Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00383/08.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/28/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:IVA; LIQUIDAÇÃO ADICIONAL; COMPETÊNCIA; FACTURAS FALSAS; ÓNUS DA PROVA; DÚVIDA FUNDADA; FUNDAMENTAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:I. Da interpretação conjugada dos artigos 82º e 87º do CIVA, na redacção aplicável à data dos factos (após a renumeração decorrente do artigo 6º do DL nº 102/2008, de 20/6, os artigos 82º e 87º correspondem actualmente aos artigos 87° e 92°, respectivamente) resulta que, para além do chefe de finanças ser competente para a rectificação das declarações de IVA, nos casos ali previstos, essa competência também é da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA se para tal estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 87º, ou seja, se a Direcção dispuser de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios.
II. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
III. A Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão o STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
IV. Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
V. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
VI. Aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.
VII. Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
VIII. A exigência legal e constitucional de fundamentação visa, desde logo, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua contestação.
IX. Para atingir tal desiderato, a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que o praticou, por forma a conhecerem-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não em termos diversos.
X. No que à fundamentação dos juros compensatórios respeita, dispõem os nºs 9 e 10 do artigo 35º da LGT, que:
“9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.
10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.”
XI. Mostra-se suficientemente fundamentado o acto de liquidação que, para além da informação sobre o valor do imposto em atraso e sobre o qual incidiam juros compensatórios, o período de tempo a que se reportam esses juros, o valor dos mesmos, contém também o valor da taxa dos referidos juros, que é a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do artigo 559º, nº 1 do CC, tal, aliás, como determina o artigo 35º, nº 10 da LGT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e B..., Lda.
Recorrido 1:B..., Lda e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

B... –Sociedade de Construções Lda., impugnou judicialmente as liquidações de IVA (e respectivos juros compensatórios) dos anos de 2003 e 2004, invocando, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, a incompetência do Chefe de Divisão que sancionou as conclusões e correcções propostas no Relatório de Inspecção Tributária; a ausência ou vício de fundamentação na liquidação do imposto; a errónea qualificação e quantificação da matéria colectável e, bem assim, a ausência ou vício da fundamentação na liquidação dos juros compensatórios.

Por sentença de 17 de Abril de 2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anulou as liquidações de juros compensatórios e manteve as liquidações do imposto impugnadas.

Com esta decisão não se conformaram as partes, tendo ambas interposto recurso jurisdicional.

No recurso interposto pela B... – Sociedade de Construções Lda, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1. Verifica-se a incompetência do decisor porque não se questionando o sancionamento das conclusões e correcções propostas no RIT, a expressão “procedimentos necessários” ordenados pelo Sr. Chefe de Divisão, não especifica quais procedimentos a efectuar;

2. A entender-se como - insira no sistema informático os novos valores apontados pela inspecção tributária, alterando-se os valores constantes das declarações periódicas, então essa competência pertence, por disposição legal (artigo 82º do CIVA), ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Barcelos;

3. A entender-se como ordem para emitir as liquidações/avisos de cobrança, então essa competência pertence ao Director de Serviços de Cobrança do IVA (artigo 87º do CIVA);

4. A delegação de competências invocada não abrange as competências atribuídas pelo artigo 82º do CIVA, porque como se verifica aquela descrição não está inseria aquela norma;

5. Por algum motivo o legislador alterou a redacção do artigo 82º do CIVA (actual artigo 87º), retirando a menção Chefe de Serviço de Finanças, passando a constar Direcção-Geral dos Impostos;

6. Não se provou que a impugnante tivesse conhecimento de que os emitentes não iriam entregar ao Estado o IVA recebido da impugnante;

7. Não foi junto aos autos qualquer documentação que prove que os empreiteiros gerais declararam desconhecer a existência de subempreiteiros nas obras;

8. Os empreiteiros gerais não controlam os trabalhadores contratados pelos subempreiteiros;

9. As declarações dos gerentes das empresas subcontratadas apenas os responsabilizam a eles;

10. As informações da DF do Porto e de Braga apenas referem o que os gerentes subcontratados declararam;

11. A falta de estrutura material e humana da empresa C… Unipessoal, Lda., não é relevante para se poder concluir que os serviços prestados não se efectuaram, porque é de conhecimento público que aquela empresa se insere na área da construção civil e tem conhecimentos a nível de mão-de-obra barata e disponível;

12. O facto de estarem a decorrer contra aquela empresa processos de averiguações por emissão de facturas falsas também não fundamenta a conclusão de que os serviços não foram prestados;

13. Os pagamentos foram feitos por saídas de caixa em dinheiro, tendo sido previamente levantadas as importâncias necessárias através de cheques;

14. O C… levantou um cheque que lhe foi emitido;

15. A impugnante desconhecia, nem era obrigada a conhecer, os trabalhadores dos subempreiteiros que prestaram os serviços nas obras, sendo que a sua contratação é da responsabilidade destes, com os quais apenas contratou a prestação de serviços;

16. A impugnante não conhecia, nem era obrigada a conhecer as características dos emitentes e se estes eram ou não incumpridores das suas obrigações fiscais e se estes tinham ou não estrutura material e humana para prestar os serviços;

17. O depoimento das testemunhas arroladas comprova a prestação de serviços e o seu pagamento;

18. Verifica-se a errónea qualificação e quantificação do imposto porque as prestações de serviços foram efectivas e pagas, sendo o respectivo IVA suportado, dedutível;

19. Ocorreu a fundada dúvida que o n.º 4 do artigo 82º do CIVA (antigo) não admitia;

20. Pelo que ficou exposto, as liquidações do IVA deveriam ter sido anuladas;

21. No entanto a douta sentença ora recorrida não deferiu a pretensão da ora recorrente, já que interpretou erradamente os factos, e

22. Consequentemente, aplicou erradamente a lei.

Nestes termos e nos demais em Direito permitidos deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, nessa conformidade, anular-se a douta sentença ora recorrida por a mesma padecer dos vícios invocados.

Só assim será feita inteira JUSTIÇA”.


*

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença na parte em que a mesma determinou a anulação da liquidação dos juros compensatórios, interpôs recurso da mesma, o qual rematou com as seguintes conclusões:

“I - Na douta sentença ora recorrida o M.º Juiz do tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida na parte que se reportava às liquidações de juros compensatórios pelo facto de, no seu entender a indicação de a taxa de juro aplicável ser a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art. 559º do Código Civil constante das notificações das ditas liquidações não se revelar suficiente para se ter por plenamente satisfeito o dever de fundamentação que impende sobre a Administração Tributária.

É com tal segmento da douta decisão judicial que a Fazenda Pública não se conforma.

II - A questão que se coloca no presente recurso reconduz-se a saber se na sentença recorrida se fez correcto julgamento ao dar como verificado o arguido vício de falta de fundamentação dos actos tributários de liquidação dos juros compensatórios.

III - Nas ditas notificações são indicados os normativos legais que determinaram a liquidação dos juros compensatórios (arts. 89º do CIVA, 35º da LGT e 559ºdo CC), o valor do imposto cuja entrega nos cofres do Estado foi atrasada por facto imputável ao sujeito passivo e sobre o qual incidem juros, o período de tempo a que se aplica a taxa de juro; e, ainda, o valor dos juros compensatórios liquidados.

IV - Perante tais elementos é entendimento da Fazenda Pública que o dever de fundamentação dos actos tributários - entendido este como a obrigação imposta à Administração Tributário de permitir ao sujeito passivo a formulação de um juízo sobre a legalidade daquela e, consequentemente, ponderar sobre a eventualidade de reagir - se deve entender como integralmente cumprido.

V - Desde logo, porque, como se referiu no citado acórdão do TCAN “por um lado, é do conhecimento de qualquer cidadão comum a operação a realizar no âmbito da liquidação em sentido estrito de um imposto: multiplica-se a matéria colectável pela taxa aplicável. Por outro lado, a generalidade dos cidadãos também não tem qualquer dificuldade em verificar qual a taxa de imposto que foi efectivamente aplicada, desde que saiba quais os montantes da matéria tributável e do imposto liquidado que foram considerados”.

VI - Ora, no caso em apreço, é evidente que os elementos que a impugnante teve ao seu dispor permitiam que a mesma compreendesse a motivação, de facto e de direito, subjacente à actuação da Administração Tributária.

VII - Pelo que é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida na parte em que determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência do invocado vício de falta de fundamentação, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade por violação do direito à fundamentação previsto no art. 77º da LGT.

Sem prescindir,

VIII - Ainda que não se entenda como se pugnou sempre se terá que concluir que a preterição da dita formalidade legal não determina, no caso em apreço, a ilegalidade dos referidos actos tributários.

IX - Pois que, por força do princípio do aproveitamento do acto, tal formalidade essencial se degrada em não essencial, porquanto se está perante uma actuação da Administração Tributária que não podia ser outra que não a efectivamente tomada, quer porque estamos perante uma actividade vinculada, seja porque resulta de mera operação aritmética.

X - Destarte, a actuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos actos tributários, sendo que estas por serem legais, deverão manter-se,

XI - Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto no art. 77º da LGT.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação deduzida e substituindo-se por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.


*

Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela Impugnante, B... – Sociedade de Construções Lda, devendo, por outro lado, obter provimento o recurso interposto pela Recorrente Fazenda Pública.

*

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

*

São, como se sabe, as conclusões das alegações do recurso que definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração [cf. artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 690º, nº 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) na redacção aqui aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT].

Assim, as questões suscitadas no recurso interposto pela B... – Sociedade de Construções Lda são as seguintes:

(i) - Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que não ocorreu o invocado vício de incompetência do autor dos actos de liquidação impugnados (artigo 82º do CIVA);

(ii) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento efectuado quanto à matéria de facto constante das alíneas f), g), h), i) e j) e, bem assim, quando não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas ouvidas, no sentido de poder concluir, como defende a Recorrente, “que pelo depoimento das referidas testemunhas não pode dar-se como provado que os serviços documentados pelas facturas em análise não correspondem a serviços efectivos”.

(iii) Saber se a sentença recorrida, em consequência do erro no julgamento de facto, errou na aplicação do direito, ao concluir pela não verificação do invocado erro na qualificação e quantificação da matéria colectável, concretamente quando considerou que a Administração Tributária demonstrou a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e que a impugnante não fez prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelos emitentes das facturas, retirando daí a legalidade da actuação da Administração Tributária;

(iv) Saber se a sentença recorrida errou ao não retirar as legais consequências – anulação dos actos tributários impugnados – da ocorrência de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.


*

No que concerne ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a única questão a apreciar e decidir respeita a saber se a sentença errou ao considerar que as liquidações de juros compensatórios não estavam devidamente fundamentadas.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Matéria de facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) A Impugnante tem como actividade principal a construção de edifícios - trabalhos em ferro (CAE 45211) - desenvolvendo a sua actividade no mercado interno e no mercado espanhol, encontrando-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal mensal.

b) No período compreendido entre 18 de Outubro de 2006 e 5 de Setembro de 2007, a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a efeito pela Divisão de Inspecção Tributária I da Direcção de Finanças de Braga.

c) Dessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária cujo teor consta de fls. 62 a 77 dos presentes autos e aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) No ano de 2003, a Impugnante contabilizou facturas emitidas por “C…, Lda”, no valor de 133.704,00 euros e de A…, Lda, no valor de 150.256,00 euros.

e) No ano de 2004, a Impugnante contabilizou facturas de A…, Lda no montante de 279.166,32 euros, de T…, Lda, no montante de 43.220,00 euros e E…, Lda, no montante de 47.160,00 euros.

f) A propósito da sociedade C…, Sociedade Unipessoal, Lda., escreveu-se no Relatório de Inspecção: “- De acordo com o relatório elaborado em 11 de Agosto de 2004, foi concluído que o único objectivo da empresa foi a emissão de facturas falsas. - Ainda na sequência da acção, foi elaborado um termo de declarações em que o sócio- gerente C…, declarou que era uma firma sem movimento comercial e as facturas emitidas não correspondiam a serviços efectivamente executados; - situação económico-financeira precária, não evidenciando qualquer aproximação à realidade documental, conclusão resultante da análise às contas bancárias do sujeito passivo e da conta pessoal do sócio-gerente, cujo acesso foi autorizado pelo próprio e que não reflectem qualquer movimento com o valor relacionado nas facturas; - não é conhecida qualquer estrutura material e humana que lhe permita prestar serviços e muito menos nos montantes evidenciados nas facturas emitidas, onde se incluem as facturas emitidas à B.... Análise aos movimentos financeiros: Conforme se descreve anexo 4, os pagamentos foram feitos por cheque, tendo solicitado, via notificação, cópias autenticadas dos mesmos e obtido apenas cópia de um cheque que evidencia o levantamento pelo C…. Quanto aos restantes 3 cheques, à data da elaboração deste relatório, ainda não obtivemos qualquer resposta”.

g) A propósito da sociedade A…, Lda., escreveu-se no Relatório: “Contribuinte com início de actividade em 1 de Julho de 2003, cessado em 30 de Dezembro de 2004; - Contribuinte alvo de acção de inspecção pelos serviços de inspecção da D. F. Porto tendo o sócio-gerente declarado por escrito que as facturas emitidas para a B... em 2003 e 2004 não correspondem a serviços efectivamente prestados, são facturas de favor a troco de uma comissão que variava entre 8% e 9%.

Análise dos movimentos financeiros: Conforme já referido, o pagamento, em termos contabilísticos foi feito por caixa, no entanto, da análise à conta caixa constatamos que deram entrada na mesma cheques emitidos de igual valor ao da facturas, com excepção dos pagamentos das facturas n°s 4, 44, 69 e 58, conforme se demonstra no anexo 3. O registo do pagamento (por caixa) é suportado pelo respectivo recibo, enquanto que o registo dos cheques (11/12) é suportado via aviso de pagamento e/ou nota de liquidação dirigida: a “caixa”. Analisando estes documentos verificámos que identificam o cheque emitido, o valor, o banco sacado, o n° da factura (não identifica o fornecedor) e a data da emissão é próxima da data da emissão das factura. Uma vez que existem cheques com valores iguais aos das facturas, solicitámos, via notificação, cópias autenticadas (frente e verso) dos mesmos, cheques identificados no anexo 3. Em resultado deste procedimento, apenas recebemos cópias de 5 cheques, emitidos ao portador (...). Quatro dos cheques foram levantados pela esposa do sócio-gerente, A… e um cheque foi levantado por A… (pessoa não identificada na empresa). À data do presente relatório, os restantes cheques continuam em falta, não obstante os nossos instantes pedidos junto dos responsáveis da empresa”.

h) A propósito da sociedade “T…, Lda”, escreveu-se no Relatório:

“Contribuinte com início de actividade em 10/08/2004, cessado em 31/07/2006, nos termos do art. 33° no 1 alínea b) do CIVA. Os sócios são A… e C…. Elementos extraídos da informação da DF Porto: Contribuinte alvo de acção de inspecção pelos serviços de inspecção da DF Porto. Em auto de declarações, A…, declarou que em 2004 a empresa não tinha qualquer funcionário e emitiu para a B... facturas que não correspondem a serviços efectivamente prestados pois não podia executar serviços sem pessoal. Análise dos movimentos financeiros: no que respeita aos pagamentos o procedimento é idêntico ao relatado na alínea anterior e que se descreve no anexo 4.

Para a factura n° 19 existe um cheque no mesmo montante que foi levantado pela esposa do sócio-gerente da B.... Para a factura no 20 não existe cheque”.

i) No concernente à E…, Lda., consta do Relatório: “Contribuinte com início de actividade em 2002-07- 02, cessado em 2007-02-26. O sócio-gerente desta empresa também o é nas empresas “A…, Lda” e T…, Lda”. De acordo com informações prestadas pela DF Porto, o sócio-gerente, A…, declara que em 2004 e 2005 emitiu facturas que não correspondem a serviços efectivamente realizados. Análise aos movimentos financeiros: Apenas existe uma factura emitida em 30-12-2004 correspondente ao n° 228, contabilizada como paga, via caixa”.

j) No referido Relatório consignou-se ainda o seguinte: “(...) verifica-se que o peso dos subcontratos é muito elevado, chegando mesmo a ultrapassar os valores facturados pela empresa. Se tivermos em conta que a empresa afectou um número considerável de funcionários para aquelas obras (conforme evidenciam os mapas de ajudas de custo), o resultado final para as referidas obras (prestações de serviços - subcontratos - custos com pessoal) é altamente negativa. (...) Em face do exposto, nomeadamente, o não reconhecimento das empresas subcontratadas por parte dos empreiteiros gerais da obra, as declarações dos gerentes das empresas subcontratadas, as informações das inspecções efectuadas, o levantamento dos cheques por pessoas ligadas à empresa, a não exibição de elementos solicitados ao sócio-gerente, a não identificação dos trabalhadores das empresas subcontratadas, a análise individual efectuada às obras (Ponte Internacional Rio Minho e Auto Scut) e a existência de pessoal próprio nas diferentes obras, não restam dúvidas que os subcontratos documentados pelas facturas em análise não correspondem a serviços efectivos”.

k) Sobre esse Relatório foi proferido pelo Chefe de Divisão M…, por Delegação, o seguinte despacho:

“Sanciono as conclusões do presente relatório, bem como as correcções propostas. Procedimentos necessários”.

l) Na sequência das correcções efectuadas, foram efectuadas as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios cujas demonstrações constam de fls. 102 a 133 e aqui se dão por reproduzidas no seu teor.

m) O prazo para pagamento voluntário das quantias liquidadas terminou em 31 de Dezembro de 2007.

n) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 14 de Março de 2008.

2.2. Matéria de facto não provada

Não se provou a demais matéria relevante para a decisão da causa e não referida supra.

2.3. Motivação da decisão de facto

A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova documental junta aos autos, em especial, o Relatório de Inspecção Tributária.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas não lograram convencer o tribunal no sentido da prova positiva da factualidade alegada pela Impugnante, nomeadamente, de que os serviços titulados pelas facturas aqui em causa lhe foram efectivamente prestados pelos emitentes das mesmas.

Com efeito, a testemunha I…, TOC da Impugnante nos anos aqui em causa, não tem conhecimento directo dos factos em questão pois que apenas lidava com os documentos que lhe eram entregues.

Por outro lado, os depoimentos das testemunhas P… e A…, trabalhadores da Impugnante, apesar de terem referido que, nas obras que a Impugnante efectuou nos anos aqui em causa, para além de trabalhadores desta, andavam também trabalhadores de um indivíduo chamado P… e que a Impugnante necessitava de recorrer a subempreiteiros para desenvolver a sua actividade, não podem considerar-se, atento o seu carácter genérico e pouco circunstanciado, suficientes no sentido da prova positiva dos factos. Tanto mais que se encontram desacompanhados de outros elementos probatórios, designadamente de natureza documental (v. g. contratos de empreitada, autos de mediação, mapas de horas de trabalho prestado, cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários; listagens de identificação de trabalhadores) que permitam, com a segurança judicialmente exigida, concluir pela prestação dos serviços titulados pelas facturas e nas quantidades que das mesmas constam”.


*
Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, importa aditar a seguinte matéria de facto:

m) Através do Aviso (extracto) nº 7473/2006, Delegação de Competências, da Direcção de Finanças de Braga, publicado no DR, 2ª Série, nº178, de 5 de Julho, concretamente no seu ponto II, 7.6, o Director de Finanças delegou, além do mais, no chefe das DIT I, II e III, entre os quais o licenciado Ma…, a sua competência para sancionar os relatórios das acções inspectivas concluídas e as informações prestadas – cfr. aviso/ delegação de competências, a fls. 134 a 136 dos autos.

2.2. O direito

Enunciadas as questões a decidir, entremos na análise do recurso.

Começando pelas conclusões 1 a 5 da alegação do recurso interposto pela B... – Sociedade de Construções, Lda., temos que a mesma se insurge contra o decidido relativamente à alegada incompetência do Chefe de Divisão que sancionou as correcções propostas no Relatório da Inspecção Tributária e determinou os procedimentos necessários.

Ao analisar este primeiro vício, foi a seguinte a linha argumentativa e decisória do Mmo. Juiz a quo:

“Alega a Impugnante que a competência exercida pelo Chefe de Divisão pertence ao Chefe do Serviço de Finanças de Barcelos, nos termos do art. 82° do Código do IVA e, como tal, o despacho proferido por aquele está inquinado pelo vício de incompetência.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto provada que as liquidações impugnadas foram efectuadas pela Direcção Geral dos Impostos/Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Vejamos.

Nos termos do art. 82° n° 1 do Código do IVA:

“Sem prejuízo do disposto no artigo 84º, o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença”.

Por outro lado, o art. 87° do CIVA estabelecia:

“Nos casos previstos no artigo 82.º, a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, quando disponha de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios, procederá à notificação dos sujeitos passivos, por carta registada, com aviso de recepção, comunicando o facto à repartição de finanças competente, que dará continuidade ao processo de cobrança”.

Resulta da leitura destes preceitos legais que competência para a liquidação do IVA na sequência de correcções efectuadas nas declarações dos contribuintes é atribuída à Direcção dos Serviços de Cobrança do IVA, sem prejuízo da competência que assiste ao chefe do serviço de finanças.

Daqui que, nenhuma incompetência tenha ferido a actuação da Direcção Geral dos Impostos/Imposto Sobre o Valor Acrescentado, quando efectuou as liquidações de imposto e juros compensatórios aqui em causa — no mesmo sentido acórdão STA 30 Abr. 2003, processo 1640/02, www.dgsi.pt”.

De acordo com os factos provados, as liquidações de IVA contestadas resultaram de correcções aritméticas apuradas em acção de fiscalização levada a efeito pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Braga, tendo as mesmas sido emitidas pela Direcção-Geral dos Impostos/ Imposto sobre o Valor Acrescentado (cfr. fls. 102 a 133 dos autos).

Com interesse para a presente apreciação, tenhamos presente o teor dos artigos 82º e 87º do CIVA, na redacção aplicável à data dos factos (após a renumeração decorrente do artigo 6º do DL nº 102/2008, de 20/6, os artigos 82º e 87º correspondem actualmente aos artigos 87° e 92°, respectivamente).

Assim:


Artigo 82º

Rectificação das declarações


1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 84º, o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentalmente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.» (Este nº 2 resulta da redacção introduzida pelo DL nº 323/1998, de 30/10).

3 - As inexactidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.

4 - …

5 - …

6 - …


Artigo 87º

Notificação do processo de cobrança


«Nos casos previstos no artigo 82º, a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, quando disponha de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios, procederá à notificação dos sujeitos passivos, por carta registada, com aviso de recepção, comunicando o facto à repartição de finanças competente, que dará continuidade ao processo de cobrança.

Na sentença recorrida foi considerado que a competência para a liquidação do IVA na sequência de correcções efectuadas nas declarações dos contribuintes é atribuída à Direcção dos Serviços de Cobrança do IVA, sem prejuízo da competência que assiste ao chefe do serviço de finanças, donde nenhuma incompetência tenha ferido a actuação da Direcção Geral dos Impostos/Imposto Sobre o Valor Acrescentado, quando efectuou as liquidações de imposto e juros compensatórios aqui em causa.

Adiante-se, desde já, que nenhuma censura merece o assim decidido.

Com efeito, o artigo 87º do CIVA estabelecia a competência da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA para, nos casos previstos no artigo 82º, efectuar o apuramento do imposto e dos juros compensatórios, quando disponha de todos os elementos necessários para tal.

Assim, da interpretação conjugada dos artigos 82º e 87º do CIVA, na redacção transcrita, há que concluir que, para além do chefe de finanças ser competente para a rectificação das declarações de IVA, nos casos ali previstos, essa competência também é da Direcção de Serviços de Cobrança do IVA se para tal estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 87º, ou seja, se a Direcção dispuser de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios.

No caso, verificava-se tal condicionalismo, pois os elementos foram obtidos em resultado de acção de fiscalização levada a efeito pela Direcção de Finanças de Braga, sendo certo que as conclusões do relatório, bem como as correcções propostas, foram sancionadas pelo Senhor Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção, da Direcção de Finanças de Braga, M…, no âmbito das competências que lhe foram delegadas pelo Director de Finanças de Braga, para sancionar os relatórios das acções inspectivas concluídas e as informações prestadas [cfr. ponto 7.6, da invocada delegação de competências, constante do aviso (extracto) nº 7473/2006, publicado no DR, 2ª Série, nº178, de 5 de Julho].

Neste mesmo sentido, de que a competência atribuída no artigo 82º do CIVA ao Chefe de Finanças não é uma competência própria e exclusiva, pronunciou-se o acórdão do STA, de 30/4/2003 (rec. nº 01640/02), onde se afirma que o feixe de poderes em que a competência consiste resulta da lei, que no caso a atribui ao Serviço de Administração do IVA (ou de Cobrança, a partir da vigência do DL 100/95, de 19.5), na situação descrita no art. 87º/3 do CIVA, sem prejuízo da competência que assiste ao chefe de repartição de finanças nos termos do art. 82º do citado diploma.

Daí, que no caso nenhuma incompetência tenha ferido a actuação do Director daqueles serviços, ao proceder ao apuramento do imposto e notificação respectiva ao sujeito passivo.

Em idêntico sentido, recentemente, o STA voltou a pronunciar-se sobre esta questão no acórdão de 27/06/12 (rec. 087/12). Aí se refere, além do mais, que neste contexto e sabido que a competência pode, (Cfr. João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 9ª edição, Âncora Editora, Setembro de 2007, p. 132.) quanto ao modo de atribuição, ser classificada como competência própria ou competência delegada e, quanto à respectiva inserção nas relações inter-orgânicas, como competência comum (a competência do superior hierárquico engloba a dos subordinados) ou como competência exclusiva (a competência do subordinado não se inclui na do superior hierárquico), é de concluir que a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, nas situações que cabem no art. 82° (como sucede no caso dos autos), tem competência para proceder à notificação dos sujeitos passivos mas apenas quando disponha de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios; isto é, para além do chefe da repartição de finanças ser competente para a prática do acto de rectificação das declarações de IVA apresentadas pelo impugnante, também possui essa competência a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, verificados os condicionalismos elencados no art. 87° do CIVA: dispor de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios, como sucede no caso vertente (…).

Neste mesmo sentido, os acórdãos por nós relatados em 13/09/12 e 20/09/12, nos processos nºs 334/05.8 BEBRG e 346/06.4 BEMDL, respectivamente.

Concluindo, e sem necessidade de outras considerações adicionais, não se verifica, in casu, o alegado vício de incompetência pelo facto de as liquidações sindicadas terem sido operadas pelos Serviços do IVA, da Direcção-Geral dos Impostos.

Improcedem, pois, as conclusões 1 a 5 da alegação do recurso.

Segue-se a análise do invocado erro de julgamento da matéria de facto, o qual sintetizámos da seguinte forma, após a leitura conjugada das conclusões de recurso com a respectiva alegação: saber se a sentença recorrida errou no julgamento efectuado quanto à matéria de facto constante das alíneas f), g), h), i) e j) e, bem assim, quando não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas ouvidas (Isidoro Quintas, P... e Afonso Machado), no sentido de poder concluir, como defende a Recorrente, “que pelo depoimento das referidas testemunhas não pode dar-se como provado que os serviços documentados pelas facturas em análise não correspondem a serviços efectivos”.

Vejamos, então.

Diz a Recorrente, nas alegações de recurso, que o Mmo. Juiz fundamentou a sua douta decisão nos factos dados como provados nas alíneas f), g), h), i) e j), os quais se impugnam.

Se atentarmos nos pontos f), g), h), i) e j) da matéria de facto provada, o que se constata é que os factos aí elencados correspondem unicamente a excertos do relatório de inspecção produzido que, nas partes julgadas relevantes para a apreciação da causa, foram transcritos na sentença.

Portanto, tais factos em si, que se limitam [no caso das alíneas f), g), h) e i)] a transcrever o que consta do relatório a propósito daquilo que aí ficou consignado sobre os prestadores de serviços B..., Sociedade Unipessoal, Lda., A…, Lda., T…, Lda e E…, Lda, limitam-se a isso mesmo: espelhar na sentença o que consta do relatório de inspecção no que toca aos prestadores dos serviços emitentes das facturas reputadas de falsas.

O mesmo se diga da alínea j) dos factos provados, a que corresponde, na íntegra, a transcrição de um excerto do relatório inspectivo.

E assim sendo, a menos que as ditas transcrições fossem erradas, por não corresponderem ao teor do relatório transcrito, não vemos que esses concretos factos possam ser impugnados.

Coisa diferente, e é aí que nos parece que reside a discordância da Recorrente (por apelo ao teor das alegações de recurso), é saber se face ao teor do circunstancialismo descrito naqueles identificados pontos, a que, repete-se, correspondem transcrições do relatório de inspecção, o Mmo. Juiz podia concluir, como concluiu, relativamente à existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas. Ou seja, não é, afinal, contra aqueles factos - f), g), h), i) e j) - que a Recorrente se insurge mas, antes, contra a extrapolação realizada a partir deles pelo Tribunal a quo, no que concerne aos ditos indícios de que as operações em causa foram simuladas.

Para a Recorrente, portanto, o Tribunal a quo errou nos juízos fáctico-conclusivos retirados a este propósito.

Que assim é, mostra-o o teor das alegações e respectivas conclusões respeitantes à questão em análise, concretamente quando o Recorrente refere, no essencial, que: não teve conhecimento do relatório respeitante ao B..., Sociedade Unipessoal; os factos descritos são exógenos à Recorrente; a referida empresa emitente insere-se na área da construção civil e tem conhecimento a nível de mão-de-obra barata e disponível, não necessitando de qualquer estrutura humana legalizada; a estrutura material não é necessária uma vez que os serviços prestados por aquela empresa foram apenas de mão-de-obra; pelo menos um cheque foi levantado pelo B...; as declarações que ele prestou só a ele podem responsabilizar; não teve acesso ao relatório emitido pela Direcção de Finanças do Porto relativo à sociedade A… Lda.; as declarações do A… apenas o responsabilizam a ele; tais argumentos invocam-se quanto às restantes sociedades emitentes, pois que o sócio-gerente é o mesmo; no relatório de inspecção nunca se referiu qual o número de funcionários da recorrente que estava afectos às obras tituladas pelas facturas emitentes, não se podendo dar por assente ser o número de funcionários considerável ou não.

Não cremos que tenha razão a Recorrente, sendo para nós claro, aliás, que dos elementos constantes do relatório de inspecção, tal como ficaram transcritos na matéria de facto, não podia o Mmo. Juiz assentar em juízos de facto diversos (ou contrários, como parece defender a Recorrente) daqueles que estiveram necessariamente subjacentes à apreciação da questão que vinha colocada ao Tribunal.

Desde logo, a Recorrente parece desconsiderar a existência e relevância que assume a fiscalização cruzada, elemento essencial no combate à fraude e evasão fiscais. Daí que não seja questionável a utilização de elementos recolhidos no âmbito de acções inspectivas realizadas aos emitentes das facturas em sede inspecção aos destinatários das facturas provenientes daqueles emitentes.

Por conseguinte, não devem, nem podem, ser ignoradas as declarações prestadas pelos supostos prestadores de serviços, emitentes das facturas, quando afirmam que não tinham pessoal ao seu serviço, que não prestaram os serviços à B... que se mostram descritos nas facturas em causa ou que (como no caso do A…) era paga uma determinada comissão pela emissão das facturas (falsas). O mesmo se diga, do relevo atribuído aos dados constantes das contas bancárias do emitente B..., Sociedade Unipessoal e da conta pessoal do sócio-gerente, cujo acesso foi autorizado pelo próprio, cuja análise levou à conclusão de que não reflectem qualquer movimento com o valor relacionado nas facturas.

Já quanto à referência feita no sentido de que no relatório de inspecção nunca se referiu qual o número de funcionários da recorrente que estava afecto às obras tituladas pelas facturas emitentes, não se podendo dar por assente ser o número de funcionários considerável ou não, há que dizer que o Mmo. Juiz na análise efectuada aos indícios de falsidade das facturas nem sequer revelou essa circunstância adiantada no relatório de inspecção, pelo que não é aí configurável qualquer erro a propósito de um elemento que não foi tido em consideração.

Acresce que, relativamente ao emitente B..., Sociedade Unipessoal e à afirmação proferida pela Recorrente segundo a qual a referida empresa emitente insere-se na área da construção civil e tem conhecimento a nível de mão-de-obra barata e disponível, tal não passa disso mesmo: uma mera afirmação sem qualquer sustentação, como veremos seguidamente, quando nos referirmos especificamente à apreciação da valoração feita quanto à prova testemunhal.

Num concreto ponto erigido pela Administração Tributária como (mais) um indício de que às facturas emitidas pelos referidos prestadores não subjazem efectivas prestações de serviços, entendemos ser de dar razão à Recorrente. Referimo-nos especificamente ao constante das alegações e respectivas conclusões (7 e 8) quando aí se refere que não foi demonstrada a afirmação no relatório quanto ao não reconhecimento por parte dos empreiteiros gerais das empresas subcontratadas. Efectivamente, percorrido o relatório e seus anexos, a “resposta” dos empreiteiros gerais – Construtora do Tâmega e Ferrovial-Agroman, S.A - a um alegado pedido de identificação dos subempreiteiros contratados e que trabalharam para a B..., não se mostra junta ao mesmo. A este ponto regressaremos, necessariamente, mais adiante.

Prosseguindo, e como dissemos, a Recorrente insurge-se, também, contra o julgamento da matéria de facto por entender que não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas ouvidas (Isidoro Quintas, P... e Afonso Machado), no sentido de se poder concluir, como defende a Recorrente, “que pelo depoimento das referidas testemunhas não pode dar-se como provado que os serviços documentados pelas facturas em análise não correspondem a serviços efectivos”.

Uma precisão, impõe-se. Na sentença não foi dado como provado que os serviços documentados pelas facturas em análise não correspondem a serviços efectivos.

O que, a este propósito a sentença deixou consignado foi o seguinte e que se relembra:

“2.2. Matéria de facto não provada

Não se provou a demais matéria relevante para a decisão da causa e não referida supra.

2.3. Motivação da decisão de facto

A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova documental junta aos autos, em especial, o Relatório de Inspecção Tributária.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas não lograram convencer o tribunal no sentido da prova positiva da factualidade alegada pela Impugnante, nomeadamente, de que os serviços titulados pelas facturas aqui em causa lhe foram efectivamente prestados pelos emitentes das mesmas.

Com efeito, a testemunha I.., TOC da Impugnante nos anos aqui em causa, não tem conhecimento directo dos factos em questão pois que apenas lidava com os documentos que lhe eram entregues.

Por outro lado, os depoimentos das testemunhas P... e A..., trabalhadores da Impugnante, apesar de terem referido que, nas obras que a Impugnante efectuou nos anos aqui em causa, para além de trabalhadores desta, andavam também trabalhadores de um indivíduo chamado Portela e que a Impugnante necessitava de recorrer a subempreiteiros para desenvolver a sua actividade, não podem considerar-se, atento o seu carácter genérico e pouco circunstanciado, suficientes no sentido da prova positiva dos factos. Tanto mais que se encontram desacompanhados de outros elementos probatórios, designadamente de natureza documental (v. g. contratos de empreitada, autos de mediação, mapas de horas de trabalho prestado, cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários; listagens de identificação de trabalhadores) que permitam, com a segurança judicialmente exigida, concluir pela prestação dos serviços titulados pelas facturas e nas quantidades que das mesmas constam”.

Rigorosamente, o que na sentença se disse, isso sim, foi que os depoimentos das testemunhas não podem considerar-se suficientes no sentido da prova positiva dos factos alegados, ou seja, não permitem concluir pela efectiva prestação dos serviços titulados pelas facturas em causa.

E, na verdade, assim é.

Ouvida a cassete que suporta o registo do depoimento das três testemunhas inquiridas, nenhuma censura merece a conclusão a que chegou o Tribunal de 1ª instância.

Vejamos.

Quanto à testemunha I…, que prestava serviços de contabilidade à Recorrente, nos anos em análise, ficou claro que não tem qualquer conhecimento directo sobre a materialidade das operações, sobre os serviços alegadamente prestados em obra pelos emitentes das facturas. Limitava-se, no exercício da sua actividade, a fazer o registo contabilístico dos documentos que lhe eram fornecidos pela B.... A este propósito confirmou que, por várias vezes, foram emitidos cheques que eram levantados por alguém da própria B..., a fim de pagar em dinheiro aos subempreiteiros, embora não soubesse identificar as empresas relativamente às quais o pagamento foi assim processado.

No que respeita aos depoimentos das testemunhas P... e A..., trabalhadores da Recorrente, encarregados de obra, há que dizer, com a sentença, que, apesar de terem referido que, nas obras que a Impugnante efectuou nos anos aqui em causa, para além de trabalhadores desta, andavam também trabalhadores de um indivíduo chamado Portela e que a Impugnante necessitava de recorrer a subempreiteiros para desenvolver a sua actividade, não podem considerar-se, atento o seu carácter genérico e pouco circunstanciado, suficientes no sentido da prova positiva dos factos.

O Sr. P... afirmou que quando precisava de pessoal falava com o seu patrão – B... – que tratava desse assunto. Julga que o pessoal era do tal Portela porque era o que ouvia dizer, embora não soubesse para que empresa (do tal Portela) trabalharia o dito pessoal. Os trabalhadores chegavam à obra numa carrinha sem qualquer identificação.

Referiu, ainda, que a B... tinha cerca de 150 a 160 trabalhadores, os quais exerciam as suas funções nas diversas obras que a empresa tinha em Portugal e em Espanha.

Na obra onde exercia as funções de encarregado – Ponte de Cerveira – controlava o trabalho do pessoal subcontratado (cerca de 15, embora os trabalhadores fossem variando), anotando o número de horas de trabalho prestado por cada trabalhador, fornecendo posteriormente esses dados à B....

Nos anos em causa – 2003 e 2004 – a testemunha não se lembra de alguma vez ter trabalhado com pessoal do C…, de quem ouviu falar mas com o qual nunca manteve contacto.

Já quanto à testemunha A…, para além daquilo que ficou dito na sentença, sublinha-se a confusão inicial estabelecida quanto ao subempreiteiro a que recorria a B... para fornecimento de mão-de-obra - o tal Portela - com alguma dificuldade em indicar se se tratava do Portela, pai, ou do Portela, filho. De resto, apesar das obras nas quais foi encarregado terem durado cerca de um ano e meio e dois anos, viu o Portela uma ou duas vezes em obra.

Nas obras onde exercia as funções de encarregado - Scut/Viana e Viadutos – o controlo do trabalho do pessoal subcontratado (em número que não foi preciso, referindo 7/9, 15 a 22), era feito pelo chefe de equipa, que anotava o número de horas de trabalho prestado por cada trabalhador, fornecendo posteriormente esses dados à B....

Tal como a testemunha anterior, afirmou que quando precisava de pessoal falava com o seu patrão – B... – que tratava desse assunto. Julga que o pessoal era do tal Portela porque era o que ouvia dizer, embora não soubesse de que empresa (do tal Portela) seria.

Disse, ainda, desconhecer as empresas B... Unipessoal, T…, E….

Trata-se, efectivamente, de depoimentos vagos e pouco circunstanciados, manifestamente insuficientes para considerar provados os serviços alegadamente titulados pelas facturas em causa, relativas, no que respeita aos emitentes B..., Sociedade Unipessoal, Lda., A…, Lda, a prestações de serviços na Ponte Internacional sobre o Rio Minho, Scut Litoral Norte e Viaduto Norte Litoral/ Ponte de Lima. O mesmo se diga relativamente aos serviços alegadamente prestados pelas restantes empresas – T…, Lda e E…, Lda – cujas facturas emitidas referem trabalhos realizados no viaduto sobre a Ribeira da Lage e Rio Grande da Pipa, viaduto Ponte da Ribeira da Pena e na obra Erokiv Aparcamentos.

Note-se que o encarregado da B... da obra respeitante à Ponte Internacional sobre o Rio Minho (P...), nunca teve a trabalhar para si pessoal da B..., Sociedade Unipessoal, Lda., sendo que esta empresa emitiu, em 2003, quatro facturas por trabalhos realizados em tal obra, num total de € 133.704,00.

No que respeita às sociedades T…, Lda e E…, Lda, também não foram identificadas como sendo fornecedoras de serviços à B... nas obras que as testemunhas supervisionaram, sendo que tais empresas emitiram facturas em 2004, no valor de € 43.220,00 e de € 47.160,00, respectivamente.

Não podemos, pois, deixar de concordar com o Tribunal recorrido quando refere que, apesar das testemunhas, terem referido que, nas obras que a Impugnante efectuou nos anos aqui em causa, para além de trabalhadores desta, andavam também trabalhadores de um indivíduo chamado Portela e que a Impugnante necessitava de recorrer a subempreiteiros para desenvolver a sua actividade, não podem considerar-se, atento o seu carácter genérico e pouco circunstanciado, suficientes no sentido da prova positiva dos factos.

Por outro lado, faz-se notar que ao longo da inspecção não foram juntos outros elementos documentais que demonstrassem a tese da Impugnante quanto à prestação de serviços, tal como se assinalou na sentença recorrida - contratos de empreitada, autos de mediação, mapas de horas de trabalho prestado (isto, apesar de as testemunhas afirmarem que era feita a contabilização das horas de trabalho por cada trabalhador), cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários; listagens de identificação de trabalhadores - que permitam, com a segurança judicialmente exigida, concluir pela prestação dos serviços titulados pelas facturas e nas quantidades que das mesmas constam.

Perante a prova testemunhal (sendo que os depoimentos são livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do art. 396º do Código Civil e ainda de considerar, para tal efeito, quer a razão de ciência apresentada, quer a imprecisão e o teor genérico dos depoimentos no que se refere à factualidade questionada) e perante a restante prova documental apresentada pela Administração Tributária (com a ressalva que atrás deixámos quanto à “resposta” dos empreiteiros gerais – Construtora do Tâmega e Ferrovial-Agroman, S.A - a um alegado pedido de identificação dos subempreiteiros contratados e que trabalharam para a B...), e feita a reapreciação da prova, não podemos deixar de concordar com a valoração probatória, da matéria de facto provada e não provada, feita na sentença recorrida.

Em suma, e contrariamente ao pretendido pela Recorrente, não há que censurar a decisão da matéria de facto e em concreto a valoração da prova testemunhal, tal como ela foi apreendida pelo Tribunal de 1ª instância. Da prova testemunhal, não se pode concluir, como faz a Recorrente, que as facturas em causa correspondem a serviços efectivamente prestados.

Improcede, consequentemente, o alegado erro de julgamento de facto.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos se o Mmo. Juiz errou na aplicação do direito aos factos, no que respeita à invocada errónea qualificação e quantificação da matéria colectável.

Nos presentes autos, movemo-nos no âmbito de correcções ao IVA deduzido, nos termos do artigo 19º, nº3 do CIVA, por desconsideração de facturas reputadas pela Administração de falsas (e, consequentemente, do IVA nelas contido e deduzido). Daquilo que se tratou foi, pois, de correcções técnicas efectuadas na sequência de acção inspectiva levada a cabo, no termo da qual pôde a Administração Tributária concluir que as aludidas facturas, emitidas por B..., Sociedade Unipessoal, Lda., A…, Lda., T…, Lda e E…, Lda e contabilizadas pela Recorrente, não correspondiam a reais e efectivas operações económicas (prestações de serviços). Relembre-se, a este propósito, que nos termos do citado artigo 19º, nº3 do CIVA, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

Vejamos, então, a questão do ónus da prova e qual o tratamento que o mesmo mereceu na sentença recorrida.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Foi, pois, nesta linha de raciocínio que a sentença recorrida se orientou, nada havendo, pois a censurar quanto a este aspecto.

Efectivamente, a este propósito, foi a seguinte a linha argumentativa utilizada pela sentença e que, por merecer o nosso acordo, aqui recuperamos:

“(…)

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Impugnante, não correspondem a efectivas operações, com base nos seguintes factos indiciários:

- Quanto à sociedade “B..., Sociedade Unipessoal, Lda.”:

- Na sequência de uma acção inspectiva levada a efeito 2004, foi elaborado um termo de declarações em que o sócio-gerente B..., declarou que era uma firma sem movimento comercial e as facturas emitidas não correspondiam a serviços efectivamente executados;

-Por outro lado, a referida empresa apresenta uma situação económico-financeira precária, não evidenciando qualquer aproximação à realidade documental, conclusão resultante da análise às contas bancárias do sujeito passivo e da conta pessoal do sócio-gerente, cujo acesso foi autorizado pelo próprio e que não reflectem qualquer movimento com o valor relacionado nas facturas;

- Não é conhecida qualquer estrutura material e humana que lhe permita prestar serviços e muito menos nos montantes evidenciados nas facturas emitidas, onde se incluem as facturas emitidas à B...;

- Analisados os movimentos financeiros, constatou-se que os pagamentos foram feitos por cheque, embora só tenha sido apresentado um cheque que evidencia o levantamento da quantia titulada pelo B....

- Quanto à sociedade “A…, Lda.”:

- Trata-se de um contribuinte com início de actividade em 1 de Julho de 2003, cessado em 30 de Dezembro de 2004;

- Esta sociedade foi alvo de acção de inspecção pelos serviços de inspecção da D.F. Porto tendo o sócio-gerente declarado por escrito que as facturas emitidas para a B... em 2003 e 2004 não correspondem a serviços efectivamente prestados, são facturas de favor a troco de uma comissão que variava entre 8% e 9%;

- Quanto aos movimentos financeiros, o pagamento, em termos contabilísticos foi feito por caixa, no entanto, da análise à conta caixa constatou-se que deram entrada na mesma cheques emitidos de igual valor ao das facturas, com excepção dos pagamentos das facturas n°s 4, 44, 69 e 58;

- O registo do pagamento (por caixa) é suportado pelo respectivo recibo, enquanto que o registo dos cheques (11/12) é suportada via aviso de pagamento e/ou nota de liquidação dirigida a “caixa”. Analisando estes documentos verificou a administração tributária que identificam o cheque emitido, o valor, o banco sacado, o nº da factura (não identifica o fornecedor) e a data da emissão é próxima da data da emissão das facturas; - Foram facultados à administração tributária 5 cheques, emitidos ao portador, dos quais quatro foram levantados pela esposa do sócio-gerente da B..., A… e um cheque foi levantado por A… (pessoa não identificada na empresa).

- Quanto à sociedade “T…, Lda”.

- Os sócios são A… e C…, os mesmos da sociedade A…;

- Foi alvo de acção de inspecção pelos serviços de inspecção da DF Porto e em auto de declarações, A…, declarou que em 2004 a empresa não tinha qualquer funcionário e emitiu para a B... facturas que não correspondem a serviços efectivamente prestados pois não podia executar serviços sem pessoal.

- No que respeita aos pagamentos o procedimento é idêntico ao da A…. Para a factura n° 19 existe um cheque no mesmo montante que foi levantado pela esposa do sócio-grente da B.... Para a factura n° 20 não existe cheque.

- Quanto à E…, Lda.:

- O sócio-gerente desta empresa também o é nas empresas “A…, Lda” e “T…, Lda”.

- De acordo com informações prestadas pela DF Porto, o sócio-gerente, A…, declarou que em 2004 e 2005 emitiu facturas que não correspondem a serviços efectivamente realizados;

- Apenas existe uma factura emitida em 30-12-2004 correspondente ao n° 228, contabilizada como paga, via caixa.

Estes factos recolhidos pela administração tributária constituem indícios sérios e objectivos que suportam a conclusão de que as operações tituladas pelas facturas não são efectivas mas fictícias.

Com efeito, os alegados prestadores de serviços são empresas sem estrutura (ao nível dos recursos humanos e financeiros) capaz de levar a cabo os trabalhos que constam das facturas e nos volumes aí referidos.

Por outro lado, os gerentes das alegadas prestadoras de serviços declararam não terem prestado os serviços que estão titulados pelas facturas.

Depois, importa considerar que o modo de pagamento dos alegados serviços é tudo menos transparente, uma vez que existem pagamentos feitos em numerário de montantes substancialmente elevados; o único cheque disponibilizado relativo à B... não foi depositado na conta desta mas levantado pelo seu sócio-gerente; os cheques para pagamento das facturas da A… e da T… foram emitidos ao portador e levantados pela esposa do sócio-gerente da Impugnante (quatro dos 5 cheques disponibilizados) e outro foi levantado por A…, pessoa não identificada pela Impugnante e o pagamento da única factura da E… foi contabilizado como tendo sido efectuado através de caixa.

A acrescer a isto, importa considerar que com excepção do registo do pagamento das facturas aqui em causa, os pagamentos a fornecedores eram feitos pela Impugnante, normalmente, em cheque.

A estes factos somam-se os atinentes à análise das obras, sendo particularmente significativo o facto de o peso dos subcontratos ser muito elevado, chegando a ultrapassar os valores facturados pela empresa, o que, à luz das regras da experiência comum, não pode ser considerado normal e ainda o facto de os empreiteiros gerais terem declarado que a Impugnante não teve quaisquer subempreiteiros a trabalhar nas obras referidas nas facturas” (os sublinhados e negritos são nossos).

A isto acresce o facto de, como assinalámos, os encarregados das obras não conhecerem ou terem contacto com a empresa B..., Sociedade Unipessoal, Lda, ou com o seu sócio-gerente, sociedade esta que, em 2003, facturou à B... € 133.704,00, por serviços alegadamente prestados na obra Ponte Internacional Rio Minho.

Realça-se, também, a afirmação feita quanto ao peso dos subcontratos ser muito elevado, chegando a ultrapassar os valores facturados pela empresa. Com efeito, e como aponta o relatório, em 2003, na obra Ponte Internacional do Rio Minho, o peso dos subcontratos cifrou-se nos 79% e, em 2004, na mesma obra, nos 102%. Por seu turno, na obra Auto Scut Litoral Norte, em 2003, esse peso foi de 27% e, em 2004, de 96%. Trata-se, genericamente, de valores muito significativos, o que é dificilmente compreensível à luz das regras de experiência comuns.
Ora, estes “factos-índice” (mesmo neles não fazendo incluir, pelas razões acima aduzidas, o aludido “facto de os empreiteiros gerais terem declarado que a Impugnante não teve quaisquer subempreiteiros a trabalhar nas obras referidas nas facturas”, como se considerou na sentença recorrida) numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.

Ora, tais indícios - e relembre-se que estamos a falar de facturação na ordem dos € 284.000,00 e dos € 270.000,00, nos anos de 2003 e 2004, respectivamente – traduzem uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados fornecedores/emitentes - B..., Sociedade Unipessoal, Lda., A… Lda., T…, Lda e E…, Lda – não prestaram à Recorrente os serviços mencionados nas facturas por esta contabilizadas e em que tais empresas figuram como emitentes.
E não colhem os argumentos avançados pela Recorrente de que as liquidações impugnadas se basearam nas informações da administração tributária quanto aos prestadores dos serviços ou nas declarações destes. Como resulta do Relatório de Inspecção junto aos autos, a Administração, além dos elementos referentes aos emitentes das facturas, analisou a contabilidade da impugnante, recolhendo elementos quanto aos meios de pagamento de tais facturas e quanto aos subcontratos (comparando o peso destes subcontratos na facturação da impugnante) e solicitou ainda outros elementos que não foram fornecidos pela Impugnante, ora Recorrente.

Com efeito, lê-se no Relatório de Inspecção que “tendo sido notificado na pessoa do Sr. A…, sócio-gerente da B..., para exibir elementos sobre estes subempreiteiros, nomeadamente contratos de empreitada, autos de medição, identificação de trabalhadores, comprovativos de pagamento, bem como os contratos de empreitada celebrados com clientes (referentes às obras descritas nas facturas dos subempreiteiros), o contribuinte manteve-se em silêncio, alegando esse direito por ter sido constituído arguido num processo que envolve o Sr. B... (…). Acontece que relativamente aos outros subempreiteiros nada obstava a que o contribuinte prestasse esclarecimentos”.

E não colhe também, em abono da tese da Impugnante, a afirmação (não contrariada pela Administração e referida até pelo Tribunal a quo) relativamente ao facto de o C… ter levantado um cheque, o que, no seu entendimento, prova o efectivo pagamento do valor da factura e IVA.

Não desconsiderando tal constatação, há que dizer que, segundo consta dos autos, o levantamento foi efectuado pelo próprio C…, que não pelo depósito do cheque na conta bancária da empresa alegadamente prestadora dos serviços. Porém, a questão coloca-se a montante, já que o próprio prestador declarou não ter prestado os serviços à B... e, como vimos, os encarregados das obras também não trabalharam com pessoal pertencente à B..., Sociedade Unipessoal, Lda. Pelo que, não é possível estabelecer uma relação entre tal levantamento/ pagamento e um concreto serviço, ficando por esclarecer o que efectivamente se pretendia pagar/ compensar com o cheque em causa.

Em suma, perante este quadro indiciário que suporta, como dissemos, a conclusão da Administração Tributária no sentido de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos (cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia) impunha-se à Impugnante, ora Recorrente, fazer a prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelos emitentes das facturas.

Ónus que, definitivamente, não cumpriu, como bem se decidiu na sentença recorrida, o que ressalta evidente da análise efectuada aquando da apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, concretamente na análise da prova testemunhal, através da qual a Recorrente pretendia demonstrar que os serviços descritos nas facturas foram efectivamente prestados.

Como se vê, também quanto a esta questão entendemos que Mmo. Juiz a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento, pois que, a este propósito, a sentença recorrida procedeu a uma correcta análise de toda a prova.

Como já supra tivemos oportunidade de referir a propósito do invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto, a prova testemunhal também não permite que se conclua pela realidade das operações a que se reportam as facturas em causa, tendo os depoimentos das testemunhas sido vagos e pouco circunstanciados a respeito dos serviços alegadamente prestados pelas emitentes das facturas. Impunha-se que as testemunhas, de forma pormenorizada e concreta, dessem nota dos concretos serviços prestados e das respectivas datas de realização, o que não aconteceu.

No entanto, sublinhe-se, nestas situações, estando em causa a demonstração da efectiva prestação de serviços titulados por facturas que a Administração Tributária reputou de falsas, a prova testemunhal, para adquirir força persuasiva deveria estar acompanhada de outros meios de prova menos falíveis (atenta a subjectividade inerente à prova testemunhal), nomeadamente de natureza documental. A prova testemunhal, como já dissemos, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova – contratos de empreitada, autos de mediação, mapas de horas de trabalho prestado, cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários; listagens de identificação de trabalhadores - dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações.

Trata-se de uma situação em que haverá que avaliar a prova com particular prudência, uma vez que é sobejamente conhecida a “praga” avassaladora de “facturas falsas” que assolou o comércio, bem como a experiência nos dá conta da particular fragilidade da prova testemunhal neste domínio, onde se cruzam interesses diversos, onde muitos lucram à custa do erário público [cfr. acórdãos deste TCAN de 12/10/2006 (Processo 0300/02) e de 15/02/13 (Processo 489/06.4 BEBRG)].

Deste modo, bem andou a sentença recorrida ao ter considerado que a Impugnante não tinha conseguido demonstrar a realidade das operações tituladas pelas facturas em causa, motivo por que merece ser confirmada também nesta parte.

Em suma, atendendo ao julgamento sobre a matéria de facto, é nosso entendimento que a Recorrente não logrou demonstrar (cumprindo um ónus que era seu) que as facturas em causa titulam serviços realmente prestados, sendo, assim, legítima a actuação da Administração Tributária ao não aceitar a dedução do IVA nelas contido (artigo 19º, nº3 do CIVA) e, consequentemente, ao liquidar adicionalmente o IVA em causa e correspondentes juros compensatórios.

Aqui chegados, resta-nos, no que respeita ao recurso interposto pela B..., apreciar se a sentença recorrida errou ao não retirar as legais consequências – anulação dos actos tributários impugnados – da ocorrência de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário – artigo 100º do CPPT. A este propósito, a Recorrente refere não apenas o artigo 100º do CPPT, mas também o artigo 82º, nº4 do CIVA, na redacção à data aplicável.

Para a Recorrente, a circunstância de um cheque ter sido levantado pelo B... e as declarações do sócio-gerente da E…, referindo que em 2004 e 2005 aquela empresa emitiu facturas que não correspondem a serviços efectivamente realizados, mas não se referindo especificamente à impugnante e referindo o ano de 2005, que não consta do RIT, levam a que, em conformidade com o artigo 100º, nº1 do CPPT, se considere a verificação da fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário ou, como também refere, o Tribunal a quo deveria ter concluído pela existência da fundada dúvida a que alude o artigo 82º, nº4 do CIVA, pelo que deverá o acto impugnado ser anulado.

Também aqui, a Recorrente não tem razão, como bem decidiu a sentença recorrida.

Dispõe o referido artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

No caso em análise, já vimos, era ao sujeito passivo, a ora Recorrente (B...), que cabia o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando, como assinalou o Mmo. Juiz a quo, “criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no art. 100.º, n.° 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto (…)”.

E, na verdade, assim é, pois que a regra contida naquele nº 1 do artigo 100º do CPPT mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Portanto, aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”. Vide, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 133.

Neste mesmo sentido – de que compete ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação - podem ver-se diversos arestos dos Tribunais Superiores. Assim, entre outros, o acórdão TCA Norte 24/01/08 (processo 01834/04 Viseu); os acórdãos da 2.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02 (processo n.º 26.635) e do Pleno, de 7/5/03 (processo 1026/02).

Acresce que o invocado artigo 82º, nº4 do CIVA (actual 87º do CIVA), na redacção aplicável à data dos factos, quando menciona a demonstração, sem margem para dúvidas, de omissões ou inexactidões, refere-se ao registo e declaração a que respeitam os artigos 65º, nº2, al. a) e 67º, nº1, al. c) do CIVA, preceitos estes relativos aos pequenos retalhistas, ou seja, não aplicáveis ao caso sub judice.

Improcede, pois, pelas razões expostas a questão que vínhamos apreciando.

Visto que está o recurso interposto pela B..., passemos à apreciação e decisão da única questão que nos vem colocada no recurso interposto pela Fazenda Pública: saber se a sentença errou ao considerar que as liquidações de juros compensatórios não estavam devidamente fundamentadas.

Vejamos, então.

Na p.i de impugnação judicial, a B... defendeu a verificação do vício consistente na falta de fundamentação legalmente exigida na liquidação dos juros compensatórios, no montante de € 18.471,35. No essencial, defendeu-se aí que naquela fundamentação faltava um elemento essencial, em concreto a indicação da taxa de juro aplicada, uma vez que a menção à taxa de juro aplicável ser efectuada através da expressão “a equivalente à taxa de juros legais, fixada nos termos do artigo 559º do Código Civil”, era insuficiente.

A apreciação desta questão mereceu o acolhimento do Tribunal a quo que, no essencial, apreciou e decidiu nos seguintes termos a questão que lhe foi suscitada:

“(…)

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, da fundamentação das liquidações impugnadas constam a quantia sobre que incidem os juros e o período de tempo considerado para a liquidação.

No que concerne à taxa aplicada, o que consta da fundamentação é a mesma é a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do n° 1 do artigo 559° do Código Civil.

Afigura-se-nos que tal indicação não é suficiente para se ter por satisfeito o dever de indicação da taxa aplicada que integra os requisitos de fundamentação mínima da liquidação de juros compensatórios.

Com efeito, aquela fórmula corresponde a dizer que a os juros foram calculados à taxa legal. Ora, do ponto de vista da explicitação perante o destinatário do acto de qual a taxa que serviu para o cálculo dos juros, para este aferir se tal taxa é aquela que deve ser aplicada e se o concreto cálculo dos juros foi efectuado de modo correcto, esta fórmula é inteiramente vazia e inócua. Aliás, da administração só se pode esperar que liquide juros à taxa legal.

Não foi plenamente cumprido o dever legal de fundamentação que impende sobre a administração, sendo certo que a insuficiência da fundamentação equivale à sua falta, nos termos do disposto no art. 125° n° 2 do CPA e gera a anulabilidade do acto tributário.

Deverão, portanto, ser anuladas s liquidações de juros compensatórios”.

Já vimos, é contra este entendimento que a Fazenda Pública se insurge, no que é acompanhada pelo EMMP junto deste TCAN e, adiantemo-lo, desde já, também a nós se nos afigura não ser este o entendimento correcto e a adoptar.

Vejamos.

A exigência de fundamentação dos actos administrativos, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPA, é formulada no artigo 268º, nº 3, da CRP que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Na legislação tributária, o dever de fundamentação consta do artigo 77.º da LGT, nos termos do qual «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e a «fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

Como é sabido, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, desde logo, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua contestação. Para atingir tal desiderato, a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que o praticou, por forma a conhecerem-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não em termos diversos.

Ora, no que à fundamentação dos juros compensatórios respeita, dispõem os nºs 9 e 10 do artigo 35º da LGT, que:

“(…)

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.”

No caso em análise, as liquidações de juros compensatórios, todas semelhantes (apenas variando o montante do imposto sobre o qual incidem os juros e o período ao qual é aplicável a taxa de juro), constam de fls. 118 a 133 e nas mesmas é mencionado, a título de fundamentação, o seguinte (recuperamos, a título exemplificativo, a liquidação nº 07295591):

Fundamentação

Juros compensatórios liquidados nos termos do artigo 89º do Código do IVA e 35º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.

- Imposto em falta sobre o qual incidem os juros 2.394,00

- Período a que se aplica a taxa de juro de 2003/07/10 a 2007/09/24

- Taxa de juro aplicável ao período - a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.

- Valor dos juros 403,24”

Por sua vez, dispõe o artigo 559º, nº1 do Código Civil que os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.

Se é certo que, como se defendeu no acórdão do STA citado na sentença recorrida (de 1/7/09, processo nº 871/08), a mínima fundamentação exigível em matéria de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum elemento anexo, não cremos que daí resulte que a indicação da taxa aplicada não possa ser efectuada, como no caso aconteceu, com a indicação de a mesma ser equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do nº 1 do artigo 559º do CC No caso analisado no aresto citado, diferentemente daquilo que aqui ocorre, as liquidações impugnadas não contêm qualquer indicação da forma como foram calculados os juros compensatórios, apenas contendo a indicação dos seus montantes, para além de não indicarem as normas legais em que assentam as liquidações desses juros..

Com efeito, a taxa aplicável, nos termos da lei, é a que corresponde à taxa de juros legais fixada no artigo 559º do CC, sendo que esta taxa, como aponta o EMMP junto deste TCA, além de ser variável, é do conhecimento comum, pois decorre expressamente da aplicação de normativos legais reguladores da matéria.

Aliás, num caso idêntico àquele que aqui se discute, o STA concluiu, em acórdão de 21/04/10 (processo nº 0743/09) no sentido de que “No caso em apreço, constata-se que o acto de liquidação, para além da informação sobre o valor do imposto em atraso e sobre o qual incidiam juros compensatórios, o período de tempo a que se reportam esses juros, o valor dos mesmos, contém também o valor da taxa dos referidos juros, que é a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do artº 559º, nº 1 do CC, tal, aliás, como determina o artº 35º, nº 10 da LGT.

Ora, assim sendo, explicitado fica perante o impugnante qual a taxa que serviu para o cálculo dos juros, ou seja a taxa de juro legal.

Taxa esta, aliás, facilmente cognoscível para uma empresa, como a impugnante, que exerce uma actividade económica lucrativa e que, para além disso, dela pode tomar conhecimento através de uma simples leitura do boletim oficial.

Trata-se, assim, de um parâmetro de fundamentação objectivo, e claro, suficiente para responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte e, por isso, facilmente sindicável, como bem anota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer”.
No mesmo sentido, neste TCA Norte, vejam-se os acórdãos de 12/7/2012 (processos nºs 688/06.9 BEBRG e 299/08.4 BEBRG).

Assim, é de concluir que as liquidações de juros compensatórios não enfermam, neste caso e contrariamente ao decidido, do apontado vício de falta de fundamentação, pelo que as mesmas são de manter.

Procede, pois, nos termos expostos, o recurso interposto pela Fazenda Pública.


*

3- DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

- negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela B... – Sociedade de Construções, Lda;

- conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Púbica, revogando a sentença recorrida na parte em que anulou as liquidações de juros compensatórios, determinando-se, em substituição, a manutenção de tais actos tributários.

Custas pela Recorrente B... em ambas as instâncias.

Porto, 28 de Fevereiro de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves