Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00160/13.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/05/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:EMPREITADA;
TRABALHOS A MAIS;
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO;
Sumário:Não se pode fazer valer uma pretensão no instituto do enriquecimento sem causa quando a mesma foi julgada improcedente baseada, a título principal, no instituto dos trabalhos a mais, previsto Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A [SCom01...], S.A. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 28.06.2020, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção que moveu contra o Município ... e a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. para a condenação dos Réus ao pagamento do montante de 27.860€04, a título de pagamento dos trabalhos suplementares realizados no âmbito da empreitada designada por “Construção do Centro de Saúde de ...”, acrescido de juros legais até efetivo pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo devia ter condenado as rés no pagamento à recorrente do valor por esta peticionado, ou caso assim não se entendesse, no mínimo, no valor reconhecido de 6.210€68, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. A sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito aos factos dados como provados.

B. A recorrente e recorrida celebraram entre si um contrato de empreitada com vista à construção do “Centro de Saúde de ...”, e no âmbito da execução dessa mesma empreitada a recorrente executou trabalhos a mais, em montante que liquidou em € 27.860,04, tendo sido reconhecidos pela fiscalização da obra a execução de trabalhos a mais no valor de € 6.210,68.

C. Encontra-se demonstrado nos autos estarem cumpridos os requisitos para a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa como aliás “em abstrato” a própria sentença recorrida reconhece.

D. O motivo pelo qual esses mesmos trabalhos foram realizados – ordem oral recebida dos técnicos da 2ª Ré que geriam a obra (factos provados n.º 5 e 7) – veio agora a ser declarada como legalmente inadmissível por ter de ser dada por escrito, ou seja o facto ou acordo que no entender da recorrente justificou a execução dos trabalhos peticionados nos autos desapareceu, o que significa que deixou de existir uma causa jurídica para os trabalhos realizados, permitindo, assim, a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa;

E. Os trabalhos efetuados e materiais aplicados foram incorporados em edifício não podendo em caso serem retirados e entregues à recorrente, pelo que deveriam as rés ter sido condenadas a pagar à recorrente o valor desses mesmos trabalhos e materiais aplicados;

F. Devia assim, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo ter condenado as rés no pagamento à recorrente do valor por esta peticionado, ou caso assim não se entendesse, no mínimo, no valor reconhecido de € 6.210,68.

Termos em que devem V.Ex.a julgar o presente recurso procedente, por provado, e em consequência, revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra que condene as rés.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 29.11.2003, a 2.ª Ré, na qualidade de primeira outorgante, e o 1.º Réu, na qualidade de segundo outorgante, celebraram entre si um contrato designado por “contrato-programa” com o seguinte conteúdo parcial:

“(…)
Cláusula 1.ª
(Âmbito)
O presente Contrato-Programa regula a cooperação entre a Administração Regional de Saúde do Norte e a Câmara Municipal ..., e tem por objecto a construção do Centro de
Saúde de ... e Instalações afectas à Sub-Região de Saúde de ..., em terreno disponibilizado pela Câmara Municipal ..., em regime de cedência de direito de superfície, com a área de 5358 metros quadrados, localizado numa zona nova da malha urbana, junto dos equipamentos mais importantes da vila, fácil acessibilidade para pedestres e trânsito automóvel, fácil acesso a transportes públicos, com boa exposição solar e com todas as infraestruturas necessárias.
Cláusula 2.ª
(Dono da Obra)
A Câmara Municipal ... assume as funções de dono de obra, nos termos deste
Contrato-programa e demais direitos àquele reconhecido e aqui previstos.
Cláusula 3.ª
(Obrigações) 1. Competem ao Primeiro Outorgante as seguintes obrigações:
a) Elaboração do Programa Funcional, de acordo com as directrizes funcionais elaboradas no âmbito dos serviços competentes do Ministério da Saúde;
b) Elaboração e aprovação do projecto de execução do edifício;
c) Financiamento da construção do edifício, nos termos da cláusula 6.ª;
d) Aquisição e instalação de todo o equipamento;
e) Acompanhamento, por técnicos por si designados, de todo o processo de construção do edifício nas fases de concurso, adjudicação e execução.
f) Assegurar a fiscalização da empreitada a realizar através de uma equipa constituída, no mínimo, por um fiscal residente, um técnico com formação superior em engenharia civil, um técnico com formação superior em engenharia mecânica; 2. Competem ao Segundo Outorgante as seguintes obrigações:
a) Financiamento a execução das necessárias infra-estruturas públicas e acessibilidades;
b) Procedimentos relativos ao concurso para adjudicação da empreitada;
c) Todos os procedimentos legalmente atribuídos ao dono de obra.
(…)
Cláusula 6.ª
(Encargos e Execução da Empreitada)
1. A previsão do encargo com a execução da empreitada é de Euro: 1 286 356,91 (um milhão duzentos e oitenta e seis mil e trezentos e cinquenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a que acresce o Imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa legal em vigor, totalizando o montante de Euro: 1 350 674,76 (um milhão e trezentos e cinquenta mil e seiscentos e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), sem prejuízo de eventuais alterações decorrentes da execução da empreitada, desde que não ultrapassem os limites legais em vigor e sempre previamente aprovados pelo Primeiro Outorgante.
2. O Município ... será financiado pelo custo total da empreitada, de acordo com os seguintes princípios:
a) As transferências de verbas terão por base autos de medições elaborados pela fiscalização da obra, vistos pelo dono da obra.
b) No prazo máximo de 60 dias, e após confirmação do auto de medições pelos técnicos referidos na alínea e) do número 1. da cláusula 3.ª será efectuada a correspondente transferência bancária.
(…)”
(Cfr. documento ... da contestação do 1.º Réu).

2. Em data não concretamente apurada, os Réus aditaram ao contrato referido no ponto anterior, entre outros, uma alteração ao n.º 1 da cláusula 6.ª, que passou a ter o seguinte teor:

“A previsão do encargo com a execução da empreitada é de 1.601 025,05 €, a que acresce o imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa legal em vigor (5%), totalizando o montante de 1.681 076,20 €, sem prejuízo de eventuais alterações decorrentes da execução da empreitada, desde que não ultrapassem os limites legais em vigor e sempre previamente aprovados pelo Primeiro Outorgante.”

(Cfr. documento ... da contestação do 1.º Réu).

3. A sociedade comercial [SCom02...], Lda (adiante designada por [SCom02...]), no exercício da sua atividade comercial, dedicava-se à construção de obras de construção.

4. Em 24.02.2005, no âmbito da sua atividade, a sociedade comercial referida no ponto anterior celebrou com o 1.º Réu um contrato denominado «CONTRATO DE EMPREITADA DE “CONSTRUÇÃO CENTRO DE SAÚDE DE ...”» (cfr. documento ... da petição inicial).

5. Eram os técnicos da 2.ª Ré que geriam a obra executada ao abrigo do contrato referido no ponto anterior.

6. A intervenção do 1.º Réu consistiu sobretudo na outorga do contrato de empreitada e no pagamento das faturas referentes às obras previstas no projeto inicial.

7. No decurso e no local da obra, técnicos da 2.ª Ré solicitaram oralmente à Autora que executasse trabalhos de correção e adaptação de diversos equipamentos e procedesse à instalação de registos de caudais de ar em locais em que não haviam sido colocados inicialmente, o que a Autora fez.

8. Em data não concretamente apurada, a sociedade [SCom02...] elaborou um auto de trabalhos suplementares que orçamentou na quantia global de EUR 22.650,44, acrescida de IVA (cfr. documento a fls. 309 e seguintes dos autos e documento ... da petição inicial).

9. Em 16.05.2007, a sociedade [SCom02...] enviou à sociedade [SCom03...], L.da (adiante designada apenas por [SCom03...]), na qualidade de fiscalização da obra, a lista de trabalhos suplementares referida no ponto anterior (cfr. documento a folhas 309 e seguintes dos autos).

10. Na mesma data, a sociedade [SCom03...], na qualidade de fiscalização da obra, enviou à sociedade [SCom02...] um telefax com o seguinte conteúdo parcial:

“(…)
Ex.mos Srs.,
Na sequência da proposta de trabalhos a mais apresentada, decorrente de alterações propostas, pela Sub-região de Saúde, fiscalização e DGGE, aquando da 1ª vistoria da instalação eléctrica, vimos pela presente apresentar o nosso parecer de artigos constantes na referida proposta:
3.1.12 — Tratando-se da substituição de torneiras previstas por torneiras com manípulo hospitalar, deverá ser referenciado o artigo da torneira prevista para constar em trabalhos a menos ou, caso tenha sido adquirida, deverá ser depositada em obra, devendo indicar o custo de aquisição das mesmas para acerto de contas.
4.1.3.8 — Tomadas de informática: De acordo com o previsto em projecto, as tomadas são duplas e não simples, pelo que a quantidade considerada deverá ser metade.
4.1.3.8 — A alteração sofrida no quadro de AVAC: De acordo com o projecto de execução, peças desenhadas, desenho n° 19, o poder de corte de todos os disjuntores deverá ser de 25KA, pelo que não se aceita a maior valia reclamada.
4.1.3 — O sistema de detecção de incêndio, instalação de mais botões de alarme: Analisando a instalação, verificamos que a quantidade instalada corresponde à prevista na última versão do projecto aprovado, pelo que não foi considerado na presente proposta.
4.1.3 — Instalação de iluminação de emergência nas circulações e zonas de permanência de público: Foram instaladas 24 armaduras e não 29, conforme indicação na vossa proposta.
4.1.3 — Alteração do quadro PT: - Diferencial 2x40A: Analisando a instalação, foi instalado um diferencial de 2x25A, devendo ser substituído.
- Caixa Telecontagem: Já tinha sido considerada na proposta de trabalhos a mais n° 2 (alteração do Posto de Transformação).
- Colocação e realização de aberturas: Encontra-se por realizar a abertura e tapamento de vala para a inserção de tubo de alimentação da tomada telefone.
4.1.3.8 — Cabo XV 3x1,5: Foi indicado por Vs. Ex.cias, um preço novo unitário. Analisando a proposta da empreitada, trata-se de material previsto pelo que foi corrigida a respectiva cotação. 4.1.3.8 — Instalação de botoneira de disparo de emergência do quadro AVAC: Deverá ser substituído cabo de interligação por outro, adequado para o efeito (intumescente).
7.4 — Registos de caudal: Este assunto já foi amplamente analisado, pela fiscalização e projectista, sendo transmitido nessa altura (FAX Refa 326-JL, de 2-8-2006).
Nesta sequência, apresentam-se os correspondentes mapas, de trabalhos a mais e a menos (equipamentos não instalados), resultando uma maior valia de 6.210,68€.
(…)”

(cfr. cópia do telefax a fls. 309 e seguintes dos autos).

11. Em 04.06.2007, a sociedade [SCom03...], na qualidade de fiscalização da obra, enviou à Administração Regional de Saúde do Norte – ... um telefax com o seguinte teor parcial:

“Na sequência da proposta de trabalhos a mais, apresentada pela firma adjudicatária em 16-5-2007, decorrente de alterações propostas, pela Sub-região de Saúde, fiscalização e DGGE, aquando da 1.ª vistoria da instalação eléctrica, a fiscalização procedeu à sua análise, emitindo parecer sobre os artigos constantes na referida proposta:
(…)
Com base na proposta do empreiteiro e pelo atrás exposto, apresentam-se os correspondentes mapas, de trabalhos a mais e a menos (equipamentos não instalados), resultando uma maior valia de 6.210,68 €.
(…)”
(cfr. cópia do telefax a fls. 309 e seguintes dos autos).

12. Em 17.07.2007, foi elaborado um documento intitulado “AUTO DE FECHO DE CONTAS”, assinado por um representante da sociedade [SCom03...], na qualidade de fiscalização, e por um representante da sociedade [SCom02...], na qualidade de adjudicatário, com o seguinte teor parcial:

“(…)
Aos 17 de Julho de 2007, compareceram no local da obra, o Eng.º «AA», em representação da fiscalização e o Sr. «BB», em representação do adjudicatário, a fim de procederem, de acordo com o Contrato e com os artºs 220º e 222º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, ao exame das medições dos trabalhos realizados, tendo verificado que se encontram executados de acordo com os valores que a seguir se indicam
(…)
O valor final dos trabalhos é de 1.765.640,98 € (UM MILHÃO SETECENTOS E SESSENTA E CINCO MIL SEISCENTOS E QUARENTA EUROS E NOVENTA E OITO CÊNTIMOS) com IVA a
5% incluído.
O valor da Revisão de Preços é de 38.791,99 € (TRINTA E OITO MIL SETECENTOS E NOVENTA E UM EUROS E NOVENTA E NOVE CÊNTIMOS) com IVA a 5% incluído.
Considera-se, para todos os efeitos, as contas fechadas com a liquidação dos referidos montantes. E não havendo mais nada a tratar, lavrou-se o presente Auto, em triplicado que depois de tudo em voz alta e julgado conforme, vai ser assinado, ficando um exemplar na posse de cada um dos intervenientes e o terceiro entregue ao Dono de Obra.
(…)”
(cfr. documento ... da contestação do 1.º Réu).

13. Em 21.12.2009, a sociedade [SCom03...], na qualidade de fiscalização da obra, enviou à 2.ª Ré uma missiva com o seguinte teor parcial:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”

(cfr. documento a fls. 309 e seguintes dos autos).

14. A respeito do pagamento dos trabalhos referidos em 8, foram realizadas pelo menos duas reuniões entre representantes da [SCom02...] e representantes da 2.ª Ré.

15. Em 23.09.2011, a sociedade [SCom02...] emitiu à Administração Regional de Saúde do Norte a fatura n.º ...1, no valor global de EUR 27.860,04 (cfr. documento ... da petição inicial).

16. Em 27.02.2012, a sociedade comercial referida no ponto anterior foi declarada insolvente por sentença judicial proferida pelo Tribunal Judicial de Felgueiras, no âmbito do processo n.º 323/12.... (cfr. documento ... da petição inicial).

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)
Sendo esta a factualidade relevante, vejamos agora o Direito aplicável.

Como vimos, a Autora vem peticionar a este tribunal a condenação dos Réus ao pagamento da quantia de EUR 27.860,04, em virtude da execução de trabalhos na empreitada designada por “Construção do Centro de Saúde de ...”, que, segundo alega, não se encontravam inicialmente previstos e não se encontram incluídos no preço pago pela realização de tal empreitada.

Antes do mais, cumpre referir que o contrato em causa nos autos, cujo objeto consistia na construção do centro de saúde de ... por conta do 2.º Réu (cfr. ponto 4 do probatório), se deve configurar como um contrato de empreitada de obras públicas, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.

Atenta a data da celebração de tal contrato, em fevereiro de 2005 (cfr. ponto 4 do probatório), a sua execução encontra-se submetida à disciplina desse mesmo Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), como, de resto, as próprias partes reconhecem (cfr. ponto 13 do probatório).

Ora, em tal regime encontra-se prevista uma densa tramitação dos procedimentos a seguir na relação entre as partes de um contrato de empreitada, cuja observância ao longo da respetiva execução é indiscutivelmente imperativa.

Como o próprio legislador reconheceu no Preâmbulo do diploma, nele se incluiu “um regime relativo ao «controlo de custos de obras públicas», o que implica uma restrição muito significativa da possibilidade de execução de trabalhos que envolvam aumento de custos resultantes, designadamente, de trabalhos a mais e erros ou omissões do projeto, instituindo-se mecanismos de controlo das condições em que tais trabalhos possam ser autorizados.”

A este respeito, salienta-se que a figura do contrato administrativo advém da necessidade de conjugação de duas lógicas distintas: a “lógica do pacto (da consensualidade)” e a “lógica da função (administrativa)”, cabendo a esta introduzir variações ou perturbações naquela (recorrendo às palavras de ESTEVES DE OLIVEIRA, Rodrigo - O Acto Administrativo Contratual. In Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 63. CEJUR, Maio/Junho 2007, p. 4).

Assim sendo, para a procedência do pedido não basta que a Autora invoque e demonstre a existência de quaisquer trabalhos que não foram pagos pelos Réus, impondo-se que tenham sido cumpridos os procedimentos e as formalidades legais exigidos, em termos imperativos, em tal regime.

Ou seja, não pode a Autora pretender ser ressarcida de trabalhos por si executados no âmbito de uma empreitada devidamente formalizada, totalmente à margem das formalidades imperativas previstas no RJEOP.

Assim, e uma vez que a Autora não procede a tal enquadramento, impõe-se, antes do mais, subsumir a factualidade apurada nos presentes autos à disciplina do RJEOP.

Vejamos então.

A Autora logrou demonstrar que técnicos da 2.ª Ré lhe solicitaram trabalhos de correção e adaptação de equipamentos, bem como que procedesse à instalação de registos de caudais inicialmente não colocados (cfr. ponto 7 do probatório).

Ora, estando em causa trabalhos alegadamente não previstos no contrato, cuja execução foi determinada pelo dono de obra, segundo as próprias alegações da Autora, há que reconduzir tais trabalhos a “trabalhos a mais”.

Nos termos do art. 26.º, n.º 1, do RJEOP, “Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respetivo projeto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra;

b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.”

Prevê o n.º 2 deste preceito que o empreiteiro é obrigado a executar tais trabalhos caso estes lhe sejam ordenados por escrito, devendo a ordem de execução ser acompanhada do projeto de alteração (n.º 4) ou pelo menos conter a espécie e a quantidade dos trabalhos a executar (n.º 6).

Perante uma tal ordem, o empreiteiro deve apresentar a sua lista de preços no prazo de 15 dias a contar da data de receção da ordem de execução de trabalhos, após o que o dono de obra decidirá, sendo aplicável a tramitação prevista no art. 27.º do RJEOP.

Ora, não foi invocada pela Autora a existência de qualquer ordem escrita para a execução de trabalhos a mais, tendo apenas sido invocado que ocorreram solicitações de trabalhos efetuadas por técnicos, presencialmente (cfr. ponto 7 do probatório).

Sucede que a existência de uma ordem escrita com vista à realização de trabalhos a mais por parte do dono de obra é uma formalidade sem a qual não é possível concluir pela existência de uma solicitação de trabalhos a mais, não sendo possível suprimir tal ausência através da prova testemunhal.

Neste sentido, vejam-se os seguintes números 1 e 2 do art. 182.º do RJEOP:

“1 - Para realização das suas atribuições, a fiscalização dará ordens ao empreiteiro, far-lhe-á avisos e notificações, procederá às verificações e medições e praticará todos os demais atos necessários.

2 - Os atos referidos no número anterior só poderão provar-se, contra ou a favor do empreiteiro, mediante documento escrito.”

Na verdade, aceitar que uma solicitação efetuada oralmente, em obra, por um funcionário do dono de obra ou da própria fiscalização, pudesse vincular o dono de obra quanto a custos acrescidos no âmbito de uma empreitada, afigura-se muito dificilmente conciliável com a globalidade do regime do RJEOP, considerando os mecanismos de controlo de custos restritivos e transversais a tal regime.

No sentido de que não é admissível reclamar-se o pagamento de trabalhos a mais sem que exista uma ordem escrita que impusesse a sua execução, vejam-se as seguintes doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte, na senda dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.03.2010, proc. n.º 01047/09, e de 07.11.2001, proc. n.º 46289:

“(…) o certo é que inexiste qualquer ordem escrita que impusesse a sua execução, sendo que tal ordem constitui elemento essencial para que as recorrentes pudessem reclamar o respectivo pagamento que, mesmo assim deveria obedecer ao regime previsto no transcrito artigo 27.º.

Existindo divergência entre as partes quanto à ordem de execução de quaisquer outros trabalhos a mais - cfr. arts. 48.º e 50.º da pi, versus arts. 48.º a 50.º e 72.º da contestação -, sempre se impunha às recorrentes a prova dessa ordem.

Não demonstrando a existência dessa ordem, é despiciendo questionar-se a qualificação dos trabalhos a mais - se são ou não imprevistos - o seu preço (num total que refere ascender a € 1.108.698,94) e, consequentemente a obrigação do seu pagamento.

Nos autos, apesar das recorrentes alegarem a sua execução, não demonstraram que o Réu/recorrido alguma vez os tivesse ordenado, o que se impunha, em virtude da negação deste (reiterando, aliás, o que já havia respondido antes da introdução em juízo da presente acção).

Poder-se-ia dizer - como, aliás, o fazem as recorrentes - que deveria ter sido questionada esta matéria e aí se faria prova dessa ordem de execução.

Porém, não cremos que assim seja, pois que da interpretação que fazemos do art.º 26.º resulta que se exige que a ordem de execução de trabalhos a mais seja escrita e não oral (além de que nem sequer as recorrentes, em parte alguma dos autos, afirmam que tenha existido, nomeadamente por parte de qualquer elementos da fiscalização da obra).

Como se diz no Ac. de 7/11/2001 - Proc. 46289 (ainda que tenha por referência o Dec. Lei 235/86, regime que continha o antigo RJEOP, mas cujas normas questionadas têm versão semelhante, sem alterar a sua interpretação - os arts. 27.º e 159.º, n.º2 do Dec. Lei 235/86, correspondem aos arts. 26.º e 182.º do Dec. Lei 59/99, respectivamente) - "Para além dos trabalhos a que o empreiteiro se obrigou «in initio», também são de incluir no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas os trabalhos a mais ordenados pelo dono da obra e os trabalhos cuja necessidade ou conveniência obtenham, no decurso do contrato, o acordo de ambas as partes.

Contudo, e porque o artº 159º, nº 2, do DL nº 235/86, estabelecia uma formalidade «ad probationem», a emissão dessa ordem, sendo controvertida a sua existência, só podia provar-se por confissão ou documento escrito (artº 364º, nº 2, do C. Civil), não sendo admissível a produção de prova testemunhal a seu respeito (artº 393º, nº 1, do C. Civil). (…)” (cfr. Ac. do TCAN de 06.05.2010, proc. n.º 00070/05.5BEMDL, in www.dgsi.pt).

No mesmo sentido se pronunciou mais recentemente o Tribunal Central Administrativo Norte, nos seguintes termos:

“A relação jurídica desenvolve-se à luz do RJEOP (DL n.º 59/99, de 2/3).

Logo em preâmbulo se salienta o objectivo de estabelecer “um regime relativo ao «controlo de custos de obras públicas», o que implica uma restrição muito significativa da possibilidade da execução de trabalhos que envolvam aumento de custos resultantes, designadamente, de trabalhos a mais e erros ou omissões do projecto, instituindo-se mecanismos de controlo das condições em que tais trabalhos possam ser autorizados”.

Estabelecia o art. 182 deste RJEOP, nos seus n.ºs 1 e 2, que «para a realização das suas atribuições, a fiscalização dará ordens ao empreiteiro, far-lhe-á avisos e notificações, procederá às verificações e medições e praticará todos os demais actos necessários» e que «os actos referidos no número anterior só poderão provar-se, contra ou a favor do empreiteiro, mediante documento escrito».

Resulta também (artigo 26.º) que a execução de trabalhos a mais pressupunha que o empreiteiro fosse notificado por escrito pelo dono da obra (e recebesse por parte da fiscalização um projecto de alteração, no qual, em princípio, não deviam constar preços diferentes dos contratuais ou anteriormente acordados para trabalhos da mesma espécie, caso esses trabalhos fossem executados nas mesmas condições dos previstos no contrato; implicando, além disso, a execução a formalização de contrato adicional; definindo o art.º 27.º as condições em que poderiam ser executados trabalhos a mais de espécie diversa dos que constavam no contrato).

Na continuidade de solução de pretérito, podemos afirmar que “embora seja uma disposição que tem em vista proteger os interesses do empreiteiro, revela que as ordens também podem ser dadas directamente pelo dono da obra por escrito, pelo que serlhes-á aplicável o mesmo regime, se não directamente, pelo menos por analogia, pois é manifesto que as razões que podem justificar a desconfiança legislativa em relação à prova testemunhal nesta matéria, tanto valem em relação a ordens dadas pela fiscalização como a ordens dadas directamente pelo dono da obra.” (Ac. do STA, de 17-03-2010, proc. n.º 01047/09).

Ante uma formalidade ad probationem, sem ser suprida nos termos do nº 2 do artigo 364.º do CC, ficando expressamente arredada prova testemunhal (art.º 393.º do CC), não pode ser afirmado como provado que foram os ditos “trabalhos executados pela Autora a mando da Ré”.

Não se obrigando, não advém incumprimento contratual.

Queda suporte para condenar em obrigação principal e acessória de juros.”

Assim, à luz do que vem dito, afigura-se irrelevante para a procedência da ação ter resultado demonstrado nos autos que técnicos da 2.ª Ré solicitaram oralmente à 1.ª Ré a execução de determinados trabalhos, em obra (cfr. ponto 7 do probatório).

Note-se, aliás, que um pedido de alterações efetuado por técnicos em obra, desacompanhado de quaisquer negociações quanto ao preço, tanto poderia visar, na perspetiva do ordenante, correções de trabalhos com vista ao cumprimento do projeto, como a ordem para a execução de trabalhos suplementares, como ainda meras orientações quanto à execução da obra.

Assim, e conforme resulta daquela jurisprudência, que aqui se sufraga, nem uma indicação oral, em obra, pode ser interpretada como uma ordem de trabalhos a mais, que sempre teria de ser escrita face ao art. 26.º, n.º 2, do RJEOP, nem pode através da prova testemunhal provar-se a existência de uma ordem efetiva de execução de trabalhos a mais por parte do dono de obra, a qual apenas poderia ser provada por documento escrito, nos termos conjugados do art. 182.º, n.º 2, do RJEOP.

*

Por outro lado, resultou demonstrado que, em 17.07.2007, a Autora assinou, juntamente com a fiscalização da obra, um documento de fecho de contas, em que as partes expressamente remetem para o art. 222.º do RJEOP, assim assumindo a elaboração da conta final (cfr. ponto 12 do probatório).

Ora, nos termos do art. 222.º, n.º 1, do RJEOP, após notificação da conta final, o empreiteiro dispõe do prazo de 15 dias para assinar ou deduzir reclamação fundamentada da conta.

Caso o empreiteiro assine a conta final e não deduza reclamação, entender-se-á que a mesma foi aceite, sem prejuízo das reclamações pendentes, nos termos do n.º 3 do art. 222.º do RJEOP.

Ora, não vem invocado pela Autora a existência de qualquer reclamação, posterior ou anterior à conta, formulada junto do dono de obra ou dos seus representantes, para efeitos deste preceito.

Contudo, resultou demonstrado, a título de factualidade instrumental adquirida na instrução da causa, que a Autora enviou à fiscalização da obra a lista de trabalhos suplementares cujo pagamento ora reclama (cfr. ponto 9 do probatório).

Poderá enquadrar-se o envio de tal lista de trabalhos como uma reclamação pendente para efeitos do n.º 3 do art. 222.º do RJEOP.

Contudo, ainda que se entenda que o pedido efetuado pela Autora consistia, à data do fecho de contas, numa reclamação pendente, para efeitos do art. 222.º, n.º 3, do RJEOP, a verdade é que sempre se imporia à Autora reclamar da decisão que se lhe seguiu (cfr. ponto 10 do probatório).

É que, em 04.06.2006, a fiscalização comunicou à Autora que apenas se aceitaria uma “maior valia” em obra quanto ao valor de EUR 6.210,68, sustentando a rejeição da maioria dos custos que haviam sido apresentadas pela Autora, por motivos diferenciados (cfr. pontos 10 e 11 do probatório), nada mais sendo invocado nem tendo resultado demonstrado pelas partes a este respeito.

Ora, o art. 256.º do RJEOP prevê o seguinte:

“1 - O cumprimento ou acatamento pelo empreiteiro de qualquer decisão tomada pelo dono da obra ou pelos seus representantes não se considera aceitação tácita da decisão acatada.

2 - Todavia, se, dentro do prazo de oito dias a contar do conhecimento da decisão, o empreiteiro não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão é aceite.”

A decisão da fiscalização, que incide sobre os valores aceites a título de mais valia na obra, rejeitando uma parte dos custos apresentados, traduz-se numa decisão dos representantes do dono de obra para efeitos do art. 256.º, n.º 1, do RJEOP.

Na verdade, ainda que tal decisão seja omissa quanto ao pagamento ou ao enquadramento contratual de tal mais valia, não constituindo uma decisão final quanto a tais aspetos, trata-se de uma decisão da fiscalização quanto aos custos apresentados, que a fiscalização profere na qualidade de representante do dono de obra (cfr. art. 178.º, n.º 1, do RJEOP) e através do qual esta rejeita grande parte do valor dos trabalhos apresentados pelo empreiteiro, a vários títulos.

Assim, uma vez que sob a Autora impendia o ónus de reclamar ou formular reserva de tal decisão, nos termos do art. 256.º, n.º 2, do RJEOP, e uma vez que nada nos autos permite concluir pela existência de uma reclamação ou reserva de direitos emitida pela Autora após a receção da referida comunicação da fiscalização, a decisão da fiscalização a este respeito deve ter-se por aceite.

Face a tais circunstâncias, também por este motivo sempre faleceria o pedido na parte em que foi rejeitado pela fiscalização, nos termos descritos no ponto 10 do probatório.

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Finalmente, mesmo que se entendesse que estavam em causa, em parte, trabalhos por erros e omissões do projeto, não alegou a Autora ter apresentado a reclamação e demais formalismos previstos no art. 14.º do RJEOP, pelo que também nesse prisma sempre haveria que soçobrar o pedido.

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Do pedido subsidiário:

Vem ainda peticionado, a título subsidiário, a condenação dos Réus a pagar à Autora a quantia peticionada a título de enriquecimento sem causa.

Ora, o enriquecimento sem causa traduz-se num instituto subsidiário, que pressupõe a inexistência de causa justificativa que legitime o enriquecimento, nos termos do art. 473.º, n.º 1, do CC.

Prevê o art. 474.º do CC que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Ora, em abstrato, a pretensão da Autora encontra fundamento jurídico, entre outros, no instituto dos trabalhos a mais, previsto Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.

Não pode fazer-se renascer a pretensão da Autora, malograda em virtude da aplicação desse mesmo regime, nos termos já vistos, pela via subsidiária do enriquecimento sem causa.

Neste sentido, proferido em situação idêntica à situação em causa dos autos, veja-se o já citado Ac. do TCAN de 06.05.2010, proc. n.º 00070/05.5BEMDL, e veja-se ainda o Ac. do Pleno do STA de 18.02.2010, proc. n.º 0379/07, in www.dgsi.pt, com plena aplicação, embora proferido a respeito do regime da nulidade dos contratos.

Improcede, pois, também o pedido formulado a título subsidiário, no sentido da condenação dos Réus ao pagamento da quantia peticionada a título de enriquecimento sem causa.

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À luz do que vem dito, há que improceder totalmente a ação, sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos Réus nas respetivas contestações.

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(…)”

A decisão recorrida não foi atacada quanto ao pedido principal, tendo transitado em julgado nessa parte.

O que sustenta a Recorrente é que tendo improcedido o pedido de indemnização com base no título principal deveria ter procedido quanto ao pedido subsidiário, dado ter-se verificado um enriquecimento da Entidade Recorrida à custa da Recorrente.

Mas sem razão.

Como bem foi decidido a Autora, ora Recorrente, não pode fazer valer a sua pretensão no instituto do enriquecimento sem causa quando a mesma foi julgada improcedente baseada, a título principal, no instituto dos trabalhos a mais, previsto Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.

Tal indemnização traduzir-se-ia numa violação das normas que impõe determinadas formalidades para poderem ser pagos os trabalhos a mais, como forma de proteger o erário público de despesas infundadas e ou não controladas nos termos da lei.

Este é precisamente um caso em que não há lugar à restituição por enriquecimento porque a lei negar o direito à restituição na medida em que não permite que sejam feitos pagamentos à margem dos procedimentos previstos na lei como forma de controlar a despesa pública.

A entender-se que em casos como este poderia operar o instituto do enriquecimento sem causa, a título subsidiário, estaria descoberto o caminho fácil de ultrapassar as normas que regulam a despesa pública e o seu controlo, designadamente em matéria de contratos públicos.

Entendimento que, obviamente, não pode ser adoptado, tendo em conta o princípio da submissão à lei que se impõe quer à Administração quer aos Tribunais.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, negando-se assim, provimento ao recurso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

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Porto, 05.05.2023

Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre