Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00001/21.5BCPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA; PROCESSO DE RECUSA DE ÁRBITRO; DECISÃO SOBRE A RECUSA; TRIBUNAL ESTADUAL COMPETENTE.
Sumário:1 – Nos termos e para efeitos do processo de recusa de árbitro cuja competência seja atribuída a Tribunal estadual, a que se reporta o artigo 14.º, n.º 3 da LAV [Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro], quando a mesma [recusa] tenha sido considerada justificada [Cfr. artigo 59.º, n.º 1 da LAV], é da competência do Tribunal de 2.ª instância [in casu, o TCA Norte] apreciar e decidir sobre essa decidida recusa, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, também da LAV.

2 - Para quaisquer outras matérias que não caibam no âmbito do referido artigo 59.º, n.º 1 da LAV, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo.

3 – E para efeitos do disposto no n.º 1 do referido artigo 59.º da LAV, integra essa previsão normativa a situação em que o Tribunal Arbitral tenha já apreciado o pedido de recusa de um árbitro, e nesse conspecto tenha decidido não considerar justificada essa recusa e indeferido o requerimento apresentado para esse efeito por uma das partes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICIPIO (...)
Recorrido 1:F.
Votação:Unanimidade
Decisão:Declarar o TCAN incompetente.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - RELATÓRIO


O MUNICÍPIO (...)/ÁGUAS DE (...), E.M., com invocação do disposto nos artigos 13.º, 14.º n.ºs 2 e 3, 59.º, n.º 1, alínea b) e 60.º, todos da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro, veio requerer a este TCA Norte, que seja proferida decisão sobre o pedido de recusa do árbitro Presidente F., função que o mesmo havia aceitado por sua declaração datada de 02 de outubro de 2019.

Para tanto e em suma, referiu:

- que ao abrigo da 10.ª cláusula do contrato de recolha de efluentes, outorgado em 30 de dezembro de 2004, requereram a constituição do Tribunal Arbitral para dirimir divergências entre si [o Município (...)/AC-ÁGUAS DE (...), E.M.] e a Águas do (...), S.A., que fossem emergentes desse contrato.

- que no decurso do processo arbitral, promoveram a recusa do árbitro Presidente F., tendo a final do Requerimento inicial formulado o seguinte pedido: “… Termos em que se recusa e peticiona o afastamento do Senhor Árbitro Presidente …” [Cfr. doc. n.º 2 junto com o Requerimento inicial].

- que esse árbitro recusando, por seu despacho datado de 20 de julho de 2020, mas que só lhes foi notificado em 04 em Dezembro de 2020, rejeitou a recusa, tendo para o efeito deduzido oposição, para aqui se extraindo o seu segmento final [Cfr. doc. n.º 3 junto com o Requerimento inicial], como segue:

“[…]
Tendo em conta todas as considerações expostas nesta pronúncia acerca do pedido de afastamento da nossa qualidade de Juiz Presidente deste Tribunal Arbitral, pensamos que não existem razões objectivas capazes de justificar o nosso afastamento do cargo para o qual fomos nomeados pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.”.

- que por despacho datado de 02 de Fevereiro de 2021 os dois árbitros nomeados, que entretanto passaram a integrar o Colégio Arbitral pronunciaram-se pelo indeferimento do pedido de recusa por si deduzido [pelos Requerentes] – Cfr. doc. n.º 4 junto com o Requerimento inicial -, que para aqui se extrai parte, como segue:

“[…] Ponderados os argumentos invocados pelos Senhores Mandatários das ÁGUAS DE (...), EM, e MUNICÍPIO (...) no pedido de escusa do Senhor Juiz Árbitro Presidente deste Tribunal […] decidimos considerar improcedente o mencionado pedido de escusa, por concordarmos integralmente com os argumentos/considerações vertidas na pronúncia/resposta do Senhor Juiz Árbitro Presidente.”.
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Por nosso despacho datado de 15 de maio de 2021 foi ordenada a notificação da Águas do (...), S.A., assim como de cada um dos três membros integrantes do Tribunal Arbitral para que se pronunciassem sobre o conteúdo do Requerimento inicial apresentado, o que fizeram.

Nesse sentido, a sociedade comercial Águas do (...), S.A, contrariou a argumentação expendida pelos Requerentes, tendo a final do seu articulado requerido que o pedido de recusa deve ser julgado totalmente improcedente, e bem assim, peticionou a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé e no pagamento de indemnização a ser-lhe arbitrada [a cujo pedido vieram os Requerentes exercer o direito ao contraditório, pelo qual, entre o mais, também requereram a condenação daquela sociedade comercial como litigante de má-fé e no pagamento de indemnização].

Por seu turno, no âmbito da sua pronúncia, também F. argumentou e peticionou no sentido da rejeição do pedido de recusa em que é visado, argumentação esta que veio a ser reiterada na pronúncia deduzida por P..

Também J. contrariou a argumentação expendida pelos Requerentes, tendo referido em suma que as queixas apresentadas a terem algum sentido, o seria no âmbito de uma futura acção de anulação do processo arbitral, mas já não para um processo de recusa de árbitro, para além de ter invocado que este pedido foi intempestivamente deduzido.
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Por nosso despacho datado de 19 de julho de 2021, foi ordenada a notificação dos identificados intervenientes processuais para efeitos de, em audiência contraditória [Cfr. artigo 3.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA], virem aos autos emitir pronúncia tendo subjacente o pressuposto de que a competência em razão da matéria ser do Tribunal Administrativo de Círculo em cuja circunscrição se situa o local da arbitragem, o que tudo apontava no sentido de ser competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e não este TCA Norte.
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Regularmente notificados os identificados intervenientes [o MUNICÍPIO (...)/AC ÁGUAS DE (...), E.M., e a sociedade comercial Águas do (...), S.A.], nada disseram sobre tal propósito.
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Cumpre apreciar e decidir.

Conforme já expendemos no nosso referido despacho datado de 19 de julho de 2021, era nossa motivação vir a julgar que este Tribunal Central Administrativo Norte não era competente para conhecer do mérito da pretensão aqui deduzida pelo MUNICÍPIO (...)/AC-ÁGUAS DE (...), E.M., e que para o efeito o era o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra.

E como então já expendemos, com referência ao pedido de recusa deduzido pelos Requerentes junto do Tribunal Arbitral [em que a final peticionaram a recusa e afastamento do árbitro F.], o mesmo foi também objecto de efectiva apreciação e decisão por parte de dois árbitros desse Tribunal [J.e P.] que em suma julgaram esse pedido de recusa improcedente, por sua decisão datada de 02 de fevereiro de 2021.

Atento o disposto no artigo 13.º do CPTA, “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, pelo que, em face do que vem alegado e requerido pelos Requerentes, importa analisar se o pedido formulado, cabendo no âmbito da jurisdição administrativa dada a natureza da relação jurídica estabelecida, se a sua apreciação cabe todavia no âmbito da esfera de jurisdição deste TCA Norte.

Neste conspecto e por facilidade, para aqui extraímos os artigos 14.º e 59.º, ambos da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro - Lei da Arbitragem Voluntária -, como segue:

“Artigo 14.º
Processo de recusa
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, as partes podem livremente acordar sobre o processo de recusa de árbitro.
2 - Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º [sublinhado da nossa autoria]. Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o tribunal arbitral, com participação do árbitro visado, decide sobre a recusa.
3 - Se a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insusceptível de recurso. [sublinhado da nossa autoria]
Na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença.”

“Artigo 59.º
Dos tribunais estaduais competentes
1 - Relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1 do presente artigo, o domicílio da pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, é competente para decidir sobre:
a) A nomeação de árbitros que não tenham sido nomeados pelas partes ou por terceiros a que aquelas hajam cometido esse encargo, de acordo com o previsto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 10.º e no n.º 1 do artigo 11.º;
b) A recusa que haja sido deduzida, ao abrigo do n.º 2 do artigo 14.º, contra um árbitro que a não tenha aceitado, no caso de considerar justificada a recusa; [sublinhado da nossa autoria]
c) A destituição de um árbitro, requerida ao abrigo do n.º 1 do artigo 15.º;
d) A redução do montante dos honorários ou despesas fixadas pelos árbitros, ao abrigo do n.º 3 do artigo 17.º;
e) O recurso da sentença arbitral, quando este tenha sido convencionado ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º;
f) A impugnação da decisão interlocutória proferida pelo tribunal arbitral sobre a sua própria competência, de acordo com o n.º 9 do artigo 18.º;
g) A impugnação da sentença final proferida pelo tribunal arbitral, de acordo com o artigo 46.º;
h) O reconhecimento de sentença arbitral proferida em arbitragem localizada no estrangeiro.
2 - Relativamente a litígios que, segundo o direito português, estejam compreendidos na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos, a competência para decidir sobre matérias referidas nalguma das alíneas do n.º 1 do presente artigo, pertence ao Tribunal Central Administrativo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem [sublinhado da nossa autoria] ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1, o domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença.
3 - A nomeação de árbitros referida na alínea a) do n.º 1 do presente artigo cabe, consoante a natureza do litígio, ao presidente do Tribunal da Relação ou ao presidente do tribunal central administrativo que for territorialmente competente.
4 - Para quaisquer questões ou matérias não abrangidas pelos n.ºs 1, 2 e 3 do presente artigo e relativamente às quais a presente lei confira competência a um tribunal estadual, são competentes o tribunal judicial de 1.ª instância ou o tribunal administrativo de círculo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem, consoante se trate, respectivamente, de litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais ou na dos tribunais administrativos. [sublinhado da nossa autoria]
[…]
7 - Nos processos conducentes às decisões referidas no n.º 1 do presente artigo, o tribunal competente deve observar o disposto nos artigos 46.º, 56.º, 57.º, 58.º e 60.º da presente lei.
[…]
11 - Se num processo arbitral o litígio for reconhecido por um tribunal judicial ou administrativo, ou pelo respectivo presidente, como da respectiva competência material, para efeitos de aplicação do presente artigo, tal decisão não é, nessa parte, recorrível e deve ser acatada pelos demais tribunais que vierem a ser chamados a exercer no mesmo processo qualquer das competências aqui previstas.”

Neste patamar.

Como resulta do intróito do Requerimento inicial, os Requerentes fundam a sua causa de pedir assim como o pedido formulado, no n.º 2, ex vi alínea b) do n.º 1, ambos do artigo 59.º da LAV.

Ou seja, que relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos, a competência para decidir sobre as matérias referidas nalguma das alíneas do n.º 1 do presente artigo, em particular, a recusa que haja sido deduzida ao abrigo do n.º 2 do artigo 14.º, contra um árbitro que a não tenha aceitado, no caso de considerar justificada a recusa, é competente para conhecer do seu mérito o Tribunal Central Administrativo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem.

Acontece que, como assim foi alegado pelos Requerentes sob o ponto 6.º do Requerimento inicial, a recusa de árbitro, que peticionaram ao Tribunal Arbitral, foi indeferida em 02 de fevereiro de 2021, sendo que, se a recusa tivesse sido considerada justificada, o conhecimento do mérito do pedido dos Requerentes seria da competência deste TCA Norte ao abrigo do artigo 59.º, n.º 2 da LAV.

Mas a recusa não foi considerada justificada, antes porém, foi até indeferida, pelo que tendo subjacente o disposto no artigo 59.º, n.º 4 da LAV, a competência em razão da matéria é do Tribunal Administrativo de Círculo em cuja circunscrição se situa o local da arbitragem, nos termos do artigo 14.º, n.º 3 da LAV.

Efectivamente, a mera discordância de uma das partes [que entenderam submeter o assunto a uma convenção de arbitragem] sobre a consideração do pedido formulado, quando o próprio Tribunal arbitral constituído já apreciou o pedido de recusa e entendeu não a considerar [a recusa] justificada, na medida em que não existe qualquer conflito no seio do Tribunal arbitral, por ter já sido tomada decisão e por unanimidade dos seus membros, no sentido de considerar justificada essa recusa, a questão que vem suscitada pelos Requerentes, deve ser apreciada pelo Tribunal estadual de 1.ª instância.

De maneira que, não sendo a pretensão deduzida pelo MUNICÍPIO (...)/AC ÁGUAS DE (...), E.M., subsumível à previsão normativa a que se reporta qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 59.º da LAV, julgamos assim que este TCA Norte é incompetente em razão da matéria, para conhecer do seu mérito, e que competente para o efeito é o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, em cuja circunscrição se situa o local da arbitragem, nos termos dos artigos 59.º, n.º 4 e 14.º, n.º 3, ambos da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Lei da Arbitragem Voluntária; Processo de recusa de árbitro; Decisão sobre a recusa; Tribunal estadual competente.

1 – Nos termos e para efeitos do processo de recusa de árbitro cuja competência seja atribuída a Tribunal estadual, a que se reporta o artigo 14.º, n.º 3 da LAV [Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro], quando a mesma [recusa] tenha sido considerada justificada [Cfr. artigo 59.º, n.º 1 da LAV], é da competência do Tribunal de 2.ª instância [in casu, o TCA Norte] apreciar e decidir sobre essa decidida recusa, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, também da LAV.

2 - Para quaisquer outras matérias que não caibam no âmbito do referido artigo 59.º, n.º 1 da LAV, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo.

3 – E para efeitos do disposto no n.º 1 do referido artigo 59.º da LAV, integra essa previsão normativa a situação em que o Tribunal Arbitral tenha já apreciado o pedido de recusa de um árbitro, e nesse conspecto tenha decidido não considerar justificada essa recusa e indeferido o requerimento apresentado para esse efeito por uma das partes.
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II – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes de turno da Secção de contencioso administrativo, Acordam em conferência em declarar este Tribunal Central Administrativo Norte incompetente para conhecer do objecto do processo e competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra.
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Custas a cargo dos Requerentes - Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Oportunamente, depois de cumpridas as formalidades legais que se mostrem devidas, dê cumprimento ao disposto no artigo 14.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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Porto, 19 de agosto de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Cristina Travassos Bento
Paula Moura Teixeira