Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00805/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PENSÃO ANTECIPADA DE VELHICE;
CUMULAÇÃO COM O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES NÃO REMUNERADAS;
DECRETO-LEI N.º 187/2007, DE 10/05
Sumário:I- O artigo 62.º, n.º3 do DL 187/2007, de 10 de Maio não proíbe a acumulação da pensão antecipada de velhice, com o exercício de trabalho ou atividade, a título não remunerado, como não proíbe a acumulação com trabalho a título remunerado se não for na mesma empresa ou grupo empresarial ou se já tiverem decorrido três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada.
II- Dessa disposição legal não decorre a necessidade de renúncia aos cargos sociais de membro dos órgãos estatutários das pessoas coletivas para poder receber a pensão de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, impondo somente a proibição de acumulação do recebimento da dita pensão com qualquer tipo de rendimentos auferidos pelo pensionista na pessoa coletiva onde exercia funções.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto de Segurança Social, IP
Recorrido 1:FMPS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer pugnando pelo não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO.
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP/CENTRO NACIONAL DE PENSÕES, com sede na Av.ª…, inconformado, interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF do Porto] que julgou procedente a ação administrativa comum intentada por FMPS, residente da Rua …, condenando-o a «reconhecer o direito do Autor à perceção da pensão de velhice que lhe foi deferida, sem obrigação de renúncia ao exercício, a título gratuito, do cargo social na sociedade “F...-Sociedade de Construções e Comércio, Lda”».
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Apresentou, para o efeito, as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:
“A. O Tribunal a quo fez uma interpretação errada do n.º3 do art. 62.º do DL187/2007, de 10/05, quando argumenta que o Autor pode cumular a sua pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com rendimentos provenientes do exercício de trabalho ou actividade, quando as mesmas são exercidas de forma gratuita.
B. A acumulação da pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com rendimentos do trabalho provenientes de exercício de trabalho ou actividade, a qualquer título, na mesma empresa ou grupo empresarial, por um período de três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada, é expressamente proibida, nos termos do nº3 do art.62.º do DL 187/2007, de 10/05.
C. A nossa convicção é a de que o espírito do legislador foi proibir qualquer exercício de trabalho ou actividade, quer seja a título gratuito, quer seja a título remunerado.
D. O Autor violou reiteradamente a proibição prevista no n.º3 do art. 62.º do DL 187/2007, de 10/05.»
Termina requerendo a revogação da decisão recorrida.
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O Recorrido não contra alegou nem apresentou conclusões de recurso.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º do C.P.T.A., pronunciou-se conforme consta do parecer de fls.227 a 231 dos autos [paginação física] pugnando pelo não provimento do recurso.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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2.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO-QUESTÕES DECIDENDAS
Tendo presente que são as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal, a única questão a dirimir passa por saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento direito decorrente da errónea interpretação do disposto no n.º3 do artigo 62 do D.L. n.º 187/2007, ao considerar que essa disposição legal não proíbe a acumulação da pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com o exercício de trabalho ou atividade, a título gratuito, por parte do pensionista.
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3.FUNDAMENTOS
3.1.MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão a proferir o Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1) Por requerimento entrado em 05.04.2011, o Autor requereu, ao Centro Nacional de Pensões, a atribuição de pensão de velhice.
Cfr. fls. 29 e 30 do processo administrativo (PA) apenso

2) Em 04.05.2011, foi exarada informação no sentido do deferimento do pedido referido em 1), com início a partir de 05.04.2011, ficando suspenso o seu pagamento “conforme o disposto no nº 3 do Artº 62º do DL 187/2007 de 10/5”.
Cfr. fls. 28 do PA apenso

3) Sobre a informação referida em 2) recaiu, em 05.05.2011, despacho concordante.
Cfr. fls. 28 do PA apenso

4) Em 05.05.2011, o Réu expediu ao Autor ofício com o seguinte teor:

“Assunto: Pensão antecipada do regime de flexibilização por velhice, DL 187/2007
Em referência ao requerimento de pensão antecipada por velhice apresentado por V. Ex.ª em 2011/04/05, informamos que foi deferida a pensão antecipada do regime de flexibilização da idade de velhice, nos termos do artigo 21.º do diploma em referência, com início em 2011/04/05 e no montante de € 1 134,66.

Esclarece-se, ainda, que se a pensão tiver como início, a data em que faz 57 anos de idade (2011/05/22), a mesma passará para € 1156,70.

- No entanto, a pensão apenas é devida após a cessação da actividade profissional que vem exercendo, conforme dispõe os n.º 3 do artigo 62.º do diploma em referência: “É proibida a acumulação de pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com rendimentos provenientes do exercício de trabalhou ou outra actividade, a qualquer título, na mesma empresa ou grupo empresarial, por um período de três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada”. O exercício de actividade em violação desta disposição, determina a perda do direito à pensão durante o correspondente período.

- Esclarecemos ainda que não pode acumular a pensão antecipada do regime de flexibilização com rendimentos de trabalho independente para a empresa, ou outra empresa do mesmo grupo, donde se reformou.

Assim, solicitamos que no prazo de 10 dias úteis, nos informe se pretende a pensão com o início atrás mencionado, bem como renunciar à gerência da firma em questão e, em caso afirmativo, deverá enviar comprovativo da respectiva renúncia. A ausência de qualquer informação, por parte de V. Ex.ª, determina que continue suspenso o pagamento da pensão, não obstante ter adquirido a qualidade de pensionista desde a data referida.

Esclarecemos, no entanto que pode manter-se como sócio-capital.

Com os melhores cumprimentos,”
Cfr. fls. 25 do PA apenso e documento n.º 1 junto com a petição inicial (PI) a fls. 32 dos autos

5) Em 15.06.2011, foi expedido pelo Réu ao Autor comunicação na qual reiterava resposta ao ofício de 05.05.2011, informando que “Na ausência de qualquer informação consideraremos que desistiu do pedido de pensão, pelo que o processo será arquivado (…)”.
Cfr. fls. 24 do PA apenso e documento n.º 2 junto com a PI a fls. 33 dos autos

6) O Autor respondeu ao Réu, através da sua missiva datada de 28.06.2011, a qual foi recepcionada em 29.06.2011 e qual constava, além do mais, o seguinte:
“Em resposta à v/carta datada de 5 de Maio de 2011, venho pela presente informar que não sou, nem nunca mais serei, remunerado no cargo de Administrador da F... – Sociedade de Construções e Comércio, S.A., pessoa colectiva nº 500687765, a qual se encontra em processo de recuperação judicial.

Aproveito, ainda, para informar que, enquanto Administrador, não recebo qualquer quantia a título de ajudas de custo ou senha de presença, sendo o exercício do cargo totalmente gratuito.

Dado que o nº3 do artº.62 do D.L. 187/2007, de 10/05, não prevê a proibição do exercício de cargos sociais de forma totalmente gratuita, agradeço que me informem qual a norma legal em que se baseiam para exigir a minha renúncia ao cargo de Administrador da F... – Sociedade de Construções e Comércio S.A., pessoa colectiva nº 500687765, para poder receber a minha pensão de reforma.

(…)”
Cfr. fls. 23 do PA apenso e documentos n.º 3 a 5 juntos com a PI a fls. 34 a 36 dos autos

7) Por ofício datado de 06.07.2011, o Réu remeteu ao Autor missiva com o seguinte teor:
“Em resposta à carta acima mencionada, informamos que, conforme o nº 3 do artº 62º do D.L. 187/2007 de 10/05, é proibida a acumulação de pensão antecipada por velhice, com exercício de actividade profissional, a qualquer título, (qualquer que seja o vínculo e com ou sem remuneração) na mesma empresa ou grupo empresarial.

Esclarecemos ainda, não ser vedado ao pensionista continuar a trabalhar na mesma empresa, mas sem cumular com pensão antecipada.

Acresce referir, que esta norma foi aprovada por Acordo de Concertação Social, com intervenção dos diversos parceiros sociais.
Assim, confirmamos o teor dos nossos ofícios de 2011/05/05 e 2011/06/15, solicitamos nos confirme se pretende a pensão e, em caso afirmativo a confirmação da data de início, bem como o envio da renúncia à gerência.”
Cfr. fls. 19 do PA apenso e documento n.º 6 junto com a PI a fls. 37 dos autos

8) Por carta datada de 26.07.2011, o Autor endereçou ao Réu missiva, sob registo com Aviso de Recepção, recepcionada nesse mesmo dia, na qual reitera o pedido formulado na sua carta datada de 29.06.2011.
Cfr. fls. 14 a 16 do PA apenso e documentos n.º 8 a 10 juntos com a PI a fls. 61 a 65 dos autos

9) Por ofício datado de 02.08.2011, o Réu respondeu ao Autor, informando do seguinte:
“1 – No que se refere à informação que lhe foi prestada no ofício emitido a 06.07.2011, sobre a aprovação em sede de Concertação Social, das regras que estabelecem a cumulação de pensões antecipadas com exercício de actividade profissional, enquanto MOE, tinha um carácter meramente informativo.

2 – Relativamente à interpretação dada ao n.º 3 do Art.º 62.º do DL 187/2007 de 10 de Maio, esclarecemos que o Centro Nacional de Pensões, por aplicação da própria legislação, considera que só após a renúncia à gerência, está garantido o não exercício de trabalho ou actividade a qualquer título, na mesma empresa.

3 – Confirmamos toda a informação já prestada e esclarecemos que só terá direito à pensão antecipada após o envio da cópia da acta da renúncia à gerência.”

Cfr. fls. 13 do PA apenso e documento n.º 11 junto com a PI a fls. 66 dos autos

10) Em 23.08.2011, o Autor endereçou ao Réu missiva com o seguinte teor:

“Dou em meu poder a vossa carta datada de 02-08-2011, com a Refª 5.1.3, a qual agradeço, pese embora do conteúdo da mesma não consiga alcançar qualquer conclusão válida e eficaz.

Dado que, como V.Exas. compreenderão, o arrastar desta situação me está a causar prejuízos, penso que a melhor solução será tentar, de forma definitiva, resolver a mesma a contendo de todos.

Assim, solicito o seguinte:

a) Envio da decisão ou parecer do Órgão Máximo do Centro Nacional de Pensões passível de sustentar a afirmação feita no ponto 2 da vossa carta acima referida.

b) Identificação da pessoa que assina a carta, uma vez que a Administração Pública não se pode esconder atrás de um carimbo e de uma rubrica.

c) Qual a legislação própria que permite a interpretação que na dita carta se faz do nº 3 do artigo 62 do DL 187/2007 de 10 de Maio.

d) Solicitar a passagem de certidão de todo o procedimento relativo ao pedido de reforma antecipada, a qual, na falta de resposta ao supra requerido, servirá para intentar acção judicial contra o Centro Nacional de Pensões e todos aqueles que defendam a interpretação da aludida norma legal no sentido referido no ponto 2 da carta a que ora se responde.

(…)”

Cfr. fls. 12 do PA apenso e documentos n.º 12 a 14 juntos com a PI a fls. 67 a 69 dos autos

11) Por Ofício datado de 22.09.2011, o Réu respondeu ao Autor, informando do seguinte:

“Em resposta à reclamação remetida por V. Exª em 23/08/2011, reiteramos a posição explanada nos nossos ofícios oportunamente enviados.

Tal entendimento resultado do nº 3 do artigo 62º do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de Maio, que proíbe a continuação de acumulação da pensão antecipada de velhice com a continuação imediata de prestação de trabalho na mesma empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua actividade profissional antes da reforma.

Nestes termos o que está legalmente vedado ao pensionista, por um período de três, a contar da data de acesso à pensão antecipada é a acumulação de trabalho ou actividade na mesma empresa ou grupo empresarial com a percepção de pensão antecipada de velhice, independentemente daquele trabalho ou actividade serem remunerados.

O referido normativo não proíbe V.Exª de continuar a exercer funções na qualidade de Membro de Órgão Estatutário (MOE) remunerado ou não, o que não permite é acumular essas funções com a percepção de pensão antecipada.

Procura assim o legislador moralizar a opção pelo regime da pensão de velhice antecipada, atendendo às suas consequências quer no sistema de pensões quer no mercado de trabalho.

Assim, no seu caso, como Membro de Órgão Estatutário, só após renunciar à gerência é legalmente possível considerar que se desvinculou da F... – Sociedade de Construções e Comércio S.A., pelo que solicitamos remessa de cópia da Acta comprovativa da renúncia à gerência, no prazo de 10 dias úteis, a fim de podermos considerar a data em que cessou funções.

Acresce referir que a falta de resposta, no referido prazo, implica a desistência do requerimento de pensão pelo que será o processo arquivado”.

Cfr. fls. 10 do PA apenso e documento n.º 15 junto com a PI a fls. 70 e 71 dos autos

12) Em 18.10.2011, deu entrada no Centro Nacional de Pensões, missiva apresentada pelo Autor, da qual constava, além do mais, o seguinte:

“Na sequência da v/carta supra identificada em epígrafe, venho pela presente informar que as questões por mim suscitadas continuam sem resposta.

Assim, solicito a passagem de certidão de toda a documentação relativa ao meu processo de reforma, que pretendo que se mantenha, a fim de poder esclarecer esta situação pela via judicial.

(…)”

Cfr. fls. 23 do PA apenso e documentos n.º 16 a 18 juntos com a PI a fls. 72 a 74 dos autos

13) Por ofício datado de 08.11.2011, o Réu remeteu ao Autor certidão, com o seguinte teor:


CERTIDÃO

Certifico, para os devidos efeitos, que o beneficiário nº … – FMPS, requereu, em 2011/04/05, pensão antecipada de velhice, no âmbito do regime de flexibilização da idade de velhice.

Mais se certifica que o requerimento apresentado foi deferido em 2011/05/05, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 20º do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de Maio.

Contudo, o pagamento da pensão está suspenso porque o beneficiário não cessou o exercício de actividade profissional, ou seja, continuou a exercer actividade como Membro de Órgão Estatutário na mesma empresa da qual se reformou, violando o disposto no nº 3 do artigo 62 do nomeado diploma.

Termos em que, continua a aguardar-se o envio da renúncia ao cargo de Administrador da F... – Sociedade de Construções e Comércio S.A., a fim de iniciar o pagamento da referida pensão.”
Cfr. fls. 7 e 8 do PA apenso e documentos n.º 19 e 20 juntos com a PI a fls. 75 e 76 dos autos

14) Em 24.11.2011, o Autor endereçou missiva ao Réu, recepcionada a 25.11.2011, constando da mesma o seguinte:
“Recebi a certidão que V.Exªs me remeteram com a data de 08-11-2011.
Acontece que tal certidão não corresponde àquela cuja passagem solicitei.

Com efeito, o que foi por mim solicitado de toda a documentação relativa ao meu processo de reforma, que pretendo que se mantenha, a fim de poder esclarecer esta situação pela via judicial.

Ora, a certidão que V.Exªs. me enviaram nem sequer contém as decisões, e fundamentos utilizados pela Segurança Social relativamente à exigência da m/renúncia ao exercício de todo e qualquer cargo social.

Sem tais elementos, não posso avançar com qualquer acção judicial, com vista a obter uma decisão judicial que confirme, ou não, aquilo que é o meu entendimento sobre este assunto.

Assim, reitero o meu pedido de certidão – que deve conter toda a documentação relativa ao meu processo de reforma, que pretendo que se mantenha, a fim de poder esclarecer esta situação pela via judicial – sendo este pedido feito ao abrigo do disposto no artº.60º, nºs.2 e 3 do C.P.T.A..”

Cfr. fls. 3 do PA apenso e documentos n.º 21 a 23 juntos com a PI a fls. 77 a 82 dos autos

15) Por Ofício datado de 20.12.2011, o Réu respondeu ao Autor, nos seguintes termos:
“Assunto: Esclarecimento
Conforme solicitado na carta acima mencionada em anexo se envia os documentos constantes no processo de reforma antecipada, cujo requerimento foi entregue na Segurança Social a 05.04.2011.”
Cfr. fls. 2 do PA apenso e documento n.º 24 junto com a PI a fls. 83 a 86 dos autos
16) Dos autos consta, além do mais, os seguintes elementos:
· Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, do Conselho Económico Social, datado de 10.10.2006;
· Print informático donde consta que o Autor é membro de órgão estatutário da sociedade “F... – Sociedade de Construções e Comércio, S.A.” desde 01.10.1981;
· Cópia de documento denominado “Extracto de Remunerações”, relativo ao Autor, como membro de órgão estatutário da sociedade “F... – Sociedade de Construções e Comércio, S.A.”, no período 01/2003 a 03/2012.
Cfr. documento n.º 7 junto com a PI a fls. 38 a 60 e documentos n.º 1 e 2 juntos com a contestação a fls. 100 a 107 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

17) Em 23.03.2012, a Autora expediu sob registo, a presente acção, tendo dado entrada neste TAF em 26.03.2012.
Cfr. envelope junto a fls. 87 e carimbo aposto no rosto de fls. 3 dos autos

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3.2. O DIREITO
3.2.1. Na presente ação administrativa comum, sob a forma ordinária, o Autor, ora Recorrido, pediu ao TAF do Porto que fosse «declarado que o disposto no art.º 62.º, n.º3 do D.L. 187/2007, de 10 de maio, não impõe a necessidade de renúncia aos cargos sociais dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas para poderem receber a pensão de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, impondo somente a proibição de acumulação do recebimento da dita pensão com qualquer tipo de rendimentos auferidos pelo pensionista na pessoa colectiva onde exercia funções, tudo com as legais consequências».
Para tanto alegou, em síntese, que o réu fez uma errada interpretação do disposto no artigo 62.º, n.º3 do D.L. n.º 187/2007, de 10 de maio, ao condicionar a possibilidade de auferir da pensão antecipada por velhice por si requerida, à cessação da atividade profissional que vem exercendo de gerente da sociedade “F...- Sociedade de Construções e Comércio, S.A”, pela qual não aufere qualquer remuneração.

Atenta a alegação do Autor e o pedido, o Mmº juiz a quo depois de elencar o thema decidendum [cfr. fls. 2 da decisão recorrida], procedeu ao enquadramento normativo do mesmo, entendendo que, de acordo com os cânones hermenêuticos que presidem à interpretação normativa consagrados no art.º 9.º do Código Civil, a interpretação que deve fazer-se do artigo 62.º, n.º3 do DL 187/2007, de 10 de Maio é a de que não é proibida a acumulação da pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com o exercício de trabalho ou atividade, a título não remunerado ou a título remunerado se não for na mesma empresa ou grupo empresarial ou já tenha decorrido três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada, concluindo, em conformidade, que no caso é de reconhecer ao Autor o direito a receber a sua pensão de velhice antecipada, sem que esteja obrigado a renunciar ao cargo social que exerce na sociedade “F... -Sociedade de Construções e Comércio, S.A.” desde que esse exercício seja a título gratuito, pelo que, julgou procedente a presente ação e reconheceu ao Autor o direito à perceção da pensão de velhice que lhe foi deferida, sem obrigação de renúncia ao exercício a título gratuito do cargo social na sociedade “F... -Sociedade de Construções e Comércio, S.A.

Na decisão recorrida consignou-se designadamente o seguinte: «Da análise do preceito referido, resulta que, por regra, a acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho é possível (cfr. n.º 1 do citado preceito legal), sem prejuízo das excepções mencionadas nos n.º 2 e 3 do artigo 62.º do referido diploma legal.
Historicamente, já o artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 329/93 de 25 de Setembro previa a possibilidade de acumulação de pensões de velhice com rendimentos de trabalho (ainda que não se reportasse, em específico, a situações de pensão de velhice por antecipação).
Por outro lado, nos termos do artigo 62.º, n.º 3 (norma interpretanda), a excepção ao princípio estabelecido no n.º 1, refere que É proibida a acumulação de pensãocom rendimentos provenientes do exercício de trabalho ou actividade, a qualquer título, …”.
Pretende o legislador que o pensionista enquadrado nesta situação em concreto fique impossibilitado de auferir rendimentos, provenientes do exercício de uma qualquer actividade e não impossibilitado de exercer uma qualquer actividade.
A impossibilidade de acumulação há-de reportar-se aos rendimentos e não ao exercício de uma actividade.
Com efeito, haverá acumulação se estivermos perante duas situações da mesma natureza, o que não sucede se, por um lado, reportarmo-nos à actividade exercida e, por outro, à sua remuneração, pelo que a expressão “a qualquer título”, indubitavelmente respeitará ao exercício de uma actividade, quer seja a título de trabalhador dependente, membro de órgão estatutário Doravante MOE ou prestador de serviços e, já não, se o exerce gratuita ou onerosamente.
O fim da norma, isto é, a sua ratio legis, tem em vista prevenir, em prole da moralização do sistema de segurança social, que alguém auferindo pensão de velhice antecipada, no âmbito do regime da flexibilização, mantenha-se, na mesma empresa ou grupo empresarial onde exerceu anteriormente funções, retirando dessa actividade rendimentos.
Isto é, aproveitando a oportunidade que o Estado lhe concede, atento o número de anos contributivos, requerer a sua pensão de velhice antecipadamente e, não obstante, manter-se na mesma empresa ou grupo empresarial, auferindo remunerações, como se não se tivesse aposentado.
Ademais, impera esclarecer que esta proibição de acumulação é limitada, por um lado, aos rendimentos auferidos na mesma empresa ou grupo empresarial (donde provém a sua pensão de velhice) e, por outro lado, ao período temporal de três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada.
Quer isto dizer que tal proibição já não vale para remunerações auferidas pelo exercício de trabalho ou qualquer outra actividade em empresas ou grupo empresarial para o qual o pensionista não haja desempenhado funções e, mesmo para aquelas em que exerceu funções remuneradas, vale nos 3 primeiros anos a contar da atribuição da pensão.
Tal entendimento vem, ainda, reforçado pelo disposto no artigo 92.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 187/2007, ao estatuir que constitui contra-ordenação punível a acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho em violação do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 62.º, isto é, ao considerar que existe fundamento para punir com contra-ordenação aquele que, auferindo pensão de velhice por antecipação, ao abrigo do regime de flexibilização, cumule rendimentos percebidos de uma qualquer actividade remunerada na empresa ou grupo empresarial para o qual havia exercido funções.

Concluindo.
Quer do elemento literal, quer do elemento sistemático, quer do que resulta histórica e teleologicamente, a interpretação que deve fazer-se do artigo 62.º, n.º 3 do DL 187/2007, de 10 de Maio é a de que não é proibida a acumulação da pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com o exercício de trabalho ou actividade, a título não remunerado ou a título remunerado se não for na mesma empresa ou grupo empresarial ou já tenha decorrido três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada.
Neste sentido, impera reconhecer ao Autor o direito a percepcionar a sua pensão de velhice antecipada, sem que esteja obrigado a renunciar ao cargo social que exerce na sociedade “F... – Sociedade de Construções e Comércio, S.A., desde que esse exercício seja a título gratuito.
A este respeito resulta do probatório que, face ao extracto de remunerações junto pelo Réu respeitante ao período entre Janeiro de 2003 até Março de 2012 (cfr. facto 16) da matéria assente), tendo o Autor auferido remunerações como MOE da sociedade em causa, não haverá lugar ao pagamento da pensão mensal até ter cessado a remuneração (cfr. n.º 4 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio)».

É contra esta decisão que o Recorrente se insurge, pretendendo que a mesma seja revogada.
Mas desde já se antecipa não vermos nenhuma razão para divergir da sentença recorrida, tendo em conta o rigor e o acerto jurídico da sua fundamentação, que secundamos integralmente.
No caso sub espécie, a questão nuclear a decidir, como aliás o Recorrente expressamente equaciona, consubstancia-se em saber se a solução normativa gizada pelo artigo 62.º, n.º3 do DL 187/2007, de 10/05 proíbe a acumulação da pensão antecipada de velhice com o exercício não remunerado da atividade de gerente de uma sociedade comercial por parte do autor.
O artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10/05, sob a epígrafe “Acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho ou actividade” estabelece que:
«1-A acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho é livre, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2-As pensões de velhice resultantes da convolação das pensões de invalidez absoluta não são acumuláveis com rendimentos de trabalho.
3- É proibida a acumulação de pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com rendimentos provenientes de exercício de trabalho ou actividade, a qualquer título, na mesma empresa ou grupo empresarial, por um período de três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada.
4-O exercício de actividade em violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 determina a perda do direito à pensão durante o correspondente período, sem prejuízo da aplicação dos regimes legais de restituição das prestações indevidamente pagas e sancionatório.
5-Em caso de violação do disposto no n.º3, a entidade empregadora ou a entidade a quem seja prestado o serviço é solidariamente responsável pela devolução das prestações recebidas indevidamente pelo beneficiário desde que a situação seja do seu conhecimento».
Em primeiro lugar, ressalta do disposto no n.º1 do art.º 62.º do DL 187/07, de 10/05, que o legislador estabeleceu, como regra, a possibilidade das pensões de velhice serem acumuláveis com rendimentos do trabalho.
Porém, é certo que logo nos n.º2 e 3 do citado preceito legal, excecionou dessa regra, as situações aí previstas, podendo ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, que “No sentido ainda de moralizar a opção pelo regime e atendendo às suas consequências quer no sistema de pensões quer no mercado de trabalho, estabelece-se agora a proibição de acumulação da pensão antecipada com a continuação imediata de prestação de trabalho na mesma empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua actividade profissional antes da reforma”. E daí que no caso se coloque a questão de saber, perante o disposto no art.º62.º/3 do DL n.º 187/2007, qual a amplitude da exceção à regra da possibilidade das pensões antecipadas de velhice serem cumuláveis com o exercício de trabalho ou atividade profissional que vinha sendo desempenhada pelo pensionista.
A este respeito, é inegável que no art.º 62.º/3 do diploma em análise, o legislador estabeleceu a proibição de acumulação da pensão antecipada de velhice com rendimentos provenientes da continuação imediata de prestação de trabalho na mesma empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua atividade profissional antes da reforma. Mas também se nos antolha insofismável, pelas razões que constam da decisão recorrida, que essa acumulação não é proibida (i) caso se trate de continuação de prestação de trabalho a empregador diferente, isto é, noutra empresa em que já trabalhasse mas que não a empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua atividade profissional antes da reforma ou, em qualquer caso, se não houver a perceção de rendimentos.
Deste modo, a interpretação feita pelo Recorrente de que o recorrido não pode beneficiar da sua pensão de reforma enquanto não renunciar ao cargo social que exerce na sociedade “F... – Sociedade de Construções e Comércio, S.A.”, desde que a título gratuito, carece, na nossa otica, de qualquer sentido, e não tem apoio na letra da lei, limite que qualquer exercício de interpretação deve respeitar para se manter dentro do quadro hermenêutico consagrado no artigo 9.º do Código Civil.

Atento o exposto e sem necessidade de quaisquer outras considerações, impõe-se manter a decisão recorrida, assim improcedendo o recurso interposto pelo Recorrente.
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4 - DECISÃO:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 17 de abril de 2015
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins.