Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00530/04.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA; ERRO OSTENSIVO; ORDEM DE SERVIÇO; ÂMBITO E EXTENSÃO; AVALIAÇÃO INDIRETA;
ÚLTIMA RATIO; CONVITE À REGULARIZAÇÃO OU APRESENTAÇÃO DA ESCRITA; QUESTÃO NOVA.
Sumário:I - Não é nula por omissão de pronúncia a sentença que deixou de conhecer de questão suscitada –– caducidade do direito à liquidação –– por na sequência da rejeição do quadro argumentativo invocado –– de que o início da inspeção ocorreu com a ordem de serviço 16.762, datada de 25/11/2002 e notificada a impugnante da liquidação em 07/01/2004, estaria caducado o direito a liquidar o referido imposto.

II - O princípio contido no artigo 249.º do Código Civil, de retificação de lapso manifesto, é aplicável a todos os atos processuais e das partes e segundo o mesmo o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à sua retificação.

III - No âmbito do procedimento de inspeção tributária, a simples consulta, recolha e cruzamento de elementos, não pode constituir objeto das ordens de serviço [artigo 46.º, n.º 4.º, alínea a), do RCPIT].

IV - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

V – O convite a que se refere o artigo 52.º, n.º 2, do CIRC, pressupõe que as anomalias verificadas se prendem com o atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como com a sua não exibição imediata e que se possa extrair uma imputação à Impugnante a título de negligência.

VI – Sendo os recursos jurisdicionais meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não se pode por isso neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão objeto do recurso, salvo quando se trate de questões novas que sejam de conhecimento oficioso.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

H., LDA., com sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial proposta contra a liquidação de IRC do exercício de 2001, no montante total de € 34.339,65 e determinou a substituição da liquidação impugnada por outra onde não sejam incluídos os juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1. Verificou-se omissão de pronúncia em relação à invocada caducidade do direito a liquidar o tributo;
2. Caducidade que ocorreu em 07/11/2003;
3. Ocorreu preterição de formalidade essencial porque a ordem de serviço n.º 16762 não foi notificada à impugnante e, nessa conformidade, a ordem de serviço n.º 16990 apenas credenciava o inspetor tributário para consultar elementos da contabilidade;
4. No entanto, o relatório de inspeção é legitimado pela ordem de serviço n.º 16762;
5. A entender-se ocorrer falta de credenciação do inspetor tributário, o sancionamento do relatório de inspeção pelo Sr. Técnico Economista Assessor Principal não regulariza a falta, porque não se trata de mera irregularidade formal em face do estipulado no artigo 46º do RCPIT;
6. A referida norma impõe a credenciação do inspetor tributário sem a qual o ato administrativo é nulo por usurpação de poder;
7. Não estão reunidos os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos porque as irregularidades encontradas (três negócios) eram suscetíveis de ser corrigidas por correções aritméticas;
8. Também não foi demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria coletável;
9. A existirem irregularidades, estas só são fundamentos da aplicação dos métodos indiretos após o decurso do prazo de regularização a conceder pela Administração Fiscal (n.º 2 do artigo 52º do CIRC);
10. Não consta dos autos que tivesse sido concedido à impugnante esse prazo;
11. Verificou-se a errónea quantificação do rendimento sujeito a imposto porque no seu apuramento foi aplicada uma margem média de lucro do distrito de Braga, o qual foi fixado em 6,48%, resultando um lucro tributável de € 86.679,40, quando deveria ter sido aplicada a margem média de lucro bruto do distrito de Aveiro (os imóveis construídos e transacionados situavam-se em Albergaria-a-Velha);
12. A margem de 6,48% é respeitante ao ano de 2000, quando o exercício em causa é de 2001;
13. A impugnante apurou uma margem de lucro global de 7,25% superior aos 5,26% tidos como normais pela Administração Tributária;
14. A matéria tributável para o exercício de 2001 deveria então ser de € 892.043,52 e não de € 86.679,40;
Tendo decidido em sentido contrário o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no n.º 5 do artigo 45º da LGT (versão dada pela Lei 15/2001 de junho, aplicável a processos pendentes), o disposto nos artigos 124º e 125º do CIRC e artigo 46º do RCPIT, o n.º 2 do artigo 52º do CIRC, artigos 90º, 74º n.º 3 e 77º n.º 4 da LGT.
Nestes termos e nos demais em Direito permitidos deverá ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que anule a sentença recorrida, e consequentemente anulando-se a liquidação de IRC do ano de 2001, como aliás é de inteira JUSTIÇA”.
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Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela recorrente, nomeadamente, se:
- Foi omitida pronúncia sobre a invocada caducidade do direito à liquidação;
- Caducou o direito à liquidação;
- Foi preterida formalidade essencial por a ordem de serviço n.º 16762 não ter sido notificada à Impugnante;
- A ordem de serviço n.º 16990 apenas credenciava o inspetor tributário para consultar elementos da contabilidade;
- Estavam reunidos os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos;
- A questão da aplicação da margem média de lucro bruto do distrito de Aveiro na determinação do rendimento foi apreciada pela sentença recorrida;
- Ocorreu a invocada errónea quantificação dos rendimentos;
- O critério de calculo do dos valores corrigidos se mostra adequado;
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

“Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:
1. Os Serviços de Inspeção Tributária procederam à liquidação adicional de IRC ao impugnante, relativo ao ano 2001, liquidação nº 2003 831 0020702 no valor de 34 336.65 €, com data limite de pagamento em 09.02.2004;
2. No item nº 20 da liquidação consta “Juros compensatórios art.º 94º do CIRC" no valor de 2 767.13 € (fls. 125 dos autos);
3. O ofício nº 50300088, datado de 02.01.2003 foi a impugnante notificada que iria ser objeto de Inspeção Tributária, que ação inspetiva era geral e extensiva aos anos de 1999, 2000 e 2001;
4. A ordem de Serviço nº 16990, datada de 02.01.2003, e notificada e 14.01.2003 à impugnante, consta os anos de 1999, 2000 e 2001 e ainda P. Col - diversas (determ. despacho DF (fls. 45 dos autos);
5. A Inspeção Tributaria teve início em 14.01.2003 e termo em 25.03.2003;
6. O Relatório de Inspeção, com base no qual foi efetuada as liquidações, consta de fls. 52 a 74 dos autos, foi sancionado em 28.03.2003, por Técnico Economista Assessor Principal, no uso de delegação de poderes, cujo teor aqui dá por integralmente reproduzido.
7. Com relevância para a decisão, consta do referido relatório que:
(...)
II- Objetivo, âmbito e extensão da ação inspetiva
A - credencial e Período em Decorreu a Ação:
- Ordem de Serviço nº 16762 de 25/11/2002.
Período que decorreu a ação: de 14 de janeiro de 2003 e de 24 de fevereiro a 25 de março de 2003 (sendo afetados a esta ação 12 mais 19 num total de 31 dias);
“(...) IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos.
A - Da análise feita à contabilidade do sujeito passivo, relativamente aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 (objeto proposto do exame externo) que se estendeu aos exercícios de 97, 98 e 2002, para utilidade da inspeção, pôde concluir-se que o projeto imobiliário de Albergaria merecia atenção cuidada.
O sujeito passivo terá decidido avançar para o projeto imobiliário da grande superfície comercial de Albergaria-a-Velha, em 1997, na sequência de uma reunião que ocorreu no Grocenter de V.N. Famalicão. Aí terão estado presentes mais de cem comerciantes, já instalados nesse centro grossista, que foi construído e vendido pela firma “G., Lda”, contribuinte com o NIF (…), que é dos mesmos sócios e tem a mesma sede social. Nessa reunião terão sido negociadas mais de cem lojas, sendo este negócio titulado por contrato-promessa de compra e venda. Há rumores de que as lojas terão sido atribuídas por sorteio e que o preço terá sido igual para todos.
O projeto previa a construção de 135 lojas idênticas e uma outra maior que se destinaria a café-restaurante. Esse projeto foi alterado e o projeto definitivo prevê 198 lojas idênticas, todas com a área de 91 m2, mais outras duas similares entre si e com a área de 67,5m2, ainda outras quatro com áreas diferentes e uma última, com área superior, a tal cujo destino era tornar no café-restaurante. Com esta alteração passou-se de 136 para 205 lojas (frações autónomas).
Quanto aos rumores referidos, apesar de variadas tenfativas de indagação e pesquisa não foi possível obter dados objetivos que permitam confirmar fudo o que se ouviu. Nem foi facultado por parte do sujeito passivo nenhum exemplar dos prováveis e diversos contratos-promessa que se pretendeu justificar com o facto de já se ter efetivado a escritura pública relativa às transações.
Com o objetivo de validar as vendas referentes às lojas da grande superfície comercial de Albergaria-a-Velha, procedeu-se a uma análise detalhada, quer, na vertente dos custos incorridos (terrenos, custos adicionais, projetos, taxas e licenças, matérias primas e subsidiárias, mão de obra e gastos gerais de fabrico) quer, na dos proveitos (vendas) e dos fluxos monetários associados diretamente. Trata-se de uma obra que decorreu, grosso modo, de 1999 a 2001. A compra dos terrenos verificou-se anteriormente. Por causa da alteração do projeto o S.P. viu-se na necessidade de adquirir mais cinco leiras de pinhal para o alargamento do Centro.
Constatou-se que a contabilidade do S.P. não previa a existência de um centro de custos para esta obra ou qualquer outra. Recorreu-se à utilização da subconta 621-Subcontratos, dividida por obras, aí se registando os custos diretos da obra, com exceção do custo dos terrenos que era objeto de registo contabilístico do seguinte modo: pela aquisição debitava-se a conta de compras de mercadorias- 3 12 e creditava-se fornecedores c/c-221; no final do exercício, para inclusão na obra em curso, creditava mercadorias pela transferência para a conta 61.-Custo das mercadorias e matérias consumidas. É deste modo que o S.P. pretende dar cumprimento às exigências do Circ e do Poc, quanto à valorização das obras de caráter plurianual. Há má qualidade da informação financeira, pois, assim, a rubrica de subcontratos vem sobrevalorizada.
B - Quanto à ótica do custo, tem-se que o custo total do centro grossista de Albergaria ascendeu a 1.407.393.526$00 (07.020.049,31€) apurado a 31.12.2001, quando se dá por concluída a fase de construção e, se corrigido, face ao apurado pelo S.P., na sua contabilidade, do seguinte modo:
a) - custo total apurado pelo S.P. — 1.376.183.422$00 (6.864.373,97€).
b) - erros de imputação faturas da regularização e pavimentação da avenida que se considera incorretamente imputadas, nomeadamente, a fatura nº 1825/01 do S.P. com o NIF (…) e doc. nº 8072. Nestes termos foram 17.580.869$00 imputados a mais ao Lote 1 dos Armazéns de Albergaria e 19.825.235$00 imputados a mais ao Lote 2 dos mesmos Armazéns, no total de 37.406.104$00 (186.580,86€). A correção será efetuada pela imputação destes custos às obras do Centro grossista e aos armazéns (lote 1 e lote 2) pelo critério da área, que parece o mais adequado. Dada a inexistência de estimativas sobre o volume de negócios esperado vendas dos armazéns, não é possível a utilização, em alternativa, da imputação baseada no volume de negócios. Total da área = 56.169m2 ±7 + 3.990m2 = 7
Coeficiente de imputação: 76,84% (56169m2/73099m2)
c) -custos duplicados que foram objeto de pedido de restituição por parte do S.P, — Pagamento duplicado de Sisas referentes a três artigos - 6.196 000$00 (30.905,52€).
Assim, o total corrigido é a) + b) – e) que é igual a 1.407.393.526$00 (7.020.049,31€). Daqui decorre que o custo de cada loja será de:
- lojas com 91 m2 (permilagem 4,87) de 6.854.006$00 (34.187,64€)
- lojas com 67,5m2 (permilagem 3,62) de 5.094.764$50 (25.412,58€)
- loja nº 201 com 143m2 (permilagem 7,8) de 10.977.669$50 (54.756,38€)
- loja nº 202 com 37m2 (permilagem 2,10) de 2.955.526$00 (14.742,10€)
- loja nº 203 com 39m2 (permilagem 2,16) de 3.039.970$00 (15.163,31€)
- loja nº 204 com 60m2 (permilagem 3,26) de 4.588. 103$00 (22.885,36€)
- loja nº 205 com 240m2 (permilagem 13,10) de 18.436.855$00 (91.962,66€).
Do exposto resultam custos por m2 de 75.300$00 para as lojas de 91 m2 assim padronizadas pela sua área, isto é, as lojas 1 a 200, sendo, todavia, o custo das lojas 190 e 191, que têm a área menor -67,50m2- de 75.478$00 porm2, um pouco superior.
Trata-se, conforme informação recebida, de uma construção simples, com pilares de ferro, nos quais se colocam blocos de cimento a revestir as paredes exteriores. As paredes interiores são de tijolo. Não foi executada laje de teto. Os tetos das lojas são falsos. A cobertura é geral e em placas de fibrocimento ou zinco. As lojas foram areadas e pintadas, tendo uma porta de vidro e caixilharia.
Do acima descrito, conclui-se que se estará perante valores aceitáveis para o tipo de construção. A construtora já terá experiência na execução deste tipo de obra, pois construiu antes o centro grossista de V.N.de Famalicão.
C - Quanto à ótica das vendas, tem-se o seguinte cenário: "As vendas terão sido, em princípio, tituladas por dois documentos essenciais, o contrato-promessa de compra e venda (intercalar) e a escritura pública, o que se vê como procedimento adequado, visto o tempo que mediana entre a realização do contrato e o feitura da escritura pública. Em relação aos pioneiros, os primeiros adquirentes que terão estado na reunião ocorrida em 1997, o lapso de tempo decorrido foi de cerca de 4 anos.”
No exercício de 2001, foi contabilizada a venda de 123 frações autónomas (lojas) entre outras as lojas diferentes, isto é, com metragem diferente da área mais usual de 91m2, já considerada o tipo padrão e em concreto as lojas 201, 202, 203, 204 e 205 e ainda a loja 191. Ficou por vender a loja n.º 190 que também tem área diferente.
No exercício de 2002, foi contabilizada a venda de 52 lojas, todas com área igual de 91 m2 e com a permilagem de 4,87.
O preço médio de venda diverge significativamente. Relativamente às escrituras realizadas em 2001, tem-se um preço medio de venda de 5.672.131$00. O preço declarado com maior ocorrência é, porém, de 5.000.000$00 apenas... Já o preço medio das lojas de 91 m2, idênticas, seria de 5.595.726$00. Para o encontrar excluíram-se os valores referentes às lojas com área diferente.
Constata-se ainda que o preço médio de venda do m2 é de 61.601$40, obtido do seguinte modo:
Total de vendas, relativo a 123 frações (lojas) conta 71103 — 692.000.000$00 Total de área —11.233,5 m2
Preço médio do m2 - 61.601$40.
Relativamente às lojas tipo padrão:
Total de vendas relativo a 123 frações (lojas) conta 71103 — 692.000.000$00 Valor de venda das 6 lojas diferentes - 37.300.000$00 Valor de venda, relativo às 117 frações idênticas - 654 700 000$00 Total de área - 10.647m2
Preço médio do m2 - 61.491$00.
No que se refere aos desvios significativos à média (50% ou mais!) ocorridos no exercício de 2001, verifica-se terem ocorrido doze. Oito lojas foram escrituradas a 7.500.000$00 cada, uma outra a 7.800.000$00 e outras três a 10.000.000$00 cada uma. Representam 1092m2 de área num total de 11.233,50m2 vendidos nesse exercício económico, o que representa 9,72% da área vendida.
Já, relativamente, ao exercício de 2002, o p de venda é de 8.392.085$00, não havendo um valor muito frequente nem uma grande variedade (disparidade) de valores e desvio.
Constata-se que o preço médio de venda do m2 é de 460€, obtido do seguinte modo:
Total de vendas, relativo a 52 frações, conta 71103 - 2.176.696,18€ (436.388.403$00)
Total de área - 4.732 m2
Preço médio - 2.176.696,18€/4.732m2 = 460,00€/m2 (92.220$70)
Deste valor resulta uma subia de 49 para o preço de venda das lojas padronizadas com 91m2 de área.
D - Quanto à vertente dos fluxos monetários, constatou-se o extremo cuidado em depositar o produto dos sinais, dos reforços e dos valores finais, aquando das escrituras, loja a loja. Na verdade, para um sinal cujo documento suporte era a Declaração de quitação passada pela H., referente ao valor e ao destino surge sempre o registo contabilístico 11-Caixa a 219.... - Adiantamentos de Clientes, logo seguido do depósito no Banco. Do talão de depósito ressalta que os sinais (e entregas subsequentes) eram feitos, regra geral, em numerário. O que se depositava era dinheiro. Resumindo, era evidente o cuidado posto em deixar registo bancário desses movimentos, bem como em não guardar em Caixa valores elevados.
Parece evidente que, quanto à maioria dos compradores, o meio de pagamento era o dinheiro, talvez produto da sua (diária) atividade comercial.
De todos os procedimentos levados a cabo, constatou-se que, em grande parte dos casos, os adquirentes/comerciantes entregavam o dinheiro ao Sr. A. Alves pessoa, obviamente, ligada à H..
Contudo, esse Sr. A. era e continua a ser, de facto, administrador dos condomínios dos centros grossistas de Famalicão e do de Albergaria desde a inauguração.
O S.P., posteriormente à receção do dinheiro, emitiria as declarações de quitação que seriam entregues oportunamente aos compradores.
(…)
Indícios de fraude:
Foi o cliente da loja 125 (referente à loja nº99 no projeto inicial) visitado e foram-lhe solicitados todos os elementos relevantes para o caso. Este comprador mostrou enormes reservas em falar e, após várias tentativas, nada disponibilizou. Foi confrontado com um documento por ele assinado, em 30 de maio de 1997 que refere o preço de 9.750.000$00, bem como as várias alíneas referentes aos reforços {alínea a) a h)}, tendo confirmado a sua assinatura, mas sendo evasivo quanto ao seu conteúdo, totalmente. O primeiro adiantamento por conta está registado com suporte no doc. 10006, em 31.10.1998, no valor de 1.000.000$00. Efetuou reforços de 1.350.000$00, 975.000$00 e 1.000.000$00, em novembro de 1999 abril e novembro de 2000 (registos 1136. 405, e 111) respetivamente. A escritura foi feita em setembro de 2001, pelo valor de 5.000.000$00 (registo 9030), tendo sido pago o restante.
O valor patrimonial e as regras das Avaliações:
A comissão de avaliação de Albergaria-a-Velha fixou, em cerca de 4 valor das lojas tipo padrão, as de 91 m2. Esse valor apurado, como é suposto ser, com base nas regras do Código da Cont. Predial, conduz a um valor locativo (equiparável a uma renda justa) esperado de cerca de 22.567$00 mensais, assim encontrado - Valor locativo*12meses*15 anos.
22.567$00*12* = 4.062.000$00.
Ora, foram objeto de arrendamento, no período a que o exame respeita, três lojas. As rendas praticadas, relativamente a essas lojas — as lojas 180, 200 e 799 –– foram de 180.000$00, 175.000$00 e 150.000$00, respetivamente.
Se se assumisse como valor locativo o mais baixo, chegar-se-ia ao valor patrimonial de 27.000.000$00, para as lojas de 91 m2.
Por outro lado, o preço de 5.000.000$00 (mais verificado nas escrituras de 2001) conduz a um valor locativo de 27.778$00. Ora, tal valor (equiparável à renda justa) esta muito longe do preço real dos arrendamentos.
Dos factos antes realçados, parece existirem indícios fundados de que a contabilidade revela omissões, não sendo possível apurar clara e inequivocamente o lucro tributável, segundo os requisitos do nº 3 do artº 17º do CIRC, pelo que estarão reunidos os pressupostos para a determinação do lucro tributável do exercício de 2001 por recurso à aplicação de métodos indiretos, nos termos da alínea b) do artigo 87º e alínea d) do artigo 88º da Lei geral Tributária.
(…)
5. Por ofício 503 5632, datado de 05.05.2003 a impugnante foi notificada da fixação de rendimentos líquidos por métodos indiretos efetuadas à matéria coletável para o ano de 2001, no valor de 86 676.40 € (fls.47 a 49 dos autos);
6. A impugnante em 06.06 2003 requereu a revisão da matéria coletável ao abrigo do art. 91º da LGT;
7. Por ofício do órgão competente em virtude de não ter havido acordo dos peritos na reunião da comissão de revisão, tendo mantido o valor anteriormente fixado em sede de inspeção;
8. A presente impugnação foi intentada em 29.04.2004; nº 30010689 datado de 21.08.2003 a impugnante foi notificada da decisão;
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes nos autos.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.”

*
2.1.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente alega que não contesta a matéria de facto dada como provada, com a exceção do facto n.º 8, que não é muito percetível atenta a falta de correlação entre a primeira parte e a parte final, que terá resultado (assim se entendeu) por mero lapso de escrita - via informática.
Porém, entende que deverão ainda ser dados como provados os seguintes factos:
“n.º 9 - A liquidação de IRC do ano de 2001 foi notificada à impugnante em 07/01/2004 (doc. n.º 7);
n.º 10 - A ordem de serviço n.º 16762, de 25/11/2002 não foi notificada à impugnante (não consta no processo administrativo junto aos autos) articulado n.º 15 da p.i.);
n.º 11 - A notificação da decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos foi notificada a impugnante em 07/05/2003.”

Vejamos:
Nos termos do n.º 1, do artigo 712.º (atual artigo 662.º) do Código de Processo Civil (CPC), “[a] decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (…)
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. (…)”

Importa, também, considerar o que se determina no artigo 685.º-B do CPC, (atual artigo 640.º):
“1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;”
Da interpretação conjugada das normas referidas –– artigos 712.º e 685º-B do CPC, (atuais artigos 662.º e 640.º) –– resulta que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Afigura-se-nos que a Recorrente cumpriu minimamente os referidos requisitos formais, pelo que, nos termos do n.º 1, do artigo 712.º do CPC, procede-se à retificação do ponto 8 da matéria de facto assente e ao aditamento dos factos, nos termos seguintes:

– Retificação:
Retifica-se o ponto 8 da matéria de facto assente retirando a segunda parte do mesmo, do seguinte teor: “nº 30010689 datado de 21.08.2003 a impugnante foi notificada da decisão”.
8. A presente impugnação foi intentada em 29.04.2004;
– Aditamento aos factos provados:
9 - A liquidação de IRC do ano de 2001 foi notificada à impugnante em 07/01/2004 (cfr. doc. n.º 7, invocado pela Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública);
10 - A notificação da decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos foi notificada a impugnante em 07/05/2003 (cfr. ofício n.º 30010689 datado de 21.08.2003 e cópia do talão de registo devidamente assinado que constam do processo administrativo tributário em apenso);

– Facto não provado:
11 - Não se provou que a ordem de serviço n.º 16762, de 25/11/2002 tenha sido notificada à impugnante (cfr. invocado pela Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública);

– Aditamento oficioso:
Ao abrigo do artigo 662.º do Código do Processo Civil adita-se o seguinte facto que também se mostra provado:
12. Resulta da ficha do Processo de Evidência de Trabalho (que aqui se dá por integralmente reproduzida e que consta do processo administrativo apenso) com interesse para a decisão:
“IDENTIFICAÇÃO DA AÇÃO INSPETIVA:
- Inspeção iniciada 14/01/2003, concluída 25/03/2003;
- Ordem de Serviço Despacho n.º 16990 (…)
IDENTIFICAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS:
- Nome: A.;
- O Chefe de equipa Nome: L.. (…)”

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Alega a Recorrente na conclusão 1.ª que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto à invocada caducidade do direito a liquidar o tributo.

Vejamos:
Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».

A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT e na redação então vigente), significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Como se afirmou no acórdão deste TCAN de 26.09.2013 (proc. n.º 1903/12.5BEBRG): “A doutrina e a jurisprudência distinguem as questões dos argumentos ou razões (para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no artigo 668.", n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Como referia o Professor Alberto dos Reis (in «Código de Processo Civil Anotado», Volume V, Coimbra Editora 1984, Reimpressão, pág. 143) «São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (na jurisprudência, vd. por todos o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 2008.05.21, Proc." n.º 0437/07)”.

Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6.a ed., 2011, p. 363) — neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.2011 e de 20.09.2011, proferidos nos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respetivamente, e o recente acórdão deste TCAN de 10.10.2013, proc. n.º 1481/08.0BEBRG.

No caso dos autos, a questão que a Recorrente alega não ter o Tribunal a quo se pronunciado prende-se com a caducidade do direito à liquidação.

Compulsada a petição inicial refere-se no artigo 33° o seguinte:
“Perante estes factos poderemos, sem margem para dúvidas, extrair duas conclusões:
Primeira - ou o início da inspeção (artigo 46° do RCPIT) ocorreu com a ordem de serviço 16.762, datada de 25-11-2002 e referida no doc. n.º 4 - 4/3 e 4/5 - e portanto notificada a impugnante da liquidação em 07-01-2004 estaria caducado o direito a liquidar o referido imposto, face à anterior redação do n.º 5 do artigo 45º da LGT e face ao disposto no artigo 46º n.º 1 e 3 alínea b) da LGT (a nova redação só entrou em vigor em janeiro de 2003).
Segunda - se o início da inspeção ocorreu com a ordem de serviço emitida em 3 de janeiro de 2003 (16.990 de 06-01-2003) doc. n.º 2, então que verificamos: Que a referida ordem de serviço apenas permitia ao inspetor a recolha de elementos em diversas pessoas coletivas, tal era apenas o seu âmbito, respeitante aos exercícios de 99-20-21.”
Na sentença recorrida a questão surge enunciada nos termos seguintes:
“Entende a impugnante que nos termos do art. 125º do CIRC, e do nº 2 do art. 69º da LGT existe irregularidades e que o inspetor não estava credenciado para a efetivação do exame à sua contabilidade.
Ou o início ocorreu com a ordem de serviço 16990 de 02.01.2003 e então tal ordem de serviço só permitia ao inspetor a recolha de elementos em diversas pessoas coletivas, respeitantes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001.
Ou início da inspeção ocorreu com a ordem de serviço 16762, de 25.11.2002, tendo a liquidação do IRC sido notificada à impugnante em 07.01.2004 e estaria caducado o direito de liquidar o imposto.”
Na análise da questão refere-se na sentença recorrida:
“A ordem de Serviço nº 16990, datada de 02.01.2003, e notificada em 14.01.2003, consta que os anos de 1999, 2000 e 2001 e ainda P. Col - diversa (determ. despacho DF).
A inspeção tributaria teve início em 14.10.2003 e termo em 25.03.2003;
E que no Relatório Final consta que a inspeção foi efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço nº 16762 de 25/11/2002 e que teve início em 14.10.2003 e termo em 25.03.2003.
Com efeito verifica-se que o Inspetor no seu Relatório, se referiu a uma ordem de serviço, que não dizia respeito à presente inspeção.
A impugnante foi notificada da extensão da inspeção através do ofício nº 503 0088 e ordem de Serviço nº 16990, datada de 02.01.2003, e notificada e 14.01.2003.
À impugnante foi dado o conhecimento exato do início da inspeção e a extensão e âmbito.
Assim sendo não se verifica qualquer preterição de formalidade legal nomeadamente a violação dos art. 124º, 125º do CIRC e art. 46º e 51º do RCPIT pelo que ocorreu foi uma mera irregularidade a qual não afeta a validade do ato.
Acresce ainda referir que o Relatório foi sancionado em 28.03.2003, por Técnico Economista Assessor Principal, no uso de delegação de poderes, se alguma irregularidade se verificasse a mesma tinha de ser sanada e validado o ato da inspeção daquela data.
Face ao exposto improcede o vício alegado pela impugnante.”

Ora a Recorrente no artigo 23.º da douta petição inicial formulou duas conclusões, sendo que a primeira foi rejeitada pela sentença recorrida, ou seja, foi afastada a conclusão de que “o início da inspeção (artigo 46° do RCPIT) ocorreu com a ordem de serviço 16.762, datada de 25-11-2002 e referida no doc. n.º 4 - 4/3 e 4/5 - e portanto notificada a impugnante da liquidação em 07-01-2004 estaria caducado o direito a liquidar o referido imposto, face à anterior redação do n.º 5 do artigo 45º da LGT e face ao disposto no artigo 46º n.º 1 e 3 alínea b) da LGT (a nova redação só entrou em vigor em janeiro de 2003).”

A não aceitação da referida conclusão implicava a prejudicialidade do conhecimento das questões que lhe estavam associadas e de cuja verificação dependiam, nomeadamente a caducidade do direito à liquidação nos termos em que foi invocada.

A sentença recorrida considerou que a inspeção tributária foi levada a cabo a coberto da ordem de serviço n.º 16 990, datada de 02/01/2003, e notificada e 14/01/2003.
Rejeitou a hipótese indicada pela Recorrente de que o início da inspeção ocorreu com a ordem de serviço 16.762, datada de 25/11/2002 e notificada a impugnante da liquidação em 07/01/2004, estaria caducado o direito a liquidar o referido imposto.
Com a rejeição da hipótese indicada ficou afastado o conhecimento da caducidade do direito à liquidação que da verificação daquela hipótese dependia.

Assim, a sentença recorrida não omitiu qualquer pronúncia que devesse efetuar.

Termos em que se indefere a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
*
2.2.2. Alega a Recorrente que “ocorreu preterição de formalidade essencial porque a ordem de serviço n.º 16762 não foi notificada à impugnante e, nessa conformidade, a ordem de serviço n.º 16990 apenas credenciava o inspetor tributário para consultar elementos da contabilidade; (…) No entanto, o relatório de inspeção é legitimado pela ordem de serviço n.º 16762; (…) A entender-se ocorrer falta de credenciação do inspetor tributário, o sancionamento do relatório de inspeção pelo Sr. Técnico Economista Assessor Principal não regulariza a falta, porque não se trata de mera irregularidade formal em face do estipulado no artigo 46º do RCPIT; (…) A referida norma impõe a credenciação do inspetor tributário sem a qual o ato administrativo é nulo por usurpação de poder”.

A sentença recorrida apreciou a questão e concluiu que “não se verifica qualquer preterição de formalidade legal nomeadamente a violação dos art. 124º, 125º do CIRC e art. 46º e 51º do RCPIT pelo que ocorreu foi uma mera irregularidade a qual não afeta a validade do ato.
Acresce ainda referir que o Relatório foi sancionado em 28.03.2003, por Técnico Economista Assessor Principal, no uso de delegação de poderes, se alguma irregularidade se verificasse a mesma tinha de ser sanada e validado o ato da inspeção daquela data.”

Vejamos:
Resulta da matéria de facto assente que:
- Pelo ofício nº 50300088, datado de 02/01/2003 foi a impugnante notificada que iria ser objeto de Inspeção Tributária, que ação inspetiva era geral e extensiva aos anos de 1999, 2000 e 2001;
- A ordem de Serviço nº 16 990, datada de 02/01/2003, notificada em 14/01/2003 à impugnante, consta os anos de 1999, 2000 e 2001 e ainda “P. Col - diversas (determ. despacho DF”;
- A Inspeção Tributaria teve início em 14/01/2003 e termo em 25/03/2003;
- O Relatório de Inspeção, com base no qual foram efetuadas as liquidações, consta de fls. 52 a 74 dos autos, foi sancionado em 28/03/2003, por Técnico Economista Assessor Principal, no uso de delegação de poderes, cujo teor aqui dá por integralmente reproduzido.

Sucede que o legal representante da Impugnante / Recorrente tomou conhecimento:
i) - Do teor do ofício n.º 50300088, datado de 03/01/2003 a que se refere o n.º 3 do probatório e documento n.º 1 junto com a petição inicial, endereçado à Impugnante aqui Recorrente.
Consta do teor do referido ofício:
“Ex.mo(s) Senhor(es)
H. , Lda. (…)
Carta Aviso
Nos termos da alínea l) do n.º 3 do Art. 59º da Lei Geral Tributária e do Art. 49º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) fica(m) V.ª(s) Ex.ª(s) notificado(s) de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspeção Tributária.
A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de V.ª(s) Ex.ª(s) e terá o âmbito e a extensão a seguir indicados:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

A eventual alteração, ao âmbito e extensão da ação inspetiva, resultará de despacho fundamentado da entidade que a ordenou (Art° 15° do RCPIT).
ANEXO: Folheto informativo contendo os direitos, deveres e garantias que assistem ao sujeito passivo.
Com os melhores cumprimentos, (…)
L.
S.I.T.”
ii) - Da ordem de Serviço nº 16990, datada de 02/01/2003, notificada em 14/01/2003 à impugnante, consta os anos de 1999, 2000 e 2001 e ainda “P. Col - diversas (determ. despacho DF”.
(…) IDENTIFICAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS
Nome/Categoria: A.
O Chefe da Equipa. Nome: L. (…).
(Cfr. fls. 45 dos autos e ponto 4 do probatório);
iii) - Da nota de diligência de 25/03/2003, donde resulta:
- que a inspeção tributária iniciada em 14/01/2003, terminou em 25/03/2003;
- que abrangeu os exercícios de 1999, 2000 e 2001;
- Identificação dos funcionários:
- N.º Ch. Equipa 8309 Nome L.;
- N.º Técnico 3038 Nome A..
iv) - No processo de evidência de trabalho refere-se:
IDENTIFICAÇÃO DA AÇÃO INSPETIVA:
- Inspeção iniciada 14/01/2003, concluída 25/03/2003;
- Ordem de Serviço Despacho n.º 16990
IDENTIFICAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS:
- Nome: A.;
- O Chefe de equipa Nome: L..
v) - A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição, constando do projeto de relatório que a inspeção era efetuada a coberto da ordem de serviço n.º 16762 de 25/11/2002.
vi) - No requerimento que a Impugnante apresentou, ao abrigo do artigo 91.º da LGT, a solicitar a revisão da matéria tributável, não fez qualquer alusão, quer à ordem de serviço n.º 16990 de 02/03/2003, quer á n.º 16762 de 25/11/2002;
vii) - Refere-se no projeto de Relatório de Inspeção Tributária:
“A - Credencial e Período em Decorreu a Ação:
- Ordem de Serviço nº 16762 de 25/11/2002.
Período que decorreu a ação: de 14 de janeiro de 2003 e de 24 de fevereiro a 25 de março de 2003 (sendo afetados a esta ação 12 mais 19 num total de 31 dias);
B - Motivo, âmbito e incidência temporal
Esta ação teve origem em Ordem de Serviço emitida em 3 de janeiro de 2003 por despacho da Direção de Finanças de Braga.”
*
Constatamos, assim, que nas comunicações efetuadas à Impugnante / Recorrente:
- Vem a mesma mencionada na qualidade de sujeito passivo;
- Vem referido que a ação inspetiva é de âmbito geral;
- A ação inspetiva incidiu sobre os exercícios de 1999, 2000 e 2001;
- A inspeção teve o seu início em 14/01/2003 e foi concluída em 25/03/2003;
- Que até à elaboração do projeto de Relatório sempre foi mencionada a ordem de serviço n.º 16990 de 02/03/2003;
- É indicado sempre o mesmo inspetor e o mesmo chefe de equipa.

Afigura-se-nos claro que a menção da ordem de serviço n.º 16762, de 25/11/2002, em vez da ordem de serviço n.º 16990, de 02/03/2003, se trata de manifesto lapso revelado no contexto da declaração, nas circunstâncias em que é feita e logo na primeira vez que ocorreu.

Como se refere no acórdão do STA, de 1/05/2020, recurso n.º 015/19.5BALSB, consultável em www.dgsi.pt, “[o] princípio contido no art. 249º do Cód. Civil, de retificação de lapso manifesto, é aplicável a todos os atos processuais e das partes e segundo o mesmo o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à sua retificação.
O erro é uma falsa representação da realidade mas para os efeitos deste preceito apenas releva o chamado erro de escrita em que ocorre uma divergência entre o que se quer e o que se diz.
E, esse erro, face ao referido preceito é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração quando ao ler-se o texto logo se percebe que o interessado queria dizer outra coisa e que coisa é essa, isto é, quando o mesmo for ostensivo.
Os lapsos materiais cometidos que a lei permite corrigir devem, assim, resultar do teor da própria peça processual e não se confunde com o erro de obstáculo ou na declaração.
Se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo.”

Importa enfatizar o que se refere no projeto de Relatório de Inspeção Tributária e que acima se deu nota:
“A - Credencial e Período em Decorreu a Ação:
- Ordem de Serviço nº 16762 de 25/11/2002.
Período que decorreu a ação: de 14 de janeiro de 2003 e de 24 de fevereiro a 25 de março de 2003 (sendo afetados a esta ação 12 mais 19 num total de 31 dias);
B - Motivo, âmbito e incidência temporal
Esta ação teve origem em Ordem de Serviço emitida em 3 de janeiro de 2003 por despacho da Direção de Finanças de Braga”.

Resulta do texto que não pode estar em causa a ordem de serviço n.º 16762, de 25/11/2002, quando a seguir se refere que a ação inspetiva teve origem na ordem de serviço emitida em 3 de janeiro de 2003.

Claramente se conclui, considerando todas as comunicações efetuadas à Recorrente no âmbito do procedimento inspetivo tributário, que apenas poderá estar em causa a ordem de serviço n.º 16990, que se encontra mencionada em todos os documentos relativos ao procedimento inspetivo, até que, por lapso manifesto, no projeto de relatório de inspeção surgiu mencionada a ordem de serviço n.º 16762, completamente descontextualizada.

O artigo 249.º do CC, consagra um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
O erro em causa é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita. Está-se no âmbito de um procedimento tributário de inspeção onde a Impugnante foi notificada do início e do termo da ação inspetiva, recebeu a correspondente carta aviso, tomou conhecimento de que os Serviços de Inspeção estavam a atuar a coberto da ordem de serviço n.º 16990, só por manifesto lapso pode ter sido mencionada a ordem de serviço n.º 16762, lapso esse que se torna evidente no contexto em que a declaração e efetuada, o que é corroborado com a afirmação da Recorrente de que nunca foi notificada desta ordem de serviço e também, quando refere “Aliás é notória a contradição entre as datas apostas no RIT (doc. n.º 4/5) onde se refere que a credencial é a ordem de serviço n.º 16762 de 25/11/2002 e depois diz-se que a ação teve origem em ordem de serviço emitida em 3 de janeiro de 2003, que, em face do doc. n.º 2 se verifica ser a ordem de serviço n.º 16990 (cujo âmbito era só de consulta)”.

Assim, porque o erro se encontra revelado no contexto da declaração e as circunstâncias em que foi efetuada, apenas dá direito à retificação desta.
Termos em que a sentença recorrida não padece do erro que lhe vem imputado quanto a esta questão, pelo que com a presente fundamentação se mantém na ordem jurídica, improcedendo as conclusões invocadas a este título.
*
2.2.3. Afirma a Recorrente que “a ordem de serviço n.º 16990 apenas credenciava o inspetor tributário para consultar elementos da contabilidade. (…) Verifica-se a preterição de formalidade essencial por falta de credenciação do funcionário que efetuou a inspeção (ordem de serviço 16762 de 25/11/2002, não notificada à impugnante e a invocada no RIT - ordem de serviço 16990 de 03/01/2003, o seu âmbito era apenas de consulta - facto dado como provado n.º 4.”
Refere-se no citado ponto 4:
“4. A ordem de Serviço nº 16 990, datada de 02.01.2003, e notificada em 14.01.2003 à impugnante, consta os anos de 1999, 2000 e 2001 e ainda P. Col - diversas (determ. despacho DF (fls. 45 dos autos);”

Não se compreende o raciocínio da Recorrente, pois em lado algum do ponto 4 da matéria de facto assente se refere a que a ordem de serviço 16990 apenas credenciava o inspetor tributário para consultar elementos da contabilidade.

Quanto a esta questão prevê o artigo 46.º, n.º 4.º, alínea a), do RCPIT:
4- Não será emitida ordem de serviço quando as ações de inspeção tenham por objetivo:
a) A consulta, recolha e cruzamento de elementos; (…)

Nestes termos, não admite a lei a emissão de ordens de serviço quando as inspeções se destinem à consulta recolha e cruzamento de elementos.

Assim, não se pode concordar com o afirmado.
*
Mais refere a Recorrente que a “entender-se ocorrer falta de credenciação do inspetor tributário, o sancionamento do relatório de inspeção pelo Sr. Técnico Economista Assessor Principal não regulariza a falta, porque não se trata de mera irregularidade formal em face do estipulado no artigo 46º do RCPIT”.

Ora, sucede, como acima referimos, a menção da ordem de serviço n.º 16762, de 25/11/2002, no projeto de relatório, no relatório e documentos que posteriormente foram emitidos, se deveu a lapso manifesto, nos termos referidos e que a credenciação do inspetor tributário foi efetuada pela ordem de serviço n.º 16990, que ao contrário do invocado não se destinava apenas a consulta, recolha e cruzamento de elementos.
Estando o inspetor tributário credenciado pela ordem de serviço n.º 16990, não ocorrem as invocadas nulidades por falta de credenciação e por usurpação de poder.

*
2.2.3. Alega a Recorrente que “não estão reunidos os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos porque as irregularidades encontradas (três negócios) eram suscetíveis de ser corrigidos por correções aritméticas; (…) Também não foi demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria coletável; (…) A existirem irregularidades, estas só são fundamentos da aplicação dos métodos indiretos após o decurso do prazo de regularização a conceder pela Administração Fiscal (n.º 2 do artigo 52º do CIRC)”.

A sentença recorrida considerou que as irregularidades verificadas na contabilidade da Recorrente, são suficientes para afastar a presunção estabelecida no artigo 75.º da LGT e proceder à aplicação dos métodos indiretos os quais se encontram devidamente fundamentados. Julgou verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos.

Vejamos:
O recurso à avaliação indireta funciona como última ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. Com efeito, dispõe o art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “… [a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, ou seja, prevê que a tributação das empresas se faça pelos rendimentos efetivos. Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.

A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/10/2009, recurso n.º 0422/09, consultável em www.dgsi.pt, “são excecionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indireta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objeto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”.

Por facilidade, socorrer-nos-emos do acórdão deste Tribunal, de 26/04/2018, recurso n.º 01234/07.2BEVIS, consultável em www.dgsi.pt, para efetuar o enquadramento prévio:
“De acordo com o ínsito no artigo 81.º, n.º 1 da LGT, o recurso a métodos indiretos é excecional, sendo sempre subsidiária da avaliação direta, de acordo com o artigo 85.º, também da LGT.
Daí também que o legislador tenha estabelecido uma acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa que determine o recurso a esse método de avaliação (cfr. artigo 77.º, n.º 4 da LGT).
Em suma, o recurso a presunções ou métodos indiretos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar diretamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objetivar as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através dos denominados métodos indiretos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respetivos pressupostos legais.
Por outro lado, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT). – cfr., nestes precisos termos, o Acórdão deste TCAN, de 27/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 255/05.4 BEBRG.
Da leitura dos artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indiretos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria coletável de modo direto e exato, nomeadamente através de correções meramente aritméticas.
Dito por outras palavras, a Fazenda Pública, para além de demonstrar, fundamentando, a necessidade de determinação pelos métodos indiretos da matéria tributável, ao nível dos seus pressupostos, tem ainda que fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável.
Cabe, assim, à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como lhe cabe o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiretos de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros adequados à situação. Por isso, a Administração Tributária tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Não conseguindo fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.
Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Esta é, pois, a solução que corresponde à regra geral contida no artigo 342.º do Código Civil, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. [veja-se, por todos, nestes precisos termos, o Acórdão deste TCAN de 23/02/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00437/04]
Importará, por fim, sublinhar que o direito à fundamentação, e o correspetivo dever por parte da Administração decorre do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa: “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Por sua vez, também nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório de fiscalização tributária”. E, especificamente, quanto à tributação por métodos indiciários, o n.º 4 do mesmo artigo 77.º, referia que “A decisão da tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável (…) e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.

Como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o regime jurídico da fundamentação dos atos administrativos visa, entre outros objetivos que ora não importa considerar (referimo-nos às finalidades endógenas, que visam garantir que os agentes ponderaram de forma cuidada toda a problemática envolvente, incluindo as próprias definições legais), o do perfeito esclarecimento dos administrados sobre o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, dando-lhes a saber quais os motivos, as razões por que se pratica um ato, em ordem a permitir-lhes optar entre a aceitação da sua legalidade ou a reação graciosa ou contenciosa contra o mesmo. Assim, para aferir do cumprimento do dever de fundamentação, costuma usar-se um critério prático, que consiste em saber se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo externado como fundamentação do ato em causa, fica em condições de conhecer o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, de modo a, em consciência, poder optar entre a aceitação do ato e a sua impugnação.

Importa não esquecer que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da Administração Tributária e a do contribuinte. (Veja-se, entre outros, nestes precisos termos, o Acórdão do STA, de 19/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0407/12)”.

No caso sub judice a Recorrente não refuta a existência de anomalias e incorreções na sua contabilidade, mas refere que tais anomalias ou incorreções não inviabilizam o apuramento da matéria tributável.
Esclarece que as irregularidades elencadas na decisão recorrida resumem-se a três negócios.

Entende a impugnante que tais irregularidades seriam perfeitamente sanáveis perante a administração tributária sem o recurso à aplicação dos métodos indiretos.

Ora, no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), no ponto “IV – Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos”, tal como vem referido na sentença recorrida e resulta da factualidade assente, vem indicada uma extensa lista de irregularidades e a constatação de que a contabilidade não reflete a realidade.

Para além dos apontados três casos analisados na sentença recorrida existem outras situações em que se verificam irregularidades que também fundamentaram o recurso a métodos indiretos (v.g. rubrica de subcontratos vem sobrevaloriza, indícios de fraude).

Porém, como a Recorrente coloca o enfoque da sua argumentação nos três casos analisados na sentença recorrida para concluir que não está demonstrada a impossibilidade de apurar comprovadamente a matéria tributável sujeita a IRC, vamos revisitar criticamente a análise efetuada.

A AT, no âmbito da análise dos fluxos monetários, desencadeou um processo de investigação de modo a saber se os valores constantes das escrituras correspondem aos efetivamente praticados.
“Solicitados os contratos-promessa de compra e venda estes foram negados quer pelo sujeito passivo, quer pela maioria dos seus clientes.
O relatório caracteriza toda a atividade do sujeito passivo, centrando a análise nos contratos-promessa que conseguiu obter, uma vez que dois dos clientes apresentaram os respetivos contratos e nos valores constantes das escrituras das diversas lojas. Da análise dos contratos-promessa, bem como do valor constante das escrituras de vendas negociadas na mesma data e escrituradas em períodos diferentes, verifica-se que o valor constante das escrituras não corresponde ao preço efetivo de venda.
Da lista dos pioneiros, adquirentes das lojas que estão no processo, verifica-se a existência de três negócios, lojas 28, 116 e 114, que foram escrituradas pelo valor de 10.000.000$00, cada, isto é, um valor 100% mais elevado que o valor da maioria das escrituras celebradas em 2001.
O comprador da loja 116 exibiu o contrato-promessa de compra e venda, recibos dos adiantamentos efetuados. O preço acordado no contrato de compra e venda é de 9.750.000$00, tendo a escritura sido celebrada pelo valor de 10.000.000$00.
O comprador da loja 28, exibiu o contrato-promessa de compra e venda no valor de 10.000.000$00, recibos dos adiantamentos, confirmando o valor de escritura de 10.000.000$00.
A loja 144, foi escriturada por 10.000.000$00 través de leasing imobiliário.
O comprador da loja 125 (loja 99 do projeto inicial), não forneceu qualquer dos elementos solicitados, contrato-promessa de compra e venda e recibos de adiantamentos, e que confrontado por um contrato-promessa de compra e venda por si assinado, no qual constava o preço de 10.000.000$00, reconheceu ser por si assinado, não obstante a escritura ter sido celebrado por 5.000.000$00.
Os factos descritos provam que os contratos de promessa de compra e venda refletem o valor do preço efetivo de vendas enquanto as escrituras eram celebradas por valores inferiores.”

Considerou, depois, a sentença recorrida que as irregularidades verificadas na contabilidade da sociedade impugnante, eram suficientes para afastar a presunção estabelecida no artigo 75.º da LGT e proceder à aplicação dos métodos indiretos os quais se encontra devidamente fundamentado.
E concluiu que estavam verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos.

Como acima se referiu, perante a aplicação de métodos indiretos caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

A Recorrente não adianta quaisquer factos, situações ou argumentos que refutando a posição assumida na sentença recorrida pudessem fundamentar o recurso a outro método, nomeadamente o recurso a correções ariméticas.

Termos em que improcedem as conclusões a este título formuladas.

*
2.2.4. Refere a Recorrente nas conclusões 9.ª e 10.ª que a “existirem irregularidades, estas só são fundamentos da aplicação dos métodos indiretos após o decurso do prazo de regularização a conceder pela Administração Fiscal (n.º 2 do artigo 52º do CIRC); (…) Não consta dos autos que tivesse sido concedido à impugnante esse prazo”.

Ora, resulta do n.º 2 do artigo 52.º do CIRC que “[o] atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como a sua não exibição imediata, a que se refere o artigo 88.º da lei geral tributária, só dá lugar à aplicação de métodos indiretos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida a obrigação.

A este propósito refere-se no acórdão deste Tribunal de 14/07/2016, recurso n.º 00548/10.9BECBR, consultável em www.dgsi.pt:
“[A] adição, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, da atual alínea d) ao artigo 88.º da LGT veio introduzir a possibilidade de recorrer a indícios fundados de que as declarações, contabilidade ou escrita não refletem o conhecimento da matéria tributável real para legitimar o recurso à tributação indireta sem necessidade de confirmar a falta de colaboração do contribuinte. A qual passará a deduzir-se de outros factos externos que manifestem ou patenteiem uma capacidade contributiva superior à declarada. Poderá aqui falar-se de uma falta de colaboração presumida, no sentido de que é ela própria extraída indiretamente desses indicadores externos, que não derivam da mera análise dos elementos declarativos, avaliativos ou organizativos em que se concretiza esse dever de colaboração.
Na situação concreta, poderão, de acordo com esta alínea d), levar à presunção de falta de colaboração, os factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva superior à declarada.
Aqui temos um pressuposto de avaliação indireta que funciona como uma cláusula geral destinada a – aqui parafraseando JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, na sua obra «IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos», pág. 369 – «transformar em rendimento tributável acréscimos patrimoniais inominados e não declarados pelo sujeito passivo».”

No caso sub judice, as anomalias verificadas não se prendem com o atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como com a sua não exibição imediata, nem resulta do RIT que se possa extrair uma imputação à Impugnante / Recorrente a título de negligência.

Considerando apenas a situação de não terem sido desenvolvidos esforços no sentido da obtenção dos contratos-promessa de compra e venda, nomeadamente juntos dos promitentes-compradores, consubstancia-se clara situação de intenção de não colaboração.

Assim, não há que cumprir a formalidade legal de notificação prévia para ser eficaz o recurso a métodos indiretos, considerando não estava em causa o atraso na execução dos livros e registos contabilísticos ou a sua não exibição imediata.

Improcedem assim as conclusões invocadas a este título.

*
2.2.5. Na conclusão “11.” das alegações de recurso refere a Recorrente que “[v]erificou-se a errónea quantificação do rendimento sujeito a imposto porque no seu apuramento foi aplicada uma margem média de lucro do distrito de Braga, o qual foi fixado em 6,48%, resultando um lucro tributável de € 86.679,40, quando deveria ter sido aplicada a margem média de lucro bruto do distrito de Aveiro (os imóveis construídos e transacionados situavam-se em Albergaria-a-Velha)”.

Saber se deve ser aplicada a margem média de lucro do distrito de Braga ou a de Aveiro na quantificação do rendimento sujeito a imposto é questão que não foi invocada na petição inicial e que, por isso, não foi objeto de análise na sentença recorrida.

Estamos, assim, perante questão que não foi invocada no articulado inicial, pelo que não poderiam ser objeto de conhecimento pelo Tribunal “a quo”, surgindo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não é matéria de conhecimento oficioso.

A este propósito pode ler-se nos douto acórdão do STA, de 23/10/2019, recurso 0179/19.3BRPNF, consultável texto integral em WWW.dgsi.pt :
«É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895), que não o modelo de reexame, o qual permite a repetição da instância no Tribunal de recurso. Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes dos Tribunais Superiores, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac. S.T.J., 25/02/1993, proc.83552; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/01/1992, rec.13331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/05/2013, rec.552/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1409/16; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.109 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P. Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.45). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras exceções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P. Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g. exceções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P. Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g. prescrição e duplicação de coleta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário).»

Concluindo, a Recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões de recurso em análise excede o objeto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.

*
2.2.6. Na conclusão 12. Alega a Recorrente que a “margem de 6,48% é respeitante ao ano de 2000, quando o exercício em causa é de 2001”.
Esta questão coloca-se ao nível dos “critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos”.

Como se refere no acórdão do STA, de 19/11/2014, recurso n.º 0407/12, consultável em www.dgsi.pt, “[o] critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam”.
No caso, refere-se no capítulo V do RIT, pág. 21, que “[r]ealizada consulta à base de dados central da DGCI, que recolhe e sintetiza os elementos declarados de todos os sujeitos passivos, a nível nacional, que apresentem declarações, tem-se o seguinte (estamos a utilizar medidas estatísticas no exercício de 2001, calculadas pela DGCI para o exercício de 2000, por não estarem disponíveis as de 2001) …”.

Pese embora a Recorrente não concorde com a utilização no exercício de 2001 dos dados estatísticos de 2000, por um lado, a AT justifica de modo racional tal utilização e, por outro, não vem invocado que se mostre inadequado ou ostensivamente inadmissível tal utilização.

*
2.2.7. Nas conclusões 13. e 14. alega a Recorrente que “apurou uma margem de lucro global de 7,25% superior aos 5,26% tidos como normais pela Administração Tributária; (…) A matéria tributável para o exercício de 2001 deveria então ser de € 892.043,52 e não de € 86.679,40”.

Questiona a Recorrente a errónea quantificação dos rendimentos que a sentença recorrida analisou nos seguintes termos:
“A impugnante arrolou a inquirição de uma testemunha, o técnico que procedeu à inspeção, tendo vindo a prescindir da referida prova.
Não produziu qualquer outra prova relevante que abalasse o teor do Relatório.
A impugnante não forneceu os contratos-promessa que contrariasse os valores apurados pela Inspeção.
A impugnante limitou a alegar e lançar dúvida sobre a quantificação existente.
Assim a prova produzida pela impugnante não foi suficiente para comprovar que a quantificação é excessiva.
Nos termos do nº 3 do art. 74º da LGT (…) o ónus de demonstração de erro ou manifesto exagero de quantificação recaí sobre a impugnante à qual caberá demonstrar de forma objetiva o excesso da respetiva quantificação, não sendo suficiente gerar duvida razoável relativamente à quantificação”.
Como se refere no acórdão do TCAS, de 15/11/2005, recurso n.º 07318/02, consultável em www.dgsi.pt “[t]endo a AT recorrido a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso àqueles métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação. (…)
Nesse caso, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados”.

Efetivamente à Recorrente não basta lançar dúvida razoável impõe-se que faça prova positiva do erro ou manifesto excesso da matéria tributável quantificada.

Nos casos analisados, quer pelo RIT, quer pela sentença recorrida ficou patente a divergência de valores constantes dos contratos-promessa e os valores constantes dos contratos definitivos de compra e venda das lojas.
Sucede que os contratos-promessa não foram apresentados nem foi demonstrado que a Recorrente tenha efetuado quaisquer diligências (nomeadamente junto dos adquirentes das lojas) no sentido de obter esses contratos.

Embora não se compreenda a argumentação da Recorrente –– que apurou uma margem de lucro global de 7,25% superior aos 5,26% tidos como normais pela Administração Tributária –– sempre se dirá que o invocado coloca em dúvida a quantificação efetuada, mas não cumpre o ónus imposto pelo n.º 3 do artigo 74.º da LGT que exige que se faça prova positiva do erro ou manifesto excesso da matéria tributável quantificada.
Termos em que improcedem todas as conclusões do presente recurso.

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Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:


I - Não é nula por omissão de pronúncia a sentença que deixou de conhecer de questão suscitada –– caducidade do direito à liquidação –– por na sequência da rejeição do quadro argumentativo invocado –– de que o início da inspeção ocorreu com a ordem de serviço 16.762, datada de 25/11/2002 e notificada a impugnante da liquidação em 07/01/2004, estaria caducado o direito a liquidar o referido imposto.

II - O princípio contido no artigo 249.º do Código Civil, de retificação de lapso manifesto, é aplicável a todos os atos processuais e das partes e segundo o mesmo o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à sua retificação.

III - No âmbito do procedimento de inspeção tributária, a simples consulta, recolha e cruzamento de elementos, não pode constituir objeto das ordens de serviço [artigo 46.º, n.º 4.º, alínea a), do RCPIT].

IV - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

V – O convite a que se refere o artigo 52.º, n.º 2, do CIRC, pressupõe que as anomalias verificadas se prendem com o atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como com a sua não exibição imediata e que se possa extrair uma imputação à Impugnante a título de negligência.

VI – Sendo os recursos jurisdicionais meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não se pode por isso neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão objeto do recurso, salvo quando se trate de questões novas que sejam de conhecimento oficioso.

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4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso e conformar a sentença recorrida.

*
Custas a cargo da Recorrente.
*
Porto, 23 de junho de 2021.

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Margarida Reis (em substituição)