Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00218/07.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IECS VERSUS IVA EM REGIME DE SUSPENSÃO, DUPLA TRIBUTAÇÃO EM IVA, ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I – É conteúdo ao menos tácito da declaração periódica de autoliquidação do IVA, apresentada pelo sujeito passivo, que nenhuma factura em que se tenha liquidado IVA é subtraída ao cálculo do Imposto a pagar ou a haver ao cabo do conjunto das operações tributadas em IVA em que ele foi interveniente nesse período. Portanto, a impugnante goza de uma presunção, conferida pelo artigo 75º nº 1 da LGT, de que determinadas facturas emitidas no 3º trimestre de 2003 foram consideradas na sua autoliquidação e no pagamento do IVA relativo a tal período. Assim, a liquidação oficiosa, para pagamento, do IVA liquidado nessas facturas, apenas por terem saído do regime de suspensão, i.e., sem a prova do não pagamento, resulta em dupla tributação.

II - O pressuposto de facto da liquidação de IVA (facto tributável) consiste: não na inexistência de um facto determinante da suspensão do imposto especial sobre o consumo e, consequentemente do IVA, mas sim na existência de um facto subsumível às categorias de incidência objectiva e subjectiva do IVA, elencadas e definidas no nº 1 do artigo 1º e no 2º do CIVA, respectivamente. Tendo o expedidor logrado fazer prova, em sede de reclamação graciosa, com a certificação do DAA pela autoridade alfandegária do território aduaneiro de destino, de que a mercadoria em regime de suspensão deu entrada nesse território, não pode manter-se a liquidação oficiosa de IVA emitida com base na não apresentação dessa DAA no prazo decorrente do artigo 35º nº 9 CIEP.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

C. Lda NIPC (…), com sede na Avª (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 2 de Abril de 2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a sua impugnação das liquidações oficiosas de IVA do ano de 2003 e juros compensatórios, nºs 06242107, 06242109 06242111, 06242108, 06242110 e 06242112, no valor total de 4 512,25 €.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

V - CONCLUSÕES
a) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida a 04 de Abril de 2009) no processo 218/07.5BEMLD, que julgou improcedente a impugnação judicial relativa às liquidações adicionais de IVA n.°s 06242107, 06242109, 06242111, 06242108, 06242110 e 06242112 no montante dc € 4.512,25.
b) As questões essenciais a apreciar no presente recurso consistem em: (i) saber se existe ou não duplicação de colecta relativamente às liquidações n.°s 06242107 e 06242109; (ii) saber se relativamente às restantes liquidações, o regime de suspensão deve ou não - para efeitos de IVA — ser considerado apurado.
c) Relativamente à primeira questão, i.e., às duas operações de expedição, correspondentes às Guias de Remessa nº 498 e 499, e aos DAA’s n.ºs 97904 e 97903, respectivamente, e não obstante estarem ambas isentas de IVA, a verdade é que em ambas o IVA foi liquidado e entregue ao Estado, concretamente nos montantes de € 294.98 e € 248.98.
d) Considerando que são requisitos do vício de duplicação de colecta, como a própria Sentença recorrida destacou, a unicidade do facto tributário, a coincidência temporal, a identidade dos impostos c o pagamento integral e que a verificação dos primeiros três é assumida pelo próprio Tribunal,
e) cumpre esclarecer, quanto ao último requisito, que, ao contrário do preceituado na Sentença recorrida, e salvo o devido respeito, é falso que não se encontre suficientemente provado o pagamento anterior do mesmo imposto que é agora exigido.
f) Com efeito, juntou a Recorrente vários documentos de onde resulta perfeitamente o pagamento e entrega ao Estado do montante referido nas facturas 1860 e 1861: as próprias facturas, onde se verifica que ao valor da mercadoria foi acrescido o respectivo IVA à taxa de 19% (taxa que se encontrava em vigor no momento da operação), os documentos contabilísticos, onde os montantes das liquidações se encontram devidamente discriminados, a Declaração de IVA, correspondente ao período a que respeitam as operações em causa, e, ainda, o cheque que serviu de meio de pagamento do valor indicado na Declaração.
g) Ê certo que, como condena a Sentença recorrida, o valor indicado nos dois últimos documentos referidos é um valor global correspondente à soma das liquidações de IVA provenientes das operações praticadas naquele período,
h) Mas o modelo utilizado para declarar o IVA liquidado em determinado período é da autoria, não da Recorrente, mas do Estado — foi este que impôs que tal declaração, c consequente pagamento, fossem efectuados segundo um valor global, sem especificação das parcelas que individualmente o compõem pelo que não poderá a Recorrente ser prejudicada e penalizada por esse facto,
i) sobretudo quando foram juntos outros documentos nos quais esses valores aparecem discriminados e que, cumulativamente com a Declaração e o cheque, permitem concluir sem qualquer dúvida que as liquidações provenientes das facturas em causa foram devidamente entregues ao Estado.
j) Acresce ainda que, mesmo que tal prova não resultasse imediata e claramente dos documentos juntos, mas apenas de forma indiciária e perfunctória (que não é, de todo, o caso), não pode o Tribunal, sem qualquer elemento contraditório ou que sequer indicie o contrário, simplesmente desconsiderar totalmente os documentos entregues e a declaração da Recorrente c concluir que tal inclusão nunca existiu.
k) Pelo que se encontra perfeitamente provado o pagamento do imposto liquidado naquelas facturas.
l) Assim sendo, e uma vez que os restantes pressupostos se encontram, igualmente, preenchidos, padecem as liquidações em causa do vício dc DUPLICAÇÃO DE COLECTA, sendo, por isso, manifestamente ilegais, devendo, consequentemente, ser revogadas para restabelecimento da legalidade na ordem jurídica.
m) No que concerne às quatro operações de exportação em causa, correspondentes às facturas n.°s 313, 1905, 1905 e 370 e relativas aos DAA’s n.°s 97907, 97905, 97970 e 97911, respectivamente, o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo demonstra ser desajustado ao caso c desactualizado.
n) Com efeito, o imposto em causa no caso em apreço não se trata do Imposto Especial sobre o Consumo, mas do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
o) Ora, no âmbito do IVA, os modos de apuramento do imposto não se limitam àqueles que preceitua a lei para o caso dos IECs.
p) Mais, não existe, no Código do IVA, qualquer norma que remeta expressamente para o Código que regula os IEC’s — nomeadamente, no que respeita aos modos pelos quais se poderá provar a efectividade das operações praticadas pelos sujeitos passivos.
q) Não se compreende, então, por que razão segue o Tribunal a quo o método dedutivo, ou até analógico, partindo do caso dos IEC9s, quando podia (e devia) ter antes dado aplicação ao preceituado no diploma que regulamenta o IVA,
r) Com efeito, não pode o Tribunal recorrido concluir pela inefectividade das operações praticadas pela Recorrente e, como tal, improceder a pretensão quanto à revogação das liquidações de IVA em causa, com fundamento nas regras decorrentes do regime dos IECs aplicadas ao caso em apreço!
s) No âmbito do IVA, repita-se, existem outros meios, ao dispor dos sujeitos passivos, para provar a efectividade das operações, meios esses que a Recorrente considera já estarem mais do que assegurados, nomeadamente com a entrega das facturas correspondentes às operações em crise, a declaração de IVA do período em causa e, inclusive, o meio de pagamento utilizado, razão pela qual deverão as liquidações em causa ser revogadas, eliminando-se, assim, a ilegalidade da situação jurídica em apreço.
t) SEM PRESCINDIR, e ainda que se considerasse que a situação em apreço deveria ser resolvida com recurso às normas que regulamentam os IECs e não o IVA (com o que não concorda, de todo, a Recorrente, e que apenas considera para benefício do raciocínio que se exporá), a Sentença recorrida foi proferida numa época na qual a admissão, no âmbito de IECs, de meios alternativos de prova do apuramento do imposto devido já nem era sequer controversa,
u) Com efeito, essa questão encontra-se hoje perfeitamente ultrapassada, no sentido de se permitir a prova do apuramento do imposto através de meios alternativos.
v) Pelo que, mesmo que o caso em apreço devesse ser resolvido no âmbito deste imposto, c não do IVA, a decisão da Sentença recorrida não satisfaria por desactualização à realidade e prática actuais — a total desconsideração dos documentos juntos pela ora Recorrente, que atestam a afectividade das operações em causa iria contra a admissão já assente dos meios de prova alternativos.
w) Temos, igualmente, um vício de falta de fundamentação na Sentença recorrida, na medida em que, muito embora esta reconheça que a questão subjacente no presente recurso diga respeito ao IVA, fundamenta a sua decisão em normas provenientes do Código dos IEC’s, sem estabelecer, sequer, a ligação ou remissão deste ao Código do IVA e à situação aqui presente.
POR TODO O EXPOSTO, DANDO PREVALÊNCIA À VERDADE MATERIAL E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DEVEM VOSSAS EXCELÊNCIAS DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO E JULGAR PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,


Notificada, a Recorrida respondeu à alegação, aderindo à sentença recorrida.

O Digníssimo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer np sentido da improcedência do recurso, do qual perecer se destaca o seguinte:
«(…)
Sustenta a recorrente que a liquidação adicional de IVA, referente às facturas n.° s 1860 e 1861 enferma do vício de duplicação de colecta, porquanto o IVA correspondente já se mostrava liquidado e pago ao Estado, a coberto da declaração periódica de IVA que atempadamente apresentou e entregou ao Estado, em conformidade com a documentação junta a fls 51 a 60, 78 e 79. Nessa conformidade, conclui a recorrente, o Tribunal “ a quo “ apreciou erradamente a referida prova documental, e, correlativamente, julgou erradamente o referido vício de duplicação de colecta.
Mas sem razão.
A fls 58 e 59 estão juntas duas fotocópias de facturas, as quais no local destinado à liquidação do IVA são imperceptíveis. Em todo o caso, a entender-se que o IVA correspondente às referidas facturas nelas vem mencionado, não está minimamente demonstrado que esse montante de IVA tenha sido entregue aquando da declaração periódica de IVA, pois que as fotocópias de fls 78 e 79, além de serem imperceptíveis, não discriminam a liquidação e entrega ao Estado desses montantes, Se esses montante respeitam a IVA devido em operações intracomunitárias, como alega a recorrente, então o campo correspondente devia mencionar o valor cobrado a esse título, e acompanhado do anexo correspondente, com a menção e preenchimento dos elementos exigidos, a saber: designação do destinatário dos bens e respectivo n.° de identificação fiscal.
Não demonstrou a recorrente que o IVA correspondente às liquidações adicionais n.° s 06242107 e 06242109 já se mostrava previamente liquidado e entregue ao Estado, não fazendo sentido a alegação do vício de duplicação de colecta e o erro de julgamento desse mesmo vício.
A parte restante do recurso respeita à falta de fundamento legal das liquidações adicionais de IVA fundadas nas facturas n.° s 313, 1901, 1905 e 370.
Segundo a recorrente, mesmo que não se comprovasse que os bens transaccionados a coberto das referidas facturas continuam em regime de suspensão de impostos, esse regime de suspensão releva apenas para efeitos de IEC, e não para efeitos de IVA, porque sempre seria de considerar que as operações subjacentes a tais facturas, porque respeitam a exportações, estavam isentas de IVA. Mas mesmo que assim não se entenda, a recorrente, através da documentação junta aos autos, mais concretamente os DAA,s n.° 97907, 97905, 97970 e 97911, comprovou a circulação dos bens em regime de suspensão.
Mas também aqui sem qualquer razão. 
Os normativos legais invocados para fundamentar a liquidação apontam claramente no sentido de que as operações tituladas pelas facturas respeitam a bens sujeitos a tributação de IVA e de IEC, e que essa tributação fica suspensa, enquanto esses bens continuarem a circulara em regime de suspensão, mas efectivando-se a tributação logo que, no prazo legal, não se demonstre a continuação da circulação dos bens em regime de suspensão.
Ora, o relatório inspectivo que fundamentou a liquidação impugnada demonstrou à saciedade que houve transmissão de bens sujeitos a regime suspensivo de direitos, e que a recorrente, como expedidora dos bens, não comprovou o regime de circulação em suspensão de IEC e IVA, relativamente a essas mercadorias
E que a isenção de IVA das transmissões de bens, tituladas pelas facturas em crise só se verifica se as mercadorias se mantiverem em regime de suspensão, ou seja enquanto não se destinem a utilização definitiva ou consumo final - art. 15.° e 28.° do Cl VA.
E a prova no sentido de que, relativamente às expedições tituladas pelas referidas facturas, as respectivas mercadorias continuavam em regime suspensivo, faz-se através do exemplar 3 do DAA, que servirá para o expedidor efectuar o apuramento do mencionado regime suspensivo, junto da autoridade aduaneira. Sobre a possibilidade de efectuara tal apuramento através de outros meios probatórios, já o TCASul fez um afloramento desse teor, no acórdão de 17.06.2003, recurso 04909/01, não se vislumbrado qualquer óbice à utilização de meios alternativos de prova.
E também, apesar das opiniões divergentes constantes do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da sentença recorrida, se no caso concreto, o apuramento do regime de suspensão se efectuasse para além do prazo consignado no n.° 8 do art. 35.° do CIEC, seria relevante para que as operações subjacentes às facturas continuassem isentas de IVA até à utilização definitiva ou consumo final.
Só que, no caso concreto, a documentação junta pela recorrente na reclamação graciosa não é susceptível de comprovar o apuramento do regime de circulação em suspensão, relativamente às mercadorias transaccionadas a coberto das facturas 313, 1901, 1905 e 370, porque as fotocópias dos exemplares dos DAA,s, juntos pela recorrente, não certificam que a mercadoria foi regularmente recebida pelo destinatário, e muito menos que este beneficiasse do regime de suspensão».

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questões a apreciar

Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Assim sendo, as questões a resolver em ordem à apreciação do recurso são as seguintes, por ordem lógica de precedência:
1ª questão
Padece, a sentença recorrida, de falta de fundamentação, em matéria de Direito, porque, embora o objecto da Impugnação diga respeito a IVA, a decisão invoca apenas normas relativas aos IECs, sem estabelecer qualquer ligação ou remissão do CIEC ao IVA?

2ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, no julgamento da matéria de facto ao não ter dado como liquidado e pago o IVA respeitante às facturas nºs 1860 e 1861 e, consequentemente, no julgamento de direito, por não ter julgado procedente a alegação de duplicação de colecta quanto às liquidações de imposto nºs 06242107 relativa ao 2º trimestre de 2003) e 06242109 relativa ao 3º trimestre de 2003?

3ª questão
Errou, ª Mª Juiz a qua, no julgamento em matéria de Direito por ter liquidado o IVA com os mesmos pressupostos da Liquidação do IEC, ignorando o modo próprio de apuramento do IVA, designadamente quanto aos meios por que pode ser provada a efectividade das operações praticadas pelos sujeitos passivos?

4ª questão
Errou, a Mª Juiz a qua, em matéria de Direito, ao bastar-se com a não apresentação, no prazo legal, do 3º exemplar dos DAAs a que se referia o artigo 35º do CIEC de então, para se liquidar o IVA, apesar de a Recorrente já ser detentora daqueles e os ter exibido (em sede de reclamação administrativa).

III - Apreciação do objecto do recurso

1ª questão: Falta de fundamentação da sentença em matéria de direito
Esta alegação só tem sentido útil se for causa de nulidade da sentença nos termos do artigo 668º do CPC aplicável (o antigo), designadamente da alª b) do nº 1.
Não são uma errada fundamentação, nem mesmo uma defeituosa fundamentação o que naquela norma se enuncia como causa de nulidade da sentença, mas a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
A absoluta falta de daquela fundamentação, ao menos relativamente a uma questão de facto ou a uma questão de direito, essa, sim, é que dá lugar a nulidade da sentença, seja parcial, seja total, consoante fique prejudicado o aproveitamento de parte do decidido, sem prejuízo de a mesma poder ser suprível (hoc sensu) pela própria instância de recurso (cf. artigos 712º e 715º do CPC aplicável). O mais não poderá ser se não erro no julgamento Neste sentido, por todos, ac. STA de 4/5/1999 rec. 044472 in www.dgsi.pt: “Só é causa de nulidade da sentença nos termos do art. 668, n. 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, a falta absoluta de motivação e não a insuficiência ou a mediocridade desta.”.
Ora, a sentença contém uma parte dedicada ao direito aplicável aos factos julgados provados, em função das questões julgadas postas: a duplicação de colecta e a violação do regime de suspensão de sujeição a imposto especial sobre o consumo previsto no CIEC.
Tanto bastaria para improceder a alegação de (nulidade por) falta de fundamentação de direito. Mas como se tal não bastasse, o texto da sentença desmente a alegação da recorrente, ao integrar os seguintes dois parágrafos, nos quais são citadas as normas do CIVA que fazem toda a luz sobre o que a Mª Juiz recorrida entendeu ser a relação entre a saída dos bens do regime de suspensão do IEC e a tributação da transacção em IVA:
« E uma vez introduzido no consumo é desde logo devido o respectivo IEC, como o IVA de acordo com o disposto no n.° 1 e alínea a) do n.° 2 do artigo 7 do CIEC e n.° 6 do artigo 15° e n.° 9 do artigo 28°, ex vi alínea a) do n.° 5 do artigo 16° do CIVA.
Ora, no caso, a impugnante não informou as entidades competentes, no prazo referido no n.° 9 do artigo 39° do CIEC, da devolução dos documentos, o que nos termos da mesma norma implica a liquidação do imposto (IEC).»
Como assim, improcede a causa de nulidade arguida.

Posto isto, enfrentemos as restantes questões supra enunciadas.
Para tanto convém reproduzir aqui, ao menos, os segmentos da sentença que resultam nas decisões em matéria de facto e em matéria de direito aqui controvertidas, que são os seguintes.
«DOS FACTOS:
DOS FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos dou como assente o seguinte circunstancialismo fáctico, com base nos documentos juntos aos autos e ao processo de reclamação graciosa;
1. A impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização e produção de bebidas alcoólicas.
2. A impugnante sendo detentora do Entreposto Fiscal de Produção n.° 39918660, é depositária autorizada (n.° 1 - 502303093).
3. No exercício dessa sua actividade, a impugnante efectuou centenas de operações comerciais, quer ao nível interno quer ao nível externo.
4. Tendo expedido e exportado, ao longo do tempo, produto que produz e comercializa, nomeadamente vinho espumante e vinho de mesa.
5. Entre as operações comerciais efectuadas pela impugnante encontram-se as materializadas nas facturas em causa:
N.° da factura Guia de remessaDataN.° de DAAMercadoriaDestino
G.R. 498 (factura n.° 1860)23/09/200397904Vinho espumanteExpedição
(Alemanha)
G.R. 499
(Fact n.° 1860 e 1861
23/09/200397903Vinho espumante Vinho de mesaExpedição
(Alemanha)
31323/10/200397907Vinho de mesaExportação
190128/10/200397905Vinho espumante Vinho de mesaExportação
190530/10/200397910Vinho espumante Vinho de mesaExportação
37015/12/200397911Vinho de mesaExportação

6. A impugnante foi objecto de uma inspecção interna de âmbito parcial, destinada à análise e verificação do cumprimento das obrigações tributárias em sede de IVA e teve por base uma comunicação da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo, pela qual, informaram a Direcção de Finanças de Vila Real que a impugnante não apurou dentro do prazo previsto no n.° 8 e 9 do artigo 35° do CIEC, o regime de circulação em suspensão de IEC e IVA, efectuado a coberto dos Documentos Administrativos de Acompanhamento (DAA) n.° IVV - 97904 (factura n.° 1860), n.° IVV - 97903 (factura n.° 1860/1861), n.° IVV - (97911 (factura n.° 370), n.° IVV - 97907 (factura n.° 313) e n.° IVV - 97905 (factura n.° 1901).
7. Foi elaborado o respectivo relatório datado de 11-08-2006 do qual consta, além do mais:
«3.1 Falta de liquidação de IVA
1. 0 sujeito passivo emitiu as facturas n°s 313, 370,1860,1861,1901,1905, nas quais não procedeu à liquidação de IVA, por ter considerado a transmissão dos bens isenta de IVA ao abrigo ambas do art° 15° e do no n° 8 do art° 28°, todos do Cl VA.
2. A Direcção Geral das Alfândegas e Impostos Especiais de Consumo, comunicou que os bens constantes dos DAA - IVV - AA 097904. 097903, 097911, 097907, 097905, cujos bens constam das facturas referidas, foram considerados introduzidos no consumo, face ao exposto no n.° 6 do art° 35° do CIEC. O regime de suspensão do IEC é apurado pela colocação dos produtos na situação do n.° 2 do art° 6o do mesmo diploma e após recepção pelo expedidor de exemplar reenvio.
3. O expedidor deve informar a autoridade aduaneira no prazo de dois meses a contar da taxa de expedição (n.° 8 do art° 35°) e se no prazo de 3 meses, a contar da data de expedição dos produtos, se mantiver a situação de não apuramento, a autoridade aduaneira liquidará o imposto (IEC) de conformidade com o n.° 9 do art° 35° ambos do CIEC, cujo facto ocorreu.
4. Do exposto resulta ser devido IEC, mesmo que dele isento, por aplicação da taxa zero, é devido IVA, por força do disposto no n° 6 do art° 15° e n° 9 do art° 28°, todos do CIVA, que incluirá aquele na sua base tributável, nos termos do n.° 5 do art° 16° do CIVA. Assim, é devido IVA, conforme quadro abaixo, por falta de liquidação no montante de 4510,42.».
5. Na sequência foram efectuadas as seguintes liquidações:
Liquidação n.° 06242107 de IVA referente a 0306T no montante de 294,98 €
Liquidação n.° 06242109 de IVA referente a 0309T no montante de 254,62 €
Liquidação n.° 06242111 de IVA referente a 0312T no montante de 3.960,82 €
Liquidação n.° 06242108 de juros referente a 0306T no montante de 35,20 €
Liquidação n.° 06242110 de juros referente a 0309T no montante de 27,85 €
Liquidação n.° 06242112 de juros referente a 0312T no montante de 392,83 €
6. A impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho de 30-05-2007 do Sr. Director de Finanças por delegação.
8. A impugnante liquidou IVA, à taxa aplicável, nas facturas n.° 1860 e 1961, nos montantes de € 294,98 e € 248,98, respectivamente - doc. junto a fls. 58.
IV - OS FACTOS E O DIREITO
Questões que se colocam:
- existe duplicação da colecta no que toca às liquidações n.°s 06242107 e 06242109 de IVA?
- as restantes liquidações de IVA são ilegais por o regime de suspensão se encontrar apurado em virtude de a impugnante possuir os documentos alfandegários apropriados (exemplares 3 dos DAA’s certificados)?
> Duplicação da colecta (liquidações n.°s 06242107 e 06242109 relativas a IVA e 06242108 e 06242110 relativas a juros compensatórios):
(…)
São requisitos da duplicação da colecta a unicidade do facto tributário, a coincidência temporal, a identidade dos impostos e o pagamento integral.
Como refere a Fazenda Pública na contestação a impugnante não prova o pagamento do imposto que liquidou nas facturas n.°s 1860 e 1861.
Os documentos que apresenta não permitem concluir que o imposto entregue ao Estado no período a que respeitam as operações em causa (Setembro de 2003), inclui o imposto liquidado nas facturas referidas.
E o ónus da prova é da impugnante - artigo 74°, n.° 1 da LGT.
Como os requisitos são cumulativos, basta que um não se verifique para que não haja duplicação da colecta.
Improcede o argumento.
Regime de suspensão
(…)
Alega a impugnante que o fundamento da liquidação foi a falta de apuramento do regime de suspensão e, porque o regime de suspensão se encontra apurado, conforme descrição que faz, através da certificação do Exemplar 3 do DAA, conclui pela ilegalidade das liquidações.
Mais refere que a apresentação extemporânea dos documentos que comprovam a efectividade das operações em causa, nunca teriam como consequência imediata a desconsideração da existência das mesmas, quando muito daria origem à aplicação de uma coima por violação de uma obrigação declarativa.
Assim, não se entende.
Na verdade, como é referido na contestação o regime suspensivo do imposto, em que circulam os produtos sujeitos a IEC concretiza-se, de lege condito no momento da sua introdução no consumo, quer esta decorra de imposição legal, quer resulte da (in)acção dos agentes económicos intervenientes no respectivo circuito.
E uma vez introduzido no consumo é desde logo devido o respectivo IEC, como o IVA de acordo com o disposto no n.° 1 e alínea a) do n.° 2 do artigo 7 do CIEC e n.° 6 do artigo 15° e n.° 9 do artigo 28°, ex vi alínea a) do n.° 5 do artigo 16° do CIVA.
(…)
Não basta, pois, ao contrário do que defende a impugnante, que o documento se encontre na posse do expedidor, impondo a lei, ao expedidor, o dever de informar a entidade alfandegária competente do apuramento do regime suspensivo, face à introdução no consumo dos respectivos bens.»

Em ordem ao conhecimento das questões ainda sub judicibus cumpre introduzir a seguinte:

Correcção à matéria de facto provada (artigo 712º nº 1 do CPC antigo)
O nº 5 da enunciação dos factos julgados provados vai corrigido, nos seguintes termos;
9 – A factura nº 1860 é datada de 23/09/2003 e não de 23/04/2003.
Este facto tem suporte na fotocópia do duplicado da referida factura, integrante de fs. 37 do procedimento da reclamação (e 54 do processo), cujo dígito do mês sugere efectivamente mais um nove do que um 4, sendo semelhante caligraficamente ao que foi tomado por um 9 pela AT na factura 1861, datada de 23/9/2003 e também integrante do procedimento de reclamação e do processo. Além disso foi alegado na PI e não contestado pela AT e é sugerido por ambas as facturas serem objecto da mesma guia de remessa nº 498.
Cumpre, ainda, aditar factos provados que sentença e recorrente aceitam mas não estão mencionados como tais. Assim:

Aos factos dados como provados, este tribunal adita os seguintes, conforme artigo 712º nº 1 do CPC aplicável (o antigo):
Aditamento à matéria de facto provada:
10 – A Impugnante entregou pontualmente a declaração periódica de IVA relativamente ao 3º trimestre de 2003 e pagou o saldo devedor da mesma.
Este facto considera-se provado pela conjugação do documento nº 15 junto com a PI com a posição assumida pela AT, que não o impugnou facto nem documento.
11 – O requerimento de reclamação graciosa referido no facto provado MMM tinha o teor que consta no doc. 1 da PI e no procedimento apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12 – A Impugnante fez acompanhar o requerimento de reclamação das cópias dos 3ºs exemplares dos DAAs (a que alude o artigo 35º do CIEP de então) relativos a todas as facturas identificadas no quadro do artigo 5º supra.
Este facto está provado pela conjugação dos docs. 8 (factura GR 498 relativa às 1860 e 1861) 11 (factura 1901), 12 (factura 1905), 13 (factura 307), 10 (factura 313) juntos com o requerimento no apenso, também juntos com a PI, com a posição da AT, que não impugnou factos nem documentos.
Corrigida, ampliada e ou densificada, nestes termos, a matéria de facto provada, e feita a necessária excursão pela sentença recorrida, apreciemos as questões ainda sub judicio.

2ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, no julgamento da matéria de facto ao não ter dado como pago o IVA respeitante às facturas nºs 1860 e 1861 e, consequentemente, no julgamento de direito, por não ter julgado procedente a alegação de duplicação de colecta quanto às liquidações de imposto nºs 06242107 relativa ao 2º trimestre de 2003) e 06242109 relativa ao 3º trimestre de 2003?
Em suma, a Mª Juiz a qua julgou que o ónus de prova do pagamento do IVA liquidado naquelas facturas era da Impugnante e que esta não se desonerou dele.
Convém notar, face ao teor do parecer do MP, que não está em causa que a Impugnante liquidou de IVA nas facturas 1860 e 1861 – cf. o facto provado 8.
Também não está em causa (cf. supra) que foi apresentada a declaração periódica correspondente ao trimestre daquelas duas facturas. Apenas está em causa o pagamento, melhor, o concurso do IVA liquidado naquelas facturas para a liquidação periódica do IVA a pagar ou a haver pelo sujeito passivo em determinado período de imposto.

Nos termos do artigo 75º nº 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
É conteúdo ao menos tácito da declaração periódica de autoliquidação do IVA, apresentada pelo sujeito passivo, que nenhuma factura em que se tenha liquidado IVA é subtraída ao cálculo do Imposto a pagar ou a haver ao cabo do conjunto das operações tributadas em IVA em que ele foi interveniente nesse período.
Portanto, a impugnante goza de uma presunção de que as facturas 1860 e 1861 foram consideradas na sua autoliquidação relativa ao trimestre de 3º de 2003.
Provado que ficou o pagamento do IVA liquidado relativamente a esse período, está feita logicamente a prova dos pressupostos da presunção de que foi pago o IVA devido em função, também, das facturas sobreditas.
O Digno Magistrado do MP alega que a Impugnante podia, se queria, provar a consideração, em concreto, dessas facturas exibindo, se bem entendemos, os anexos recapitulativos a que se referem a alª c) do nº 1 e o nº 2 do artigo 23º do Regime de IVA nas Transacções Intracomunitárias (DL nº 290/92 de 28/12).
Porém, antes de mais, quanto às facturas, em causa, referidas à expedição de bens para um estado membro, a questão está prejudicada uma vez que, como vimos, se presume o pagamento (hoc sensu) do IVA nelas mencionado. Depois, os anexos recapitulativos acima referidos têm por objecto precisamente as operações isentas ou não tributadas em Portugal por o irem ser no estado de destino, pelo que as facturas em causa não deveriam constar desses anexos.
Da conclusão pela presunção da declaração e do pagamento do IVA liquidado nas facturas 1860 e 1861 resulta que houve erro de direito da sentença recorrida quando julgou improcedente a alegação de duplicação de colecta.
Na verdade, se só a duplicação do pagamento estava em causa, torna-se claro que as liquidações acima identificadas (e as dos respectivos juros compensatórios) incorrem em violação de lei por duplicação da colecta, pelo que terão de ser anuladas.

3ª questão
Errou, ª Mª Juiz a qua, no julgamento em matéria de Direito por ter liquidado o IVA com os mesmos pressupostos da Liquidação do IEC, ignorando o modo próprio de apuramento do IVA, designadamente quanto aos meios por que pode ser provada a efectividade das operações praticadas pelos sujeitos passivos?
Atenta a solução da 2ª questão supra, na apreciação desta questão já não vamos ter em conta as liquidações relativas às transacções intracomunitárias.
Parece que a Recorrente olvida que aqui não está em causa a efectividade de operações económicas sujeitas a IVA mas sim, no que lhe interessa, a sua não ocorrência efectiva.
Aliás, nem a recorrente concretiza nem o Tribunal cogita que normas próprias terá o regime do IVA para a prova de que um facto tributado não aconteceu.
De qualquer modo, o pressuposto de facto da liquidação de IVA consiste não na inexistência de um facto determinante da suspensão do imposto especial sobre o consumo, mas sim na existência de um facto subsumível às categorias de incidência objectiva e subjectiva do IVA, elencadas e definidas no nº 1 do artigo 1º e no 2º do CIVA, respectivamente.
Atento o excerto já transcrito da sentença recorrida, não é correcta a interpretação da mesma no sentido de que esta se limitou a retirar a tributação em IVA dos meros pressupostos da liquidação do IEC.
Quanto ao facto, pode dizer-se que, quer os actos impugnados quer a sentença recorrida o deduzem lógica e legitimamente da legalmente presumida introdução dos bens no consumo em território nacional, uma vez não apresentado em tempo o exemplar 3 DAA, conforme artigo 35º nºs 8 e 9 do CIEC em vigor então. Com efeito essa introdução, desde logo porque foi, comprovadamente, objecto de facturação, não pode ter ocorrido se não mediante uma transmissão onerosa de bens, a qual é tributável em IVA conforme o artigo 1º nº 1 alª a) do CIVA e, in casu, se presume ocorrida em território nacional.
Quanto ao direito, é o próprio regime legal do IVA, na redacção coeva dos factos, que faz seguir-se à cessação do regime de suspensão, por introdução no consumo para efeitos do CIEC, a tributação em IVA:
Assim, conforme o artigo 14º nº 1 alª a) do CIVA de então:
1 - Estão isentas do imposto: a). As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste;”
Coerentemente com aquela “isenção”, o artigo 15º nº 1 do CIVA (Redacção dada pelo art. 2.º do Dec. Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro) dispõe, entre o mais assim:
1 - Estão isentas do imposto as operações a seguir indicadas, desde que os bens a que se referem não se destinem a utilização definitiva ou consumo final e enquanto estes se mantiverem nas respectivas situações:
a) As importações de bens que se destinem a ser colocados em regime de entreposto não aduaneiro;
b) As transmissões de bens que se destinem a ser:
I) Apresentados na alfândega e colocados eventualmente em depósito provisório;
II) Colocados numa zona franca ou entreposto franco;
III) Colocados em regime de entreposto aduaneiro ou de aperfeiçoamento activo;
Quase redundantemente, o nº 6 do mesmo artigo dispõe, relativamente as transmissões de bens sujeitos a regime de entreposto não aduaneiro, que o IVA é devido logo que saiam desse regime e é devido por quem os faça sair desse regime.
Quanto às mercadorias sujeitas a regime de entreposto aduaneiro, nada é dito neste artigo, mas é obvio que da cessação do regime de suspensão resulta a introdução no consumo e logo a tributação em IVA da inerente transmissão onerosa de bens. Por isso também é quase redundantemente que os nºs 8 e 9 do artigo 28º do CIVA (redacção coeva) dispõem que a falta dos documentos alfandegários referidos no nº anterior determina a obrigação, para o transmitente dos bens, de liquidar IVA.
A sentença recorrida é algo lacónica, com prejuízo da clareza do raciocínio, quando se limita a dizer que “uma vez introduzido no consumo é desde logo devido o respectivo IEC, como o IVA de acordo com o disposto no n.° 1 e alínea a) do n.° 2 do artigo 7 do CIEC e n.° 6 do artigo 15° e n.° 9 do artigo 28°, ex vi alínea a) do n.° 5 do artigo 16° do CIVA”.
Porém a leitura de, pelo menos, algumas das normas assim tão enxutamente citadas permite reconstruir um raciocínio reconduzível, no essencial, ao que expusemos supra.
Como assim, improcede a alegação de erro de julgamento de direito da sentença recorrida por ter sancionado uma liquidação de IVA apenas com base nos mesmos pressupostos da liquidação do IEC.

4ª questão
Errou, a Mª Juiz a qua, em matéria de Direito, ao bastar-se com a não apresentação, no prazo legal, do 3º exemplar dos DAAs a que se referia o artigo 35º do CIEC de então, para liquidar o IVA, apesar de a Recorrente já ser detentora daqueles e os ter exibido (em sede de reclamação administrativa).
Por outras palavras é mister julgar se a prova feita, em sede de reclamação graciosa, com a exibição do 3º exemplar do DAA, devidamente autenticado pelas estância aduaneira de destino, de que as mercadorias saíram do território aduaneiro comunitário, deveria deixar incólume a liquidação impugnada, posto que, de qualquer modo, a impugnante e ora recorrida não entregara em tempo - face ao sobredito artigo 35º do CIEC – o referido documento.
A Mª Juiz a qua parece ter confundido, aqui, sim, os regimes e a natureza dos dois impostos, ainda que na interpretação mais formalista, supra descartada, de maneira que aplicou o prazo preclusivo do nº 9º do artigo 35º do CIEC para julgar devida uma liquidação de IVA por um facto tributário inexistente, como se o facto tributário consistisse na não apresentação, em tempo, do 3º exemplar da DAA, ou como se se tivesse formado, com o decurso desse prazo, uma presunção legal inilidível da ocorrência do facto tributário.
Antes de mais, cumpre notar que do já citado nº 9 do artigo 28º do CIVA, nas redacção e numeração coevas do putativo facto tributado, não resulta qualquer prazo preclusivo da faculdade de apresentar os documentos alfandegários, apenas se alude à falta dos mesmos.
Cumprirá, ainda, trazer à liça o disposto no artigo 73º da LGT: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
Com a apresentação, ainda em sede de procedimento tributário, note-se, dos DAAs devidamente certificados, foi feita prova da inexistência do facto tributado em IVA.
Ora, sem facto tributado, ainda que de lege presumido, não há obrigação tributária, ele é a fonte da obrigação tributária, de maneira que, provado que o facto não ocorreu, não pode sustentar-se que exista a obrigação tributária.
Pelo exposto, a sentença recorrida, no que respeita às liquidações de IVA relativas às operações de exportação acima identificadas incorre em erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 1º e 28º nº 9 do CIVA e 73º do LGT.

O recurso, portanto, procede totalmente; e os actos impugnados têm de ser anulados.

Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso procedente, revogando a sentença recorrida e determinando a anulação das liquidações impugnadas.
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Custas pela Recorrente, em ambas as instâncias: artigo 527º do CPC.
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Porto, 16/9/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento
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i) Neste sentido, por todos, ac. STA de 4/5/1999 rec. 044472 in www.dgsi.pt: “Só é causa de nulidade da sentença nos termos do art. 668, n. 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, a falta absoluta de motivação e não a insuficiência ou a mediocridade desta.”