Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00111/17.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
ILICITUDE – AQUISIÇÃO SERVIÇOS ALOJAMENTO PENSÃO COMPLETA
Sumário:1. Verificando-se que a empresa a quem foi adjudicada a prestação de serviços não deveria ter sido excluída, por se entender que a sua proposta foi apresentada em conformidade com as cláusulas definidas nas peças procedimentais – programa de concurso e caderno de encargos -, impõe-se concluir que não estamos em presença de qualquer actuação ilegal/ilícita.
2. Não se mostrando provada qualquer ilicitude no procedimento de aquisição de serviços de alojamento em pensão completa – seniores – por ajuste directo, nem se provando sequer quaisquer danos, terá de improceder a acção de responsabilidade civil extra contratual.
Recorrente:M..., L. da
Recorrido 1:MUNICÍPIO de FAFE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I. RELATÓRIO
1. “M..., L. da”, com sede na Praça ..., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 29 de Março de 2022, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa instaurada contra o MUNICÍPIO de FAFE, na qual pedia a condenação deste no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 20.290,00.
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2. Nas suas Alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
2. Pois entendeu o Tribunal “a quo” que não foi praticado qualquer ato ilegal, pelo que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que se trata de requisitos de verificação cumulativa obrigatória.
3. Porém, entende a apelante que tal decisão não está correta, tendo o tribunal incorrido em erro de julgamento e ainda em errada aplicação do direito.
4. Contrariamente ao decidido, a prova documental nos autos é suficiente a demonstrar os prejuízos sofridos pela apelante ao não lhe ter sido adjudicado o serviço.
5. Com efeito, neste contexto, se mais não fosse, conforme resulta da prova documental junta aos autos, designadamente dos documentos n.ºs 5 a 7 da petição inicial, o custo que a apelante teria de pagar da prestação do serviço a adjudicar seria de €82.487,96.
6. Por sua vez, se o contrato fosse adjudicado, o valor a pagar pela entidade adjudicante seria de €101.910,00, pelo que, a margem de ganho imediato da apelante, descontado o IVA por aquela a suportar de 23%, era de €15.790,28.
7. A que acresce a preparação do concurso e a sua participação através da plataforma eletrónica, no qual a apelante despendeu €1.000,00 e o custo da assessoria jurídica no concurso e no contencioso que ascende a €3.500,00.
8. Em suma, de todo o alegado deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
- Pontos c), d), e), f) dos factos não provados deverão considerar-se “Provados”.
9. Como resulta dos autos, face ao peticionado pela Autora aqui apelante, a questão a resolver no presente processo resumia-se a saber se a decisão de adjudicação do concurso público relativo à “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 sénior)”, violou as condições constantes do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos.
10. E, em consequência, se existe responsabilidade da apelada pela adjudicação do contrato à proposta apresentada pela O..., Lda. e não à proposta apresentada pela apelante e, existindo, quais os danos patrimoniais sofridos pela mesma, nomeadamente lucros cessantes, o montante despendido com a participação no concurso e a respetiva assessoria jurídica.
11. Para que a apelada seja condenada a ressarcir a apelante de todos os prejuízos sofridos é necessário a observância dos seguintes requisitos cumulativos: a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
12. Contrariamente à apreciação pelo Tribunal “a quo”, o ato de adjudicação é nulo, por violação de lei, porquanto a proposta apresentada pela empresa O..., Lda., adjudicatária, não preenchia os requisitos previstos no programa e no caderno de encargos, como se passa a demonstra, conforme infra melhor se alegará.
13. Ao abrigo no disposto no artigo 74.º do CCP, na versão em vigor à data do procedimento concursal, a adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante ou do mais baixo preço (n.º 1), sendo que só pode ser adotado o critério de adjudicação do mais baixo preço “quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspetos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objeto daquele.” (n.º 2).
14. No presente caso, o preço é o único elemento do contrato submetido à concorrência, sendo, assim, o único atributo das propostas, uma vez que “atributo da proposta” para efeitos do 56.º n.º 2 do CCP é “qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”.
15. Assim, o critério de adjudicação do mais baixo preço significa que, nada mais sendo levado à concorrência que não seja o preço, todos os demais fatores relacionados com a execução do contrato inserem-se no domínio dos termos ou condições regulados no caderno de encargos. – Cft. teor do Acórdão do TCA Sul, de 26-02-2015, Processo n.º 11864/15.
16. No que refere ao preço, enquanto único atributo, dispõe o Programa do Procedimento no ponto 9.3.1 que, sob pena de exclusão, as propostas deviam especificar obrigatoriamente o atributo preço total (incluindo a lista de preços unitários constante do articulado questionário submetido na plataforma eletrónica).
17. O elemento em falta é precisamente o preço unitário para o guia de acompanhamento que vai concorrer para a formação do preço final apresentado por cada um dos concorrentes (atributo submetido à concorrência).
18. Assim, o incumprimento pela proposta da concorrente O..., Lda. do determinado no ponto 9.3.1 do programa do concurso, concretamente da lista de preços unitários constantes do articulado, determinaria a exclusão da sua proposta, o que não sucedeu.
19. A proposta da referida concorrente viola ainda o disposto no ponto 10 do programa do concurso, que dispõe que “Não é admitida a apresentação pelos concorrentes de propostas variantes”.
20. Está, assim, em causa apurar se a proposta apresentada ao propor a “revisão do preço final de grupo consoante a variação dos elementos indicados (tarifas 18 e impostos, custo do combustível, entre outros)”, constitui ou não uma proposta variante não admitida pelas peças concursais.
21. Nos termos do artigo 59.º do CCP, são variantes as propostas que, relativamente a um ou mais aspetos da execução do contrato a celebrar, contenham atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas nos termos expressamente admitidos pelo caderno de encargos.
22. Com efeito, é notório que a proposta da concorrente O..., Lda., apresentando elementos de variação e revisão do preço final, através do orçamento apresentado, afeta o preço proposto, o que constitui uma proposta variante.
23. Deveria, pois, ter sido excluída por violação do disposto no ponto 10 do programa do concurso.
24. Por sua vez, quanto à forma de pagamento, a proposta apresentada pela concorrente O..., Lda., dispõem o seguinte:
“É norma da agência C... que todos os grupos efetuem pré-pagamento antes da saída dos clientes, assim como o depósito de 30% como garantia de lugares no momento de formalizar a reversa do grupo.”
“21 dias antes da partida um segundo depósito de 40%.”
“7 dias antes da partida os 30% restantes”.
25. Tais condições de pagamento apresentadas alteram as condições estipuladas no caderno de encargos, nomeadamente a cláusula 8.º do mesmo.
26. Sendo que, na fase da análise das propostas, constituí fundamento da exclusão da proposta a indicação de termos e condições que violem aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, nos termos do art.º 70.º n.º 2, b), do CCP.
27. Quanto a esta questão das condições de pagamento, veja-se o que decidiu o Acórdão do TCA Sul, de 20-05-2021, Processo n.º 167/20.....
28. Com efeito, verifica-se no confronto entre o estabelecido nas peças do procedimento e o mencionado na proposta, que a concorrente O..., Lda. apresenta um plano de pagamentos em inobservância do disposto na Cláusula 8.ª do caderno de encargos.
29. Sendo que, todas as ilegalidades da proposta apresentada pela empresa O..., Lda. foram referidas na pronúncia da apelante ao relatório preliminar
30. Porém, nenhuma das reclamações apresentadas pela apelante mereceu crítica fundamentada por parte do apelado, entidade adjudicante.
31. O que resultou na decisão de adjudicação do serviço objeto do concurso público à concorrente O..., Lda., pelo preço de €97.524,00.
32. Da decisão de adjudicação a apelante apresentou reclamação para o Presidente do Município adjudicante, não tendo logrado obter qualquer proposta.
33. Face ao exposto, não admitindo o programa do concurso a apresentação de propostas variantes, bem como de propostas que envolvessem a alteração de condições imperativas do Caderno de Encargos, tal proposta deveria ser excluída, nos termos do disposto nos artigos 70.º n.º 2 b) e 146º, n.º 2, al. f) e o) do CCP.
34. Estamos na presença de um ato violador das regras concursais e, por isso, ilegal, o que resulta na violação ilícita, por parte do apelado, entidade adjudicante, do dever de excluir a proposta da concorrente O..., Lda.
35. Pelo exposto, mostram-se verificados os primeiros requisitos da responsabilidade civil extracontratual do apelado.
36. Firmado o juízo de ilegalidade do ato de adjudicação, impõe-se saber se o apelante, em concreto, podia e devia agir de forma diferente.
37. Ora, in casu, é evidente que a adjudicação da proposta da apelante só não ocorreu por culpa exclusiva do apelado, que deveria ter excluído a proposta da empresa O..., Lda., pelo que também se verifica o requisito da culpa.
38. Face ao supra exposto, a apelante seria efetivamente a adjudicatária, pois com a exclusão da proposta vencedora do concurso público seria a proposta da apelante adjudicada.
39. Conforme resulta da prova documental junta aos autos, designadamente dos documentos n.ºs 5 a 7 da petição inicial, o custo que a apelante teria para prestar o serviço a adjudicar seria de €82.487,96.
40. Por sua vez, se o contrato fosse adjudicado, o valor a pagar pela entidade adjudicante seria de €101.910,00.
41. Pelo que, a margem de ganho imediato da apelante, descontado o IVA por aquela a suportar de 23%, era de €15.790,28.
42. A que acresce a preparação do concurso e a sua participação através da plataforma eletrónica, no qual a apelante despendeu cerca de €1.000,00.
43. Sem prescindir da assessoria jurídica no concurso e no presente contencioso que ascende a €3.500,00.
44. Assim, sendo impossível reconstituir a situação jurídica que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, por o contrato ter sido, entretanto, executado pelo concorrente que apresentou a proposta vencedora, à apelante deve ser atribuída a respetiva indemnização.
45. Face ao exposto, verifica-se com exatidão o valor do respetivo prejuízo, pois o facto de não ter prestado o serviço provocou à apelante um dano global de €20.290,00.
46. Sucede quando a ação ou omissão em causa seja suscetível de se mostrar, à face da experiência comum, como adequada à produção do dano, havendo fortes probabilidades de o originar, devendo os danos apresentar-se como uma consequência normal, típica e provável do facto ilícito.
47. No caso concreto, pelo facto de não lhe ser o serviço adjudicado, que teria sido não fosse a prática do ato ilegal, a apelante teria um lucro imediato com a prestação dos serviços, pelo que também este requisito está verificado o nexo de causalidade.
48. Encontram-se preenchidos, por isso, os requisitos da responsabilidade civil, devendo a ação ser julgada totalmente procedente.
49. Ao não decidir nos termos alegados o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 70.º n.º 2 b) e 146º, n.º 2, al. f) e o) do CCP, art.ºs 7.º e 10.º da Lei 67/2007, e 483.º do CC”.
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3. O Recorrido, MUNICÍPIO DE FAFE, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
I – A douta sentença recorrida, está bem fundamentada, quer de facto, quer de direito, sendo assim, formal e materialmente, uma sentença justa.
II – Cujo teor, a que se adere, por si só, infirmará os fundamentos do recurso, já analisados e decididos pelo Tribunal recorrido”.
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4. A Digna Magistrada do M.º P.º neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
1. 1 - São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1) A Autora é uma sociedade por quotas que se dedica à comercialização de viagens de turismo e profissionais, bem como à promoção e comercialização de produtos turísticos.
2) O Réu, Município de Fafe, promoveu o procedimento de contratação com o nº 36/ABS/2016 para a “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 Seniores)”, com o preço base de €103.200,00, sendo o critério de adjudicação o “mais baixo preço”;
3) Estabelece o ponto 9.3.1 do programa do concurso:
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]
4) O programa do concurso, definiu as seguintes condições: - Não é admitida a apresentação pelos concorrentes de propostas variantes; - Não são admitidas propostas com alterações de cláusulas do Caderno de Encargos - artº 10ºdo programa de procedimento.
5) O art.º 8º do Caderno de Encargos define, sob a epígrafe “Condições de Pagamento”, os termos em que o pagamento dos serviços contratados se processam: “As quantias devidas pela entidade adjudicante, nos termos da(s) cláusulas(s) anteriores, deve(m) ser paga(s) no prazo de 30 (trinta) dias após a receção pela mesma das respetivas faturas, nos termos do artº 36º do CIVA, as quais só podem ser emitias após o vencimento da obrigação respetiva e após a prestação do serviço, nos termos do artº 9º, nº 1, da LCPA, Lei n. 0 8/2012, de 21 de Fevereiro.”
6) A Autora, em 07-09-2016, apresentou a sua proposta, no valor de 101 910,00 a qual constitui o doc. Nº1 junto com a p.i.;
7) Foram ainda apresentadas propostas pelas empresas C..., L. da e O..., Lda.;
8) A Proposta da O..., Lda. tem o valor de 97 524,00 e com ela foi apresentado o documento seguinte:
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]
9) Em 08 de Setembro de 2016, foi elaborado o relatório preliminar, o qual aqui se considera integralmente reproduzido, tendo a concorrente C..., L. da sido excluída;
10) Foram admitidas as propostas da Autora e da O..., Lda.;
11) As propostas admitidas foram ordenadas nos seguintes termos: 1 – O..., Lda. – Valor da proposta: € 97 524,00; 2 – M..., L. da – Valor da Proposta € 101 910,00;
12) Após notificação do relatório preliminar, por não merecer a sua concordância, a Autora, em 20/9/2016 pronunciou-se sobre o mesmo bem assim como sobre a proposta da concorrente O..., Lda.cf. doc. 2 junto com a p.i.;
13) A Autora, entre o demais, expõe que a proposta da concorrente O..., Lda. não cumpre o disposto no ponto 9.3.1 do programa do concurso, uma vez que a proposta da referida concorrente não apresenta lista de preços unitários bem como não inclui nem refere, o preço unitário para o guia para acompanhamento durante toda a estadia como previsto no caderno de encargos, pelo que considerava que ocorria o incumprimento pela proposta da concorrente O..., Lda. do determinado no ponto 9.3.1 do programa do concurso, concretamente lista de preços unitários constante do articulado, o que determinaria a exclusão da sua proposta;
14) O Réu não deu razão à reclamação apresentada pela Autora, mantendo o teor e as conclusões do relatório preliminar e, portanto, a ordenação das propostas no relatório final que elaborou em 22/9/2016.
15) O Réu adjudicou, em 22/9/2016, à concorrente O..., Lda. a “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 Seniores)”;
16) Da decisão de adjudicação, a Autora apresentou em Reclamação em 3/10/2016 dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Fafe na qual conclui da seguinte forma: “Termos em que, solicita que sejam reconhecidas as ilegalidades enunciadas, as quais servem de fundamento para a presente reclamação e, consequentemente, seja anulado o relatório final do procedimento denominado “A - Aquisição de Serviço de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516seniores) – 36/ABS/2016”, após o que, deverá ser proferida decisão de exclusão da proposta “O..., Lda.” e decidida a adjudicação da prestação do serviço objecto do procedimento à reclamante por ser a única proponente com o cumprimento integral do programa e caderno de encargos”cfr. PA apenso;
17) O contrato para a “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 Seniores)” foi celebrado em 28 de Setembro de 2016 entre o Réu e a O..., Lda., tendo sido prestados integralmente os serviços contratados – cfr. fls. 65 e ss do processo físico.
18) As facturas respeitantes ao preço contratado foram emitidas com as referências FT..6/...6 e FT ...6/...7, respectivamente, com data de 28/11/2016 e 29/11/2016, com os valores líquidos de €28.917,00, relativos a 144 Seniores e 153 Seniores, no valor global de €56.133,00 – cfr. fls. 136 e 135 do processo instrutor;
19) Valor que foi pago – cfr. folhas 137 do processo instrutor;
20) Sendo emitida ainda a factura com a referência FT ...6/...2, com data de 30/11/2016, no valor de €22.680,00, relativa a 120 Seniores – cfr. folhas 138 e 139 do processo instrutor;
21) No total, foram pagos apenas €78.813,00, relativo a 417 Seniores, ao preço unitário de 189 euros, porque o número de Seniores foi inferior ao previsto no contrato - cfr. folhas 140 do processo instrutor.
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1. 2 - E foram considerados não provados os seguintes factos:
A) O Hotel da estadia constante da proposta apresentada pela empresa O..., Lda., nos períodos previstos no concurso público, estava em obras, não oferecendo por isso condições para a estadia.
B) A margem de ganho da A., descontado o IVA por aquela a suportar à taxa de 23%, era de € 15 790,28 (quinze mil setecentos e noventa euros e vinte e oito cêntimos).
C) Com a adjudicação procedimento de contratação com o nº 36/ABS/2016 para a “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 Seniores)” a Autora aumentava consideravelmente a sua faturação o que permitia à Autora obter outros rácios e percentagens de ganhos com as operadoras com quem trabalha.
D) Com a preparação do concurso e a sua participação através da plataforma informática a Autora despendeu cerca de € 1 000,00 (mil euros).
E) Em assessoria jurídica no concurso e no contencioso a. prevê despender cerca de € 3 500,00 (três mil e quinhentos euros).
F) A decisão de adjudicação tomada pelo R. à proponente O..., Lda. provocou à Autora o dano global de € 20 290.00 (vinte mil e duzentos e noventa euros).
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1. 3 - E, em sede de motivação, exarou-se na sentença, quanto aos factos dados como não provados:
“Quanto ao elenco dos factos não provados, os mesmos resultam da ausência total de prova – documental e testemunhal – dos factos enumerados nessa sede que sustente a posição assumida pela A. mas contraditada expressamente pelo R.”
2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as alegações de recurso – supra transcritas, nas respectivas conclusões - e, por outro, a sentença recorrida, na sua motivação fáctica e subsunção jurídica e dispositivo, as questões que cumpre decidir são as seguintes:
- 1matéria de facto --- factualidade não provada;
- 2 – existência de ilicitude no processo administrativo de concurso público, por ajuste directo, para aquisição de serviços de alojamento em pensão completa – ano de 2016 – 516 seniores, ao admitir, adjudicar, contratar e executar esses serviços à empresa co-concorrente “O..., Lda.”; e,
- 3 – verificação de todos os demais requisitos de responsabilidade civil, de modo a, em provimento do recurso e procedência da acção, condenar o R./Recorrido Município de Fafe a pagar à A./recorrente a quantia de 20.290,00€, acrescida de juros vincendos até seu efectivo e integral pagamento.
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Quanto à matéria de facto.
Nesta sede, a A./Recorrente, embora não questione a factualidade dada como provada, vem questionar a matéria dada como não provada, pretendendo, neste recurso, que a mesma seja aditada àquela que o TAF do Porto já deu como provada.
Se a decisão recorrida foi parca em motivação, nesta sede (factos não provados), ao dizer apenas que os factos dados como não provados resultam da ausência total de prova – documental e testemunhal – que sustentem a posição assumida pela A. mas contraditada expressamente pelo R., também a A./Recorrente não deixa de ser igualmente muito sintética, porventura demasiado, demonstrando a razoabilidade do seu pedido de alteração.
Efectivamente, sem chamar à colação a prova testemunhal produzida, limita-se a fazer referência à prova documental, concreta e objectivamente aos documentos ns. 5 a 7 juntos com a petição.
Ora, analisados estes documentos, à míngua de pormenorizada justificação por parte da recorrente – que se impunha – apenas verificamos que se refere a aspectos específicos, troca de e-mails com perguntas sem respostas, sem qualquer conexão alguns deles, descontextualizados e sem que evidenciem os proventos que obteria com a adjudicação do concurso … enfim … os danos que reclama.
Na verdade, por exemplo, quanto a seguro de acidentes pessoais Grupo apenas refere o período de 10 a 14/10/2016, quanto a 172 segurados (seniores), com idade máxima de 75 anos – os documentos do concurso, seja o Programa, seja o Caderno de Encargos em parte alguma refere a idade dos eventuais candidatos ao apoio social em questão – no valor de 328,56€, olvidando-se outros dois períodos (17 a 21/10 e 24 a 28/10) e mais seniores – num total de 516, sendo aquele o valor unicamente indicado e não, eventualmente esse valor multiplicado por 3 e ainda ademais o facto de não terem sido 516 os utentes do alojamento/viagem, mas apenas 417, sendo certo que, como se evidencia do caderno de Encargos do concurso em causa – Aquisição de serviço de alojamento em pensão completa – Ano de 2016 (516 Seniores) – Parte II, se refere, no seu final que a “presente prestação de serviço/valor pode variar em +30% ou -30%, em função do número de pessoas e escalão a atribuir no final da atividade” – cfr. fls. 24 do PA.
Ou seja, os documentos em causa não evidenciam minimamente os valores indicados na petição e reafirmados em sede recursiva para este TCA-N, em especial, a base documental para os valores referentes à alegada preparação do concurso – 1.000,00€ - assessoria jurídica – 3.500,00€ - que manifesta e objectivamente não são apresentados e referidos.
Concluindo, inexistem razões para, em sede de reapreciação da prova, alterar a factualidade provada, in casu, a dada como não provada, única questionada pela A./Recorrente.
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Pese embora a decisão acerca da factualidade provada e não provada importe, inexoravelmente, a improcedência da acção, por objectiva inverificação de danos, apreciemos a alegada ilegalidade do acto/ilicitude na admissão/selecção/adjudicação da co-concorrente “O..., Lda.”, sendo certo que a exclusão da terceira empresa concorrente C..., L. da não se mostra questionada.
A sentença recorrida justificou a licitude da admissão/adjudicação/contratação/execução da “Aquisição de serviço de alojamento em pensão completa – Ano de 2016 (516 Seniores)” nos seguintes termos:
“…A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).
O instituto da responsabilidade civil destina-se a forçar o responsável pela lesão ilegal, violadora dos direitos ou interesses legítimos de outrem, a reparar os danos causados e, dessa forma, evitar que o lesado fique prejudicado.
Assim sendo, haverá sempre que aferir da verificação dos respectivos pressupostos, desde logo, o facto ilícito, consubstanciado na ilegal adjudicação do procedimento de “Aquisição de serviço de alojamento em pensão completa – ano de 2016 (8516 seniores) – 36/ABS/2016” à concorrente O..., Lda.; o dano (lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Na verdade, se se concluir no sentido da prática ilegal de acto de adjudicação, importa determinar a reparação dos prejuízos causados à A. com a conduta da Administração, decorrente dessa prática.
A. peticionou diversos danos, a saber, i) as despesas relativas à preparação do concurso público e custos com o processo de contencioso contratual e, ii) os danos relativos aos benefícios que não obteve no concurso em causa, resultantes da adjudicação ilegal a outrem.
Note-se, todavia, que a medida do dano tem sido entendida de forma restritiva no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual, atribuindo-se indemnização pelo chamado interesse contratual negativo (ou dano de confiança). Quanto ao interesse contratual positivo (ou dano de incumprimento), só excepcionalmente, nos casos em que a conduta culposa da parte consistia na violação do “dever de conclusão” do negócio, se admite indemnização os prejuízos decorrentes do interesse contratual positivo (cfr. Margarida Cortez, “Responsabilidade Civil da Administração”, p.129; Pires de Lima /Antunes Varela, “Código Civil Anotado, vol.I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p.216).
Seja como for, a obrigação de indemnizar só existe, pois, se, face à matéria de facto relevante e provada, se concluir que oferece razão à Autora nas imputadas ilegalidades do acto de adjudicação.
Nestes casos deverá existir uma apreciação prévia sobre a ilegalidade do acto que foi posto em crise no processo.
Conforme decorre do probatório, a Autora ficou colocada logo a seguir à adjudicatária, aquando da proposta do acto de adjudicação, pelo que se a sua proposta tivesse que ter sido a escolhida como adjudicatária e não a proposta da O..., Lda. que, de acordo com a. devia ter sido excluída, então, estaríamos em presença de uma acto violador das regras concursais e por isso ilegal.
Como sabemos, a decisão de exclusão de propostas apresentadas, enquanto decisão num caso concreto e individual, é um ato administrativo, sujeito ao princípio da legalidade, o que significa que tal decisão tem de se basear em norma legal que indique a específica causa de exclusão, ou norma estabelecida com fundamento na lei que preveja que um determinado facto gera o efeito da exclusão da proposta.
As causas de exclusão contidas nos artigos 70.º n.º 2, 118.º n.º 2, 122.º n.º 2, 146.º n.º 2 e 152.º n.º 2, todos do CCP, indicam as causas legais de exclusão das propostas que resultam diretamente da lei.
Além das citadas, são causas de exclusão as que resultam das regras do procedimento, ou seja, que são estabelecidas expressamente pela Entidade Adjudicante no Programa do Concurso, desde que, deste resulte também claro que, aquando da violação das regras em causa, a cominação é a exclusão do procedimento. (cfr. Pedro Gonçalves in Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, 3.ª edição, Almedina, 2018 pág. 894 e ss).
Nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alínea c) do CCP, no concurso público as peças do procedimento de formação de contratos são o Anúncio, o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos. O Programa do Procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração (artigo 41.º do CCP) e o Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (artigo 42.º, n.º 1 do CCP).
Com relevância para o caso dos autos, importa chamar à colação as seguintes disposições legais:
“Artigo 57.º, n.º 1 do CCP - Documentos da proposta -
1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;
d) (Revogada.) (...)”
Art. 70.º n.º 1 e 2 do CCP, quanto à análise das propostas prevê:
“1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
d) Que o preço contratual seria superior ao preço base;
e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência. (...)”.
Do artigo 70.º, n.º 2 do CCP, por sua vez, decorre que são excluídas as propostas com irregularidades materiais, que atingem o conteúdo da proposta técnica e económica (atributos, condições ou termos da proposta), ou seja, quando a proposta não cumpre ou desrespeita exigências e limites constantes da lei ou das peças do procedimento de caráter material que balizam a formulação do conteúdo das propostas – ver Pedro Costa Gonçalves in Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, 3.ª edição, Almedina, 2018, p. 898 e ss.
Segundo o referido autor, “nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, são excluídas as propostas cuja análise revele que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º. Estabelece-se aqui a exclusão de propostas apresentadas sem um ou vários atributos que delas devam constar em função dos aspetos submetidos à concorrência pelo caderno de encargos. A falta de um atributo daria sempre lugar a exclusão por impossibilidade de avaliar, nos termos da alínea c). (...) A alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º determina a exclusão das propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º - na sequência da revisão do CCP de 2017, os preceitos a que se referem a ressalva devem ser corrigidos, pois estão em causa os n.ºs 10, 11 e 12 do artigo 49.º. (...) Há aqui mais um equívoco do legislador: o artigo 49.º reporta-se às especificações técnicas. Ora, as especificações técnicas definem o objeto do contrato, não as condições ou aspetos de execução do contrato. Compreende-se a ressalva porque, na verdade, a proposta que viole as especificações do caderno de encargos não pode ser excluída nos casos a que se referem os n.ºs 10, 11 e 12 do artigo 49.º. Mas este afastamento da exclusão não representa um desvio à regra de exclusão das propostas que violem aspetos da execução do contrato, pela simples razão de que as especificações técnicas são descrições do objeto (do que se quer comprar) e não da execução do contrato (de como se quer que o contrato seja executado)”.
Estabelece, por sua vez, o artigo 146.º sob a epígrafe “Relatório preliminar”:
“1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;
b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;
c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º;
e) Que não cumpram o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º;
f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;
g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base;
h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base;
i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º;
j) (Revogada.)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;
m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;
n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º. (...)”.
Voltando ao caso concreto, resulta do probatório que, no procedimento de contratação com o nº 36/ABS/2016 para a “Aquisição de Serviços de Alojamento em pensão completa – Ano 2016 (516 Seniores)”, com o preço base de €103.200,00 e sendo o critério de adjudicação o “mais baixo preço”, o Réu adjudicou o contrato à proposta apresentada pela O..., Lda. que apresentou o mais baixo preço.
De acordo com o programa de procedimento a proposta devia especificar o preço total e indicar o preço unitário, não sendo admitida a apresentação pelos concorrentes de propostas variantes. Acresce que, no que tange às condições de pagamento, estabeleceu-se que as quantias devidas seriam pagas no prazo de 30 dias após a receção pela mesma das respetivas faturas, as quais só podem ser emitias após o vencimento da obrigação respetiva e após a prestação do serviço – cf. artºs 9º, 10º do Programa de Procedimento e artº 8º do Caderno de Encargos.
No confronto entre o que foi exigido nas supra referidas normas procedimentais com a proposta adjudicatária apresentada no procedimento concursal, afigura-se que esta última deu resposta às exigências efectuadas, sendo claro qual o preço global (€ 97 524,00) e unitário (€189,00) proposto e que permitiu uma avaliação adequada aos termos exigidos bem assim como uma efectiva comparação entre propostas, pese embora em termos formais não corresponda ipsis verbis ao modelo patenteado, irregularidade que nunca determinaria a exclusão da proposta e que, a ocorrer configuraria medida desproporcionada e irrazoável, afectando o princípio da concorrência que é um instituto basilar da contratação pública e decorre de três princípios fundamentais: o da liberdade económica, o do livre acesso aos procedimentos pré-contratuais e o da igualdade de tratamento, impondo não só o acesso em igualdade de circunstância ao procedimento, mas também impõe o mais amplo acesso de todos os interessados em contratar ao respectivo procedimento pré-contratual.
No que concerne às condições de pagamento, é verdade que com a proposta adjudicatária, foi apresentado orçamento que contém um leque de observações/ formas de pagamento/ condições especiais de cancelamento, que não se adequam ao concreto procedimento concursal. Todavia, facilmente se percebe que se trata de condições que integram um modelo-tipo que a concorrente usa e que não adaptou ao procedimento concursal em causa, mas que nenhuma influência tiveram ao nível do efectivo respeito pelas condições previamente fixadas e aplicadas, no respeito, entre o mais, do princípio de igualdade.
Por essa razão, tal facto nunca constituiria razão para excluir a proposta apresentada, quando muito poderia ter motivado, se dúvidas permanecessem, um pedido de esclarecimentos ao abrigo do disposto no nº1 do artº 72º do CCP, de acordo com o qual, “o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas”.
Nesta medida, tudo visto e ponderado, não oferece qualquer razão à Autora nas suscitadas invalidades que imputa ao acto praticado pelo Réu no procedimento de “Aquisição de serviço de alojamento em pensão completa – ano de 2016 (8516 seniores) – 36/ABS/2016.
Decidindo-se, pois, que aquele concorrente a quem foi adjudicada a prestação de serviços, ao contrário do entendimento da A., não deveria ter sido excluído, por se entender que a sua proposta foi apresentada em conformidade com as cláusulas definidas nas peças procedimentais – programa de concurso e caderno de encargos -, então, impõe-se concluir que não estamos em presença de qualquer actuação ilegal/ilícita.
Aqui chegados, concluindo como se concluiu, isto é, que não foi praticado qualquer acto ilegal, então, fica prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, ou seja, a existência de danos que tenham resultado como consequência directa e necessária daquele, uma vez que se trata de requisitos de verificação cumulativa obrigatória.
Termos em que, se impõe julgar totalmente improcedente a pretensão formulada pela Autora traduzida na condenação do Réu a pagar-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos que calculou em €20 290,00”.
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Entendemos, analisados os documentos do concurso e as propostas apresentadas pelas duas concorrentes admitidas – a A./Recorrente e a adjudicatária “O..., Lda.” – bem como as normas legais aplicáveis transcritas na sentença recorrida - e daí a desnecessidade de repetições -, que a admissão da proposta da “O..., Lda.” não se mostra ilícita.
Efectivamente, fornece os elementos essenciais obrigatórios e decorrentes do Programa do Concurso e Caderno de Encargos, nomeadamente, o preço unitário por cada utente/sénior que beneficiaria do apoio social – ponto 9.3.1 do Programa do Concurso – no caso, o valor unitário por utente de 189,00€.
Naturalmente que se poderia questionar a parte referente às condições de pagamento, em que a empresa concorrente “vencedora” indica um leque de observações/formas de pagamento/condições especiais de cancelamento que, de todo, não se adequam ao procedimento concursal em causa.
Mas – como se refere, assertivamente, na sentença recorrida – trata-se de condições de um modelo tipo usualmente utilizados pelas agências de viagens, sem que a concorrente tenha tido o cuidado de o eliminar ou substituído pela objectiva forma de pagamento prevista no Programa do Concurso, que, afinal, não deixou de ser cumprida.
Ora, a evidência do lapso, sem que se ponha em causa o princípio da igualdade, da livre e sã concorrência, sem que importe a exclusão da proposta, a existirem dúvidas por parte do júri, as mesmas facilmente seriam dissipadas através de um pedido de esclarecimentos, nos termos previstos no n.º1 do art.º 72.º do CCP.
Não se ignorando as decisões judiciais, tais como as indicadas pela A./Recorrente nesta sede recursiva, é nosso entendimento que, no caso concreto, inexistem razões legais e objectivas que impusessem, em termos de proporcionalidade e razoabilidade e demais princípios que enforma a contratação pública, a exclusão da proposta apresentada pela “O..., Lda.” – art.º 146.º, n.º 2 do CCP -, sendo que o único critério de adjudicação era o “mais baixo preço”.
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Tudo visto e ponderado, importa apenas, em negação do provimento ao recurso, manter a sentença recorrida e assim a improcedência da acção, por via da inverificação da ilicitude e danos, requisitos cumulativos co-necessários para a fixação de uma indemnização, nos termos peticionados pela A./Recorrente.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique-se.
DN.
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Porto, 25 de Novembro de 2022
Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
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[1] Como supra se transcreveu.