Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03341/19.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ACESSO A INFORMAÇÕES E CONSULTA DO PROCESSO DE ESCUSA DE ADVOGADO NOMEADO; ORDEM DOS ADVOGADOS; SEGREDO PROFISSIONAL.
Sumário:I-O pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre o advogado nomeado e a Ordem dos Advogados (OA), o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo quanto muito tais documentos conterem «dados pessoais», situação em que se impõe que tais dados sejam expurgados de acordo com um juízo de proporcionalidade.

II-O beneficiário do apoio judiciário não pode ser visto como alguém à margem do processo de apoio judiciário, quer na fase em que o processo corre na Segurança Social, quer na fase em que corre pela Ordem Advogados, pelo que qualquer incidente que venha a ser deduzido, como é o caso de pedido de escusa, diz-lhe respeito, tratando-se de um processo que tem como partes quem nomeia, o nomeado e o beneficiário.

III- O segredo profissional é fixado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança que se estabelece entre o advogado e respetivo cliente pelo que os pedidos de escusa, dirigidos à OA, não caiem sob a alçada do sigilo profissional. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ORDEM DOS ADVOGADOS
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte

I- RELATÓRIO

1.1. J., residente na Rua (…), (…), veio requerer contra a ORDEM DOS ADVOGADOS, com sede no Largo (…), (…), ao abrigo do artigo 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a sua intimação para a prestação de informações, pedindo a sua condenação da mesma a:
«i. Deferir os pedidos de consulta dos processos administrativos originais sob os n.ºs 125724/2017, 125730/2017, 80150/2019, 90359/2019, 135855/2018, 58916/2019, 73836/2013, 70489/2018, 85151/2019, 90430/2019 e 85165/2019;
ii. Deferir os pedidos de cópias dos processos administrativos originais sob os n.ºs 85313/2019, 90438/2019 e 85153/2019;
iii. Numerar todos os originais dos processos administrativos em que o Requerente é beneficiário;
iv. Proceder com o pagamento a favor do Requerente de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do Artigo 169.º, ex vi do Artigo 108.º, ambos do CPA; e ainda, mas sem prescindir
v. Doravante, e face ao reiterado incumprimento que origina os sucessivos processos administrativos de intimação, cumprir escrupulosamente com o preceituado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 15.º da Lei 26/2016 de 22 de agosto no que concerne a todos os seus processos administrativos em que o Requerente é beneficiário, sob pena de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a favor deste por cada dia de atraso no cumprimento daquele preceito legal.»

Alegou para tanto, em síntese, que deu entrada no Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses de três requerimentos dirigidos respetivamente a cada um dos processos administrativos, onde requereu cópias de páginas, designadamente: i) no dia 10 de julho de 2019, e porque o processo estaria “sem numeração”, requereu “cópias simples do pedido de escusa completo, do aditamento completo e do complemento final”, no âmbito do processo n.º 85313/2019, requerimento este reiterado a 26 de agosto; ii) no dia 26 de agosto de 2019, requereu “cópia das folhas 10 a 12”, no âmbito do processo n.º 90438/2019; iii) também no dia 26 de agosto de 2019, requereu ainda “cópia da folha 13”, no âmbito do processo n.º 85153/2019 e que até à presente data a Entidade Requerida não satisfez os seus pedidos, quando tem direito a que os mesmos sejam atendidos.

1.2. Citada para responder, a Ordem dos Advogados pugnou pela improcedência do peticionado, alegando que a pretensão do Requerente já se encontra satisfeita.

1.3. Notificado da resposta da Entidade Requerida, o Requerente pronunciou-se asseverando que a Requerida não juntou prova da sustentação da sua alegação, nem tão pouco foi notificado da junção aos autos dos referidos processos administrativos;
Que a a simples invocação de cumprimento pela Ré, s.m.o., nunca será bastante per se para que proceda o seu pedido de reconhecimento pela inutilidade superveniente da lide”;
Que não corresponde à verdade o alegado pela Requerida, tanto mais que as respostas obtidas foram sempre extemporâneas e de deferimento parcial.

1.4. Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa e se considerou disporem os autos dos elementos necessários à prolação da decisão final.

1.5. O TAF do Porto proferiu decisão que concedeu parcial provimento á pretensão do Requerente, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Em face do exposto, concede-se provimento parcial à pretensão deduzida pelo Requerente e, em consequência, intima-se a Ordem dos Advogados para, no prazo de 10 dias:
a) Facultar ao Requerente a consulta da integralidade dos processos administrativos n.ºs 125730/2017, 85151/2019, 90359/2019, 135855/2018, 9430/2019, 73836/2013 e passagem de certidão dos documentos que vierem a ser selecionados para esse fim;
b) Emitir as certidões das fls. fls. 9, 10, 11, 14, 15 e 16, do processo administrativo n.º 85313/2019 e das fls. 10 a 12 do processo n.º 90438/2019; absolvendo-se a Requerida dos demais pedidos.
*
Julga-se improcedente o demais peticionado, nos termos acima.
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Custas pela Ré Ordem dos Advogados e Requerente na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Requerente.
Registe e notifique.»

1.6. Inconformada com o assim decidido, a Entidade Requerida interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
«
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo, através da qual se decidiu que o ora Recorrido tinha direito a aceder à integralidade da documentação em discussão nos presentes autos.
B. Para o efeito, considerou-se no arresto recorrido que a documentação que foi expurgada dos procedimentos administrativos era parte integrante do respetivo procedimento administrativo de nomeação, considerando, assim, que, detendo o beneficiário de apoio judiciário um interesse direto em tal procedimento, deve aceder a tal documentação.
C. Ora, salvo o devido respeito, não se pode a ora Recorrente conformar com tal decisão, uma vez que, salvo melhor entendimento, a documentação supra referenciada diz respeito a troca de informação entre Advogado/Patrono Nomeado e a Recorrente, consubstanciada numa relação exclusivamente bilateral à qual o beneficiário de apoio judiciário é totalmente alheio.
D. Relevando para a decisão da causa que a Recorrente tenha efetivamente permitido o acesso à integralidade dos documentos procedimentais, expurgando apenas, e sempre de forma devidamente fundamentada, aqueles que são internamente classificados como sendo de matéria reservada.
E. Assim sendo, e não detendo, nos termos do art. 83º/nº1, qualquer interesse direto, nem tendo logrado provar qualquer interesse legítimo em conformidade com o disposto no artigo 85º do CPA., mal andou o Tribunal a quo ao intimar a ora Recorrente a facultar a consulta e passagem de certidão integral ao ora Recorrido.
F. Acresce ainda que tal documentação trocada entre Advogado e a R. encontra-se sujeita a sigilo profissional, dever esse que deve ser encarado numa perspetiva mais lata de interesse público, considerando as finalidades que vida atingir, extravasando a relação de confiança estabelecida entre advogado e cliente.
G. Ao não decidir assim, mal andou o douto Tribunal a quo, incorrendo, por tal motivo, a sentença ora posta em crise em erro de julgamento.
H. Pelo que, nos termos supra expostos, deve o presente recurso jurisdicional ser considerado procedente, por provado, revogando-se a sentença ora recorrida,
FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!»

1.7. O Requerido contra-alegou mas não formulou conclusões.

1.8.O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal resume-se em saber se a decisão recorrida, ao julgar parcialmente procedente a pretensão do apelado, violou o disposto nos artigos 268º da CRP, 83º e 85º, ambos do CPA, e o disposto no artigo 92º do EOA, enfermando de erro de julgamento de direito.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
3.1.A 1ª Instância julgou provada a seguinte factualidade:
«1. Em 10/07/2019, o Requerente requereu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses, no âmbito do processo n.º 85313/2019, o seguinte: “Tendo consultado à data de hoje o processo (sem numeração) pela presente pede cópias simples do pedido de escusa completo, do aditamento completo e do complemento final. A título informativo, informa-se que existem factos que não correspondem à verdade e à comunicação feita à senhora advogada feita via email (com documentos) no dia 10 de maio e da explicação pessoal feita no escritório, tendo a senhora advogada faltado à verdade”, tendo reiterado o pedido, em 26/08/2019, requerendo cópia das fls. 9, 10, 11, 14, 15 e 16 – cfr. doc. n.º 14 junto aos autos com o rá, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 19/07/2019, em 22/07/2019, em 23/07/2019 e em 24/07/2019, o Requerente requereu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses a consulta dos processos administrativos n.ºs 125724/2017, 125730/2017, 80150/2019, 90359/2019, 135855/2018, 58916/2019, 73836/2013, 70489/2018, 85151/2019 e 90430/2019 – cfr. docs. n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 juntos com o rá. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3. Em 22/07/2019, o Requerente remeteu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses, no que concerne ao processo n.º 125724/2017, o email do seguinte teor: “Por erro foi pedido a consulta deste processo administrativo, quando já tinha sido pedido anteriormente, recusada a consulta integral e agora proferida sentença no processo de intimação 1603/19.BEPRT do TAF do Porto. Nesse sentido dá sem efeito o email de 19.07.2019, enviado às 18,36h.” – cfr. print do email a fls. 226 do PA junto aos autos.
4. Em 26/08/2019, o Requerente requereu à ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses “cópia das folhas 10 a 12”, do processo n.º 90438/2019 e ainda “cópia da folha 13” do processo n.º 85153/2019 – cfr. docs. n.º 15 e 16 juntos aos autos com r.i, que aqui se dão por integralmente reproduzido.
5. Por despachos de 23 e 31 de julho, 1 e 2 de agosto, 16 de setembro, todos do ano de 2019, foi deferido o requerido, no âmbito dos processos n.ºs 125730/2017, 85151/2019, 90359/2019, 135855/2018, 9430/2019, 73836/2013, quanto a todos os documentos constantes do processo, incluindo os pedidos de escusa com fundamento em inviabilidade da pretensão e foi determinado que os restantes pedidos de escusa e requerimentos apresentados pelos Senhores Advogados fossem retirados dos processos, por razões de segredo profissional – cfr. docs. a fls. 22, 42, 66, 94, 111 e 283, o PA junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6. Por despachos de 27/08/2019 e de 26/08/2019 foi deferido o requerido quanto aos processos n.ºs 80150/2019 e 70489/2018, tendo requerente consultados os processos nos dias 20 e 26 de setembro de 2019, respetivamente– cfr. fls. 47, 53, 59 e 66 do PA junto aos autos.
7. Em 22/07/2019, no que concerne ao pedido formulado em 1 foi proferido o seguinte despacho: “Deve a secretaria lavrar cota das consultas ao processo AJ realizadas pelo beneficiário. Deve o funcionário do CAJJ que facultou o processo AJ pronunciar-se por escrito quanto ao alegado pelo beneficiário. Prazo: 10 dias”. – cfr. despacho a fls. 52 do PA junto aos autos.
8. Em 24/07/2019, em cumprimento do despacho referido no ponto anterior foi elaborada a seguinte “COTA”: “1. O beneficiário esteve presente nas instalações do CAJJ e consultou o processo em 10-07-2019 aproximadamente a partir das 15:00h. 2. O processo não estava numerado manualmente, uma vez que os processos ao serem digitalizados, automaticamente obtêm numeração devido ao formato do ficheiro pdf.” – cfr. cota a fls. 53 do PA junto aos autos.
9. Em 26/08/2019, o Requerente compareceu nas instalações do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados para consultar o processo n.º 85313/2019 – cfr. cota a fls. 59 do PA junto aos autos.
10. Em 11/12/2019, no que concerne ao pedido identificado no ponto 4 (processo n.º 90438/2019), foi proferido despacho, cujo excerto se transcreve: “(...). Acresce que, o requerente age em manifesto abuso de direito. Com efeito, este tem centenas de processos AJ pendentes e na quase totalidade tem pedido, sem qualquer interesse invocado ou a proteger, a consulta para posterior emissão de certidões, sendo certo que em momento posterior nem sequer as levanta. Ora, como “qualquer direito o de acesso à informação pode ser exercido de tal forma que constitua um abuso” – autor citado pág. 193.
Necessário é, assim, aquilatar se o exercício do direito viola a boa fé, os costumes ou o fim económico-social desse direito.
Assim acontece quando o requerente exige “recorrentemente informações sobre os mesmos factos (..) ou recorrentemente pede informações sobre múltiplos temas sem que haja real interesse em pedi-las.” - mesmo autor, pág. 193.
É o que acontece com o requerente.
Este já apresentou cerca de 30 pedidos de consulta de processos administrativos de nomeação de patrono sem invocar qualquer direito a exercer ou fundar o seu requerimento, pelo que o requerente viola claramente a boa fé e o fim económico desse direito.
Por outro lado, o beneficiário já consultou o processo AJ conforme o requerido, pelo que se indefere o pedido de cópia da escusa apresentada pela Dra. L. atento o supra referido. (...)” – cfr. despacho a fls. 83, do PA junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Em 20/09/2019, no que concerne ao pedido de cópia do processo n.º 85153/2019, identificado no ponto 4, foi proferido o seguinte despacho: “Defere-se a extração da Requerida cópia (fls. 27). Envie-se aos serviços centrais para ser feita a devida cobrança.” – cfr. despacho a fls. 35 do PA junto aos autos.
12. Através de email datado de 25/09/2019 o Requerente foi notificado do despacho identificado no número anterior, nos seguintes termos: “(...). Em cumprimento do despacho exarado pelo Exmo. Senhor Dr. R., Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, com competência delegada (..), informo V. Exa. que a fotocópia de escusa da Sra. Dra. H. está disponível, neste Conselho Regional, nas instalações sitas à Praça da República, 210, 4050-498 Porto, para levantamento e tem o custo de 0,10€. (...)” – cfr. print do email a fls. 37 do PA junto aos autos.
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Não foram dados como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Os factos provados resultaram do teor dos indicados documentos constantes dos autos.»
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III.B- DE DIREITO.
3.2. O Requerente, ora apelado, pediu ao TAF do Porto que intimasse a Ordem dos Advogados a reconhecer-lhe o direito à consulta e à emissão de certidões dos processos administrativos n.ºs 125724/2017, 125730/2017, 80150/2019, 90359/2019, 135855/2018, 58916/2019, 73836/2013, 70489/2018, 85151/2019, 90430/2019, 85313/2019, 90438/2019 e 85153/2019.
O Tribunal de 1.ª Instância julgou a pretensão formulada pelo apelado parcialmente procedente, intimando a Ordem dos Advogados para, no prazo de 10 dias:
«a) Facultar ao Requerente a consulta da integralidade dos processos administrativos n.ºs 125730/2017, 85151/2019, 90359/2019, 135855/2018, 9430/2019, 73836/2013 e passagem de certidão dos documentos que vierem a ser selecionados para esse fim;
b) Emitir as certidões das fls. fls. 9, 10, 11, 14, 15 e 16, do processo administrativo n.º 85313/2019 e das fls. 10 a 12 do processo n.º 90438/2019.»
3.3.A fundamentação avançada pelo Tribunal de 1.ª Instância para assim decidir foi a seguinte:
«(…) No caso dos autos, decorre da factualidade dada como provada, no que concerne aos processos administrativos n.ºs 125730/2017, 85151/2019, 90359/2019, 135855/2018, 9430/2019, 73836/2013, que a Requerida satisfez apenas parcialmente a pretensão do Requerente, pois facultou a consulta dos processos em causa, mas expurgados de determinados documentos (cfr. ponto 5 da matéria de facto assente).
Mais decorre da factualidade, no que concerne ao pedido de cópias formulados nos processos administrativos n.ºs 85313/2019 e 90438/2019, que a Requerida não satisfez a pretensão do Requerente.
Para sustentar a sua posição, a Requerida alega que os documentos não facultados e não incluídos nas certidões estão abrangidos pelo segredo profissional e dizem exclusivamente respeito à relação bilateral entre os advogados nomeados e a própria Requerida, à qual o beneficiário do apoio judiciário é totalmente alheio, pelo que tal restrição de acesso não configura qualquer limitação ao exercício dos seus direitos.
Aqui chegados, importa apreciar se o direito invocado pelo Requerente se insere ou não no âmbito do direito à informação procedimental e, bem assim, se a documentação que não foi facultada está abrangida pelo segredo profissional e diz respeito a uma relação bilateral entre os advogados nomeados e a própria Requerida, estranha aos interesses do próprio Requerente.
Como se depreende da posição assumida para própria Requerida, tal documentação é relativa aos pedidos de escusa dos advogados nomeados e, portanto, aos motivos que presidiram à substituição dos mesmos, tudo na sequência do apoio judiciário de que o Requerente beneficiou.
Ora, a propósito de caso semelhante ao dos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no Acórdão de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0991/16, disponível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos: “[...]
II - O pedido de escusa formulado por advogado, no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, que tem como partes o requerente do apoio judiciário e o respetivo serviço de segurança social;
III - Ao requerer à Ordem dos Advogados certidão do pedido de escusa formulado pelo patrono judiciário que lhe havia sido nomeado, o requerente exerce o seu direito à informação procedimental;
IV - O dever-direito do segredo profissional é consagrado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança estabelecida entre o advogado e o seu cliente, sendo verdade, porém, que a confiança que o advogado merece no exercício da sua profissão conduz a que esse dever de sigilo seja extensivo às suas relações profissionais com outrem que não o cliente;
V - Objetivamente, o pedido de escusa de patrono oficioso, dirigido à Ordem dos Advogados, não cai sob a alçada do sigilo profissional do advogado, antes se configura como documento eventualmente portador de «dados pessoais» que deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade.”
Tendo presente este entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, ao qual se adere sem reservas, e atenta a factualidade dada como provada nos autos, conclui-se, por um lado, que o pedido formulado pelo Requerente subsume-se ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra um procedimento em que o mesmo é diretamente interessado.
Por outro lado, e ao contrário do quem vem alegado pela Requerida, a documentação em causa não decorre de uma relação bilateral entre o profissional forense e a respetiva Ordem Profissional nem se situa no âmbito das relações internas desta entidade.
Pelo contrário, tal documentação dá corpo às vicissitudes de um procedimento que diz respeito essencialmente ao Requerente e do qual o mesmo é parte diretamente interessada, razão pela qual tem direito quer à sua consulta quer à emissão de certidão do seu teor.
Não obstante, não se pode perder de vista que o direito fundamental à informação dever ser ponderado com o também direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), ponderação que deverá ser concretizada à luz do princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
Dando concretização a estes comandos constitucionais, o Código do Procedimento Administrativo estabelece, no seu artigo 83.º n.º 2, que o direito à informação não prejudica a necessidade de proteção dos dados pessoais de terceiros.
Porém a esse propósito, a Requerida limita-se a proceder a alegação genérica e conclusiva de que “resulta claramente que dos pedidos de escusa resultam sempre a divulgação de dados de natureza pessoal dos senhores mandatários que não podem ser de acesso dos senhores beneficiários” o que, naturalmente, não pode fundamentar a recusa.
Acresce que, ainda que se verificasse a existência de dados pessoais a salvaguardar, não poderia a Requerida suportar-se nesse facto para se escusar a facultar ao Requerente o acesso à informação, pois esta sempre teria lugar, embora expurgada dos elementos relativos à concreta matéria reservada (cfr. artigo 6.º n.º 8 da Lei n.º 26/2016, de 22/08).
Face ao exposto, é forçoso concluir que o Requerente tem direito a aceder à integralidade da documentação constante dos processos administrativos, razão pela qual será de conceder provimento à presente intimação no que concerne à consulta integral dos processos administrativos n.ºs 125730/2017, 85151/2019, 90359/2019, 135855/2018, 9430/2019, 73836/2013, bem como à emissão das certidões requeridas dos processos administrativos n.ºs 85313/2019 e 90438/2019.
No que concerne aos pedidos de consulta formulados nos processos administrativos n.ºs 80150/2019, 70489/2018, decorre da matéria de facto assente o deferimento dos mesmos, pelo que quanto a estes a pretensão do Requerente foi satisfeita (cfr. ponto 6 da matéria de facto assente), devendo, por isso, improceder a presente intimação quanto a estes pedidos.
De igual modo é de improceder a pretensão do Requerente quanto à consulta do processo administrativo n.º 125724/2017, na medida em que a sua pretensão foi satisfeita, tendo inclusive o mesmo, por e-mail datado de 22/07/2019, desistido de tal pretensão (cfr. ponto 3 da matéria de facto assente), pelo que não se percebe o pedido agora formulado, tanto mais que o Requerente já tinha intentado um processo de intimação para consulta daquele processo, que correu termos neste tribunal sob o n.º 1603/19.5BEPRT. Sendo também de improceder a sua pretensão quanto ao processo administrativo n.º 85153/2019, porquanto a Requerida deferiu o pedido do Requerente com a consequente emissão da certidão requerida, todavia o mesmo não procedeu ao seu levantamento, apesar de ter sido notificado para o efeito (cfr. pontos 11 e 12 da matéria de facto assente).
Finalmente, o Requerente requer, ainda, a intimação da Requerida a proceder ao pagamento a seu favor de uma sanção pecuniária, nos termos do artigo 169.º ex vi artigo 108.º do CPTA; “e ainda sem prescindir, Doravante, e face ao reiterado incumprimento que origina os sucessivos processos administrativos de intimação, cumprir escrupulosamente com o preceituado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 15.º da Lei 26/2016 de 22 de agosto no que concerne a todos os seus processos administrativos em que o Requerente é beneficiário, sob pena de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a favor deste por cada dia de atraso no cumprimento daquele preceito legal”.
Determina o artigo 108.º do CPTA que “se der provimento ao processo o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias” (n.º 1), referindo o n.º 2 que “se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159.º.”
De acordo com o preceito acabado de transcrever, o poder de aplicar sanções só opera quando haja um primeiro incumprimento da intimação “sem justificação aceitável”. Por isso, como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in ob. cit, pág. 880 “A medida compulsória não poderá, pois, ser aplicada sem uma prévia averiguação, destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável, assim, se compreendendo a inclusão, no preceito, do inciso “sem justificação aceitável”.
Aliás, nesse sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/01/2008, proferido no processo n.º 3362/2007, disponível em www.dgsi.pt, em que se firmou a seguinte doutrina “as sanções pecuniárias compulsórias, atenta a sua natureza preventiva, só são aplicáveis quando tal se justifique, pressupondo este critério de justificação um juízo de valor sobre o eventual incumprimento da decisão, juízo esse de ponderação assente em factos concretos que permitam concluir se o eventual incumprimento é ou não desculpável”.
Por outro lado, o modo de aplicação da medida, bem como os critérios de fixação do respetivo montante e o destino a dar às importâncias devidas são estabelecidas no artigo 169.º do CPTA.
Ora, determina o n.º 7, do referido preceito que “As importâncias que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória constituem receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º”
De acordo com a norma transcrita as importâncias correspondentes à sanção pecuniária compulsória não são devidas a título de indemnização por danos. Por isso como refere, mais uma vez, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in ob. cit, pág. 1263, “o dever de pagar uma quantia em dinheiro por cada dia de atraso é cominado como uma ameaça, no momento (a que se refere o n.º 1) em que a sanção pecuniária é imposta, e é aplicada como uma sanção, com função punitiva e não reparatória, no momento a que se refere o n.º 5, da liquidação dos montantes devidos.
Ora, nesta perspetiva, o n.º 7 estabelece que a importância resultante da aplicação da sanção pecuniária compulsória fica consignada à dotação anual a que se refere o artigo 172.º, n.º 3, optando, desse modo por determinar que essa importância reverte para o Estado, e não para o outro destino teoricamente possível numa análise de direito comparado, que seria o património do credor (cfr. (cfr., como lugar paralelo, o artigo 829.2-A, n.º 3, do CC).
O exequente pode, naturalmente, fazer valer pelos meios próprios o direito ao ressarcimento dos danos que o incumprimento da obrigação lhe possa ter causado, exigindo, desse modo, que a entidade pública que incorreu em incumprimento lhe pague uma indemnização por esse facto. Mas não tem, por esse facto, direito a beneficiar das importâncias que, em razão desse incumprimento, sejam devidas pelo titular ou titulares do órgão ou órgãos incumpridores, a título de sanção pecuniária compulsória, que são exclusivamente consignadas à dotação a que se refere o artigo 172.º, n.º 3. Uma coisa é, na verdade, a responsabilidade civil extracontratual em que a entidade pública possa estar constituída perante o exequente em razão do incumprimento em que incorreu - e que ao exequente caberá fazer valer, pelos meios próprios, em ação a propor contra essa entidade -e outra o dever em que o referido titular ou titulares fiquem constituídos, perante o Estado, de pagar o quantitativo que lhes foi fixado por cada dia de atraso em que incorreram no cumprimento da obrigação em causa.”
Em face do exposto e sem mais considerandos será de improceder os pedidos formulados pelo Requerente, no que concerne à intimação da Requerida a proceder ao pagamento a seu favor de uma sanção pecuniária, bem como de aplicação de sanção pecuniária compulsória para cumprimento das alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 15.º da Lei 26/2016 de 22.»

A apelante não se conforma com o assim decidido, assacando á decisão recorrida vício de julgamento que na sua ótica determina a revogação dessa decisão por este TCAN.

3.4.Está em causa saber se a decisão sob sindicância violou o disposto nos artigos 268º da CRP, 83º e 85º, ambos do CPA, e bem assim, o disposto no artigo 92º do EOA, entendendo a apelante que o apelado não tem um interesse direto no acesso à documentação, por as informações aí contidas, encerrarem uma relação única e exclusivamente bilateral entre o advogado e a sua Ordem Profissional, relação essa a que o apelado é totalmente alheio e por a tal se opor o respeito pelo segredo profissional a que o advogado se encontra sujeito.
Mas sem manifesta razão.
Vejamos.
3.5. Conforme sintetizou o Meritíssimo juiz a quo «A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões dá concretização, no plano da lei processual, ao imperativo constitucional decorrente do artigo 268.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa:
“1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”
Destina-se esta forma de processo declarativo urgente a “efectivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde ao direito à informação não procedimental” (MÁRIO AROSO DEALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 855).
A presente forma processual tem em vista a efetivação jurisdicional do direito à informação, procedimental e não procedimental, consagrado nos artigos 82.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01) e na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos).
Assim, o direito à informação procedimental pressupõe a prévia existência de um determinado procedimento em tramitação, na medida em que a informação pretendida está inserida nesse mesmo procedimento, bem como a verificação de um interesse direto ou interesse legítimo do requerente.
Por sua vez, o direito à informação não procedimental consubstancia-se no direito de acesso a documentos administrativos integrantes de procedimentos já finalizados ou a arquivos ou registos administrativos, sendo, em princípio, conferido a todos os cidadãos.
Estas duas modalidades do direito à informação assentam em distintas razões de ser, pois enquanto o direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas daqueles que participam, ou podem vir a participar, num procedimento administrativo, o direito à informação não procedimental tem em vista proteger o interesse, de carácter essencialmente objetivo, da transparência administrativa.
No âmbito do acesso à informação procedimental, o direito à consulta de processos e o direito a obter certidões do seu teor são especificamente enquadrados pelas disposições constantes do referido artigo 83.º do Código do Procedimento Administrativo que dispõe: “1 - Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei.
3 - Os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.”
Concretamente, as normas contidas no Código do Procedimento Administrativo dirigem-se à consagração do direito de acesso a “factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” (autores e obra citados, p. 855).
Diversamente, as disposições constantes da Lei n.º 26/2016 versam sobre o acesso a documentos que se encontrem em arquivos ou registos administrativos, concretizando o princípio constitucional da administração aberta (artigo 268.º n.º 2 da Constituição). Assim, este direito não pressupõe a participação em procedimento ou sequer o decurso de um procedimento.
Nesta última vertente, não é condição do exercício do direito à informação a detenção de qualquer qualidade ou a demonstração de legitimidade, pela titularidade de um interesse direto, conforme resulta do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 26/2016: “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”
O dever de prestar estas informações resulta, assim, enquadrado pelas disposições da Lei n.º 26/2016, sem que as restrições ao direito de acesso previstas no seu artigo 6.º, relativas, no essencial, a matérias sigilosas ou a documentos nominativos, tenham aplicação ao caso em apreço.»

3.6. A decisão sob escrutínio seguiu incólume a jurisprudência dos Tribunais Superiores desta Jurisdição, que têm vindo a considerar, em múltiplos arestos, que o pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre o advogado nomeado e a Ordem dos Advogados, o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo quanto muito tais documentos conterem «dados pessoais», situação em que se impõe que tais dados sejam expurgados de acordo com um juízo de proporcionalidade.
Neste sentido, para além do Acórdão do TCAN de 27/09/2019, proferido no processo n.º 1603/19.5BEPRT, e do Acórdão do STA, de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0991/16, citados na decisão recorrida, apontam-se ainda os seguintes acórdãos: (i) deste TCAN, Acórdão de 11.01.2019, processo nº. 2167/18.2BEEPRT; (ii) do TCA Sul, acórdãos de 21.04.2015, processo nº. 12723/15 e de 22.06.2017; de 22.06.2017, processo nº. 13352/16 e de 23.11.2017, processo n.º 1769/17.9BELSB.

3.7. O ordenamento jurídico português garante o direito à informação procedimental de forma clara, assegurando a quem tiver interesse legítimo o direito a consultar ou a obter certidão de documentos do processo, ressalvando-se os documentos classificados, ou que revelem segredo comercial ou industrial, e ainda segredo relativo à propriedade literária, artística ou cientifica (vide Ac. do TCAS, de 23.11.2017, processo n.º 1769/17.9BELSB).
Na situação vertente, está em causa o acesso do apelado aos processos e certidões dos documentos, relativos ao incidente de escusa apresentado pelo patrono nomeado, que foi deferido pela Ordem dos Advogados, no âmbito de pedido de apoio judiciário que apresentou.
Ora, estando em causa um direito a consultar os processos administrativos e a obter certidões de documentos relativos ao pedido de apoio judiciário formulado pelo próprio beneficiário, mal se compreenderia que à luz do direito constitucional à informação fosse negado ao apelado, enquanto beneficiário do patrocínio oficioso, tal direito á informação com a justificação de que a informação pretendida se encontra a coberto do sigilo profissional a que os advogados se encontram sujeitos, salvaguardados os dados pessoais.
Considerando que o requerente é o autor do pedido de apoio judiciário no âmbito do qual o advogado nomeado pela Ordem dos Advogados pediu escusa, o mesmo tem interesse legítimo na consulta integral dos processos relativos a essa pretensão que correram termos na Ordem dos Advogados.
O apelado, na sua qualidade de beneficiário, não pode ser visto como alguém à margem do processo de apoio judiciário, quer na fase em que o processo corre na Segurança Social, quer na fase em que corre pela Ordem Advogados, o que sucede quando está em causa a nomeação de patrono oficioso. Por conseguinte, qualquer incidente que venha a ser deduzido, como é o caso de pedido de escuda, diz-lhe respeito, tratando-se de um processo que tem como partes quem nomeia, o nomeado e o beneficiário, sendo inegável que a parte mais interessada é o beneficiário, porquanto qualquer incidente que se sobreponha a esta relação, interfere automaticamente com a esfera de quem deu impulso ao processo.
E, quanto ao segredo profissional, o dever-direito deste segredo profissional é fixado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança que se estabelece entre o advogado e respetivo cliente.
E por isso mesmo, é normalmente em favor do cliente que o princípio do segredo é previsto, sendo verdade, no entanto, que a confiança que o advogado merece ao exercer a profissão conduz a que o mesmo dever de sigilo seja extensivo às suas relações profissionais com outrem que não o cliente. Cfr. A. LOPES CARDOSO, in «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 49, páginas 871 e seguintes.
Como bem contra-alega o apelado, no presente caso, «nada leva a crer que esteja em causa a relação de confiança estabelecida entre os patronos oficiosos nomeados e o seu patrocinado, mas antes uma exposição de motivos por eles dirigidos à OA para obter escusa da nomeação, sendo certo que a OA, enquanto demandada neste processo, não alega que tais motivos, por eles apresentados, se integrem no âmbito substantivo do sigilo que se lhe impunha.
É indiscutível que a Ordem dos Advogados está obrigada a respeitar absoluto sigilo sobre as informações provenientes dos pedidos de escusa, salvaguardando e defendendo os interesses dos seus associados, o que não significa, em abstrato, que os motivos dos mesmos não possam ser apreciados pelo Tribunal.
Assim, e objetivamente, os pedidos de escusa, dirigidos à OA, não caiem sob a alçada do sigilo profissional, sendo certo que, no caso concreto, a OA não justifica que o deva ser de forma diferente.
Mesmo que o fosse, sempre seria o próprio favorecido pelo segredo a pô-lo em causa.
Também não está em causa que caiba à Ordem dos Advogados aferir da (in)existência da obrigatoriedade de segredo profissional, nem tão pouco da legitimidade da escusa invocada, mas tão só, saber se as certidões e a consulta integral dos processos administrativos podem ser emitidas e facultadas ao Requerente.
Através deste processo, pretende o Requerente, somente, ver exercido o direito subjetivo à informação procedimental.
E para que se considere legítimo titular do direito à informação procedimental, basta que ocupe a posição de cidadão diretamente interessado num procedimento administrativo.
Ora, não restando dúvidas que o processo de apoio judiciário revista essa qualidade, também não há qualquer dúvida em como o apelado tem interesse na informação requerida, uma vez que, sendo o beneficiário da proteção jurídica, não pode ser alheio às vicissitudes que essa relação encerra.»

3.8. Os argumentos invocados pelo apelante foram cuidadosamente analisados pelo TAF do Porto e em nada se afastam da argumentação expendida no Acórdão do STA de 01/02/2017, processo nº 0991/16, prolatado em situação com contornos similares à dos presentes autos, no qual, transpondo-se os seus considerandos para a situação em análise, habilmente se elucida sobre a falta de razão do apelante e que ora transcrevemos:
“(…)O pedido de escusa, deduzido pelo patrono já nomeado ao beneficiário do apoio judiciário, é dirigido à OA que o nomeou, mas repercute-se essencialmente no beneficiário da nomeação: interrompe o prazo em curso de processo pendente; leva à nomeação de outro patrono; e, pode até resultar na recusa de nomeação se o fundamento do pedido de escusa for a inexistência de fundamento legal da pretensão - artigos 34º do referido «Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais».
O pedido de escusa incide os seus efeitos, pois, e directamente, sobre a relação estabelecida entre o patrono nomeado e o beneficiário da nomeação, podendo inutilizar o manancial de confiança já investida por este último naquele, e, até, contender com a possibilidade dele ser assistido por qualquer patrono oficioso.
Assim, à partida, tendo em conta que no pedido de escusa o patrono nomeado tem de alegar os «motivos» do mesmo [artigo 34º, nº1, do referido «Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais»], não custa admitir que o beneficiário dessa nomeação, agora posta em causa, tenha interesse pessoal, e directo, em saber os «motivos» por que o «seu» advogado pretende deixar de o ser.
Aliás, que as motivações do pedido de escusa não estão, por regra, blindadas ao conhecimento do beneficiário do patrocínio, é uma conclusão que pode colher argumento no regime paralelo da magistratura judicial, já que, deduzido pedido de escusa pelo juiz da causa, o respectivo presidente [da Relação ou do Supremo] «ouve, se o entender conveniente, a parte que poderia opor a suspeição, mandando-lhe entregar cópia da exposição do juiz» [artigo 119º, nº4, do CPC].
Para além disso, não estamos, normalmente, perante procedimentos acabados, de tal forma que faça sentido integrar o tipo de pretensão em causa no âmbito do «acesso aos arquivos e registos administrativos».
Temos, pois, que o direito que o ora recorrido pretendeu exercer, através deste «processo urgente de intimação para passagem de certidão», como ele próprio, aliás, acentuou através das normas legais invocadas no seu requerimento inicial, foi o seu direito subjectivo à informação procedimental. E este enquadramento, conforme acabamos de ver, mostra-se correcto.
10. Diz o artigo 87º do EOA aqui aplicável, que o «advogado» é «obrigado» «a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços» [seu nº1], designadamente quanto «A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos exclusivamente por revelação do cliente ou revelados por ordem dele» [alínea a)]; «A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados [alínea b)]; «A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração» [alínea c)]; «A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-assistente do seu constituinte ou pelo respectivo representante» [alínea d)]; «A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio» [alínea e)]; «A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo» [alínea f)], sendo que o segredo profissional abrange, ainda, «documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo» [nº3].
Como resulta do texto da norma legal, o dever-direito deste segredo profissional é fixado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança que se estabelece entre o advogado e respectivo cliente, relação que não pode ser desmerecida pelo propalar dos factos narrados ou passados entre ambos.
E por isso mesmo, é normalmente em favor do cliente que o princípio do segredo é previsto, sendo verdade, no entanto, que a confiança que o advogado merece ao exercer a profissão conduz a que o mesmo dever de sigilo seja extensivo às suas relações profissionais com outrem que não o cliente [A. LOPES CARDOSO, in «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 49, páginas 871 e seguintes].
Ora, no presente caso, tudo indica que não está em causa a relação de confiança estabelecida entre a patrona oficiosa nomeada e o seu patrocinado, mas antes uma exposição de motivos por ela dirigida à OA para obter escusa da nomeação, sendo certo que a OA, enquanto demandada neste processo, não alega que tais motivos, por ela apresentados, se integrem no âmbito substantivo do sigilo que se lhe impunha.
De todo o modo, neste caso, nem o sigilo é invocado pela advogada em causa, nem o pedido de certidão é feito por terceiro, mas precisamente por aquele que é o directamente protegido pelo sigilo profissional.
Assim, e objectivamente, o pedido de escusa da patrona oficiosa, dirigido à OA, não cai sob a alçada do sigilo profissional, sendo certo que, no caso concreto, a OA não justifica que seja de forma diferente. Mesmo que o fosse sempre seria o próprio favorecido pelo segredo a pô-lo em causa.
Impõe-se concluir, portanto, que o pedido de escusa formulado pela patrona do recorrente não se encontra a coberto do segredo profissional, antes se tratará de documento, ou documentos, eventualmente «portadores de dados pessoais» que devam ser protegidos.»

Termos em que improcedem os fundamentos de recurso deduzidos pelo apelante, devendo a decisão recorrida ser mantida.

IV-DECISÃO.

Nesta conformidade, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, julgam improcedente a presente apelação e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 1º do CPTA).
*
Notifique.
*
Porto, 29 de maio de 2020



Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro