Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00219/19.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INTEMPESTIVIDADE.
Sumário:I – Na contagem do prazo para a propositura da acção inclui-se o dia do evento percursor.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Exército Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AA ..., interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa em que é réu o Exército Português, perante absolvição da instância por “exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual”.
O recorrente conclui:
1 - O recorrente recorre da sentença que decidiu pôr termo ao processo sem se pronunciar sobre o mérito da causa, quando, apreciando a excepção deduzida pelo Réu – intempestividade da prática do acto processual – a considerou procedente concedendo provimento à posição defendida pelo Réu e, consequentemente, absolvendo-o da instância.
2 - Decisão que recorrente entende não traduzir uma correcta e integral valoração das provas apresentadas e produzidas nos autos, com influência na aplicação do direito e no desfecho da acção, nem uma correcta interpretação e aplicação da lei.
3 - Com interesse para a decisão da causa e deste recurso o tribunal “a quo” considerou provados os seguintes factos:
“4.Pelo ofício nº...90, datado de 25 de outubro de 2018, o autor, foi notificado da decisão de indeferimento do pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas, proferida pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, por despacho datado de 12 de outubro de 2018 [cfr. documento 1 junto com a Petição Inicial (“PI”), de fls. 15 do suporte físico dos autos];
5.O ofício referido em 4. foi enviado ao autor por correio registado com aviso de receção [cfr. Documento 1 junto à petição inicial, de fls. 15 do suporte físico dos autos e documento de fls. 155 da paginação eletrónica e de fls. 81 a 83 do suporte físico dos autos];
6.No dia 29 de outubro de 2018, o autor recebeu o ofício referido em 4. [cfr. assinatura e data apostas no aviso de receção, constantes do documento de fls. 155 da paginação eletrónica e de fls. 81 a 83 do suporte físico dos autos];
7.No dia 30 de janeiro de 2019, o autor intentou a presente ação administrativa contra o Ministério da Defesa Nacional, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [cfr.documento de fls. 1. da paginação eletrónica e de fls. 3 a 14 do suporte físico dos autos];
(…)
9.Por requerimento, datado de 09 de julho de 2020, o Exército Português juntou aos autos o documento comprovativo (aviso de receção dos CTT, assinado e carimbado) do recebimento pelo autor, no dia 29 de outubro de 2018, do ofício nº...90 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, indeferindo a pretensão do autor em ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas [cfr. documento de fls. 152 a 155 da paginação eletrónica].”
4 - O Tribunal recorrido não elencou como não provado qualquer facto.
5 - O Tribunal recorrido “formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como no teor dos documentos e no processo administrativo juntos aos autos e que se encontram especificados em cada um dos pontos do probatório”.
6 - O recorrente defende, desde já, que não concorda que o facto supra descrito no item 6 tenha ficado provado mas antes entende que, o que ficou provado foi que “o autor, em data não concretamente apurada, recebeu o ofício referido em 4 (ofício nº...90)” e que deve passar a constar do elenco de factos dados como não provados que “o recorrente, em 29/10/2018, recebeu o ofício nº...90”.
7 – O Réu, aqui Recorrido, aquando da sua contestação, deduziu contra o Autor/aqui recorrente a excepção dilatória da intempestividade do acto processual, alegando que aquando da propositura da presente ação, se encontraria já esgotado o prazo de três meses previsto no artigo 58, n.º 2, do CPTA, sendo que, em sede de contraditório o Autor/ aqui recorrente opôs-se a tal alegação.
8 - Com pertinência para a posição defendida pelo aqui recorrente, a sentença objecto do presente recurso decidiu que “o prazo de que o autor dispunha para intentar a presente ação era o prazo geral de três meses estabelecido no n.º 2 do art.º 69.º do CPTA”, sendo que o recorrente concorda com tal posição.
9 - Fixa, ainda, a sentença recorrida que “Resta verificar se aquele prazo foi respeitado pelo autor. Nos termos do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, a contagem do referido prazo obedece às regras de contagem dos prazos previstas no artigo 279.º do Código Civil.
E, no que para o caso releva, importa ter presente o disposto nas alíneas b) e c) do citado art.º 279.º, cujo teor é o seguinte: “b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês.” A questão que o autor coloca é a de saber se, face ao disposto nas alíneas b) e c) do art.º 279.º do Código Civil, na contagem do prazo para propositura da ação administrativa, fixado em meses, se inclui, ou não, o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo se inicia, que, no caso dos autos, foi o dia 29 de outubro de 2018 (data em que o autor recebeu o ofício que lhe foi enviado por correio registado com aviso de receção, a comunicar-lhe o indeferimento da sua pretensão – vide pontos 4., 5., 6. e 9. da factualidade dada como provada)”, sendo desta posição que o recorrente discorda.
10 - Isto porque, a sentença recorrida tem por determinante para a contagem do prazo em questão a data em que foi assinado o aviso de recepção, quando não o deveria ter.
11 - Por um lado, as notificações administrativas podem ser efectuadas por uma das formas previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 112º do CPA, salientando-se que em nenhuma das referidas alíneas se encontra prevista a notificação com aviso de recepção e, por outro lado, quanto à perfeição das notificações, dispõe o artigo 113º, n.º 1, do CPA que “A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao do registo (…)”.
12 - Ora, no caso dos presentes autos a notificação da decisão da autoridade administrativa – ofício nº...90, foi feita por carta registada com aviso de recepção, o qual se mostra assinado pelo recorrente, alegadamente, em 29/10/2018.
13 - Entende, porém, o recorrente que o prazo para a impugnação judicial se inicia não na data que consta do aviso de recepção, conforme foi considerado na decisão recorrida, mas decorrido o 3.º dia útil posterior ao do envio da carta registada.
14 - A presunção legal estabelecida no n.º 1 do artigo 113º do CPA, decorre do declarado no DL n.º 121/76, de 11/2, que aboliu a exigência de avisos de recepção para as notificações em qualquer processo e tornou obrigatório o registo postal das notificações e efetuadas por aquela via (n.º 1).
15 - No referido diploma legal prevê-se ainda que todas as notificações e avisos efectuados por aquela via se presumam feitos no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, não produzindo efeitos anteriores (n.º 3).
16 - Bem como que, a presunção do n.º 3 só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis, requerendo no processo que seja requisitada aos correios informação sobre a data efectiva dessa recepção (n.º 4).
17 - Tendo, no caso concreto, o acto sido notificado ao recorrente através de correio registado com aviso de recepção, não pode a utilização desta forma de notificação prejudicar aquele quanto aos prazos para o exercício do seu direito.
18 - O que que releva é a data do registo, independentemente da forma adoptada pela administração.
19 - Competia ao recorrido provar a data do registo postal, e para o efeito, juntou aos autos o registo postal referente ao acto impugnado mas em tal documento não é legível, não se consegue perceber, a data do respectivo registo.
20 - Perante tal “deficiência”, o Tribunal recorrido nunca poderia determinar em que dia se deve presumir, nos termos legais, que o recorrente foi notificado do ofício nº...90 e, não o podendo fazer, muito menos poderia o Tribunal recorrido ter calculado a data em que caducou o direito do recorrente de instaurar a à acção.
21 - Assim, a data em que se presume notificado o recorrente é uma circunstância meramente eventual e incerta, de que que o autor «poderá ter recebido», carecendo da firmeza e certeza necessárias, que o julgamento factual impunha, para que pudesse ter-se feito operar a partir daquela data a contagem do prazo legal para instaurar a ação.
22 – Senão vejamos, por mero exercício académico se adianta que, é certo que o recorrido juntou aos autos o aviso de recepção assinado pelo recorrente alegadamente no dia 29- 10-2018 – sendo que tal data poderia ter sido erroneamente aposta - e que, pelas regras da experiência, essa correspondência teria de ser registada, o mais tardar, nesse mesmo dia e, sendo isso possível, ter-se-ia de ter por notificado o recorrente no dia 1 de Novembro de 2018.
23 - Pelo que, mesmo na interpretação dada pelo tribunal recorrido ao artigo 279º do Código Civil – com a qual não se concorda como infra se demonstrará - o direito de acção do autor/recorrente apenas caducaria no dia 1 de Fevereiro de 2019 e tendo a petição inicial, entrado em juízo a 30-01-2019, forçosamente se tem de concluir por tempestiva.
24 - E, ainda que se considerasse que a invocada presunção pudesse ser ilidida pelo recorrido, ou pelo Tribunal recorrido, designadamente oficiando os serviços postais, a verdade é que tal não foi feito.
25 - Sendo certo ainda que, na falta da data do registo, e desconhecendo o recorrente quem apôs data no aviso de recepção, não pode dar por afastada a hipótese de a entrega ter ocorrido em data posterior ao dia 29/10/2018 e ter existido um erro na aposição dessa data, o que só o registo postal ou a informação prestada pelos CTT poderiam afastar.
26 - Pelo que o Tribunal recorrido não deveria ter considerado que o recorrente foi notificado no dia 29/10/2020, por ser a data aposta no AR, antes deveria ter considerado a acção instaurada pelo Autor/recorrente como tempestiva.
27 - Ao decidir de forma distinta, o Tribunal recorrido violou o disposto no nº1 do artigo 112º, do nº1 do artigo 113º ambos do CPA, o artigo 89º do CPTA, o disposto no Dec-lei 121/76 de 11/02, o artigo 279º do C.C., os artigos 576º, nº2 e 278º, nº1 do CPC aplicáveis ex vi artigos 1º e 35º do CPTA.
28 - Devendo a decisão recorrida ser revogada por outra que considere improcedente a referida excepção dilatória com as inerentes consequências legais, o que expressamente aqui se requer a V. Exas.
29 - Sem prescindir, caso assim não se entenda, o tribunal recorrido decidiu que: “a questão que o autor coloca é a de saber se, face ao disposto nas alíneas b)e c) do art.º 279.º do Código Civil, na contagem do prazo para propositura da ação administrativa, fixado em meses, se inclui, ou não, o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo se inicia (…)”.
30 - Tendo decidido que o dia do evento conta para efeitos da contagem do prazo e com tal posição não pode o recorrente concordar.
31 - O prazo previsto no n.º 2 do artigo 58º do CPTA é um prazo de natureza substantiva que deve ser contado nos termos do artigo 279º do Código Civil.
32 - Nos termos do nº2 do artigo 59º do CPTA, “o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória”.
33 - A alínea b) do artigo 279º do CC refere-se ao termo inicial na contagem de qualquer prazo, ou seja, a data a partir da qual qualquer prazo se começa a contar, fixando que não se conta o dia do evento, no caso o dia da notificação.
34 - Já a al. c) do artigo 279º do CC se refere ao termo final do prazo.
35 - Ambas as alíneas são de aplicação cumulativa e não alternativa, de forma que, o prazo começa a correr no dia seguinte ao do evento que o desencadeou (al .b) – segundo o Exército Português o evento seria no dia 29/10/2018 e o inicio do prazo 30/10/2018 – e se fixado em meses - que no caso concreto são 3 meses – termina no dia correspondente a essa data do mês em causa, ou seja, em 30/01/2019 - Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo – Proc. nº 02203/18.2BEBRG, de 17-01-2020, e Proc. nº 00465/17.1BEPRT, de 12/04/2019 e Acórdão STA , processo nº01213/12, de 27/02/2013, disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entendem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, pag. 257 e Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 2ª ed., Almedina, Março de 2005;
36 - Tendo a acção sido instaurada em 30/01/2019, como se reconhece na sentença recorrida, foi instaurada tempestivamente.
37 - Ao decidir de forma diferente, o tribunal recorrido violou os artigos o disposto no nº2 do artigo 58º, nº2 do artigo 59º, artigo 89º e artigo 7º, todos do CPTA, o artigo 279º do CC, os artigos 576º, nº2 e 278º, nº1 do CPC aplicáveis ex vi artigos 1º e 35º do CPTA e o artigo 20º da CRP.
38 - Devendo a decisão recorrida ser revogada por outra que considere improcedente a referida excepção dilatória com as inerentes consequências legais, o que expressamente aqui se requer a V. Exas.
Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer (art.º 146º do CPTA).
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
1. O autor foi incorporado no Exército Português, no dia 3...65, no Grupo de Artilharia contra Aeronaves [facto não controvertido];
2. O autor cumpriu uma comissão de serviço na, então, província ultramarina de M..., de 12 de janeiro de 1966 a 30 de julho de 1967 [facto não controvertido];
3. Na sequência da sua prestação militar, o autor requereu junto do Chefe de Estado Maior do Exército a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas [facto não controvertido];
4. Pelo ofício nº...90, datado de 25 de outubro de 2018, o autor, foi notificado da decisão de indeferimento do pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas, proferida pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, por despacho datado de 12 de outubro de 2018 [cfr. documento 1 junto com a Petição Inicial (“PI”), de fls. 15 do suporte físico dos autos];
5. O ofício referido em 4. foi enviado ao autor por correio registado com aviso de receção [cfr. Documento 1 junto à petição inicial, de fls. 15 do suporte físico dos autos e documento de fls. 155 da paginação eletrónica e de fls. 81 a 83 do suporte físico dos autos];
6. No dia 29 de outubro de 2018, o autor recebeu o ofício referido em 4. [cfr. assinatura e data apostas no aviso de receção, constantes do documento de fls. 155 da paginação eletrónica e de fls. 81 a 83 do suporte físico dos autos];
7. No dia 30 de janeiro de 2019, o autor intentou a presente ação administrativa contra o Ministério da Defesa Nacional, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [cfr. documento de fls. 1. da paginação eletrónica e de fls. 3 a 14 do suporte físico dos autos];
8. Por ofício datado de 19 de fevereiro de 2019, e dando conhecimento do mesmo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional remeteu ao Chefe do Gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército, o ofício de citação e o duplicado da petição inicial, nos seguintes termos:
“(…) Na sequência de citação deste Ministério, efetuada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, vimos pelo presente remeter a V. Exa. cópia do ofício n.º ...61, de 6 de fevereiro pp., daquele tribunal, bem como petição e documentos anexos, tendo em vista a elaboração de resposta e subsequente tramitação do processo por esse gabinete, tendo em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 21.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho e alterada pela Lei Orgânica n.º 6/2014, de 1 de setembro.
Mais se solicita a V. Exa. que seja facultada cópia à Secretaria-Geral deste Ministério da resposta e ulteriores articulados entregues, por esse Gabinete, no
Tribunal. (….)”
[cfr. documento de fls. 96 e 97 da paginação eletrónica e documento de fls. 52 do suporte físico dos autos].
9. Por requerimento, datado de 09 de julho de 2020, o Exército Português juntou aos autos o documento comprovativo (aviso de receção dos CTT, assinado e carimbado) do recebimento pelo autor, no dia 29 de outubro de 2018, do ofício nº...90 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, indeferindo a pretensão do autor em ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas [cfr. documento de fls. 152 a 155 da paginação eletrónica].
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A apelação.
O tribunal “a quo” absolveu o réu da instância por “exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual”.
Perante o que fixou como factos provados, discorreu do seguinte modo:
«(…)
Dispõe o artigo 69.º do CPTA que “[e]m situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido” (n.º 1) e que “[n]os casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, o prazo de propositura da ação é de três meses” (n.º 2), contando-se este prazo para os destinatários do ato a partir da data de notificação (art. 59.º, n.º 1 do CPTA, aplicável ex vi artigo 69.º, n.º 2 do CPTA).
E, no seu n.º 3, acrescenta que “[q]uando, nos casos previstos no número anterior, esteja em causa um ato nulo, o pedido de condenação à prática do ato devido pode ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do ato de indeferimento, do ato de recusa de apreciação do requerimento ou do ato de conteúdo positivo que o interessado pretende ver substituído por outro, sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo sem dependência de prazo”.
São, por isso, três os prazos de caducidade previstos no citado art.º 69.º, sendo que o prazo aplicável ao caso em apreço nos autos é o prazo de três meses previsto no n.º 2, uma vez que o prazo previsto no n.º 3 não tem aplicação ao caso, dado que a causa de pedir se alicerça na ilegalidade da decisão de indeferimento da qualificação do autor como Deficiente das Forças Armadas (por violação dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20/01) e no erro nos pressupostos de facto, vícios esses que, a existirem, não configurariam um caso de nulidade, mas tão só de mera anulabilidade do ato impugnado (cfr. artigos 161.º e 163.º do CPA), tal como, aliás, vem peticionado pelo autor.
Dúvidas não há, portanto, de que o prazo de que o autor dispunha para intentar a presente ação era o prazo geral de três meses estabelecido no n.º 2 do art.º 69.º do CPTA e que, nas palavras de AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª edição, 2018, pág. 480) “corresponde ao prazo geral de impugnação dos atos administrativos, estabelecido no artigo 58.º, n.º 1, alínea b)” (vide, neste sentido, o acórdão do TCA Norte de 18 de janeiro de 2007, processo n.º 226/05, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Resta verificar se aquele prazo foi respeitado pelo autor.
Nos termos do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, a contagem do referido prazo obedece às regras de contagem dos prazos previstas no artigo 279.º do Código Civil.
E, no que para o caso releva, importa ter presente o disposto nas alíneas b) e c) do citado art.º 279.º, cujo teor é o seguinte:
“b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês.
A questão que o autor coloca é a de saber se, face ao disposto nas alíneas b) e c) do art.º 279.º do Código Civil, na contagem do prazo para propositura da ação administrativa, fixado em meses, se inclui, ou não, o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo se inicia, que, no caso dos autos, foi o dia 29 de outubro de 2018 (data em que o autor recebeu o ofício que lhe foi enviado por correio registado com aviso de receção, a comunicar-lhe o indeferimento da sua pretensão – vide pontos 4., 5., 6. e 9. da factualidade dada como provada).
O autor entende que o dia em que recebeu o ofício/notificação não entra na contagem do prazo de 3 meses. Segundo ele, aquele prazo só começou a correr no dia seguinte, ou seja, no dia 30 de outubro de 2018, e o seu termo só ocorreu no dia 30 de janeiro de 2019, data em que a presente ação foi proposta (vide ponto 7. da factualidade dada como provada).
Não tem, todavia, razão o autor, uma vez que a regra contida na alínea c) do art.º 279.º do Código Civil tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b).
De facto, como se sublinhou no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 05.05.2006, proferido no recurso 46/04, reiterando jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, citada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, “ tratando-se de um prazo de dias ou de horas, entendeu o legislador (cfr. a referida alínea b) do artigo 279.º citado), para esse efeito, não dever contar-se o dia ou a hora em que ocorre o evento que marca o início do prazo, beneficiando assim (necessariamente) o interessado com a fracção restante da unidade de tempo em que se verificou o mencionado evento.
De forma diferente se passam as coisas no caso previsto na alínea c) do mesmo artigo, dos prazos fixados em semanas, meses ou anos em que afixação do termo do prazo no fim do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data, assegura já por si ao interessado, com o aludido beneficio, a disponibilidade do prazo por inteiro, pois a consideração de dois dias – o primeiro e o último – com a mesma ordem na semana ou mês oferece, sem mais, a segurança que se pretende alcançar quanto aos outros prazos através da aplicação da norma da alínea b).
Cumular a aplicação, no mesmo caso, destas duas regras que tem campos de aplicação distintos e que se orientam pela ideia básica atrás referida, significaria aumentar em um dia os prazos fixados em semanas, meses ou anos, resultado para o qual não se encontra qualquer justificação material e quebraria ostensivamente a coerência do sistema gizado pelo legislador.”
Este mesmo entendimento também foi sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de outubro de 2017, proferido no âmbito do processo 01140/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Volvendo ao caso sub judice.
Como já foi referido, da factualidade dada como provada resulta que o ato impugnado foi notificado ao autor em 29.10.2018, pelo que, face à regra de contagem do prazo aplicável – a da al. c) do art. 279. ° do Código Civil - o prazo dos 3 meses para deduzir a ação administrativa terminou às 24 horas do dia 29.01.2019.
Ora, tendo a presente ação administrativa sido apresentada em juízo apenas no dia 30 de janeiro de 2019, forçoso se torna concluir pela intempestividade da mesma.
Pelo exposto, verificada está a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, o que acarreta a absolvição da instância do Exército Português e o consequente não conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC, aplicáveis ex vi artigos 1.º e 35.º do CPTA.
(…)».
Apreciando.
→ A matéria de facto.
Consta do elenco probatório: «6. No dia 29 de outubro de 2018, o autor recebeu o ofício referido em 4. [cfr. assinatura e data apostas no aviso de receção, constantes do documento de fls. 155 da paginação eletrónica e de fls. 81 a 83 do suporte físico dos autos]».
Em termos de impugnação, em sentido próprio, da matéria de facto, o que emerge do recurso questiona a data aposta no a/r como sendo o dia 29/19/2018, afirmando o recorrente que o documento junto aos autos não é legível, não se consegue perceber a data, desconhecendo quem a apôs, não podendo dar por afastada a hipótese de ter existido um erro na aposição dessa data e a entrega da correspondência ter ocorrido em data posterior ao dia 29/10/2018.
O a/r (imagem reduzida, que na dimensão do original tem muito maior legibilidade):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

Mais em pormenor aumentado:
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]

Visionado o documento no original (beneficiando de não existir perda de contraste pela digitalização) temos como legível que a data aposta é a de 29.10.2018.
O documento foi junto aos autos pelo réu em 09/07/2020, com simultânea notificação electrónica entre mandatários (cfr. SITAF).
Não foi aposta a sua falsidade ou deduzida qualquer impugnação de letra ou assinatura.
Perante essa ausência, sem qualquer censura do recurso, nada se impõe modificar quanto à aquisição da considerada data.
O que logo imediatamente reflecte no direito.
→ O direito.
Será de extrair que foi na data de 29.10.2018 que o autor foi notificado?
Na decisão recorrida tem-se por determinante a data em que foi assinado o aviso de recepção.
Entende, porém, o recorrente que o prazo para a impugnação judicial se inicia não na data que consta do aviso de recepção, conforme foi considerado na decisão recorrida, mas decorrido o 3.º dia útil posterior ao do envio da carta registada.
Alude ao art.º 113º do CPA e lembra o disposto no DL n.º 121/76, de 11/2.
Vejamos:
Artigo 113.º
Perfeição das notificações
1 - A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
2 - A presunção prevista no número anterior só pode ser ilidida pelo notificando quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a Administração ou o tribunal, a requerimento do interessado, solicitar aos correios informação sobre a data efetiva da receção.
Não advém por aqui qualquer sustento de razão; e a este regime nada acresce de útil para o caso e nas circunstâncias do DL n.º 121/76, de 11/2.
É que a comunicação em causa não ocorreu por simples carta registada.
Foi usada carta registada com aviso de recepção.
Mantendo-se a tal propósito o que já de pretérito regime vinha sendo entendido.
Cfr. Ac. do STA, de 07-07-2005, proc. n.º 0553/05:
«I - Nos procedimentos administrativos a notificação postal constitui a regra geral (art.º 70 do CPA).
II - O DL 121/76, de 11.2, dispensou, mas não proibiu que as notificações postais continuassem a ser feitas através de carta com aviso de recepção, podendo, embora, sê-lo por carta registada.
III - A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e considera-se feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção.
IV - A notificação de um acto administrativo dirigida a fulano e outro(s) cumpre a sua finalidade em relação ao(s) outro(s), se este é o seu cônjuge, com ele casado no regime de comunhão geral de bens, e se já recebera idêntica notificação no procedimento administrativo para comparecer a uma diligência e até comparecera sozinha, acompanhada de advogado, em representação de ambos.».
Também, doutra via, e face à utilização da quitação de recepção.
Cfr. Ac. do STA, de 01-010-2008, proc. n.º 0037/08:
A presunção de notificação efectuada através de carta registada, prevista no art. 254.º, n.º 2, do CPC, não é aplicável no âmbito do procedimento administrativo, nomeadamente nos casos em que seja utilizado aviso de recepção, em que a notificação deve considerar-se efectuada na data em que o aviso é assinado.
Como também já este TCAN viu, tendo “a Administração optado por notificar o acto administrativo por meio de carta registada com aviso de recepção, a data da assinatura deste aviso fica a constituir a data da notificação, para todos os efeitos legais, não se justificando o recurso à presunção estabelecida no artigo 249º, nº 1, do Código de Processo Civil de 2013, aplicável à data da expedição da referida notificação” (Ac. deste TCAN, de 07-07-2017, proc. n.º 00284/15.0BEVIS).
Donde, haverá de ter em conta a data de 29.10.2018 como termo inicial de contagem do prazo de propositura da acção.
Com expressa adesão do recorrente de que o prazo a considerar é o de três meses.
Como se conta?
Da forma como se entendeu na decisão recorrida.
Pacífico para todos que a contagem dos prazos de propositura das acções é feita nos termos do artigo 279.º do Código Civil” (art.º 58.º, nº 2, do CPTA), contagem como prazo substantivo (cfr. Ac. deste TCAN, de 07-21-2018, proc. n.º 00079/17.6BECBR).
No que o recorrente censura, não tem razão.
Na contagem do prazo para a propositura da acção inclui-se o dia do evento percursor.
Nesse sentido, o explicado na jurisprudência citada e transcrita na decisão recorrida, que não necessita agora de ser repetida; e na mesma linha de razão se tem orientado este TCAN (cfr. Acs. de Ac. deste TCAN, de 17-11-2017, proc. n.º 03065/16.0BEPRT, de 07-21-2018, proc. n.º 00079/17.6BECBR).
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
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Porto, 25 de Novembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa