Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00408/06.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
DÚVIDA EXISTÊNCIA FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I. No processo judicial tributário, o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Este vício tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, tendo lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
II. Tendo a Administração Tributária concluído, no relatório final de inspecção tributária, que nenhuma das facturas emitidas e utilizadas pela Recorrente em determinado período consubstanciam a efectiva prestação de serviços, designadamente porque a capacidade de produção instalada dos emitentes não suportava o volume de negócios anual representado na facturação emitida, e tendo sido apurado em tribunal que os emitentes prestaram mesmo serviços à Recorrida e que o volume de negócios representado nas facturas que utilizou é inferior à capacidade produtiva apurada naquele relatório, não existindo outros indicadores que, por si só, sustentem aquela conclusão, deve entender-se que da prova produzida resulta a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário para efeitos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

F...- CONSTRUÇÕES…, LDA., NIPC 5…, com sede na Rua…, na Trofa, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 14 de Outubro de 2013, que julgou improcedente a impugnação judicial, contra a liquidação n.º 2003 8310020146, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no montante de €46.337,11, relativo ao ano de 1999 e contra as liquidações n.º 2003 8310016582, de IRC, no montante de €46.531,99, relativo ao ano 2000 e n.º 2003 8310016581, de IRC, no montante de €32.744,24, relativo ao ano de 2001.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I – O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da decisão recorrida nos presentes autos de impugnação que julgou da sua improcedência com fundamento em que as faturas não tinham subjacentes operações reais, decidindo como adequada a correção técnica ao lucro tributável aos exercícios económicos de 1999, 2000, 2001 e 2002.
II – O Tribunal a quo considerou provados entre outros que:
- A ação inspetiva levou à recolha de indícios que apontavam para o facto desses contribuintes se dedicarem à emissão de faturação falsa;
- Que o S... não dispunha de pessoal disponível para ser transferido para a F...;
- O S... declarou que levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da fatura e o valor dos serviços efetivamente prestados;
- A Administração Fiscal procedeu a correções técnicas em sede de IRC e IVA com fundamento em que as faturas eram falsas e não tinham subjacentes operações reais.
III – Mais deu como provado:
- A Impugnante ia entregar o trabalho nas instalações da S...;
- As peças reparadas na S... não ficavam completas, tinham, que ser integradas noutras peças;
- O material saída da Impugnante em bruto para o Sr. S... acompanhado de guia de transporte e voltava já trabalhado;
- Os serviços solicitados ao Sr. S... eram acompanhados por peças velhas, desenhos, modelos, para servirem de orientações para os trabalhos que se pretendia que fossem realizados;
- Umas vezes era o S... que vinha buscar o trabalho, outras vezes era a F...que ia entregar o trabalho nas suas instalações.
IV – A convicção do Tribunal quanto aos factos enunciados em 2º das conclusões assentou apenas no Relatório da Inspeção Tributária – RIT -, enquanto que,
V – A prova dos factos descritos em 3º destas conclusões, a convicção do Tribunal a quo assentou no depoimento das testemunhas prestado em Tribunal e gravado em CD e transcrito para texto, cujos comprovantes seguem em anexo às presentes alegações;
VI – Acontece que o RIT contém erros, imprecisões, omissões e contradições, revelando-se impreciso e incoerente. Assim,
VII – O facto vertido em 6º dos factos provados foi incorretamente provado porque se funda exclusivamente na Presunção dos autores do RIT, a qual é desacompanhada de elementos fático-jurídicos que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas faturas são simuladas, bem como não integra no seu raciocínio qualquer elemento típico da falsidade de documentos, nomeadamente demonstrando que o declarado nas faturas está em desconformidade com a verdade material.
VIII – O Tribunal a quo considerou igualmente provado que os recursos humanos e técnicos do S... eram insuficientes, sem demonstrar que a sua certeza era isso mesmo e não simples convicção, uma vez que não se fundou em juízo de valor forte e inabalável demonstrativo de probabilidade elevada de que com aqueles recursos o S... não poderia executar as operações tituladas nas suas faturas à Recorrente.
IX – O RIT, e a douta decisão recorrida deu como provado, dados errados da capacidade produtiva instalada de € 252.000,00 com fundamento na aplicação de fórmula igualmente errada na base de (8h x 30d x 17,5 x 5h), quando,
X – A fórmula correta a aplicar é (8h x 30d x 17,50 x 7h).
XI – A decisão recorrida incorreu igualmente em erro de julgamento ao acolher a matéria do RIT que calculou em € 3,28 o valor custo/hora da mão-de-obra dos trabalhadores da ora Recorrente, a qual desconsidera que o trabalhador recebe catorze meses mas trabalha onze, que o horário diário de trabalho é de oito horas, encargos de 23,5% para a Segurança Social e 1,5% para seguros, quando,
XII – Uma vez que tais encargos são obrigatoriamente devidos, o custo/hora de mão-de-obra fixe-se em € 5,88, aplicando-se para obter este valor a fórmula de: (1,25 x € 650,00 x 14/11/22d/8h = 5,88).
XIII – Considerou ainda provado que o S... levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da fatura e o valor dos serviços prestados, para daí concluir a inexistência de trabalhos.
XIV – Tal facto leva à conclusão contrária que evidencia que pelo menos alguns trabalhos foram prestados pelo S... e, posteriormente pela Serralharia T... à Recorrente.
XV – Igualmente deu como provado que a Administração Tributária procedeu às correções técnicas porque as faturas eram falsas porque não tinham subjacentes operações reais.
XVI – Tal facto dado como provado é contraditório com o facto igualmente dado como provado de que o S... devolvia o dinheiro dos trabalhos que correspondiam à diferença entre o valor da fatura e o valor dos serviços prestados.
XVII – É igualmente contraditório com os factos dados como provados de que o S... prestava trabalhos à Recorrente e que umas vezes eram por ele levantados, outras vezes lhe eram entregues nas suas instalações, material que ia acompanhado de guias de transporte ou remessa.
XVIII – Existe assim notória contradição entre os fundamentos e a decisão.
XIX – Pelo exposto, a sentença é nula nos termos do artigo 615º, nº.1, al. c) do CPC.
XX – Mais resulta que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto não pode dar como provado que a Serralharia T... possuía instalações espaçosas, tinha ao seu serviço 5 a 7 empregados que praticava preços que vão de € 12,50 a € 7,50 hora/trabalho, que tem como cliente a Recorrente a quem presta serviços e concluir que as faturas não tinham subjacentes operações reais.
XXI – Ao acolher unicamente a versão da inspeção vertida no RIT, violou o princípio da livre apreciação da prova consagrada no art.607º, nº.5 do CPC, uma vez que os factos vertidos no RIT, levam à conclusão de que pelo menos alguns trabalhos foram prestados, o que acompanhado do depoimento das testemunhas, levaria a uma conclusão diferente.
XXII – A inspeção não diz que houve ausência absoluta de trabalhos, única situação que poderia sustentar a invocada inexistência de operações reais.
XXIII – Ao admitir a existência de trabalhos, poucos ou muitos, deveriam ter sido calculados pela inspeção, em sede de aplicação de métodos indiretos e não excluir dos custos toda a faturação que considerou falsa.
XXIV – Conforme foi decidido no Acórdão do TCAN de 01.12.2006, Proc. n.º 00405/04, disponível nas páginas da Internet, a AT só poderia classificar aquelas faturas como falsas se provasse “a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação legal, demonstrando a pertinência do seu juízo pela enunciação de elementos fático-jurídicos aptos a convencer sobre a adequação e correção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios fortes e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as operações referidas nas faturas são simuladas e que, por isso, não mereceram qualquer crédito, por inverificação dos pressupostos a que alude o art.23º do CIRC”.
XXV – Foi ainda decidido no Acórdão citado que os “emitentes podem não cumprir com a suas obrigações fiscais e terem prestado os serviços à Impugnante”.
XXVI – Em suma, não restam dúvidas que a Recorrente contabilizou devidamente as faturas que lhe foram emitidas pelo S... ou pela Serralharia T..., por corresponderem a custos em que incorreu para obtenção dos proveitos.

Termos em que, e nos demais em direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e,
Por via dele,
Revogar-se a douta sentença recorrida,
Assim se fazendo
Justiça!
****
Não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão, o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e ponderar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por errada valoração da prova e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IRC, com referência aos anos de 1999, 2000 e 2001.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Dos factos provados com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas, com relevância para a decisão da causa:
1.º - As liquidações impugnadas tiveram origem numa acção inspectiva efectuada à sociedade impugnante na sequência da qual se procedeu a correcções em sede de IVA e de IRC nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, no montante global de 67.351,00 euros - cf. teor do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), ínsito no Processo Administrativo (PA), apenso a este processo.
2.° - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço interna n°50006 de âmbito parcial com o código PNAIT 22140, critério DOG3 - cf. pág. 1, do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
3.º - A referida acção inspectiva decorreu entre os dias 11 e 25 de Julho de 2003 - cf. pág. 1, do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
4.º - Teve a sua incidência temporal limitada ao IVA e IRC dos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002 - cf. pág. 1, do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
5.º - Foi motivada pela inspecção efectuada aos contribuintes “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.” e S... T... - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
6.° - Essa acção inspectiva levou à recolha de indícios que apontavam para o facto desses contribuintes se dedicarem à emissão de facturação falsa - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
7.º - A impugnante é um sujeito passivo de IVA - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
8.° - Encontrava-se tributada em IRC pelo Serviço de Finanças da Trofa - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
9.º - Iniciou a sua actividade em 17 de Janeiro de 1985 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
10.º - Estava colectada pelo CAE 28520 correspondente à actividade de indústria de metalomecânica, fabricação e reparação de peças - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
11.° - Um dos seus principais clientes era a Siderurgia Nacional - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
12.° - A sociedade impugnante tinha uma dimensão média e atingiu nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, respectivamente, um volume de negócios de 1.324.591,60 euros, 1.638.505,29 euros, 1.692.098,00 euros e 1.608.996,77 euros - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
13.° - Estes valores traduziram-se num acréscimo de facturação de 23,70% de 1999 para 2000, 3,27% de 2000 para 2001, e de menos de 4,91% de 2001 para 2002 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
14.° - No período em que decorreu a inspecção tributária eram seus responsáveis J… e F… - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
15.° - A sociedade impugnante tinha a sua sede na Rua…, na Trofa - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
16.° - O contribuinte S... T... iniciou a sua actividade em 01.01.95 e cessou a mesma em 30.12.2001 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
17.° - Nunca pagou IVA apurado nas declarações periódicas enviadas ao serviço de cobrança de IVA - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
18.° - Os valores que declarou para o IVA evidenciados na Declaração modelo 3 de IRS eram inferiores aos valores facturados à sociedade impugnante “F...- Construções …, Lda.” - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
19.° - Os valores por si declarados de IVA foram de €12.050,31 em 1999 e €16.574,48 em 2000 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
20.° - No ano de 2001 enviou as declarações periódicas a zero - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
21 .° - Foi notificado pelos serviços da inspecção tributária para exibir toda a documentação relativa à actividade que exerceu entre 1999 e 2001, mas nada apresentou - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
22.° - Na Segurança Social apenas declarou ter tido um empregado ao seu serviço no ano de 2000 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
23.° - A “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.”, iniciou a sua actividade em 29 de Agosto de 2001 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
24.° - Eram seus sócios, o S... T... e o seu filho R… T... - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
25.° - Esta sociedade nunca apresentou qualquer declaração periódica de IVA. - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
26.° - Não apresentou nenhuma declaração de rendimentos dos exercícios de 2001 e 2002 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
27.° - A “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.”, foi notificada para apresentar os elementos da sua contabilidade relativos aos anos de 2001 e 2002 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
28.° - Na sequência dessa notificação o S... apresentou os livros de facturas emitidos pela firma com a numeração de 001 a 200 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
29.° - Nesses livros faltavam cerca de 40 facturas - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
30.° - Posteriormente apresentou um outro livro de facturas com a numeração de 201 a 250 e algumas das outras facturas que se encontravam em falta - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
31.° - Exibiu perante os serviços de inspecção tributária diversas facturas de aquisição de matérias primas e de máquinas de pequeno porte - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
32.° - Os serviços de inspecção tributária apuraram que, o S... tinha tido um volume de negócios de € 652.474,34 em 1999, € 815.335,58 em 2000 e € 850.683,89 em 2001 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
33.° - E que a “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.”, tinha tido um volume de negócios de €127.744,81 em 2001 e de €1.094.054,00 em 2002 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
34.° - Os serviços de inspecção tributária detectaram que faltavam facturas na sequência da numeração dos três anos anteriores - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
35.° - A administração fiscal concluiu que foram utilizados dois livros de facturas com a mesma numeração o que fez com que tivessem sido emitidas três facturas com o mesmo número, mas para clientes diferentes - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
36.° - As facturas eram emitidas com as mais diversas letras e algumas delas (eram) foram emitidas à máquina - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
37.º - O S... declarou que nunca tinha tido nenhuma máquina de escrever ao seu serviço - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
38.° - Relativamente ao ano de 2002, a administração fiscal apurou que duas facturas foram emitidas com valores diferentes - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
39.° - O original das facturas n.°s 130 e 219, que se encontravam na posse do respectivo cliente, tinham sido emitidas com o valor de € 26.935,09 e € 10.200,00, enquanto o respectivo duplicado, na posse do emitente, tinha o valor de €13.966,34 e €4.000,00 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
40.° - Os serviços de inspecção fiscal procederam à soma de todas as facturas de aquisição de matérias primas e de ferramentas em 2002 e apuraram o valor de € 35.092,57- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
41.° - Nas instalações da empresa do S... existiam poucas máquinas - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
42.° - As máquinas aí existentes apresentavam sinais de desgaste e tinham sido adquiridas em segunda mão - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
43.º - A “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.”, tinha ao seu serviço cinco a sete funcionários incluindo os dois sócios - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
44.º - O S... declarou que não recorria a subcontratação e que todo o serviço era efectuado no interior das instalações da empresa - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
45° - Declarou que toda a mercadoria que vendia era acompanhada de guias de transporte - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
46.° - Os serviços que prestava consistiam em serviços de torno e trabalhos de serralharia civil - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
47.º - Declarou perante os serviços da inspecção tributária que, para efectuar os orçamentos baseava-se no valor à hora de €12,50 para o serviço de torno, €17,50 para os serviços de fresa, €7,50 para os serviços de furações, e €10,00 hora para o serviço de serralharia civil - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
48.° - Os serviços de inspecção tributária concluíram que os seus recursos técnicos e humanos eram insuficientes para o nível de actividade que declarava e que facturava - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
49° - Os serviços de inspecção tributária concluíram que, se ele, e os restantes funcionários, trabalhassem 8 horas por dia, 30 dias ao mês e 12 meses por ano, o volume de serviços prestados para o ano de 2002 seria no valor máximo de € 252.000,00 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
50.° - Para o referido período emitiu facturas no valor de €1.094.054,37- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
51.° - Durante a inspecção os serviços inspetivos verificaram que o S... apresentava dificuldades financeiras - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
52.° - As facturas que o S... e a “Serralharia T... & T..., Lda.”, tinham emitido para a sociedade impugnante respeitavam a serviços prestados referentes a enchimento e rectificação de veios e carretos, abertura de escateis e cedência de pessoal - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
53.° - Nas instalações da Serralharia foram encontradas as facturas n.°16 de 29.11.2001 e n.°33 de 27.02.2002, que não foram contabilizadas pela F...- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
54° - A factura n.°16 correspondia a cedência de pessoal durante o mês de Novembro - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
55.º - A factura n.°36, contabilizada pela impugnante, era igual à factura n°33, que não tinha sido contabilizada - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
56.° - O S... declarou à inspecção tributária que nunca tinha emitido facturas à máquina pois não a tinha nem sabia escrever à máquina - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
57.º - Declarou que não tinha escritório, nem computador - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
58.° - Os serviços de inspecção tributária detetaram que tinha alguma matéria prima para o fabrico de algumas das peças facturadas - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
59.º - As facturas emitidas para a F...não discriminavam a quantidade nem o preço unitário dos serviços prestados - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
60.° - Não descriminavam a hora e o local de carga e de descarga - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
61.° - O saldo de conta de subcontratos ascendia a € 269.543,98 em 1999, € 451.182,03 em 2000, € 343.196,70 em 2001 e € 240.878,05 em 2002- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
62.° - O Valor declarado pela F...como pago ao S... ascendeu a €171.397,57 em 1999 e a €132.133,75 em 2000 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
63.° - Os montantes pagos à “Serralharia T... & T..., Lda.”, totalizaram os valores de €76.491,61 em 2001 e €37.913,15 em 2002- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
64.° - Os serviços de inspecção tributária concluíram que S... não disponha de pessoal disponível para ser transferido para a F...- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
65.° - Entenderam os serviços de inspecção tributária que a Serralharia T... & T... não podia abdicar do trabalho de três ou quatro dos seus trabalhadores em detrimento do seu próprio processo produtivo - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
66.° - As facturas emitidas à F...foram pagas em cheque - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
67.º - O S... declarou que levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor dos serviços efectivamente prestados - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
68.° - A administração tributária localizou facturas emitidas pelo S... e pela Serralharia Mecânica T... & T... no valor de quatro milhões de euros em quatro anos - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
69.° - Os serviços de inspecção chegaram à conclusão que os referidos contribuintes apenas teriam capacidade produtiva de facturar produtos no valor de € 200.000,00 por ano - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
70.° - O contribuinte S... e a Serralharia T... & T... emitiram para a ora impugnante facturas no valor de € 100.969,16 em 1999, €116.364,06 em 2000, € 87.157,45 em 2001 e € 26.287,32, em 2002 - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
71.° - Nelas foi deduzido o IVA no montante de € 17.164,76 em 1999, € 19.781,89 em 2000, €14.816,77 em 2001 e €4.808,84 em 2002- cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
72.° - Todas estas facturas foram contabilizadas como custo dos respectivos exercícios e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
73.º - A administração fiscal procedeu a correcções técnicas em sede de IRC e IVA com fundamento em que as facturas eram falsas não constituíam custos fiscais e o IVA constante das referidas facturas não era passível de ser deduzido pois elas não tinham subjacentes operações reais - cf. resulta do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
74.° - A sociedade ora impugnante deduziu reclamação graciosa em 30.03.2004, com vista à anulação da liquidação adicional de IRC n.°8310020146, de 27.11.2003, referente ao exercício económico de 1999, consubstanciando o valor total a pagar de € 46 337,11, cujo prazo limite de pagamento ocorreu em 14.01.2004 - cf. teor de fls. 53 do PA apenso a este processo.
75.° - A reclamante, ora impugnante foi notificada, em cumprimento do disposto no art.60°, n.°1, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT), para, querendo, se pronunciar, por escrito, no prazo de 15 dias, sobre a existência de elementos susceptíveis de contrariar o projeto de decisão - cf. doc. de fls.55 a 58 do PA apenso a este processo.
76.° - Face à ausência de resposta, por despacho de 09.02.2005, foi indeferida a referida reclamação - cf. docs. de fls.59 e 60 do PA apenso a este processo.
77.° - A ora impugnante inconformada com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, dele interpôs recurso hierárquico - cf. doc. de fls. 93 a 96 do PA apenso a este processo.
78.° - Por despacho de 11.11.2005, foi negado provimento ao recurso hierárquico - cf. doc. de fls.47 do PA apenso a este processo.
79.º - A ora impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações n°s 2003 18310016582 e 2003 18310016581, referentes ao IRC dos exercícios de 2000 e 2001, respectivamente, nos valores de € 46.531,99 e € 32.744,24 - cf. teor de Informação do serviço de finanças da Trofa a fls.49 do PA apenso a este processo.
80.° - Face à ausência de resposta em exercício do direito de audição prévia, foi indeferida por despacho de 09.02.2005 a pretensão da reclamante (ora impugnante) - cf. doc. de fls.62 e 63 do PA apenso a este processo.
81 .° - Da qual foi a ora impugnante devidamente notificada - cf. docs. de fls.63 a 65 dos autos.
82.° - Dos despachos de indeferimento das referidas reclamações graciosas veio a ora impugnante interpor recurso hierárquico - cf. doc. de fls.67 a 100 do PA apenso a este processo.
83.° - Por despacho de 11.11.2005, foi negado provimento ao referido recurso hierárquico - cf. doc. de fls.101 do PA apenso a este processo.
84.° - Despacho do qual foi devidamente notificada a ora impugnante - cf. doc. de fls.101 a 103 dos PA apenso a este processo.
85.° - A ora impugnante por vezes, tinha encomendas de trabalho superiores às suas capacidades - cf. depoimento da testemunha F....
86.° - A impugnante tinha que recorrer a trabalhadores de outras empresas - cf. depoimento da testemunha F....
87.° - Era no período da paragem das empresas, de Junho a Setembro e também durante o mês de Abril, que eram feitas as reparações das máquinas dessas empresas e, como tal a impugnante necessitava de mais pessoal - cf. depoimento das testemunhas F..., A... e Ana....
88.° - Se houvesse urgência no trabalho a realizar a impugnante ia entregar o trabalho nas instalações da S... - cf. depoimento da testemunha F....
89.° - Muitas das peças que eram efectuadas na S..., não ficavam completas, tinham que ser integradas noutras peças - cf. depoimento da testemunha F....
90.° - Nos anos em causa a F...tinha cerca de 40 a 50 trabalhadores - cf. depoimento das testemunhas F..., A... e Ana....
91.° - O material saía da impugnante em bruto para o Sr. S..., acompanhado de guia de transporte e voltava já trabalhado - cf. depoimento da testemunha A....
92.° - Os serviços que eram solicitados ao Sr. S... eram acompanhados por peças velhas, desenhos, modelos, para servirem de orientação para os trabalhos que se pretendia fossem realizados - cf. depoimento da testemunha A....
93.º - Umas vezes era o Sr. S... que vinha buscar o trabalho, outras vezes era a F...que ia entregar o trabalho nas suas instalações - cf. depoimento da testemunha Ana....
94.º - Durante aos anos em causa, o S... exerceu a sua actividade na parte de baixo de sua casa e num barracão que ficava nas traseiras de sua casa - cf. depoimento de S... T....
95.° - O Sr. S... trabalha para a F...desde 17 de Maio de 2008 - cf. depoimento de S... T....
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque - art.74°, n.°1, da Lei Geral Tributária (LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita - art.516° do Código de Processo Civil (CPC).
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76° n.°1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil), bem como, nos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela impugnante.
Sendo factos alegados pela impugnante, recaía sobre ela o respectivo ónus da prova, cf. resulta do disposto no art.74°, n°1, da LGT.
O depoimento da testemunha F..., encarregado geral da ora impugnante e seu funcionário desde o ano de 1986, foi genérico e no sentido de confirmar o que lhe ia sendo perguntado.
Deste depoimento, resultou a certeza de que em alguns períodos do ano, que correspondem à paragem das empresas para as quais trabalha a impugnante, a F...tem necessidade de recorrer a subcontratação de pessoal, para fazer face ao acréscimo de trabalho.
Do depoimento da testemunha A..., funcionária no secretariado da impugnante desde 1986 e da testemunha Ana..., escriturária e igualmente funcionária da impugnante desde 1986, apenas resulta que a impugnante nos referidos períodos de paragem das empresas para as quais trabalhava, correspondentes aos meses de Junho a Setembro e também durante o mês de Abril, porque tinha um acréscimo de trabalho, necessitava de recrutar trabalhadores noutras empresas. Mas, no que à S... T... e Serralharia Mecânica T... & T..., Lda., diz respeito o que souberam dizer resulta tão só dos documentos que lhe passaram pelas mãos, nunca tendo tomado contacto com as instalações do S... ou da Serralharia Mecânica, desconhecendo com exactidão o seu número de funcionários no período em causa nos autos, ou qualquer outro contorno da situação em causa nos autos.
O depoimento da testemunha S... T..., não poderá ser valorado por este Tribunal, pois encontra-se eivado de contradições e incoerências, nomeadamente com declarações por si já antes proferidas perante a AT.
A prova apresentada foi vaga e imprecisa, incapaz de abalar a correcção em causa, pois não logrou a impugnante ilidir o ónus de prova que lhe incumbia.
Há que conjugar a falta de sustentabilidade da prova testemunhal, com a coerência e objectividade da prova produzida pela administração tributária e as regras da experiência comum, que infirmam as declarações das testemunhas.
Embora as testemunhas nos seus depoimentos tenham de forma genérica corroborado os factos alegados pela impugnante, o Tribunal não lhes atribui credibilidade e consistência suficientes, por tudo o que ficou dito, para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.
A prova produzida pela impugnante não só não revelou consistência suficiente para provar os factos alegados por si, como não logrou abalar a consistência da prova feita pela administração tributária.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova, cf. artigos 74º n.°1, da LGT e 516°, do anterior Código de Processo Civil (CPC).
Ora, a impugnante não fez prova de que as facturas contabilizadas correspondem a transacções reais e efectivas entre as partes.
Resultou tão só do depoimento das testemunhas que a F...subcontratava a diversas empresas a cedência de pessoal necessário, sendo as principais a Consignus.
O Tribunal com base no teor do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, considera que, efectivamente os emitentes das facturas não apresentavam capacidade técnica e humana para a prestação do volume de fornecimentos facturados, bem como para a prestação de serviços de cedência de trabalhadores.
Pese embora, a impugnante tenha em sede de audiência contraditória de inquirição de testemunhas tentado estabelecer uma correspondência entre os serviços prestados pelo S... e a Serralharia Mecânica e os produtos facturados aos seus clientes, a prova apresentada e a interpretação feita pelas testemunhas do documento junto aos autos, elaborado pelos funcionários da impugnante, testemunhas presentes neste Tribunal e com esse documento confrontadas, não se revelou suficiente para comprovar a tese da impugnante.
Efectivamente revela-se tecnicamente impossível estabelecer o controlo dos materiais e cedência de mão de obra facturados ao nível das operações realizadas a montante e a jusante pela impugnante, com os elementos existentes.
No caso em apreço, a AT no relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por reproduzido, demonstrou de forma coerente e sustentada a existência de fortes indícios de que as facturas postas em causa, registadas na contabilidade da impugnante e desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária não tem correspondência com a alegada realidade.
Nomeadamente quanto à cedência de trabalhadores do S... T... e Serralharia Mecânica T... & T..., Lda., conclui o RIT não ter sido esta possível dado que as empresas inspeccionadas não dispunham de pessoal disponível para ser transferido para a ora impugnante, nem poderiam abdicar do trabalho de três ou quatro trabalhadores, conforme o gerente da F...afirmou ser o número médio de trabalhadores cedidos.
Cabia então ao sujeito passivo (impugnante) provar que as operações económicas constantes das facturas correspondiam a transacções reais.
A impugnante tentou provar a materialidade das transacções em causa nestes autos através da prova testemunhal.
Porém a prova testemunhal não se revelou suficientemente consistente para convencer o Tribunal da materialidade do negócio subjacente à emissão das facturas desconsideradas pela administração tributária.
Estes depoimentos não revelaram, em concreto, qualquer informação relevante dos contornos dos trabalhos alegadamente prestados pelo S... e pela Serralharia Mecânica à ora impugnante e da cedência de pessoal, não contribuindo minimamente para esclarecer o Tribunal se a empresa emitente das facturas prestou ou não os referidos trabalhos.
Esta falta de consistência da prova testemunhal é ainda reforçada pela restante prova carreada para os autos, que a infirma.
Não pode sequer falar-se em alguma dúvida. Mas mesmo que se suscitasse alguma dúvida, não bastava à impugnante criar a dúvida sobre os factos em que assenta o seu direito, uma vez que aqui não tem aplicação o art.100° do CPPT.
A impugnante tinha que provar os factos em que funda o seu direito. Ou seja, tinha de provar que os serviços foram efectivamente prestados e cedida a mão de obra que constavam das facturas em causa nestes autos pela empresa emitente das facturas.
Mas como se disse a prova produzida não foi suficientemente consistente para julgar provados os custos com os subcontratos, e com a aquisição de materiais, relacionados com o S... T... e a firma da qual é sócio gerente.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova - arts.74°, n.°1, da LGT e 516° do CPC.
Quanto ao demais, os referidos depoimentos não foram valorados pelo Tribunal, porquanto do seu conteúdo não resultaram suficientemente demonstrados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir nos autos.”
*


2. O Direito

Alega a Recorrente existir contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida.
Com efeito, considera-se haver oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07435/14), ou, como escreve Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, pp. 361, oposição entre os fundamentos e a decisão «(…) ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão».
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 158.º, agora artigo 154, nº. 1 do Código de Processo Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº. 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A Recorrente alerta que dar como provado que as facturas não tinham subjacentes operações reais é concluir pela ausência absoluta de trabalhos prestados, o que contradiz matéria igualmente dada como provada.
Se o Tribunal a quo dá como provado que o S... levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor dos serviços prestados, está a concluir que não há ausência absoluta de trabalhos e, só esta situação, fundamenta a invocação “não tinham subjacentes operações reais”. Concomitantemente não se pode chegar à conclusão de que as facturas são falsas porque não têm subjacentes operações reais, quando se dá igualmente como provado que o S... devolvia o montante de dinheiro que correspondia entre o valor da factura e o valor dos serviços efectivamente prestados.
Não poderão assim subsistir dúvidas de que aqueles factos provados são contraditórios entre si, porque os fundamentos invocados levam a uma conclusão oposta ou pelo menos diferente daquela que conduziu à decisão sob recurso.
No entanto, a Recorrente assenta num vício de raciocínio quanto ao pressuposto do silogismo básico: é que não se mostra provado que o S... levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor dos serviços prestados. Apenas se apurou, com base no que resulta do Relatório de Inspecção Tributária ínsito no PA, que o S... declarou que levantava o dinheiro titulado pelos cheques e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor dos serviços efectivamente prestados. Assim, o que ficou assente foi somente o que o S... T... declarou (que poderá não corresponder à realidade dos factos).
Nesta conformidade, não existe uma contradição evidente entre os factos provados e o sentido da decisão recorrida, dado que esta teve em conta a concatenação entre toda a prova produzida e não apenas factos apreciados isoladamente. Pelo que não se verifica a invocada nulidade da sentença recorrida, o que não colide com a possibilidade de verificação de erro de julgamento.

Sustenta a Recorrente que a inspecção não fez constar do relatório que houve ausência absoluta de trabalhos prestados pelo “S...” e “Serralharia T...” à Recorrente; o que fez constar do Relatório de Inspecção Tributária leva à conclusão que, pelo menos, alguns foram prestados. Entre a ausência absoluta de trabalhos e a existência de alguns há uma diferença de substância que levaria a que fosse apurado quais e que trabalhos é que foram executados e o valor correspondente, e quais é que o não foram.
A Recorrente alega que a conclusão a extrair, das regras da experiência, conjugadas com o depoimento das testemunhas que assenta em factos concretos, que se revelaram isentos e imparciais e, acima de tudo, extremamente coerentes, é a de que o “S...” e posteriormente a “Serralharia” prestaram trabalhos à Recorrente que estão sujeitos a facturação.
O Tribunal a quo não foi chamado a pronunciar-se, é certo, sobre se os trabalhos descriminados nas facturas foram ou não todos realizados. E tal matéria não lhe foi levada à sua apreciação, porque a Administração Tributária concluiu pela solução mais simples que é a de excluir da contabilidade da Recorrente todas as facturas emitidas pelo S... e, posteriormente, pela Serralharia, não as aceitando como custos. Porém, defende a Recorrente que tendo admitido que aqueles contribuintes estavam a operar no mercado, e prestaram serviços à Recorrente, poucos ou muitos trabalhos teriam de ser quantificados pela inspecção tributária e, na impossibilidade da sua quantificação e determinação, recorrer à aplicação dos métodos indirectos.
Consta do Relatório de Inspecção Tributária: “(…) face às averiguações efectuadas e aos elementos disponibilizados, quer na acção de inspecção ao sujeito passivo em questão, quer ao S... T... e à firma da qual é sócio gerente, concluímos que as facturas emitidas nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, não consubstanciam a efectiva prestação de serviços, tendo havido celebração de negócio simulado entre o sujeito passivo em análise e aqueles, quer quanto ao seu valor, quer quanto à sua natureza, constituindo esta conduta crime de fraude fiscal (…)”.
Assim, a Administração Tributária desconsiderou todas as facturas emitidas à ora Recorrente por S... T... em 1999 a 2001 e pela Serralharia Mecânica T... e T..., Lda.” em 2002, tendo subjacente que, na sua perspectiva, a aqui Recorrente nem sequer teria recorrido aos serviços destes emitentes nos referidos períodos.
A Administração Tributária não colocou em causa que estes emitentes prestavam mesmo serviços de torno, fresa, furações e trabalhos de serralharia civil. O que se punha em causa no relatório era que esses serviços pudessem ascender ao montante total anual correspondente às facturas emitidas. Porque os recursos técnicos e humanos de “S... T...” e “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.” seriam manifestamente insuficientes para sustentar esse nível de actividade. Assim, a Administração Tributária admitia que parte da facturação globalmente emitida consubstanciava verdadeiros serviços prestados, conforme alerta a Recorrente.
Acrescente-se que também não estava em causa que os valores anuais da facturação emitida por “S... T...” e “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.”, na parte que respeitava à Impugnante, não ultrapassavam a capacidade de produção daqueles emitentes. É que, de acordo com o relatório, o potencial volume de serviços prestados por aqueles sujeitos – considerando os meios de produção disponíveis e os preços praticados – andaria pelos €252.000,00 anuais, sendo que o valor anual de facturação não ultrapassou, no caso da Impugnante, €116.364,06, fasquia que só foi atingida em 2000 – cfr. ponto 70 da factualidade assente. Por outro lado, o valor declarado pela F...como pago ao S... T... ascendeu a €171.397,57 em 1999 e a €132.133,75 em 2000. Já os montantes pagos à Serralharia T... & T..., Lda. totalizam os valores de €76.491,61 em 2001 e €37.913,15 em 2002 – cfr. pontos 62.º e 63.º da matéria de facto apurada.
Pelo que só poderiam ter sido determinantes para a conclusão a que chegou a Administração Tributária, de que aquelas facturas em particular não consubstanciavam a efectiva prestação de serviços, a inexistência de documentos comprovativos do transporte das mercadorias de e para a Impugnante e o facto de terem sido usados como meio de pagamento cheques (eventualmente levantados ao balcão).
Por outro lado, resulta da factualidade que foi dada como provada na sentença recorrida que o S... T... era mesmo um dos subcontratados pela Impugnante (cfr. pontos 85.º a 95.º). Na verdade, a Recorrente, como recebia encomendas de trabalho superiores às suas capacidades, tinha que recorrer a trabalhadores de outras empresas (cfr. pontos 85.º, 86.º e 87.º). Se houvesse urgência no trabalho a realizar, a Recorrente ia entregar o trabalho nas instalações “da S...” (cfr. ponto 88.º). Refere-se expressamente no ponto 89.º que muitas peças eram efectuadas “na S...” e que o material saía da ora Recorrente em bruto para o Sr. S..., acompanhado de guia de transporte e voltava já trabalhado (cfr. ponto 91.º). Apurou-se, ainda, que os serviços que eram solicitados ao Sr. S... eram acompanhados por peças velhas, desenhos, modelos, para servirem de orientação para os trabalhos que se pretendia fossem realizados e que umas vezes era o Sr. S... que vinha buscar o trabalho, outras vezes era a F...que ia entregar o trabalho nas suas instalações (cfr. pontos 91.º e 92.º).
Assim, mesmo a inexistência de comprovativos do transporte das mercadorias de e para a Recorrente se apresenta com menor importância, uma vez que se logrou provar que o material saía da ora Recorrente em bruto para o Sr. S..., acompanhado de guia de transporte e voltava já trabalhado.
O que sobra, por isso, são indicadores que descrevem um comportamento de fraca colaboração com a Administração Tributária do lado dos emitentes. Que tanto poderia resultar de uma intenção de obstaculizar o acesso à sua verdadeira situação tributária como de uma atitude displicente e pouco atenta ao cumprimento de obrigações legais, também consentânea com a falta de guias de transporte de mercadorias (do S... T... para a Recorrente, não obstante aquele ter declarado que toda a mercadoria que vendia ser acompanhada de guias de transporte – cfr. ponto 45.º). São indicadores de natureza anfibológica (que tanto podem significar uma coisa como outra) e que, por isso, não podem valer por si, sustentando um significado determinado apenas quando conjugados com outros de sentido inequívoco – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29/09/2011, proferido no âmbito do processo n.º 2301/04.0BEPRT.
Subsiste, no entanto, um indicativo que não podemos descurar: o volume de facturação de “S... T...” nos períodos de 1999 (€652.474,34), de 2000 (€815.335,58) e de 2001 (€850.683,89) e de “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.” em 2002 (€1.094.054,00), em qualquer dos casos muito superior à capacidade de produção instalada (estimada em €252.000,00). É um forte indicador de que parte substancial da facturação emitida por esses sujeitos passivos não titula verdadeiras transacções, tanto mais que não recorreriam a subcontratações (cfr. ponto 44). Mas fica a dúvida fundada sobre se as facturas a que não correspondem transacções verdadeiras são as que foram emitidas à Impugnante ou quaisquer outras, porque as encomendas da Impugnante não chegam nem de perto da capacidade de produção instalada e o Tribunal nada sabe sobre a idoneidade de outros destinatários de outras facturas.
Logo, não obstante estar em causa a capacidade de produção do emitente das facturas, vemos que a Recorrente tem um peso aproximado de 26%, de 16% e de 7,82% no total das compras a “S... T...” em 1999, 2000 e 2001, respectivamente, e de 3,7% no total das compras efectuadas a “Serralharia Mecânica T... & T..., Lda.” em 2002. Pelo que nada obsta que a dúvida fundada sobre a existência do facto tributário conduza, in casu, à anulação do acto – artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
Na medida em que o agora apreciado e decidido por este tribunal a quem, tendo por base a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, é suficiente para concluir que o presente recurso merece provimento; abster-nos-emos de tomar conhecimento da parte das conclusões do recurso em que a Recorrente pugna pela verificação de erro de julgamento de facto, por se mostrar prejudicada a apreciação desta questão.

Conclusões/Sumário

I. No processo judicial tributário, o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Este vício tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, tendo lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
II. Tendo a Administração Tributária concluído, no relatório final de inspecção tributária, que nenhuma das facturas emitidas e utilizadas pela Recorrente em determinado período consubstanciam a efectiva prestação de serviços, designadamente porque a capacidade de produção instalada dos emitentes não suportava o volume de negócios anual representado na facturação emitida, e tendo sido apurado em tribunal que os emitentes prestaram mesmo serviços à Recorrida e que o volume de negócios representado nas facturas que utilizou é inferior à capacidade produtiva apurada naquele relatório, não existindo outros indicadores que, por si só, sustentem aquela conclusão, deve entender-se que da prova produzida resulta a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário para efeitos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, anulando os actos de liquidação impugnados relativos a dívida de IRC, referentes aos anos de 1999, 2000 e 2001.
Custas a cargo da entidade recorrida somente em 1.ª instância.

Porto, 28 de Maio de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves