defendida pela Entidade Requerida.
(…)
Isto posto, verifica-se que a Entidade Requerida labora em abstrato, sem aduzir qualquer prejuízo concreto que consubstancie o interesse público invocado e sem alegar, senão como uma pura conjetura, que há um risco de se tornarem incobráveis os montantes cuja devolução se exige. Não vem concretamente substanciado esse risco, porquanto a Entidade Requerida não concretiza de que forma é que a imediata cobrança, através de execução fiscal, se mostra agora realizável e já não depois.
(…)
De tudo o que precede conclui-se que os prejuízos que resultam para a Entidade Requerida com a suspensão de eficácia do ato administrativo notificado à Requerente, no âmbito da operação nº 020000030178, que determinou a devolução integral da importância de 240.005,76, não são superiores àqueles que resultam para a Requerente.
Em face do que se expôs, é de concluir que a situação em apreço é merecedora de tutela cautelar, devendo a pretensão da Requerente proceder integralmente, assim se decretando a suspensão da eficácia do ato administrativo praticado no âmbito da operação nº 020000030178, que determinou a devolução integral da importância de 240.005,76.”

Vejamos:
Vem interposto o presente Recurso da Sentença proferida no TAF de Mirandela que julgou procedente a requerida providência cautelar.

Recorda-se que já em momento anterior, no seguimento de Recurso para esta instância de uma primeira Sentença proferida no tribunal a quo, se deu por verificado o requisito do periculum in mora (Acórdão de 5 de março de 2021), importando agora apenas verificar se se mostrará preenchido o fumus boni iuris, único pressuposto que vem recorrido.

Efetivamente, está aqui em causa sentença do TAF de Mirandela, de 14.07.2021, que decretou a providência cautelar intentada pela aqui Recorrida e que, correspondentemente, suspendeu os efeitos do ato administrativo, consubstanciado no despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, I.P., o qual determinou a devolução do montante de 240.005,76€.

Entende o Recorrente que não deverá ser mantida a referida decisão que julgou, nomeadamente, verificado o fumus bonis iuris, previsto no artigo 120.º do CPTA.

O Recorrente cingiu pois o seu recurso ao Fumus Boni iuris, afirmando, nomeadamente, que “importa concluir que se afigura provável que o ato administrativo suspendendo venha a ser anulado na ação principal com fundamento em erro nos pressupostos de facto”.

Mais afirma o Recorrente que deverá “ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que seja negado provimento à providência cautelar por não estar preenchido o requisito do fumus bonus iuris” (SIC).

O fumus boni iuris, enquanto pressuposto da concessão de Providência Cautelar, consubstancia-se na probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular na Ação principal, referindo-se desde já que se não vislumbra nem reconhece que a decisão adotada em 1ª Instância, ao reconhecer o preenchimento do referido pressuposto, mereça censura.

Se é certo que o Recorrente insiste que o tribunal a quo terá errado na verificação dos pressupostos tendentes ao preenchimento do fumus boni iuris, o que é facto é que aquele não logrou demonstrar a inexistência de probabilidade da pretensão formulada ou a formular na Ação principal vir a merecer provimento.

Como resulta do Artº 120º do CPTA, a providência cautelar será adotada quando cumulativamente que verifiquem os seguintes requisitos:
a) Haja fundamento receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal – periculum in mora:
b) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente – fumus boni iuris;
c) Ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam a sua concessão não se mostrem superiores aqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências – ponderação de interesses.

Em conformidade com a redação introduzida no Artº 120º do CPTA pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015, o fumus boni iuris apresenta-se hoje sob a formulação positiva, idêntica àquela que anteriormente constava da alínea c) do n° 1 do art.º 120° do CPTA.

Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos, a análise da verificação da aparência do bom direito poderá assumir relevância, por forma a verificar uma efetiva probabilidade de procedência da pretensão principal, sendo que os requisitos aplicáveis são de preenchimento cumulativo.

A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redação do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA do substantivo "provável", que imprime uma menor flexibilidade à análise a fazer.

Como refere Isabel Celeste Fonseca, o requisito do fumus boni iuris na formulação positiva, obriga a um juízo positivo de probabilidade através da "intensificação da cognição cautelar", ou seja, duma "apreciação mais profunda e intensa da causa". (Cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, dos novos processo urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura), págs. 66 a 68).

No mesmo sentido aponta Mário Aroso de Almeida, no seu Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 452, onde refere que com a reforma do CPTA de 2015 se consagrou "um regime homogéneo quanto a este ponto para os dois tipos de providências, estabelecendo que, tanto umas, como outras, só podem ser adotadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, veio introduzir uma novidade sem precedentes no nosso ordenamento jurídico, com o evidente alcance de limitar o acesso dos cidadãos à tutela cautelar em processo administrativo: a de submeter ao critério do fumus boni iuris, com a configuração que, em processo civil, lhe atribui o n° 1 do artigo 368° do CPC, a adoção das providências cautelares conservatórias e, em particular, da providência da suspensão da eficácia de atos administrativos -- providência cuja atribuição, importa recordá-lo, nunca, até à entrada em vigor do CPTA, tinha estado dependente da formulação de qualquer juízo sobre o bem fundado da pretensão impugnatória do requerente".

Vejamos em concreto, o suscitado, sublinhando-se que a análise a efetuar se mostrará necessariamente perfunctória, atenta a circunstância de estarmos meramente perante uma Providência Cautelar, por natureza, um processo urgente.

Entende o Recorrente que a decisão de 1ª instância terá incorrido em erro sobre os pressupostos de facto, mas é exatamente a factualidade dada como provada que sustente a probabilidade de provimento da Ação Principal.

Alude-se nomeadamente aos seguintes factos dados como provados:

11) No âmbito do projeto financiado, a Autora procedeu à plantação de 6,29ha de macieiras, 3,47ha de cerejeiras, 2,74ha de pereiras e 2,67ha de marmeleiros com instalação de rega gota-a-gota, dois reservatórios, abertura de um furo, construção de um armazém de 400m², com aquisição de trator, reboque e diversas alfaias.
12) O terreno foi desmatado, limpo e tratado, em Dezembro de 2017.
13) Em 20-11-2018, existia mato e vegetação infestante visível, mas tal vegetação não colocava em causa o desenvolvimento do pomar.
14) A Requerente obteve receita proveniente da venda da fruta colhida do pomar entre os anos de 2017 e 2018.
(…)
17) A Requerente continuou a utilizar o referido armazém para guardar fruta e as máquinas adstritas à manutenção do pomar.
18) A Entidade Requerida elaborou o Relatório de controlo SUP2, respeitante a uma visita de 29-11-2019, relativamente às parcelas nº 2194647555016 e 2204674275012, no qual se fez constar que a Requerente cumpre todos os compromissos assinalados [cf. doc. junto com o requerimento a fls. 004421704].”

Com efeito, a referida factualidade dada como provada infirma o sentido da decisão cuja suspensão vem requerida, não permitindo perfunctoriamente concluir pela improbabilidade de procedência da Ação principal.

Assim, não se reconhece o recursivamente suscitado erro de julgamento, uma vez que a prova fixada e disponível aponta no sentido da verificação do pressuposto do fumus bonis iuris, não podendo o Recorrente a cingir-se a remeter em abstrato para a prova constante do Processo Administrativo em defesa do seu entendimento.

Com efeito, refere o Recorrente que “não foi devidamente valorada a prova documental constante do Processo Administrativo, o que levou o Tribunal a quo a fazer uma interpretação errada dos factos e da legislação aplicável (…)”. “(…) não se pode dizer que o ora recorrente se demitiu de fazer prova dos factos quando se dá como provado que pela DRAP Norte foi efetuada uma verificação física no local, tendo sido detetadas desconformidades/irregularidades. Mais, constata o Tribunal que essas desconformidades/irregularidades encontram-se expostas na Informação nº 2109/2018 junta ao PA (…)”.

Não se vislumbra que assim seja, pois como se disse, e por maioria de razão em Processo Cautelar, urgente, por natureza, não basta a junção do Processo Administrativo para que o Tribunal acriticamente e em bloco dê como provada toda a factualidade constante do mesmo, atento até que foi realizada audiência de julgamento, não podendo ser ignorada e descartada a prova aí feita.

Ainda relativamente à prova remissivamente feita face ao Processo Administrativo, o IFAP IP limitou-se a remeter de forma genérica e conclusiva para o seu conteúdo, sem identificar quais os documentos que potencialmente poderiam suportar o seu entendimento e os factos por si alegados.

Como se sumariou no Acórdão do TCAS nº 1052/16.7BESNT de 16-01-2020, “Os factos apurados pela Administração na fase procedimental e o respetivo processo administrativo não fazem prova plena dos factos apurados, antes se encontrando submetidos à livre apreciação da prova, podendo ser contraditados pelo Autor na ação judicial instaurada.
Se assim fosse, recaía sobre uma das partes da causa o poder de “fabricar” as suas próprias provas, além de a ação administrativa deixar de ser de plena jurisdição, no sentido de conhecer integralmente de facto e de direito, segundo os artigos 2.º e 3.º do CPTA.”

Por outro lado, como afirma Carlos Fernandes Cadilha, “É hoje indiscutível a insubsistência do princípio da presunção da legalidade do ato administrativo – que implicava a presunção da veracidade dos pressupostos de facto e de direito em que assentava a decisão administrativa e tinha como consequência que era ao impugnante que cabia o ónus de ilidir essa presunção. Tem-se aceite o entendimento de que a repartição do ónus da prova, no âmbito da ação administrativa especial, deverá ser efetuada em função da posição substantiva que as partes ocupam na relação jurídica material que está subjacente ao procedimento administrativo. No caso em que o ónus da prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do ato incumba à autoridade administrativa, o autor não está vinculado a demonstrar que esses pressupostos não existem, bastando-lhe que possa pôr em dúvida a validade da posição substantiva adotada pela Administração. Perante um non liquet probatório a ação deverá ser julgada procedente”.

Como se referiu na Sentença Recorrida, “A Requerente apresentou as suas razões de facto, em sede judicial, a fim de contrapor o que a Entidade Requerida alegou, em sede procedimental, ser mais do que suficiente para comprovar a fundamentação vertida no ato administrativo suspendendo.
Como é consabido, além do onus allegandi, há também o onus probandi. E só a Requerente se esforçou em produzir prova em sede judicial para demonstrar a sua versão dos factos. Se a prova pré-constituída em sede procedimental fosse por si só suficiente, seria despicienda a produção de prova constituenda que aflora do processo judicial tendente ao controlo da atividade administrativa. Mas não é. Portanto, apesar de no PA constarem diversos elementos fotográficos, cabia à Entidade Requerida empenhar-se em enquadrar e demonstrar, em sede judicial, a factualidade em que se estriba o ato administrativo suspendendo, com vista a contrapor aqui a posição da Requerida. Sucede que a Entidade Requerida aqui pouco fez. Assim, deu-se, em sentido oposto, como indiciariamente provado o que consta dos itens 11) a 17) do probatório em face da prova produzida nestes autos”.

Assim, o entendimento do IFAP IP, de acordo com o qual o processo administrativo contem elementos inequívocos que demonstram a existência de abandono da operação, soçobra perante o supra referenciado “Relatório de Controlo SUP2”, respeitante a uma visita ao terreno em 29.11.2019, no qual a própria entidade administrativa faz constar que são cumpridos todos os compromissos assinalados por parte da Recorrida (Facto Provado 18).

Em face de tudo quanto se discorreu, e tal como decidido em 1ª instância, atenta a prova produzida e fixada nos presentes Autos mostra-se provável a procedência da Ação principal, até por se não reconhecerem os suscitados erros quanto aos pressupostos de facto, o que determinará a confirmação da Sentença Recorrida.

V - DECISÃO

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
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Custas pelo Recorrido
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Porto, 8 de outubro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães