Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02193/18.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ILEGITIMIDADE ATIVA; CONSÓRCIO; LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO; DESPACHO VINCULADO.
Sumário:1- O interesse em demandar ou em contradizer apura-se pela titularidade das situações jurídicas que integram a relação jurídica, relevando em tal plano, à míngua da indicação da lei em contrário, os termos em que o autor configura o seu direito e a correlativa obrigação do réu.

2-Não tem legitimidade ativa para intentar ação a reclamar do município o pagamento das despesas decorrentes da não liberação dos contratos de garantias bancárias à 1.ª solicitação e a liberação desses contratos, o membro do consórcio que celebrou esses contratos com a respetiva entidade bancária quando desacompanhado do outro membro do consórcio, por a causa de pedir assentar nos contratos de empreitada celebrados entre os membros do consórcio e o município, e na receção definitiva das obras garantidas.

3- Saber se as obras objeto dos contratos de empreitada foram ou não executadas e se foram ou não em definitivo rececionadas pelo dono da obra é matéria que não pode ser discutida apenas por um só dos membros do consórcio, mas por todos, porquanto, qualquer decisão que a esse propósito viesse a ser tomada pelo tribunal, seria insuscetível de produzir caso julgado em relação ao outro membro do consórcio que não é parte na ação.

4- Verificada uma situação de ilegitimidade plural passiva incumbe ao juiz, nos termos dos artigos 6º, nº 2 e 590º, nº 1 do CPC, proferir despacho vinculado, convidando a autora ao suprimento da exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário ativo. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I. RELATÓRIO

1.1. M., S.A. pessoa coletiva nº (…), com sede na Rua (…), (…), (…), moveu ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE (...), com sede na Rua (…), (…), pedindo a condenação do Réu:
a) i- a promover, pela forma própria e junto da C.G.D., a extinção da garantia bancária nº 2503.008656, em prazo a indicar por esse Tribunal, reputando a Autora como suficiente e adequado o prazo de 10 dias.
ii- caso a Ré não cumpra com o peticionado na alínea anterior, no prazo que lhe for fixado, que a Ré seja também condenada a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória, à razão de €106,80 por cada dia de atraso no cumprimento dessa mesma obrigação;
b) a pagar-lhe a quantia global de €12.518,12 a título de retenções não devolvidas e custos suportados com garantias bancárias, acrescida do valor das comissões que a Autora vier a suportar até à extinção da garantia bancária identificada na alínea a) do presente pedido;
c) a pagar-lhe a quantia total de €19.860,06 a título de juros vencidos e liquidados até à presente data e ainda a pagar os juros vincendos até efetivo e integral cumprimento das obrigações a que subjazem e ainda,
d) a pagar-lhe a quantia de €40,00 a título de indemnização pelos custos com a presente cobrança nos termos do artigo 7º do D.L. 62/2013 de 10 de maio.

Alegou, para o efeito, em síntese, que a 23/07/2007, celebrou um contrato de consórcio externo com a sociedade “N., Lda.”, e que entre este consórcio e o Réu, a 09/05/2007, foi celebrado um contrato de empreitada referente à obra “Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro”.

No âmbito do referido contrato, prestou uma garantia bancária- número 13202- no valor de € 34.509,16, tendo a obra em causa sido executada e recebida, provisoriamente em junho de 2008 e, definitivamente, em 2016.

Não obstante ter ocorrido a receção da obra, o Réu não procedeu à liberação da garantia prestada, a qual, porém foi cancelada pela entidade bancária em 30.04.2018, mas não tendo ainda entregue à Autora as quantias devidas a título de pagamento e retidas, nos termos previstos no artigo 211º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de março.

Juntamente com a sua consorciada “N.”, celebrou ainda com o Réu, em janeiro de 2008, um contrato de empreitada designado “Requalificação e Alargamento da Av. D. Afonso Henriques”, no âmbito da qual também prestou uma garantia bancária no valor de € 65.640,29 – número 10989- , e outra no valor de € 64.080,34, em substituição das retenções previstas no artigo 211º do referido Decreto-Lei nº 59/99 – garantia número 2503008656193.

A referida obra também já foi definitivamente recebida, no ano de 2016, sem que o Réu tivesse procedido à liberação das respetivas garantias, pese embora a entidade bancária tivesse cancelado, em 30.04.2018, a garantia número 10989.
Assim, encontra-se por libertar a garantia número 2503008656193, e por liquidar os montantes em dívida, acrescidos dos encargos suportados e dos juros de mora vencidos.

Deve o Réu ser condenado a promover a extinção da garantia bancária nº 2503.008656; a pagar-lhe a quantia global de € 12.518,12 a título de retenções não devolvidas e custos suportados com garantias bancárias; a pagar-lhe quantia de € 19.860,06 a título de juros de mora vencidos, bem como os juros vincendos, até efetivo e integral pagamento; e a pagar-lhe a quantia de € 40,00, a título de indemnização pelos custos com a presente cobrança.

1.2. Regularmente citado, o Réu apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção suscitou a incompetência territorial do TAF de Braga para apreciar e decidir o presente litígio.
Invocou a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário, alegando, em suma, que respeitando a presente ação administrativa a dois contratos de empreitada celebrados com o Réu, em consórcio externo com a entidade “N., Lda.”, a relação jurídica estabelecida entre as partes é plural, exigindo a intervenção de ambas, do lado ativo, pugnando, a final, pela sua absolvição da instância.
Mais arguiu a inimpugnabilidade e ausência de objeto da presente ação, bem como a exceção de caducidade do direito de ação.
E que contrariamente ao alegado pela Autora, aduziu que ainda não se verificou a receção definitiva das obras em causa, motivo pelo qual não pode vir exigir a liberação das cauções e garantia, uma vez que foi deliberado devolver os termos de receção definitiva.
Na defesa por impugnação, alegou, em suma, que a Autora não procedeu à correção e reparação das deficiências detetadas na obra, que determinaram a devolução dos autos de receção definitiva, pugnando, a final, pela sua absolvição do pedido.

1.3. A Autora replicou, afirmando a competência do TAF de Braga para apreciar do mérito da lide.
Quanto à exceção de ilegitimidade ativa pugnou pela sua improcedência, alegando, em suma, por um lado, que os contratos de consórcio celebrados com a “N.” se extinguiram, pelo decurso do prazo de 10 anos previsto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de julho e, por outro, que não veio reclamar direitos comuns a ambas as consorciadas, mas apenas o pagamento de créditos exclusivos, sublinhando que as garantias foram prestadas apenas por si e que as retenções incidiram apenas sobre pagamentos a si devidos.
Ademais, o «efeito útil normal» da presente demanda apenas carece da intervenção da única credora, a aqui Autora.
Quanto às demais exceções sustentou a respetiva improcedência, concluindo como na petição inicial.

1.4. Por sentença proferida a 25/02/2019, o TAF de Braga julgou-se incompetente, em razão do território, para apreciar do mérito da presente lide, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.

1.5. Em 11.10.2019 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferiu saneador-sentença que julgou procedente a exceção da ilegitimidade ativa da autora, lendo-se no mesmo:

«Face a tudo o que antecede, julga-se a Autora parte ilegítima e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância.
*
Custas pela Autora (artigo 527º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA; artigo 6º do RCP, Tabela I).
*
Registe e notifique


1.6. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que considere que é parte legítima e que ordene o prosseguimento dos autos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«
1- O Tribunal a quo decidiu na sentença ora em crise que a Apelante não podia estar nestes autos desacompanhada da outra consorciada, por três motivos: a alegação de que se tratam de direitos exclusivos da Apelante e que não são comuns à consorciada dependem da produção de prova; o efeito útil normal da decisão pretendida pela Apelante só pode ser garantido pela intervenção de ambas as contraentes do consórcio; a Apelante não cuidou de requerer a intervenção principal provocada da empresa consorciada, apesar de a Apelada ter invocado a ilegitimidade daquela por preterição do litisconsórcio necessário ativo, atenta a falta da empresa consorciada.
2- A Apelante, com todo o respeito, considera que cada um daqueles fundamentos está errado e por isso a decisão neles alicerçada contém erros de julgamento que por via do presente recurso a Apelante pretende ver corrigidos, pelos motivos expostos.
3- São várias as decisões proferidas por diversos Tribunais superiores que confirmam de forma peremptória a necessidade de fazer intervir todos os membros do consórcio nas ações judiciais por via das quais um desses membros pretende fazer valer um direito que se constata que afinal é comum aos demais membros – e a Apelante concorda com todas essas decisões.
4- Aceita-se por a necessidade de fazer intervir na ação todos os consorciados nos casos em que apenas um deles pretende, por exemplo, ver declarada a nulidade de cláusulas do contrato de empreitada ou impugnar contenciosamente um ato do concurso a que o consórcio concorreu, ou até mesmo exigir o pagamento da sua quota-parte dos valores devidos pela entidade adjudicante.
5- Em todos aqueles casos, tratados na jurisprudência, os direitos que se pretendiam fazer valer ou eram comuns aos consorciados ou ainda que podendo até não o ser, não deixavam de radicar nos contratos de empreitada ou consórcio e/ou punham em causa o efeito útil normal da decisão - e como tal afiguram-se legítimas todas aquelas decisões no mesmo sentido.
6- Mas no modesto entender da Apelante, o caso dos autos é diferente e é por isso que o aresto agora em crise não terá sido bem decidido.
7- E é diferente porque nem se reclama nenhum tipo de direito comum a ambos os consorciados, tal como não se pretende aqui fazer valer nenhum dos termos previstos nem nos contratos de empreitada nem nos contratos de consórcio, e, por último, a decisão que a Autora pretende do Tribunal não põe em causa o efeito útil normal da mesma.
8- A causa de pedir nestes autos radica principalmente nos contratos de garantias bancárias autónomas à primeira solicitação. E este elemento é essencial para o enquadramento e apreciação do presente recurso.
9- A garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado e o garante, a favor de um terceiro, o garantido. E por definição tem por base um contrato entre o interessado e o garantido (contrato-base) mas ao qual a garantia é totalmente alheia, principalmente no caso das garantias autónomas à primeira solicitação, fazendo assim nascer uma obrigação autónoma, subtraída em princípio à incidência dos meios de defesa relacionados com os contratos-base que possam haver.
10- No caso destes autos estamos precisamente perante garantias bancárias à primeira solicitação que por definição são autónomas e independentes dos contratos-base em que assentam. E neste caso, essas independência e autonomia saem ainda mais reforçadas pelo facto de as garantias nem sequer terem sido celebradas pelos mesmos sujeitos dos contratos-base – pois não foram os dois membros do consórcio que celebraram as garantias mas apenas a Apelante.
11- Nestas garantias é apenas a Apelante a responsável perante as entidades bancárias quer pelo pagamento das comissões devidas quer pela sua regularização em caso de pagamento.
12- Como tal, nem os contratos de consórcio, nem os contratos de empreitada nem a consorciada N., estão diretamente relacionados com estas garantias – aquilo que está unicamente em causa é a aplicação da lei – artigo 229º nº1 do D.L. 59/99 – reclamando tão somente a Apelante a sua aplicação.
13- E é por isso que a Apelante desde início vem alegando que todas as questões relacionadas com as garantias são exclusivamente suas, nada tendo a consorciada que ver com tal assunto.
14- Já quanto às retenções que se reclamam, ao longo da execução do contrato-base, o Apelado fez pagamentos à Apelante como fez também à outra empresa consorciada e nesses pagamentos o Apelado reteve uma parte desse valor.
15- Recaindo sobre o Apelado a obrigação de devolver as retenções que efetuou, a Apelante apenas reclama e apenas pode reclamar os montantes que foram sendo subtraídos aos seus pagamentos.
16- Disto isto, julga-se que dúvidas não restam daquela primeira premissa atrás alegada: não se reclama nestes autos nenhum tipo de direito comum a ambos os consorciados.
17- E muito com base no ora exposto, evidente se torna também a segunda premissa em que assenta esta primeira parte do recurso da Apelante: não se pretende fazer valer aqui nenhum direito emergente dos contratos de consórcio.
18- Por um lado porque as garantias foram prestadas apenas por uma das consorciadas, o contrato de consórcio é absolutamente indiferente e nem subjaz diretamente com os pedidos relacionados com aquelas garantias.
19- Por outro lado, quanto às retenções, aquilo que a Apelante reclama não é que o Tribunal fiscalize se são devidos os pagamentos no âmbito dos contratos de empreitada e, depois, que parcela desses valores são devidos à Apelante no âmbito dos contratos de consórcio.
20- Aquilo que se reclama com a devolução das retenções, já nada tem que ver com a análise nem dos contratos de empreitada nem com os contratos de consórcio, nem com a outra consorciada - esse escrutínio já foi feito pelas partes, designadamente pelo próprio Apelado que pagou os valores devidos de acordo com os contratos de empreitada e de consórcio.
21- E por isso considera a Apelante evidenciado o segundo argumento alegado: não se pretende nestes autos fazer valer nenhum dos termos previstos nem nos contratos de empreitada nem nos contratos de consórcio.
22- Quanto ao terceiro argumento, o mesmo decorre já em grande parte do que até agora se vem alegando: a decisão que a Apelante pretende do Tribunal não põe em causa o efeito útil normal da sentença.
23- Na verdade, não concebe a Apelante um único cenário em que a sentença a ser proferida nestes autos, a vincular Apelante e Apelado, coloque alguma questão quanto à sua eficácia perante terceiros, designadamente perante a consorciada N..
24- Quer porque em relação às garantias, estas não foram contratadas pela N. que não é assim parte em tais contratos; quer quanto às retenções pois estas respeitam apenas e só às relações entre Apelante e Apelado, e aos pagamentos que este fez àquela.
25- A presença da consorciada N. nos autos não poderia trazer nada de útil nem relevante, nem a decisão que vier a ser proferida, como se espera, pode ter algum reflexo nos direitos ou obrigações entre Apelado e a N..
26- Por fim, concordando-se com o entendimento do Tribunal a quo, de que a natureza exclusiva dos direitos e créditos que aqui se reclamam “sempre dependerá a sua confirmação da produção de prova”, o que se pretende é que à Apelante seja concedida essa mesma possibilidade, de produzir prova, até porque caso se venha, a final, a concluir que seria necessária a intervenção da consorciada, sempre a Apelante terá a possibilidade de chamar a N. aos autos nos termos do artigo 261º do CPC.
27- E desta forma, entende a Apelante ter demonstrado que não assiste razão aos dois primeiros argumentos em que se baseou a sentença ora em crise, pretendendo-se por isso a revogação da sentença e substituição por uma outra que julgue a Apelante parte legítima nestes autos, os quais deverão prosseguir os seus ulteriores termos.
28- Mostra-se por isso violado o previsto nos artigos 229º nº1 do D.L. 59/99, 14º do DL n.º 231/81, 9º nº1 do CPTA, 30º e 33º do CPC.
29- Subsidiariamente: no aresto em crise, o Tribunal a quo considerou que após a invocação da exceção de ilegitimidade de parte pelo Apelado, a Apelante teria tido já a oportunidade de requerer o chamamento aos autos da sua consorciada. E ao não tê-lo feito, perdeu a oportunidade para o fazer e por isso decidiu, sem mais, absolver o Apelado da instância por preterição do litisconsórcio necessário ativo.
30- Contudo na opinião da Apelante, fê-lo mal e de forma precipitada, “atropelando” as regras processuais aplicáveis ao caso.
31- No processo civil português desde sempre vigorou o princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais das partes, segundo o qual é acertado sustentar que os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos sejam sempre interpretados no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.
32- Esse princípio saiu reforçado com as alterações introduzidas com a mais recente reforma do Processo Civil, designadamente com o reforço da prevalência do mérito sobre a forma, a introdução do dever gestão processual e as alterações ao princípio da adequação formal.
33- E é com base em tais princípios e mais concretamente com base nos artigos 6º nº2 e 590º nº3 e 4º ambos do C.P.C. que se fundamentam os acórdãos existentes sobre esta matéria, que se pronunciam de forma unânime, consagrando a obrigação do Tribunal de convidar a parte a suprir as exceções antes de poder retirar delas as devidas consequências processuais - o Acórdão do TRGuimarães de 28.06.2018 (proc. 555/09TBTMC-A.G1) ou o Acórdão do TRLisboa de 09.11.2017 (proc. 3831/15.3T8LSB.L1-2).
34- No caso dos autos, como resulta bem claro da sentença ora em crise, depois de o Apelado invocar a referida exceção e a Apelante sobre ela se pronunciar, não houve qualquer démarche por parte do Tribunal a quo para sanar a exceção que entendia verificar-se (injustificadamente, atento tudo quanto acima exposto), decidindo, sem mais, julgar procedente a exceção de ilegitimidade processual e absolver o Apelado da instância.
35- Ao fazê-lo, no modesto entender da Apelante, o aresto em crise violou o previsto nos artigos 6º nº2 e 590º nº3 e 4 do CPC e por isso se o anterior fundamento de recurso não proceder, sempre a sentença deverá ser revogada, e a Apelante convidada a suprir a exceção que se julga verificada.
36- Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a Vas.Exas. que se dignem conceder total provimento ao presente recurso, alterando a sentença ora em crise nos sentidos supra enunciados, só dessa forma fazendo a mais sã e elementar JUSTIÇA.»
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1.7. Os Apelados não contra-alegaram.
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1.8. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
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1.9. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Nos presentes autos, as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, cifram-se em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por nela se ter julgado procedente a exceção da ilegitimidade ativa da Autora e, em caso afirmativo, se essa ilegitimidade é suprível, mediante a intervenção principal provocada da consorciada da Autora, como sua associada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

3.1. O Tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos (não objeto de sindicância por parte da Recorrente, que limitou o seu recurso à interpretação e aplicação do direito, como resulta nomeadamente da falta de qualquer referência - e cumprimento - ao ónus de impugnação previsto no art. 640.º, nº 1 do CPC):

«A) A 23/04/2007, entre a Autora e a sociedade denominada “N., S.A.” foi celebrado um designado «Contrato de Consórcio», do qual constam, designadamente, as seguintes cláusulas: “(…) Cláusula Terceira. Objeto. O consórcio tem por objeto a execução da empreitada designada: «Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro», em Lamego. Cláusula Quarta. Vigência. 1 – O presente contrato tem duração limitada de acordo com o número seguinte e entra em vigor na data da sua assinatura pelas Partes. 2 – O presente contrato deixa de vigorar com a verificação cumulativa dos seguintes factos: a) cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o Dono de Obra; b) a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono de Obra, bem como a liberação de todas as cauções ou garantias; c) a regularização de todas as contas e eventuais litígios entre as Partes. (...) Cláusula Sexta. Chefe do Consórcio. 1 – O chefe do Consórcio é a M., S.A.. 2 – Ao Chefe do Consórcio compete: a) A representação do Consórcio perante o Dono de Obra e terceiros, sendo nomeadamente suficiente, que as ordens ou instruções e de um modo geral toda a correspondência do Dono de Obra e/ou Fiscalização sejam emitidas ao consórcio através do Chefe do Consórcio, sempre sem prejuízo de contactos diretos a estabelecer com cada uma das partes no decurso da Empreitada; b) Negociar, com a colaboração e de acordo da outra consorciada, o contrato de empreitada a celebrar com o Dono de Obra e promover tudo o que se torne necessário para a respetiva outorga; c) Coordenação de esforços tendentes à boa prossecução e execução da Empreitada que deu origem ao presente contrato, desenvolvendo junto da outra consorciada e do Dono da Obra as ações necessárias para que esse efeito seja alcançado. (…) Cláusula Oitava. Direitos e Obrigações das Partes. 1 – As Partes divisionam qualitativamente os direitos e custos emergentes da execução da empreitada na seguinte proporção: - N., S.A. … 50% (cinquenta por cento); - M., S.A. … 50% (cinquenta por cento). 2 – As Partes obrigam-se a colaborar entre si de acordo com o princípio da boa fé e a afetar, dentro das suas possibilidades, os meios necessários à prossecução e realização do objeto do Consórcio, na proporção que a cada um respeita. 3 – As Partes obrigam-se por si e respetivo pessoal a observar um rigoroso e completo sigilo nos aspetos técnicos, comercial e financeiro atinentes com a empreitada e o objeto do presente Consórcio. (…) Cláusula Décima Primeira. Pagamentos. As Partes, apresentarão ao Dono de Obra a faturação global dos trabalhos, na proporção prevista na cláusula oitava, de acordo com as condições de pagamentos do preço da empreitada prevista no respetivo contrato e receberá deste os respetivos montantes. (…)” (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 1);
B) A 09/05/2007, entre a Autora e a “N.”, em consórcio, por um lado, e o Réu, por outro, foi celebrado um contrato designado de “Empreitada de «Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro»”, em Lamego, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 2);
C) A 21/12/2007, entre a Autora e a sociedade denominada “N., S.A.” foi celebrado um designado «Contrato de Consórcio», do qual constam, designadamente, as seguintes cláusulas: “(…) Cláusula Terceira. Objeto. O consórcio tem por objeto a execução da empreitada designada: «Requalificação e Alargamento da Av. D. Afonso Henriques – Lamego». Cláusula Quarta. Vigência. 1 – O presente contrato tem duração limitada de acordo com o número seguinte e entra em vigor na data da sua assinatura pelas Partes. 2 – O presente contrato deixa de vigorar com a verificação cumulativa dos seguintes factos: a) cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o Dono de Obra; b) a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono de Obra, bem como a liberação de todas as cauções ou garantias; c) a regularização de todas as contas e eventuais litígios entre as Partes. (...) Cláusula Sexta. Chefe do Consórcio. 1 – O chefe do Consórcio é a M., S.A.. 2 – Ao Chefe do Consórcio compete: a) A representação do Consórcio perante o Dono de Obra e terceiros, sendo nomeadamente suficiente, que as ordens ou instruções e de um modo geral toda a correspondência do Dono de Obra e/ou Fiscalização sejam emitidas ao consórcio através do Chefe do Consórcio, sempre sem prejuízo de contactos diretos a estabelecer com cada uma das partes no decurso da Empreitada; b) Negociar, com a colaboração e de acordo da outra consorciada, o contrato de empreitada a celebrar com o Dono de Obra e promover tudo o que se torne necessário para a respetiva outorga; c) Coordenação de esforços tendentes à boa prossecução e execução da Empreitada que deu origem ao presente contrato, desenvolvendo junto da outra consorciada e do Dono da Obra as ações necessárias para que esse efeito seja alcançado. (…) Cláusula Oitava. Direitos e Obrigações das Partes. 1 – As Partes divisionam qualitativamente os direitos e custos emergentes da execução da empreitada na seguinte proporção: - N., S.A. … 50% (cinquenta por cento); - M., S.A. … 50% (cinquenta por cento). 2 – As Partes obrigam-se a colaborar entre si de acordo com o princípio da boa fé e a afetar, dentro das suas possibilidades, os meios necessários à prossecução e realização do objeto do Consórcio, na proporção que a cada um respeita. 3 – As Partes obrigam-se por si e respetivo pessoal a observar um rigoroso e completo sigilo nos aspetos técnicos, comercial e financeiro atinentes com a empreitada e o objeto do presente Consórcio. (…)” (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 10);
D) A 14/01/2008, entre a Autora e a “N.”, em consórcio, por um lado, e o Réu, por outro, foi celebrado um contrato designado de “Empreitada de «Requalificação e Alargamento da Av. Afonso Henriques»”, em Lamego, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 11);
E) A petição inicial foi apresentada no TAF de Braga a 01/10/2018 (cfr. fls. 2 e ss. dos presentes autos.»
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III.B. DO DIREITO

3.2. Dos Erros de Julgamento
3.2.1. A Apelante não se conforma com a decisão recorrida que a julgou parte ilegítima na presente ação por não estar acompanhada do outro membro do consórcio, a sociedade N., pretendendo a revogação dessa decisão e a sua substituição por decisão que julgue o autor como parte legitima ou, para o caso de assim se não entender, que determine ao Tribunal a quo a prolação de despacho de convite à autora para suprir a alegada ilegitimidade, fazendo intervir na ação a sua consorciada, a sociedade N..
3.2.2.O TAF de Viseu considerou o Autor parte ilegítima, absolvendo o Réu da instância com base na seguinte fundamentação:
«Determina o nº 1 do artigo 9º do CPTA o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.”
Já de acordo com o previsto no artigo 30º do Código de Processo Civil (doravante abreviadamente CPC; e aplicável ex vi artigo 1º do CPTA), “1 – O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer.
2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Das normas legais ora transcritas de imediato se infere que a legitimidade activa implicará sempre a participação numa relação material controvertida tida com o Réu.
No caso em apreço, cumpre proceder ao enquadramento material da referida relação material controvertida. Como advém da leitura dos articulados, pretende a Autora a condenação do Réu no pagamento de uma quantia pecuniária alegadamente devida pela execução e pleno cumprimento de dois contratos de empreitada de obras públicas entre as partes celebrados, um respeitante à “Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro”, e outro respeitante à “Requalificação e Alargamento da Avenida D. Afonso Henriques”, empreitadas estas desenvolvidas no concelho de Lamego.
Como advém da factualidade dada como provada, foram tais contratos celebrados com um consórcio, que era composto, à data da celebração dos mesmos, pela Autora bem como pela entidade designada “N., Lda.”.
Com pertinência para a apreciação da presente questão, recorde-se que, nos termos do previsto no Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de Julho, o consórcio não tem personalidade jurídica. Efectivamente, o consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica, se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo 2º do indicado decreto-lei (cfr. artigo 1º do identificado diploma legal).
Embora os membros do consórcio possam regular a respectiva responsabilidade, esta é, por regra, meramente individual, uma vez que a ausência de personalidade jurídica e de autonomia patrimonial que caracteriza o consórcio significa que este não pode ser titular de débitos e de créditos. Sujeitos dos direitos e deveres emergentes das relações estabelecidas entre os membros do consórcio e os terceiros são os próprios consortes, que não o consórcio em si.
Consequente, é legítima a conclusão que os contraentes nos referidos Contratos de Empreitada eram, por um lado, o MUNICÍPIO DE (...) e, por outro lado, as entidades “M.”, aqui Autora, e a “N.”, que não o consórcio entre estas estabelecido.
Argumenta a Autora, na defesa da sua legitimidade activa, que o referido contrato de consórcio, nos termos do previsto no nº 2 do Decreto-Lei nº 231/81, se extinguiu, pelo decurso do prazo de dez anos previsto nessa norma. Invoca ainda que, tendo as partes contratantes estabelecido que dividiriam equitativamente os direitos e os custos emergentes da execução de cada uma das empreitadas na proporção de 50% para cada, mais tendo estipulado, na cláusula 11ª, que cada uma das partes contratantes apresentaria do Dono da Obra a facturação da sua quota parte dos trabalhos, recebendo daquele o respectivo montante. Considera, assim, não existir qualquer direito comum a ambas as entidades que compunham o consórcio, afirmando que tudo quanto se reclama com a presente acção é o pagamento de créditos exclusivos da Autora.
Conclui, desta forma, que de acordo com o nº 2 do artigo 33º do CPC, o “efeito útil normal” da presente demanda apenas carece da intervenção da única credora dos direitos reclamados, no caso presente, a Autora.
Desde já se adianta que não assiste razão à Autora.
Estatui o artigo 33º do CPC, nos seus nºs 1 e 2, o seguinte:
“1 – Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 – É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.”
Efectivamente, a referida relação material controvertida ora em apreço consubstancia-se, precisamente, nos contratos de empreitada celebrados entre a Autora e a “N.”, como consorciadas, e o Réu, concretamente, o cumprimento e plena execução das respectivas obrigações.
Sublinhe-se que, contrariamente ao propugnado pela Autora, o contrato de consórcio celebrado com a “N.” não se extinguiu, por decurso de prazo, nos termos do previsto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 231. Na verdade, e de acordo com o estatuído no artigo 4º deste diploma legal, os termos e condições do contrato de consórcio serão livremente estabelecidos pelas partes, não estando aquele normativo do artigo 11º revestido de natureza imperativa (neste mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/09/2018, prolatado no P. 877/18.3YRLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt). Por outro lado, e conforme decorre do nº 2 da cláusula 4ª do contrato de consórcio, faz depender o seu término da verificação cumulativa de três condições, quais sejam:
a) cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o Dono de Obra;
b) a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono de Obra, bem como a liberação de todas as cauções ou garantias; e
c) a regularização de todas as contas e eventuais litígios entre as Partes.
Ora, claramente, no caso em apreço, não se encontram tais condições preenchidas, como aliás expressamente admitido pela Autora na sua petição inicial, não tendo as cauções e garantias sido liberadas e existindo, por força aliás da instauração da própria acção ora em análise, litígios com o Dono de Obra, aqui Réu.
Por outro lado, o facto de alegar a Autora que reclama apenas, nos presentes autos, créditos próprios, não é susceptível de afastar a natureza “plural” da relação jurídica material controvertida em discussão.
Não se olvide que pretende a Autora, entre outras matérias, a liberação das garantias prestadas. Ora, tais garantias pretendiam assegurar o cumprimento das obrigações advenientes do contrato de empreitada para ambas as consorciadas, onde se inclui a “N.”, que não apenas para a Autora.
Já quanto à alegação de que os créditos reclamados quanto a cauções, ou outros, são próprios da Autora, que não comuns, sempre dependerá a sua confirmação da produção de prova, pelo que o efeito útil normal da decisão a obter só pode ser garantido pela intervenção de ambas as contraentes do consórcio, intervenção esta que sempre se imporia atentas as exigências processuais de segurança jurídica para a formação de caso julgado.
Na verdade, é vasta, unânime e reiterada a jurisprudência que se tem debruçado sobre a presente situação. A título meramente exemplificativo, aqui se indica o douto aresto prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 19/05/2014, no P. 4/14.6YRPRT (disponível em www.dgsi.pt), que parcialmente se transcreve:“(…)É que – entende – no contrato de empreitada em causa estabeleceram-se os direitos e obrigações das partes, "as quais - partes - são a “primeira outorgante ou dona da obra” e a “segunda outorgante ou empreiteiro”, pois que existe uma parte una que é a “segunda outorgante ou empreiteiro”, com direito e obrigações emergentes do contrato" ou seja, "estamos perante um “contrato comum” (cfr. Vaz Serra, in BMJ, 1957, nº 69, págs. 87 e ss) e a relação jurídica dele emergente (é) estabelecida entre a Ré dum lado e como dono da obra e a A. e a E…, S.A. do outro lado e como empreiteiro. E, citando Alberto dos Reis, refere que "Quando as coisas se apresentam nos termos que ficam assinalados, dir-se-á, com rigor, que, embora haja pluralidade de interessados, a relação jurídica substancial é uma só e única. Essa unidade substancial determina e comanda a unidade de decisão jurisdicionaI. Sendo assim, dois caminhos se oferecem ao legislador: a) Ou exigir que na ação respetiva intervenham todos os interessados, sob pena de ilegitimidade; b) Ou impor a decisão, como caso julgado, mesmo aos interessados que tenham ficado fora do pleito, considerando-os representados pelos que nele intervieram. Colocado perante esta alternativa, o legislador optou pela primeira solução: declarou necessária a intervenção de todos, isto é, tornou obrigatório o litisconsórcio" (…). É que o efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando o caso julgado material (Alberto dos Reis, Jurisprudência Crítica, vol. I°, pág. 100; Rev. de Leg., ano 77.°, pág. 210). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que para se formar o caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na ação, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados diretos que não foram chamados à ação” (…) sem a presença da E…, S.A. "a sentença não terá estabilidade, não dará a solução definitiva do litígio, não produzirá, portanto, o seu efeito útil normal: qualquer dos interessados excluídos poderia, em nova ação, provocar divisão diferente, inutilizando a sentença anterior (Rev. de Leg., ano 75.°, pág. 295) (Prof. A. dos Reis, ob. e loc. cit)” ou, pior, sendo com ela absolutamente incompatível, originando mais uma machadada na segurança jurídica e no prestigio das decisões judiciais. Designadamente, nada impede a E…, S.A., antes pelo contrário, de vir exigir à Ré um qualquer pretenso crédito eventualmente estribado nos mesmos factos alegados pela A., invocando, contudo, um pretenso crédito (…) recorde-se, vigora no nosso ordenamento jurídico o Princípio da Relatividade do Caso Julgado". (…).”
No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (vide Acórdão de 20/09/2011, P. 556/11; de 08/06/2004, P. 489/04; ou de 24/09/2008, P. 402/08; entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Posto isto, não estando presentes na lide as duas entidades com interesse nas relações contratuais estabelecidas com o MUNICÍPIO DE (...), ora Réu, verifica-se a excepção de ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, o que desde já se declara. Frise-se ainda que, apesar de ter sido a Autora notificada para se pronunciar quanto à matéria exceptiva arguida pelo Réu, nada veio a mesma requerer (nos termos do previsto no artigo 316º e seguintes do CPC, o que sempre seria seu ónus), sem prejuízo de poder ainda lançar mão do previsto no artigo 261º deste mesmo diploma legal.
Consequentemente, impõe-se absolver o Réu da instância.»
3.2.3.De acordo com a decisão recorrida, são três as razões em que o Tribunal a quo assentou o julgamento da autora como carecendo de legitimidade ativa para intentar a presente ação desacompanhada da outra consorciada, a saber: a alegação de que se tratam de direitos exclusivos da Apelante e que não são comuns à consorciada dependem da produção de prova; o efeito útil normal da decisão pretendida pela Apelante só pode ser garantido pela intervenção de ambas as contraentes do consórcio; a Apelante não cuidou de requerer a intervenção principal provocada da empresa consorciada, apesar de a Apelada ter invocado a ilegitimidade daquela por preterição do litisconsórcio necessário ativo, atenta a falta da empresa consorciada.
3.2.4.A Apelante considera que cada um daqueles fundamentos está errado e por isso a decisão neles alicerçada contém erros de julgamento que por via do presente recurso pretende ver corrigidos.
*
3.3.Do Erro de Julgamento Decorrente da Violação dos artigos 229º nº1 do D.L. 59/99, 14º do DL n.º 231/81, 9º nº1 do CPTA, 30º e 33º do CPC.
3.3.1.Nas suas conclusões de recurso, a Apelante começa por asseverar que a necessidade de fazer intervir todos os membros do consórcio nas ações judiciais, que vem afirmada em várias decisões dos tribunais superiores, se refere a casos em que um dos membros do consórcio pretende fazer valer um direito que se constata que afinal é comum aos demais membros, razão pela qual, para que a sentença possa produzir efeito útil em relação a todos eles, todos os membros do consórcio têm de ser partes na ação.
Porém, no caso em juízo, entende que a situação é diferente porque não reclama nenhum direito comum a ambas as consorciadas, tal como não pretende fazer valer nenhum dos termos previstos nem nos contratos de empreitada, nem nos contratos de consórcio e, por último, a decisão que pretende do Tribunal não põe em causa o efeito útil normal da mesma.
Alega que a causa de pedir na ação radica principalmente nos contratos de garantia bancária autónomas à 1.ª solicitação, que são autónomas e independentes dos contratos-base em que assentam e no caso essas indemnização e autonomia saem reforçadas pelo facto de as garantias nem sequer terem sido celebradas pelos mesmos sujeitos dos contratos base, pois não foram os dois membros do consórcio que celebraram as garantias mas apenas a Apelante, que é a única responsável perante as entidades bancárias quer pelo pagamento das comissões devidas quer pela sua regularização em caso de pagamento. Por isso, nem os contratos de consórcio, nem os contratos de empreitada, nem a consorciada N. estão diretamente relacionadas com estas garantias, estando unicamente em causa a aplicação do artigo 229.º, n.º1 do D.L. n.º 59/99.

Quanto às retenções, aduz que tratando-se de um direito exclusivo da mesma, não está a reclamar nenhum tipo de direito comum a ambos os consorciados, não estando aqui a fazer valer nenhum direito emergente dos contratos de consórcio. Aquilo que reclama não é que o Tribunal fiscalize se são devidos os pagamentos no âmbito dos contratos de empreitada e, depois, que parcela desses valores são devidos à Apelante no âmbito dos contratos de consórcio – como acontecia no caso do Acórdão do TCAN citado pela Ré. Aquilo que se reclama com a devolução das retenções, já nada tem que ver com a análise nem dos contratos de empreitada nem com os contratos de consórcio, nem com a outra consorciada - esse escrutínio já foi feito pelas partes, designadamente pelo próprio Apelado que pagou os valores devidos de acordo com os contratos de empreitada e de consórcio.

Por isso, sustenta que a decisão que pretende do Tribunal não põe em causa o efeito útil normal da sentença. Na verdade, não concebe um único cenário em que a sentença a ser proferida nestes autos, a vincular Apelante e Apelada, coloque alguma questão quanto à sua eficácia perante terceiros, designadamente perante a consorciada N., quer porque em relação às garantias, estas não foram contratadas pela N. que não é assim parte em tais contratos, quer quanto às retenções pois estas respeitam apenas e só às relações entre Apelante e Apelado, e aos pagamentos que este fez àquela.
E conclui, em conformidade, que por isso se mostra violado o previsto nos artigos 229º nº1 do D.L. 59/99, 14º do DL n.º 231/81, 9º nº1 do CPTA, 30º e 33º do CPC.
Mas a razão não lhe assiste, como melhor passamos a explicar.

3.3.2. A legitimidade é um pressuposto processual, traduzindo uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente.
Verificada a ilegitimidade do autor, o julgador abstém-se de apreciar o mérito da sua pretensão, e absolve o réu da instância por não estarem reunidas as condições mínimas que lhe permitam entrar no conhecimento desse mérito (de acordo com a relação controvertida delineada pelo próprio autor as partes, não são as partes certas dessa relação em litígio) – artigos 9.º, n.º1 e 89.º, n.º1, alínea e) do C.P.T.A.

No âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9.º, nº1 do C.P.T.A. estabelece o
princípio geral em matéria de legitimidade ativa, elegendo a titularidade da respetiva relação material controvertida como critério definidor desse pressuposto processual. Esta titularidade deverá ser aferida de acordo com a alegação feita pelo autor (cfr. artigo 9.º, n.º 1 do C.P.T.A. e artigo 30.º, nº3 do C.P.C.).
Portanto, o que importa, para aferir da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si, mas a posição em que o autor se coloca perante esta, assim se dispensando a legitimidade substantiva.

Com efeito, estipula o artigo 9.º, n.º1 do C.P.T.A. que “O autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida” [n.º 1].
Deste modo, a parte terá legitimidade como autor, se de acordo com a relação jurídica por ele delineada e atendendo ao direito substantivo aplicável valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu se for ele a pessoa que pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ele a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “ Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1985, pág.129.

Caso assim não fosse a decisão que o tribunal viesse a proferir não poderia surtir o seu efeito útil normal visto não vincular os verdadeiros sujeitos dessa relação controvertida, ausentes da lide.

Note-se que a lei não se basta à afirmação do pressuposto da legitimidade que se verifique a existência de um qualquer interesse, ainda que jurídico, na procedência ou improcedência da ação, posto que o n.º1 do art.º 30.º do CPC é expresso em exigir que as partes tenham um interesse direto, seja em demandar, seja em contradizer, para que se afirme o pressuposto processual em causa.

Deste modo, para que o autor disponha de legitimidade ativa não lhe basta um interesse indireto, reflexo ou derivado na procedência da ação.
Conforme ponderam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora Cfr.ob. cit., pág. 136; «o promitente comprador, por exemplo, não tem legitimidade para requerer a declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa (de terceiro), embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O sublocatário, pela mesma razão, carece de legitimidade para intervir como réu na ação de despejo, apesar de ser indiretamente prejudicado com a resolução do arrendamento. Sendo a ação proposta, porém, contra o locatário já nada impedirá que o sublocatário intervenha na ação, por intervenção espontânea para defender o seu interesse indireto mas paralelo ao do réu.»

Em suma, o interesse em demandar ou em contradizer apura-se pela titularidade das situações jurídicas que integram a relação jurídica, relevando em tal plano, à míngua da indicação da lei em contrário, os termos em que o A. configura o seu direito e a correlativa obrigação do R.

3.3.3.Já no que respeita à denominada legitimidade plural ou indireta, como nas situações de litisconsórcio, a mesma não se basta nem depende dos meros termos ou alegações apresentados pelo autor, mas sim da efetiva configuração da situação em que assenta a legitimidade. Cfr. Ac. TCAN de 25.05.12, processo n.º 01501/09. 3 BEBRG;

A pluralidade de partes principais pode assumir a forma de coligação (artigos 36.º a 38.º do CPC de 2013) ou de litisconsórcio (regulado nos artigos 32.º a 35.º do mesmo Código), o qual pressupõe uma pluralidade de partes principais, sem qualquer cumulação de objetos ou em que esta cumulação é alegada por todos os autores ou contra todos os réus.

O litisconsórcio necessário, previsto no artigo 33.º do CPC pressupõe a exigência, derivada da lei ou de negócio jurídico, de todos os interessados serem parte na ação, constituindo a falta de um deles motivo de ilegitimidade
ad causam. Nos termos do n.º 2 desse preceito legal há ainda litisconsórcio necessário quando a natureza da relação jurídica o exige para que a decisão judicial a obter produza o seu efeito útil normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Como ensina ALBERTO DOS REIS Cfr. in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª Ed. reimpressão, 1980, Coimbra Editora, pp. 95 e ss; se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença de um caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica.
Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar o caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na ação, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados diretos que não foram chamados à ação.
O desrespeito pelo litisconsórcio necessário tem como consequência a impossibilidade de composição definitiva do litígio.
Assim, no caso do litisconsórcio necessário, a sua ausência constitui obstáculo à declaração ou realização do direito, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, à apreciação da existência deste.
O interesse em causa não comporta, pois, uma realização ou definição parcelar sem a presença de todos os interessados. Cfr. LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 58.

Logo, devem estar em juízo, pela posição que ocupam em face da situação jurídica controvertida todas as pessoas que a ela não são estranhas para que “a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação, de modo a não repetir-se”.
Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório Civil, vol. II, p. 167, Remédio Marques in Ação Declarativa à luz do Código revisto, 2ª edição, p. 359.»; e Ac. do TCAN, de 20.02.2015, processo n.º 00239/12.6BEMDL.

3.3.4. No caso em juízo, a Autora constituiu um contrato de consórcio com a N..
O contrato de consórcio é aquele pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa atividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir determinados objetivos referidos na lei (artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de julho).
O consórcio pode ser interno e externo, consoante nas relações estabelecidas com terceiros os seus membros ocultem ou invoquem essa qualidade (artigo 5.º do diploma citado).
O consórcio externo verifica-se quando as atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade nele sendo obrigatória a designação de um chefe do consórcio a quem incumbe o exercício das funções internas e externas que contratualmente lhe forem atribuídas (artigo 12.° do mesmo diploma). Diferentemente do que sucede com as funções internas, não há funções externas do chefe do consórcio atribuídas diretamente pela lei, sendo tais funções exercidas no uso de poderes representativos atribuídos mediante procuração dos demais membros do consórcio (artigo 14.°).
Dispõe o n.º 2 do artigo 14.º, sob a epígrafe “Funções externas do chefe do consórcio” que «Apenas por procuração especial, podem ser conferidos poderes para celebração, modificação ou resolução de contratos com terceiros no âmbito do contrato de consórcio, bem como poderes para representação em juízo, incluindo a receção da primeira citação, e para transação destinada quer a prevenir, quer a terminar litígios».
Conforme adverte o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 06.08.2003, proferido no processo n.º 01367/03 «Os consórcios carecem de personalidade jurídica e de personalidade e capacidade judiciárias, como resulta da globalidade da disciplina do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28/7 e nomeadamente do seu artigo 19.º, da qual se extrai que o contrato de consórcio é um mero instrumento contratual, um negócio jurídico típico e nominado, pelo qual se instituem formas de exercício individual, embora concertado, de atividades, que nunca chegam a dar lugar à instituição de uma entidade autónoma de direito ou de facto que sirva de base ou substracto a um centro autonomizado de imputação de direitos e obrigações no comércio jurídico.”
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 054/04 de 02/03/2004, no qual se sumariou que: “ I – No ordenamento jurídico português o consórcio não tem personalidade jurídica, nem judiciária, não podendo, por si, estar em juízo, como decorre do respectivo regime jurídico contido no DL 231/81, de 28.07. II – Nos consórcios externos, a lei impõe a existência de um “chefe do consórcio”, escolhido entre os seus membros, porém, aquele só os pode representar em juízo, no âmbito do consórcio, mediante procuração especial conferida por eles para o efeito (artº 12º e 14º, nº2 do citado DL 231/81). (…)

No caso em juízo, não tendo a Autora procuração especial outorgada pela outra consorciada para a representar em juízo, caso se conclua que a pretensão que a Autora pretende fazer nos autos reclama a intervenção da outra consorciada, - N.- para que a decisão judicial a obter produza o seu efeito útil normal, então forçoso será concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que a autora é parte ilegítima. Cfr. Ac. do STA de 24.09.2008, processo n.º 402/08.


3.3.5. Compulsada a petição inicial verifica-se que a causa de pedir que vem invocada pela Autora é, desde logo, composta pela celebração de dois contratos de empreitada, outorgados entre a Ré, a autora e uma outra sociedade (a N.), estas, por sua vez, constituídas em consórcio, pelos quais as duas sociedades se obrigaram a executar para a Ré as respetivas empreitadas, mediante um preço.

E, bem assim, pela celebração ou a prestação no âmbito de cada um desses contratos de empreitada de uma garantia bancária autónoma à 1.ª solicitação contratos esses que foram celebrados entre a própria Autora e a instituição bancária mediante o qual esta se obrigou a prestar garantia bancária à Ré, à 1.ª solicitação desta, e nos quais não interveio a outra sociedade parte do consórcio, a N..
3.3.6. As referidas garantias bancárias destinaram-se a assegurar o cumprimento integral das obrigações contratuais assumidas em cada um dos contratos de empreitada pela Autora e pela outra sociedade integrante do consórcio, mas apenas constituídas pela autora.

Conforme se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.06.2016, proc. 414/14.9TVLSB.1.S1. que nos permitimos citar:
«I – O contrato de garantia bancária, não se encontrando previsto na nossa legislação, é aquele pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato. II - A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal). III - Nela estão em jogo três negócios jurídicos: (i) o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário; (ii) o contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e (iii), por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída. IV - Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, autonomia que a distingue, assim, da fiança.
V - A garantia autónoma à primeira solicitação vale somente para o negócio-base nela mencionado e, ocorrendo cessão da posição contratual por banda do dador da ordem, operada entre ele e um terceiro, com a anuência expressa do beneficiário e com o desconhecimento do garante, a garantia extingue-se, sendo legítima a recusa do garante.»
Também no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 05-11-2013, processo 029/12, se nota que «A independência do contrato de garantia autónoma em relação ao contrato-base é um dos traços distintivos da garantia bancária e uma das características que lhe conferem autonomia, que na fiança não existe por esta ser caracterizada pela acessoriedade. A característica da autonomia é mais patente quando a garantia deva ser prestada à primeira solicitação, “on first demand”.
Na garantia autónoma o garante não pode, em regra, opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa ou excepções decorrentes das relações credor-devedor no contra-base, ao invés do que sucede na fiança, aí o fiador pode opor ao credor, não só os meios de defesa que lhe são próprios, como também os que competem ao devedor/afiançado.
A garantia, para se ter como autónoma, tem de se desligar em absoluto da relação principal entre beneficiário e devedor, eliminando-se assim um eventual risco de litigância sobre os pressupostos que legitimam o pedido de pagamento feito pelo beneficiário, cfr Almeida Costa e Pinto Monteiro, in Garantias Bancárias, CJ, ano Xl, tomo V, 19; José Simões Patrício, 1c.
O pagamento à primeira solicitação (on first demand), assumido pelo garante, implica a sua obrigação de pagar ao beneficiário a indemnização objecto da garantia, não podendo opor-lhe quaisquer excepções reportadas à relação principal (contrato-base), a menos que haja evidentes e graves indícios de actuação de má fé, nela se incluindo a conduta abusiva do direito, cfr Galvão Telles, in O Direito, Ano 120, 275/283; Menezes Cordeiro, Manual De Direito Bancário, 2010, 763/764; Almeida Costa e Pinto Monteiro, 1.c., 20; Javier Camacho de Los Rios, in El Seguro De Caución. Estudio Crítico (Editorial Mapfre, 1994), 121.»
Não obstante a natureza de tais contratos de garantia bancária autónomas à 1.ª solicitação, que são autónomas e independentes dos contratos-base em que assentam e pese embora terem apenas sido celebradas pela entre a autora e a respetiva instituição bancária, que é a única responsável perante as entidades bancárias, quer pelo pagamento das comissões devidas quer pela sua regularização em caso de pagamento, daí não decorre como pretende a Apelante que tem legitimidade ativa para a presente ação, desde logo, porque, as referidas garantias foram constituídas no âmbito de dois contratos de empreitada em que quer a autora, quer a sua consorciada, se comprometeram a executar as respetivas obras, sem defeitos, estando, assim tais garantias relacionadas com os contratos de empreitada e também com a consorciada N., cuja prestação igualmente garantem perante o Réu.

3.3.7.Mais integra a causa de pedir alegada pela Autora, que (i) esta e a outra sociedade que constituem o consórcio, executaram cabalmente a obra, e que a Ré rececionou provisoria e definitivamente essas obras; (ii) que por força da receção definitiva das obras a Ré encontrava-se obrigada a libertar as garantias bancárias que esta prestou atinentes à boa execução da obra, o que não fez, causando-lhe danos cuja indemnização reclama e que (iii) por via da receção definitiva das obras, e, tendo a Ré, no âmbito dos contratos de empreitada, efetuado retenções que acresciam às garantias bancárias, se impunha a devolução dessas quantias retidas, que também peticiona.

3.3.8.Assim, reafirma-se, se é certo que os contratos de garantia bancária foram celebrados exclusivamente entre a Autora/Apelante e o respetivo banco a favor da Ré e onde nenhuma intervenção teve a consorciada N., a verdade é que de acordo com a causa de pedir invocada pela própria autora, esses contratos de garantia bancária foram celebrados a propósito dos contratos de empreitada celebrados entre Autora e a N., estas na qualidade de empreiteiras, e a Ré, como dona da obra, destinando-se a garantir a boa execução das obras objeto desses contratos de empreitada.

3.3.9. Por outro lado, a autora invoca ainda como causa de pedir, além do mais, a receção definitiva da obra pela Ré, sendo desse preciso facto que a mesma acaba verdadeiramente por fazer derivar a sua pretensão de tutela judiciária.
Ora, saber-se se a obra foi ou não executada e se foi ou não em definitivo rececionada pela Ré é matéria que não pode apenas ser discutida pela Autora até porque qualquer decisão que a esse propósito viesse a ser tomada pelo tribunal, contrariamente ao que defende, seria insuscetível de produzir qualquer efeito útil normal porquanto o caso julgado não se estenderia à outra sociedade, parte integrante do consórcio que se obrigou a executar a obra, sem defeitos, e que não seria parte nos presentes autos e que, inclusivamente, poderia instaurar outra ação em que o tribunal viesse a concluir que a obra não estava executada e não tinha sido rececionada em definitivo pela Ré.

Dir-se-á que saber se a obra foi ou não executada pela Autora e pela outra sociedade parte integrante do consórcio e se foi ou não rececionada pela Ré, o que, reafirma-se, consubstancia inclusivamente o ponto fulcral da causa de pedir invocada pela autora, é questão que demanda a presença de ambas as sociedades que integram o consorcio posto que só assim a decisão a proferir seria suscetível de produzir o seu efeito útil normal.

Vale isto por dizer que a situação sobre que versam os autos, reconduz-se a uma situação de litisconsórcio necessário ativo em que pela própria natureza da relação jurídica controvertida delineada pela autora na petição inicial é necessária a intervenção de autora e da Norbalor, membro do consórcio, para que a decisão definitiva a proferir nos autos possa produzir o seu efeito útil normal, isto é, mediante decisão transitada em julgado, saber se a obra foi ou não executada e se foi ou não definitivamente rececionada.

A situação sobre que versam os autos é no fundo um caso semelhante àquele que se coloca numa ação de regulação do poder paternal em que o MP não pode instaurar essa ação apenas contra um dos progenitores mas terá de o fazer impreterivelmente contra ambos posto que de contrário a decisão seria insuscetível de produzir o seu efeito útil normal.

Assim, subscreve-se a posição da 1.ª instância quando conclui que a autora desacompanhada da outra sociedade que integrava o consorcio não dispõe de legitimidade ativa para propor a presente ação.

Resta verificar se, conforme sustenta a Apelante, se impunha ao Tribunal a quo convida-la a fazer intervir esse outro elemento por forma a suprir a ilegitimidade ativa daquela.
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3.4. Da Omissão de Despacho Vinculado, em Violação do Disposto nos Artigos 6º nº2 e 590º nº3 e 4 do CPC.
3.4.1. A Apelante invocou ainda, que para o caso de se considerar que não tem de legitimidade ativa, então ainda assim a decisão recorrida carece de ser revogada e substituída por outra que reapreciando a situação determine ao tribunal a quo a emissão de despacho de convite para que supra a exceção que se julga verificada fazendo intervir o outro membro do consórcio.
3.4.2. Aduz em abono da sua pretensão recursiva que conforme resulta bem claro da sentença ora em crise, depois de o Apelado invocar a referida exceção e a Apelante sobre ela se pronunciar, não houve qualquer démarche por parte do Tribunal a quo para sanar a exceção que entendia verificar-se, decidindo, sem mais, julgar procedente a exceção de ilegitimidade processual e absolver o Apelado da instância.
O Tribunal a quo considerou que após a invocação da exceção de ilegitimidade de parte pelo Apelado, a Apelante teria tido já a oportunidade de requerer o chamamento aos autos da sua consorciada. E ao não tê-lo feito, perdeu a oportunidade para o fazer e por isso decidiu, e daí a decisão de absolvição do Apelado da instância por preterição do litisconsórcio necessário ativo.
Mas fê-lo mal e de forma precipitada, “atropelando” as regras processuais aplicáveis ao caso.
Assiste-lhe razão.
3.4.2. A apelante alega a omissão por parte do Tribunal do disposto nos artigos 590º, n.ºs 3 e 4 e 6º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Ora, dispõe o artigo 6º do CPC, sob a epígrafe “Dever de gestão processual” que:
«1—Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2—O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
Conforme se afirma no Ac. do T.R.C. de 26.02.2019 (proc. 1222/16.8T8VIS-C.C1), invocado pela Apelante, «Atendendo à filosofia subjacente ao nosso CPC – que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais», no caso impunha-se o convite para suprir a referida exceção.
E, no mesmo sentido, estatui o artigo 590.º, sob a epígrafe Gestão inicial do processo, que:
(…)
2—Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a)- Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b)- Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c)- Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3—O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4- Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
(…)»
Em face das referidas disposições legais, é irrefutável que a situação de ilegitimidade plural passiva é sempre passível de sanação, sendo que, nos termos dos apontados artigos 6º, nº 2 e 590º, nº 1, ambos do CPC, incumbe ao juiz a prolação de despacho vinculado, convidando a autora ao suprimento da identificada exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário ativo, através da adequada intervenção da outra sociedade que integra o consórcio. Cfr. Ac. TRL de 17.11.2009, proc. 3417/08.9TVLSB.L1-1; Ac. de TRG de 28.06.2018, proc. 155/09TBTMC-A.G1 e Ac. do TCAN de 15.02.2015, proc. n.º 00235/13.6BEVIS.


Consequentemente, deve ser revogada a sentença sob recurso, e ser proferido despacho que providencie pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário natural ativo, convidando a Autora a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos conjugados dos artigos 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, após o que prosseguirão os autos os trâmites processuais que no caso couberem e forem legalmente adequados.

IV-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pela Apelante e, em consequência revogar a sentença recorrida, determinado que a 1.ª instância profira despacho que providencie pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário natural ativo, convidando a Autora a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos conjugados dos artigos 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, após o que prosseguirão os autos os trâmites processuais que no caso couberem e forem legalmente adequados.
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Custas da apelação pela Apelada, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Registe e notifique.
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Porto, 30 de abril de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro