Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02730/14.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTRATO DE FACTO; NULIDADE CONTRATUAL; LEI Nº 8/2012;
LEI DOS COMPROMISSOS DAS ENTIDADES PÚBLICAS; VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Sumário:1 – A nulidade de Contrato de Prestação de Serviços não implica a desresponsabilização da entidade pública.
Os Serviços prestados ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, entretanto declarado nulo, não autoriza a ilação de que o mesmo equivalha a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido, pelo que os serviços originariamente contratualizados, enquanto “Contrato de facto”, terão de ser remunerados.
Não se mostra aceitável que uma entidade pública possa beneficiar de uma qualquer prestação serviços, para depois não proceder ao correspondente pagamento, a pretexto da invalidade do contrato, da sua responsabilidade.
3 – Assim, em função do facto do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012 facultar ao Tribunal a possibilidade de sanar a nulidade contratual verificada, e ter sido prestado o serviço convencionado, é manifesto que ponderados os interesses em presença, sempre se mostraria desproporcionada e contrária ao princípio da boa-fé impedir que a Sociedade prestadora do serviço ficasse impedida de receber o correspondente pagamento, mormente sendo a nulidade contratual verificada imputável à entidade pública.
Com efeito, outra posição conduziria a uma vantagem abusiva e injustificada por parte da Freguesia, traduzindo-se ainda numa desproporcionada violação do princípio da boa-fé, como se a «relação contratual de facto», resultante da nulidade verificada, equivalesse a um nada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J... – Montagens de Stands, Feiras e Exposições, Lda
Recorrido 1:União das Freguesias de Grijó e Sermonde
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao Recurso em apreço e, consequentemente, ser confirmada in totum a douta sentença recorrida”
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A J... – Montagens de Stands, Feiras e Exposições, Lda, no âmbito da Ação Administrativa Comum, intentada contra a União das Freguesias de Grijó e Sermonde, tendente a que fosse atribuída a quantia de 10.246,39€, mais juros, correspondentes ao não pagamento de faturas relativas ao “contrato de prestação de serviços respeitantes ao aluguer, montagem e desmontagem de equipamentos para as Festas de Grijó/2013”, inconformada com a Sentença proferida em 9 e Setembro de 2015, através da qual a ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso da referida decisão, proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula a aqui Recorrente/J... nas suas alegações de recurso, apresentadas em 9 de Outubro de 2015, as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 105 a 108 Procº físico):
“a) A Meritíssima Juiz decidiu na Douta Sentença em apreço que, não tendo sido emitido qualquer número de compromisso válido, procedimento previsto na Lei nº 8/2012 de 21 de Fev, o contrato de prestação de serviços em causa e a correspondente obrigação de pagamento de retribuição é nulo.
b) bem como o acordo de reconhecimento da dívida e pagamento celebrado entre a A. e União de Freguesias de Grijó e Sermonde.
c) Refere ainda a douta sentença que a nulidade em causa “pode ser sanada por decisão judicial, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou das obrigações se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé”, nos termos do nº 4 do artº 5º da supra referida Lei.
d) Porém, refere ainda que é preciso que se alegue e demonstre todo um quadro fatual que permita ao tribunal concluir que a nulidade em causa é desproporcionada ou contraria à boa-fé e que deve ser sanada,
e) Considerando que a Recorrente apenas alegou a falta de cumprimento do contrato pela Recorrida, e que tal não é suscetível de preencher a desproporcionalidade ou a contrariedade à boa-fé, nos termos do nº 4 do artº 5º da LPCA
f) Entende a Recorrente que os factos alegados e provados conduzem à demonstração inequívoca da contrariedade à boa-fé, da conduta da Recorrida,
g) Que lesou de forma grave, o interesse patrimonial da A. e a legitima expetativa que lhe foi criada não só na formação do negócio como, e principalmente na confirmação que lhe foi conferida pela Ré.
h) Em concreto a Recorrida, então Junta de Freguesia de Grijó, em Agosto de 2013 adjudicou à Recorrente um contrato de prestação de serviços, cujo pagamento não foi efetuado no seu vencimento.
i) Em 10 de Março de 2014, após negociações com a União de Freguesias de Grijó e Sermonde, esta assumiu as obrigações contraídas pela sua antecessora e,
j) reiterou o compromisso emitindo um documento de reconhecimento de dívida e de pagamento em prestações do quais foram pagas três.
k) Ao arrepio desta conduta, em Junho de 2014 a Ré remeteu à A. uma comunicação de “cessação de pagamentos parcelares” junta aos autos arguindo então, e só então, a nulidade dos pagamentos assumidos.
l) Com esta conduta a Recorrida procedeu contrariamente ao princípio da boa-fé configurando o seu procedimento um abuso de direito.
m) Os factos provados na presente ação conduzem à demonstração que a A. criou legítima expetativa de que a entidade que assumiu as obrigações da Junta de Freguesia de Grijó, teria disponibilidade de meios para efetuar o pagamento em dívida à Recorrente.
n) impossibilidade que esta nunca arguiu nos presentes autos e que não se encontra elencada nos fatos provados.
o) O valor peticionado nos autos, representa objetivamente um prejuízo patrimonial sofrido pela Recorrente, que a afeta significativamente, sendo certo que a A. se enquadra na classificação de pequena/média empresa
p) A Douta Sentença violou o artº 5º, nº 4 do Lei 8/12 de 21/02, e artº 334 do C.C.
q) Os factos provados nos autos demonstram que a conduta da Ré e as circunstâncias negociais excedem manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
r) e conduzem inequivocamente a que a nulidade em causa contraria a boa-fé e que deve ser sanada.

Pelo que, face ao que se deixa dito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá a Douta Sentença ser revogada, considerando-se a ação intentada pela Autora procedente por provada como é de inteira Justiça.”

A aqui Recorrida/União de Freguesias veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 2 de Novembro de 2015 (Cfr. Fls.114 a 116 Procº físico), sem conclusões, referindo-se, designadamente, que “a decisão proferida em concreto nestes autos não merece reparo quanto à aplicação do direito e que determinou a improcedência da lide”.
O Recurso Jurisdicional apresentado, veio a ser admitido por Despacho de 4 de Novembro de 2015 (Cfr. Fls. 121 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 28 de Janeiro de 2016 (Cfr. Fls. 141 Procº físico), veio a emitir Parecer em 10 de Fevereiro de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao Recurso em apreço e, consequentemente, ser confirmada in totum a douta sentença recorrida” (Cfr. Fls. 142 a 144 Procº físico).
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se invoca “erros de julgamento de direito”, decorrente da violação, designadamente, dos Artº 5º nº 4 da Lei nº 8/2012, de 21 de Fevereiro e Artº 334º do Código Civil.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
“1) A A. dedica-se com escopo lucrativo à montagem e aluguer de stands, em feiras e exposições.
2) Foi acordada entre a Junta a Junta de Freguesia de Grijó e a A. uma prestação de serviços respeitantes ao aluguer, montagem e desmontagem de equipamentos para as Festas de Grijó 2013.
3) Tendo sido emitidas pela A. a fatura n.º FTC/20130313 datada de 20.08.2013 com vencimento em 21.08.2013; a fatura n.º FTC/20130362 datada de 20.09.2013 com vencimento em 21.09.2013 e a fatura n.º FTC/20130402, datada de 20.09.2013, com vencimento em 19.10.2013, no valor de €3.725,46 cada.
4) No seu vencimento tais faturas não foram pagas.
5) Em 10 de março de 2014, entre a A. e a R. foi celebrado um acordo nos termos do qual o pagamento seria efetuado em trinta e cinco prestações mensais e sucessivas de €310,00 (trezentos e dez euros) e uma prestação de €326,39, com início de 27 de março de 2014.
6) No âmbito desse acordo foram liquidadas pela Ré apenas três prestações de €310,00 cada, em 03.04.2014, 26.04.2014 e 23.05.2014.
7) Não foi emitido um número de compromisso quanto aos contratos referidos em 1) e em 5).

IV – Do Direito
O recurso jurisdicional em análise foi interposto pela J... - Montagem de Stands, Feiras e Exposições, Lda. relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a ação, mais tendo absolvido a União das Freguesias de Grijó e Sermonde do pedido.
A ora Recorrente veio imputar, à sentença, erros de julgamento de direito, com o que se mostraria violado o disposto nos artigos 5.º, n.º 4, da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro e 334.º do Código Civil.
Resulta da matéria dada como provada que, foi acordado entre a Junta de Freguesia de Grijó e a aqui Recorrente, a prestação de serviços respeitantes ao aluguer, montagem de desmontagem de equipamento para as Festas de Grijó de 2013.
Consequentemente foram emitidas as correspondentes faturas, as quais não vieram a ser pagas em tempo.
Já em 10 de Março de 2014, a União de Freguesias de Grijó e Sermonde, entidade resultante da união das referidas freguesias, emitiu documento de reconhecimento de dívida e de pagamento em prestações mensais e sucessivas de 310,00€ e uma prestação de 326,39€, tendo apenas pago três prestações de 310,00€ cada em 30/04/2014, 26/04/2014 e 23/05/2014.
Entendeu o tribunal a quo que não tendo sido emitido qualquer número de compromisso válido, procedimento previsto na Lei nº 8/2012, o contrato de prestação de serviços em causa e a correspondente obrigação de pagamento de retribuição seria nulo, bem como o ulterior acordo de reconhecimento da dívida e pagamento.
Embora a sentença recorrida admita que a nulidade detetada “pode ser sanada por decisão judicial, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou das obrigações se revele desproporcionada ou contrária à boa fé”, nos termos do nº 4 do artº 5º da supra referida Lei, considerou o tribunal que tal teria de ter sido alegado e demonstrado, para que se pudesse aferir da desproporcionalidade e violação do principio da boa-fé de tal procedimento.
Por forma a permitir uma mais eficaz visualização do que legalmente aqui está em questão, transcreve-se infra o Artº 5º da Lei nº 8/2012:
“Assunção de compromissos
1 - Os titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores e responsáveis pela contabilidade não podem assumir compromissos que excedam os fundos disponíveis, referidos na alínea f) do artigo 3.º
2 - As entidades têm obrigatoriamente sistemas informáticos que registam os fundos disponíveis, os compromissos, os passivos, as contas a pagar e os pagamentos em atraso, especificados pela respetiva data de vencimento.
3 - Os sistemas de contabilidade de suporte à execução do orçamento emitem um número de compromisso válido e sequencial que é refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente, e sem o qual o contrato ou a obrigação subjacente em causa são, para todos os efeitos, nulos.
4 - A nulidade prevista no número anterior pode ser sanada por decisão judicial quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé.
5 - A autorização para a assunção de um compromisso é sempre precedida pela verificação da conformidade legal da despesa, nos presentes termos e nos demais exigidos por lei.”
Resulta assim do referido normativo (nº4) que a verificada nulidade poderá ser sanada por decisão judicial, quando ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vicio do ato procedimental em causa, se mostre que a mesma se mostra desproporcionada e/ou contrária à boa-fé.
Não resulta dos elementos disponíveis que a originária Junta de Freguesia em momento anterior à celebração do contrato, tenha invocado quaisquer dificuldades em cumprir o convencionado, mormente por razões de ordem legal.
Se mais razões não houvesse e para além do reconhecimento formal da divida, a União das Freguesias ainda chegou a pagar três das prestações a que se havia comprometido a pagar, o que desde logo reforça o reconhecimento da existência de divida.
Em bom rigor, a União das Freguesias, após realizadas as festas de 2013, e depois de ter usufruído dos serviços contratados, veio a invocar uma irregularidade formal da sua inteira responsabilidade, para não pagar as faturas decorrentes do contrato que livremente estabelecera, o que desde logo se consubstancia num manifesto «venire contra factum proprium».
Como resulta, de jurisprudência perfeitamente consolidada haverá «venire contra factum proprium» quando alguém assume uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente. A proibição do «venire contra factum proprium» reconduz-se à doutrina da confiança, pressupondo, como elemento subjetivo, que o confiante adira realmente ao facto gerador da confiança.
Pode ler-se, designadamente no sumário do Acórdão do Colendo STJ nº 464/11.2TBGRD-A.C1.S1, de 12-11-2013, que “São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa-fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.”
Resulta dos elementos disponíveis nos autos que a originária Junta de Freguesia criou legitima expetativa de que assumiria e cumpriria integralmente as suas obrigações.
Decorrente do que supra ficou dito, importa verificar se não se mostrarão preenchidos os requisitos que permitirão sanar a nulidade do contrato, em resultado da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, ou perante a constatação de que a referida nulidade se mostre desproporcionada ou contrária à boa-fé, à luz do transcrito nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012.
O que se decidirá, não afastará, em qualquer caso, o referido imediatamente antes do segmento decisório da Sentença Recorrida, onde se afirma que, o decidido não invalidará a “responsabilidade civil, criminal, disciplinar e financeira dos titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores ou responsáveis pela contabilidade que tiverem assumido o compromisso em causa, nos termos do art.º 11º, n.º 1 da LPCA.”
Em qualquer caso, e como tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência, designadamente deste TCAN, mal se compreenderia que uma entidade pública pudesse beneficiar de um qualquer serviço, para depois não proceder ao correspondente pagamento, a pretexto da invalidade do contrato, da sua responsabilidade (Cfr. Acórdão nº 636/14BEVIS TCAN de 22-01-2016).
Com efeito, a nulidade do contrato não implica a desresponsabilização da entidade pública, sendo que o Estado e as pessoas coletivas de direito público respondem sempre, quer exclusivamente, no caso de culpa leve (Cfr. n.º 1 do artigo 7.º da Lei nº 67/2007), quer, em caso de dolo ou culpa grave, de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões ilícitas tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício (Cfr. artigo 8.º, n.º 3, da mesma Lei).
Acresce ainda à argumentação aduzida o explicitado no sumário do Acórdão também deste TCAN nº 949/11BEBRG, de 17/04/2015, onde se refere que “(…) Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados.
A inexistência de contrato, por caducidade do mesmo, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.”
Tendo a aqui Recorrente prestado o serviço convencionado com a Junta de Freguesia, o que esta reconhece, não poderá esta deixar de lhe pagar o valor convencionado, independentemente da responsabilidade civil, financeira e disciplinar da Junta de Freguesia dos seus órgãos e Presidente, o que aqui não importa apurar.
Com efeito, não obstante a nulidade contratual decorrente do incumprimento do estatuído na Lei nº 8/2012, imputável à Junta de Freguesia, tendo o convencionado sido satisfeito pela aqui Recorrente, não deverá ser facultada à Junta de Freguesia a possibilidade de faltar ao correspondente pagamento, uma vez prestado o serviço.
Se é certo que a nulidade do contrato implica que deva ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.º 285.º, n.º 1 do C. Civil), em qualquer caso, assim não será linearmente nos contratos nos quais uma das partes beneficie de um serviço, como é o caso dos autos.
Escreveu-se no acórdão do Colendo STA, de 24.10.06, p.º 732/05, aqui aplicável igualmente mutatis mutandis, que “o mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efetuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível (vide Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, p. 398).
Como se diz também no acórdão do STJ de 2002.07.11 “(…) Poder-se-ia argumentar que pela eficácia retroativa da declaração de nulidade (artigo 289º, nº 1) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, nessa medida se impondo inelutavelmente a restituição das aludidas importâncias solvidas em sua execução.
Todavia, a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interativos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o ato realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados.
Não é, por conseguinte, exata a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes.
Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas atividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efetivamente os seus serviços à entidade patronal.
Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como «relação contratual de facto» suscetível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado.
E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» noutra terminologia; de «errada perfeição» (…) tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.”
Este entendimento converge, no essencial, com as posições de Rui Alarcão (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, Coimbra, 1971, pág. 76, nota 101) autor que considera que «a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio» e de António Meneses Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) que, a propósito, escreve:
“Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos.”
Em qualquer caso, a regra do art. 289º/1 do C. Civil, aplicada no domínio dos contratos de prestação de serviços mostra-se inadequada à sua própria teleologia, carecendo de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objeto de redução teleológica, (cfr. Karl Larenz, ob. cit., pp. 450/457) de molde a que, nos contratos de prestação de serviços, em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a inexistência contratual por caducidade não abranja as prestações já efetuadas.
Tendo os serviços convencionados sido prestados, ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, a relação jurídica deverá ser equiparada a um “Contrato de facto”, cujos serviços terão de ser remunerados.
Em linha com o Acórdão do Colendo STA nº 047638 de 21-09-2004, estando vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste (art. 474° C. Civil), mas tendo sido reconhecida a nulidade do contrato, deverá, no caso, a Junta de Freguesia, ser condenada no pagamento dos serviços prestados, enquanto «relação contratual de facto», à luz do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012.
Como se disse, a nulidade do contrato não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido”.
Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes estabeleceram relações contratuais, assentes na prestação de um serviço de aluguer, montagem e desmontagem de equipamentos nas Festas de Grijó de 2013, serviço que foi efetivamente prestado.
Acresce que a Freguesia nunca pôs em causa que o serviço faturado tenha efetivamente sido prestado.
Aqui chegados, em função do facto do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012 facultar ao Tribunal a possibilidade de sanar, por assim dizer, a nulidade verificada, e ter sido prestado o serviço convencionado, sem prejuízo de tudo quanto supra ficou dito, é manifesto que ponderados os interesses em presença, sempre se mostraria desproporcionada e contrária ao princípio da boa-fé impedir que a Sociedade prestadora do serviço ficasse impedida de receber o correspondente pagamento.
Face à verificada nulidade contratual, não imputável à Recorrente, outra posição que não aquela para que se propende, conduziria a uma vantagem abusiva e injustificada por parte da Freguesia, além de que se traduziria numa desproporcionada violação do principio da boa-fé, como se a «relação contratual de facto» resultante da nulidade verificada equivalesse a um nada.
Assim, impõe-se revogar a decisão recorrida, e a condenação da União das Freguesias, nos termos do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012, no pagamento do remanescente do valor convencionado, de 10.246,39€, mais juros de mora à taxa legal até ao efetivo pagamento.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a sentença recorrida, mais se determinando o pagamento à Recorrente do valor de 10.246,39€, mais juros contados desde 27 de Junho de 2014.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 8 de Abril de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão