Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02876/11.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores: GESTÃO DE PESSOAL; ATO ADMINISTRATIVO; IMPUGNABILIDADE.
Sumário:I-A existência de um contrato de gestão celebrado no âmbito de uma parceria público privada, no qual se estabeleceu que a sociedade privada teria de preencher a sua estrutura de recursos humanos mediante recurso a, pelo menos, 95% do pessoal que à data exercesse funções no ente público, não leva a que se considere como inimpugnável a decisão conjunta por meio da qual se procede à seleção do pessoal que seja afetado à gestão privada.
II- Uma tal decisão não é decorrência automática da citada estipulação contratual, comportando uma estatuição do ente público, quer quando assume a transição dos trabalhadores para a gestão privada, quer quando mantém esses trabalhadores no âmbito da gestão pública.
III- A não transição para a gestão privada pode ser prejudicial para os trabalhares que dela tenham sido excluídos, e como tal, constitui um estatuição administrativa com eficácia externa, suscetível de ser impugnada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JBB
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE, I.P. e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, pugnando pelo não provimento do recurso e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO:
JBB, residente na Rua…, inconformado, interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 28 de novembro de 2013, que julgou procedente a exceção dilatória referente à inimpugnabilidade dos atos questionados na ação administrativa especial que intentou contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE, I.P. (em diante, ARS Norte, IP), na qual indicou como contra-interessada a EB- SOCIEDADE GESTORA DO ESTABELECIMENTO, S.A. (em diante EB), em que pedia a declaração de nulidade ou a anulação da decisão que determinou que a relação jurídica de emprego público que o Autor mantinha com o Hospital de SM passava a partir de 16 de maio de 2011 a ser gerida pela ARS Norte, IP, não transitando o mesmo para o Novo Hospital de B....
*
O Recorrente alegou e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:
« a) O facto constante de x encontra-se incorrectamente julgado, já que o documento que o suporta manifestamente não diz respeito ao Recorrente;
a) O Tribunal a quo concede que o Recorrente é titular de uma relação jurídica de emprego público que se constituiu com o Hospital de SM;

b) Os actos impugnados: (a) determinam que a relação jurídica de emprego público do Recorrente (que até aí tinha como sujeito passivo o Hospital de SM) passaria a ser gerida pela ARSN, (b) e que o Recorrente não transitava para o novo Hospital de B...;

b) Defende o Tribunal a quo que tais actos não consubstanciam acto administrativo na acepção do artigo 120.º do CPA porque não definem “qualquer situação jurídica, muito menos por via autoritária e não é susceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos numa situação individual concreta”.

c) Porém, tal acto: (a) altera o sujeito passivo da relação jurídica de emprego público, e (b) determina a não transmissão da posição jurídica do Recorrente na sequência da transmissão do estabelecimento hospitalar;

d) No que consubstancia uma definição unilateral da situação jurídica do Recorrente por parte da Administração.

e) Viola, pois, o acórdão, quer o sobredito artigo 120.º do CPA quer o artigo 268.º, n.º 4, da CRP que consagra a garantia de impugnação contra quaisquer actos lesivos;

f) Trata-se, por conseguinte, de acto impugnável;

g) Mas o acórdão ainda considerou que tal acto se fundava em contrato – não em norma legal, mas em estipulação contratual, entendendo tal como se a relação de emprego público se pudesse modificar, não com fundamento em norma jurídica, mas em estipulação contratual de terceiros, ainda que um deles seja uma entidade pública;

h) Sendo o Recorrente um agente administrativo, titular de uma relação jurídica de emprego público, como reconheceu o Tribunal a quo, esta só pode modificar-se com fundamento na lei – artigo 266.º da CRP – não com fundamento numa estipulação contratual de terceiros, como foi o caso;

i) O acto impugnado não consta de qualquer acta do Conselho Directivo da ARSN, IP, sendo certo que, nos termos dos artigos 1.º, 4.º, alínea a) e 5.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 222/2007, de 29/05, é o Conselho Directivo o órgão executivo da ARS;

j) E, como órgão colegial que é, os seus actos têm que constar de acta – artigos 19.º e 27.º do CPA – acta que não contém tal acto que, como tal é inexistente, ou no limite, nulo – cf. artigo 133.º, n.º 2, alínea f) do CPA;

k) Ao dispor como dispôs, violou o Tribunal a quo as normas descritas nas alíneas i) e j);

l) E, sendo tal acto um acto modificativo de uma relação jurídica de emprego público, apenas podia ter como fundamento uma norma jurídica (cf. artigo 266.º da CRP) – e no caso tal acto funda-se numa estipulação contratual (alias, contra legem) e não na lei – como, aliás, o reconhece o Tribunal;

m) Trata-se, por conseguinte, de um acto inexistente, ou pelo menos nulo – “nulidade por natureza” - por total carência de norma legal que o habilite – cf. artigo 133.º, n.º 1, do CPA;

n) Ao dispor como dispôs violou o Tribunal a quo as disposições citadas nas alíneas l) e m);

o) Finalmente, para além do exposto, o Recorrente, agente administrativo, então vinculado ao Hospital de SM, com a transmissão do respectivo estabelecimento hospitalar, viu a sua posição, mantida embora como de direito público, transmitida para o adquirente do estabelecimento;

p) Pelo que os actos impugnados, e com eles o acórdão recorrido, violaram, por desaplicação, o disposto na Base XXX, n.º 1, da Lei de Bases do SNS, 32.º do Estatuto do SNS, 88.º, n.º 4, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, 1.º, n.º 1, alínea a) e 3.º, n.º 1, da Directiva 2001/23/CE, 16.º a 18º da Lei n.º 23/2004, de 22/06 e 285.º, n.º 1, do CT e 116.º, n.º 1, do RCTFP»

Termina requerendo o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.

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A Recorrida ARS NORTE, I.P., não contra-alegou.
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A Recorrida EB contra-alegou, enunciado as seguintes CONCLUSÕES:

« A. Não obstante a imprecisão constante no facto “x” da Sentença recorrida, sempre se deverá considerar como provado que no dia 4 de Maio de 2011 foi dirigido ao Recorrente um ofício comunicando a não transição deste para o novo Hospital de B..., mantendo todos os direitos e deveres inerentes à relação jurídica de emprego público que tinha com o Hospital de SM.

B. No julgamento do presente recurso importa, em primeiro lugar, ter presente o enquadramento da gestão do estabelecimento hospitalar (antigo Hospital de SM) e dos contratos de trabalho sub iudice, que são, desde 01.09.2009, geridos pela Recorrida EB através de um Contrato de Gestão celebrado em 09.02.2009 entre o Estado Português e a Recorrida EB em regime de parceria público-privada.

C. Foi igualmente estipulado que, até à data da conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo edifício, a Recorrida EB deveria manter a totalidade do pessoal afeto ao Hospital de SM, que exercesse uma atividade de trabalho subordinada mediante contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público.

D. Após a conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo Hospital, a Recorrida EB teria que preencher a respetiva estrutura de recursos humanos em pelo menos 95% com recurso ao pessoal que exercia funções no Hospital de SM (cf. Cláusula 66.ª, n.º 2 do Contrato de Gestão).

E. Deste modo, e no que se refere ao pessoal, as disposições do Contrato de Gestão são claras no sentido de que a Recorrida EB é apenas responsável pela gestão corrente do pessoal que já se encontrava afeto ao Hospital de SM antes de 01.09.2009, através de contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público, uma vez que os respetivos vínculos laborais se mantiveram com a mesma entidade empregadora ─ o Hospital de SM.

F. Uma vez que o Hospital de SM permaneceu como a entidade empregadora, foi contratualmente determinado que “[a]pós a Conclusão da Transferência do Estabelecimento Hospitalar para o Novo Edifício Hospitalar, [a ARS Norte] assume a obrigação de gerir e remunerar o pessoal que não seja transferido e afecto a cada uma das Entidades Gestoras através do Hospital de SM” (Cláusula 67.ª, n.º 4 do Contrato de Gestão).

G. Deste modo, intervindo na gestão do Hospital de B... nos estritos termos do Contrato de Gestão, a verdade é que a EB é uma entidade de direito privado, com capitais exclusivamente privados e não dispõe, nessa medida de quaisquer poderes de direito público, como é necessário para que, por exemplo, pudesse praticar um ato administrativo.

H. Aliás, conforme resulta do objeto social da Recorrida, a EB não é uma entidade que disponha de qualquer poder público – quer seja o poder de emitir regulamentos, quer seja o poder para praticar atos administrativos – pelo que apenas pratica, naturalmente, atos de gestão privada.

I. À EB também não foram atribuídos quaisquer poderes públicos de molde a exercer uma função materialmente administrativa, constituindo antes uma entidade privada a quem foram confiados meros poderes de gestão contratual e que, por conseguinte, pratica, apenas e naturalmente, atos de gestão privada e não ─ sob pena de usurpação de funções ─ atos ou “decisões (materialmente) administrativas” (cf. Mário Esteves de Oliveira & Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA Anotado, p. 348).

J. Tendo presente a natureza e o tipo de atuação da EB, impõe-se concluir – como consta da Sentença recorrida (cf. p. 12) – que “a comunicação em causa, ao informar o A.” [Recorrente] “da não transição para o novo Hospital, nem sequer consubstanciam actos administrativos, na acepção do art. 120.º do CPA, já que não é definidor de qualquer situação jurídica, muito menos por via autoritária, nem é susceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, pelo que, não é contenciosamente impugnável”.

K. Assim, a comunicação em crise limitaram-se a dar conhecimento de que terminava ali a gestão que havia sido feita da prestação do trabalho do Recorrente, consubstanciando-se como uma mera comunicação, feita entre privados – à exclusão da ARS Norte que assinou igualmente a comunicação em questão – sem que qualquer deles exerça poderes públicos e que se deve manter nesse domínio.

L. Por seu turno, prescreve o artigo 51.º, n.º 1 do CPTA quanto à noção de ato administrativo impugnável que “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.

M. Ora, atendendo ao enquadramento acima exposto, ainda que se entendessem que a comunicação em questão poderia consubstanciar um ato administrativo, nunca estaríamos perante um ato administrativo impugnável, na medida em que a comunicação em causa se limitou a transmitir que a relação laboral entre o Recorrente e o Hospital de SM passaria, a partir de 16 de Maio de 2011, a ser gerida pela ARS Norte – não transitando, por conseguinte, para o novo Hospital de B... – e mantendo todos os direitos e deveres inerentes à relação laboral até então que detinha.

N. Assim, como foi referido na Sentença recorrida “não se pode reconhecer a tal comunicação qualquer carácter regulador ou constitutivo, pois do que se trata é de reconhecer a permanência da posição do A.” [do ora Recorrente] “que conservará a situação jurídica concreta que já detinha, por força dessa não transição para o novo Hospital, sendo certo que essa situação, consubstanciada na não transição de parte do pessoal do Hospital de SM para o novo Hospital, é resultante de cláusula contratualmente fixada no acordo firmado entre o Estado e a EB” (cf. p. 12 da Sentença).

O. Não sendo a Recorrida EB, em momento algum, entidade empregadora e tendo terminado a gestão corrente do pessoal afeto ao Hospital de SM a que se comprometeu pelo Contrato de Gestão, não lhe poderá ser imputada qualquer alteração subsequente da carreira profissional do Recorrente.

P. Com efeito, a Recorrida pautou a sua gestão corrente pelo respeito dos deveres a que se encontrava adstrita, sendo prova disso a ausência de invocação de qualquer fato do Recorrente nesse sentido.

Q. Veja-se que no âmbito de um processo com objecto análogo ao dos presentes autos e com as mesmas partes demandadas, o Supremo Tribunal Administrativo – por acórdão de 03/04/2014, referente ao processo n.º 01734/13 – entendeu que as comunicações em causa no âmbito do referido processo (cujo teor corresponde, na íntegra, ao disposta na comunicação visada nos presentes autos) não consubstanciam um acto administrativo.

R. Acresce que nem tão pouco foram criadas quaisquer expectativas no Recorrente quanto à sua transferência para o novo Hospital, visto que e tendo em conta o contratualmente acordado, apenas 95% do pessoal que exercia funções no Hospital de SM viria a integrar a estrutura dos recursos humanos no novo Hospital de B....

S. Assim entendeu a Sentença recorrida, referindo que “não se vislumbra que tenha sido criado no A.” [do ora Recorrente] “(ou em qualquer outro funcionário que integre a lista daqueles que não transitaram para o novo Hospital) qualquer expectativa de transição, nem tão pouco que essa transição constitua um qualquer acto sancionatório encapotado como parece entender o” [Recorrente] “ou, inclusive, que o mesmo seja causador de lesão de algum direito ou interesse legalmente protegido, nomeadamente, no que tange à carreira profissional” (cf. p. 13 da Sentença).

T. Por último, também não poderá ser arguido que a comunicação em crise se apresenta como um ato juridicamente inexistente ou nulo, desde logo porque, resultando do Contrato de Gestão o destino e o regime aplicável aos trabalhadores após a construção do novo edifício hospitalar, não seria necessário qualquer deliberação do Conselho Diretivo da ARS Norte a esse respeito.

U. Ainda que assim não se entendesse – o que apenas por cautela de patrocínio se admite – a falta de tal deliberação, a ser exigível, traduziria, apenas, uma preterição de formalidade não essencial, a qual, por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos resultaria numa mera irregularidade.

V. Por todo o exposto supra, é manifesta a ausência de qualquer insuficiência ou invalidade da Sentença recorrida, tendo o tribunal a quo com justeza e retidão julgado procedente a invocada exceção de impugnabilidade da comunicação, bem como concluído pela inexistência de qualquer violação de direito tutelado do Recorrente.»

Termina requerendo o não provimento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146.º do CPTA, pronunciou-se nos termos do parecer de fls. 501-505, pugnando pelo não provimento do recurso e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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2.DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO- QUESTÕES DECIDENDAS
Tendo em consideração que são as conclusões de recurso que delimitam o objeto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho ex vi artigos 1º e 140º do CPTA), as questões a dirimir passam por saber se a decisão recorrida enferma de:
(i) erro de julgamento sobre a matéria de facto contida no ponto X da sua fundamentação de facto;
(ii) erro de julgamento de direito por ter considerado verificada a exceção da inimpugnabilidade dos atos questionados e, consequentemente, absolvido a entidade demandada da instância.
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3.FUNDAMENTAÇÃO
3.1.MATÉRIA DE FACTO
Da decisão recorrida resultam assentes os seguintes factos:
«i) Na presente acção, instaurada por JBB contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE é peticionada a declaração de inexistência, ou, se assim não se entender, a anulação da decisão que determinou que a relação jurídica de emprego público que o A. mantinha com o Hospital de SM passava a partir de 16 de Maio a ser gerida pela ARS Norte, I.P., não transitando desta forma para o Novo Hospital de B...;

ii) Correu termos no presente Tribunal uma acção executiva, registada sob o nº. 3193/09.8BEPRT, instaurada por JBB contra o HOSPITAL SM DE B... no qual se peticionou: a) A nomeação do Exequente; b) A nomeação da comissão de avaliação curricular a que se refere o artigo 23º, nº.1, alínea b) do Decreto-Lei nº., 73/90, de 06.03; c) A ser o currículo informado favoravelmente pela comissão de avaliação curricular, a promoção a assistente graduado com efeitos a 7 de Julho de 2007; d) O pagamento das diferenças salariais referentes aos anos de 1999 a 2007 (até 7 de Julho), nos montantes de 313.905,28 €; e) O pagamento das diferenças salariais, considerando a sua promoção, nos termos referidos na alínea e), desde 7 de Julho de 2007 até à presente data, no montante de 134.270,46 €; f) A não ser o currículo do Exequente informado favoravelmente, o pagamento das diferenças salariais desde 7 de Julho de 2007 até à presente data, no montante de 119.086,24 €; g) A efectuação de descontos para aposentação e sobrevivência relativamente ao período de 1999 a 2009, sobre os montantes retributivos a que tem direito e a sua entrega às entidades competentes; h) O pagamento de juros de mora à taxa legal, sobre o montante das diferenças salariais referidas nas alíneas) d) e e) ou 1), conforme o caso, desde as datas de vencimento até á de integral pagamento;

iii) Na sequência de concurso público, a EB celebrou, em 09.02.2009, o Contrato de Gestão com o Estado Português (nesse acto representado pela ARSN) para a concepção, construção, organização e funcionamento do Hospital de B..., integrado no Serviço Nacional de Saúde, que se destina a realizar prestações de saúde (Cláusula 6.ª do Contrato de Gestão), tudo em regime de parceria público - privada em saúde;

iv) No que ao pessoal concerne, foi estipulado que, até à data da conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo edifício, a EB deveria manter a totalidade do pessoal afecto ao Hospital de SM, que exerce uma actividade de trabalho subordinada mediante contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público sem prejuízo da eventual extinção de situações jurídicas que ocorram até à data indicada [cláusula 66.ª, n.º 1 do Contrato de Gestão];

v) A cláusula 67ª, nº1 do contrato de gestão dispõe que “o pessoal com relação jurídica de emprego público que pertença ao quadro de direito público do Hospital de SM, passa a exercer a sua actividade para a Entidade Gestora do Estabelecimento até à Conclusão da Transferência do Estabelecimento para o Novo Edifício Hospitalar, mantendo o respectivo vínculo”;

vi) Após a conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo edifício hospitalar, a EB obrigou-se “a preencher a respectiva estrutura de recursos humanos em pelo menos 95% com recurso ao pessoal que actualmente exerce funções no Hospital de SM, mediante os instrumentos de mobilidade previstos na lei” – nº2 da Cláusula 66ª do Contrato de Gestão;

vii) Em 4 de Maio de 2011 teve lugar uma reunião relativa aos recursos humanos do Hospital de B... em regime de parceria público-privada entre a entidade pública contratante, representada pela ARS e a EB, da qual foi lavrada acta homologada em 20/5/2011 pela Ministra da Saúde, na qual, entre o mais, foi acordado qual o pessoal que seria transferido para o novo Hospital e qual o pessoal que não era transferido - cfr. doc. de fls. 2 a 28 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

viii) Por força do nº4 da Cláusula 66ª do Contrato de Gestão, “ Os recursos humanos referidos nos nºs 2 e 3 devem ser distribuídos entre a Entidade Gestora do Estabelecimento e a Entidade Gestora do Edifício, mediante lista nominativa incluída no Plano de Transferência, tendo em conta a actividade que cada uma das Entidades Gestoras irá desenvolver”;

ix) Na Cláusula 67ª, n.º 4 do Contrato de Gestão foi estipulado que após a Conclusão da Transferência do Estabelecimento Hospitalar para o Novo Edifício Hospitalar, a ARSN assume a obrigação de gerir e remunerar o pessoal que não seja transferido e afecto a cada uma das Entidades Gestoras através do Hospital de SM;

x) Com data de 4 de Maio de 2011 foi dirigido ao Autor A. o ofício seguinte:
(imagem omissa)

xi) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos.

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3.2 DO DIREITO
3.2.1.Do Erro de Julgamento Sobre a Matéria de Facto.
O Recorrente alega que a matéria de facto constante do ponto “X” da fundamentação de facto da decisão recorrida foi mal julgada pelo tribunal a quo, na medida em que a transcrição da carta em apreço contém a indicação de “MMLB” e não a identificação do Recorrente, mas que não obstante essa incorreção de identificação deverá manter-se o demais do facto “X”.
Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal a quo, alegando lapso na transcrição do ofício referente ao Recorrente, procedeu à correção da matéria de facto vertida nesse ponto, nos termos pretendidos pelo Recorrente.
Assim sendo, a pretensão do autor já se encontra satisfeita, pelo que nada mais se impõe ordenar ou decidir a este respeito.

3.2.2. Do Erro de Julgamento Sobre a Matéria de Direito.
Constitui objeto do presente recurso o aresto proferido pelo TAF do Porto que julgou procedente a exceção dilatória relativa à inimpugnabilidade dos atos questionados e, em consequência, absolveu da instância a ARS Norte, IP.
No entendimento do Recorrente, a comunicação que lhe foi dirigida a informá-lo que a relação de emprego público que o mesmo mantinha com o Hospital de SM passaria a ser gerida a partir do dia 16 de maio de 2011 pela ARS Norte, IP, e que o mesmo não transitaria para o novo Hospital de B..., mantendo todos os direitos e deveres inerentes à referida relação jurídica de emprego público, constitui um ato administrativo impugnável, nulo ou inexistente, pelo que, ao assim não ter considerado, o aresto recorrido violou o disposto no artigo 120.º do CPTA e artigo 268.º/4 da Constituição.
Vejamos.
Resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo considerou o ato questionado na ação como inimpugnável por entender que o mesmo não consubstancia a prática de nenhum ato administrativo na aceção do artigo 120.º do CPA e artigo 51.º do CPTA, já que não é « definidor de qualquer situação jurídica, muito menos por via autoritária, nem é susceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, pelo que, não é contenciosamente impugnável». Considerou-se na decisão recorrida que com a decisão impugnada «do que se trata é de reconhecer a permanência da posição do A., que conservará a situação jurídica concreta que já detinha, por força dessa não transição para o novo Hospital, sendo certo que essa situação, consubstanciada na não transição de parte do pessoal do Hospital de SM para o novo Hospital, é resultante de cláusula contratualmente fixada no acordo firmado entre o Estado e a EB».
O Recorrente, diferentemente do entendimento sufragado pela decisão recorrida, sustenta que se está perante um ato impugnável na medida em que, pelo mesmo, é alterado o sujeito passivo da relação jurídica de emprego público, e determinada a não transmissão da sua posição jurídica na sequência da transmissão do estabelecimento hospitalar, o que, tudo, consubstancia uma definição unilateral da sua situação jurídica por parte da Administração.
Nesta linha de entendimento, conclui que o aresto recorrido viola, quer o artigo 120.º do CPA quer o artigo 268.º, n.º 4, da CRP que consagra a garantia de impugnação contra quaisquer actos lesivos.

Resulta da matéria de facto dada como assente no ponto iii) da fundamentação de facto da decisão recorrida, que na sequência de um concurso público cujo objeto foi adjudicado à EB, o Estado Português celebrou com a mesma, em 09.02.2009, o Contrato de Gestão que tem por escopo a conceção, construção, organização e funcionamento do Hospital de B..., integrado no Serviço Nacional de Saúde, e que se destina a realizar prestações de saúde (cfr. Cláusula 6.ª do Contrato de Gestão).
O referido contrato de gestão foi celebrado (e executado) em regime de parceria público-privada. Nesse contrato ficou estipulado que até à conclusão da construção do novo edifício hospitalar, a Recorrida ARS Norte, IP transmite à Recorrida EB o estabelecimento hospitalar designado por Hospital de B..., com efeitos a partir do dia 01/09/2009.
Nessa sequência, numa primeira fase, a Recorrida EB assumiu a gestão do estabelecimento hospitalar denominado Hospital de SM e, numa segunda fase, transferiu esse mesmo estabelecimento para o novo edifício hospitalar.
A gestão do estabelecimento hospitalar denominado Hospital de SM, que se processou na primeira fase do Contrato de Gestão, implicou a transmissão dos bens que o integravam.
No que concerne ao pessoal foi estipulado que, até à data da conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo edifício, a Recorrida EB deveria manter a totalidade do pessoal afeto ao Hospital de SM, que exercesse uma atividade de trabalho subordinada mediante contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público (vide Cláusula 66.ª, n.º 1 e Cláusula 56.ª, n.º 2 do Contrato de Gestão), passando assim a exercer a sua atividade para a Entidade Gestora do Estabelecimento até à transferência para o novo Hospital (vide Cláusula 67.ª, n.º 1 do Contrato de Gestão), sem prejuízo do respetivo vínculo se manter com o Hospital de SM.
Uma vez concluída a transferência do estabelecimento hospitalar para o novo Hospital de B..., e de acordo com o estipulado na Cláusula 66.º/2 do Contrato de Gestão, a EB teria de preencher a respetiva estrutura de recursos humanos em pelo menos 95% do total, mediante recurso ao pessoal que à data exercesse funções no Hospital de SM

Decorre das obrigações contratuais que se teve o ensejo de enunciar que, até à data da conclusão da transferência do estabelecimento hospitalar para o novo edifício, a Recorrida EB era apenas responsável pela gestão corrente do pessoal que se encontrava afeto ao Hospital de SM antes de 01.09.2009 através de contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público, uma vez que os respetivos vínculos se mantiveram com a efetiva entidade empregadora, neste caso, o Hospital de SM.

Como bem refere a Recorrida EB, vão neste sentido as disposições contratuais relativas: (i) ao financiamento do regime de previdência gerido pela Caixa Geral de Aposentações (vide Cláusula 66.ª, n.º 7 do Contrato de Gestão); (ii) ao regime de proteção da ADSE (vide Cláusula 66.ª, n.º 8 do Contrato de Gestão); (iii) ao pagamento das contribuições devidas para a Segurança Social e das responsabilidades em caso de acidente de serviço desses trabalhadores com vínculo de direito público (vide Cláusula 67.ª, n.º 3 do Contrato de Gestão) e; (iv) à aplicação de penas exclusivas que se mantém na esfera da entidade pública, enquanto empregador público (vide Cláusula 67.ª, n.º 2 do Contrato de Gestão).

Outrossim, tendo em conta que o Hospital de SM se manteve como empregador do pessoal com relação jurídica de emprego público, foi estipulado contratualmente que “[a]pós a Conclusão da Transferência do Estabelecimento Hospitalar para o Novo Edifício Hospitalar, [a ARS Norte] assume a obrigação de gerir e remunerar o pessoal que não seja transferido e afecto a cada uma das Entidades Gestoras através do Hospital de SM” (vide Cláusula 67.ª, n.º 4 do Contrato de Gestão). Nessa mesma linha, a ARS Norte obrigou-se a continuar a “assumir todas e quaisquer responsabilidades do Hospital SM com reformas dos trabalhadores, nomeadamente a comparticipação em encargos com pensões de reforma, seja relativamente aos que se encontram já reformados seja quanto aos que se reformarão em momento posterior”, durante toda a vigência do Contrato de Gestão (vide Cláusula 66.ª, n.º 9 do Contrato de Gestão).

Analisando o regime gizado no “Contrato de Gestão” celebrado entre o Estado e a EB, concluiu-se que a Recorrida EB apenas era responsável pela gestão corrente do pessoal que, em 01.09.2009, se encontrasse afeto ao Hospital de SM mediante contrato de trabalho ou relação jurídica de emprego público, pelo que, como sustenta a Recorrida EB, a relação jurídico-laboral existente com o Recorrente não lhe foi automaticamente transmitida com a transmissão do estabelecimento hospitalar.

Na verdade, nos termos do Contrato de Gestão em apreço, os vínculos públicos (laborais) existentes com o Hospital de SM, mantiveram-se na esfera da entidade empregadora pública mesmo após a data de início da gestão pela Recorrida EB, ou seja, após 01.09.2009, não tendo ocorrido nenhum ato transmissivo das relações laborais em causa do Hospital de SM para a Recorrida EB.

Como tal, em função da transmissão da gestão operada nos termos supra descritos, a partir de 01.09.2009, a EB passou a ser apenas responsável pela gestão do vínculo contratual do Recorrente com o Hospital de SM, nunca tendo assumido a qualidade de empregador, que permaneceu neste último e que posteriormente passou para a ARS Norte.

Conforme resulta do probatório, em 4 de maio de 2011 teve lugar uma reunião relativa aos recursos humanos do novo Hospital de B..., realizada entre a entidade pública contratante, representada pela ARS Norte, IP e a EB, da qual foi lavrada ata homologada em 20/5/2011 pela Ministra da Saúde, na qual, entre o mais, foi acordado qual o pessoal que seria transferido para o novo Hospital e qual o pessoal que não era transferido (cfr. ponto vii) dos factos assentes), figurando o Recorrente na lista do pessoal que não seria transferido.
Na sequência dessa reunião, e com data de 04 de maio de 2011, foi elaborada a comunicação escrita a que alude no ponto X) dos factos assentes, subscrita pela ARS Norte, IP e pela EB, remetida ao Recorrente, dando-lhe então a conhecer que «Nos termos do Contrato de Gestão celebrado entre o Estado Português e a EB…a relação jurídica de emprego público que V. Exa mantém com o Hospital de SM passará a partir do próximo dia 16 de Maio a ser gerida pela ARS Norte, I.P., não transitando desta forma V. Exa para o Novo Hospital de B... e mantendo todos os direitos e deveres inerentes à referida relação jurídica de emprego público».
O Recorrente considera que a decisão que lhe foi dada a conhecer através da referida comunicação consubstancia a prática de um ato administrativo impugnável.
Sobre a questão de saber se a decisão constante da sobredita comunicação constitui ou não ato administrativo impugnável, este TCAN- cfr. acórdão de 17/0652013, Processo n.º 2823/11.6BEPRT, não disponível na base de dados www.dgsi.pt -, já foi chamado a pronunciar-se numa situação similar, em que estava em causa uma comunicação igual à que foi remetida ao Recorrente, enviada a outros trabalhadores (enfermeiras) com relação jurídica de emprego público com o Hospital de SM, aos quais, à semelhança do Recorrente, lhes foi comunicado que não transitariam para o novo Hospital de B..., tendo este TCAN considerado que «a decisão que consta da referida comunicação tem eficácia externa e, por isso, é sindicável».
Para tanto, entendeu o TCAN que «não resultando dos autos existir qualquer outro ato que defina quais os enfermeiros que transitam para o novo Hospital e por outro lado os que ficam adstritos à ARS, a referida comunicação tem eficácia externa, pois, ao determinar que as referidas associadas não transitam para o novo Hospital, tal só pode significar que ficam a ser geridas pela ARS, apesar de com todas as regalias que já detêm.
Ora, não consta que se mantenham em funcionamento dois hospitais, antes resulta a sua fusão.
(…) O que significa que as recorrentes não indo para o novo hospital não vão ficar a trabalhar em qualquer outro hospital…sendo que estão fixados por portaria critérios para selecção do pessoal (artigo 4.º da portaria transcrita) independentemente de se poder chegar a concluir que possa existir alguma discricionariedade na escolha dos funcionários a transferir para o novo Hospital e da gestão da ARS dos restantes.
Tanto tem que poder ser sindicada esta comunicação que a mesma pode violar a cláusula que impõe que 95% do novo Hospital seja integrado com funcionários do antigo.
…E não se diga que está em causa um ato administrativo porque está em causa um ato proferido no âmbito de execução de um contrato administrativo, o contrato de parceria público privada aqui em causa e por ambas as entidades pública e privada, a ARS e a EB.
Aliás, como resulta do art.4.º da al.f) do ETAF compete aos tribunais administrativos conhecer de …
Estamos, pois, precisamente perante um ato de execução de contrato, praticado por ambas as entidades contratantes em contrato administrativo e que, por isso, reveste a natureza de administrativo».
No caso, é inegável que o ato questionado nos autos tem eficácia externa posto que o mesmo produziu efeitos lesivos na esfera do autor/Recorrente, conquanto é certo ter sido por meio desse ato que o autor/Recorrente viu ser determinada a sua não inclusão na lista dos trabalhadores a transferir do Hospital de SM (a extinguir) para o novo Hospital de B..., o que tem como consequência a impossibilidade do mesmo exercer a sua atividade no novo Hospital de B..., e a sua integração no quadro da ARS Norte, IP.
Aqui chegados, não podemos deixar de considerar a jurisprudência expendida no Acórdão do STA de 03/04/2014, proferido no processo n.º 01734/13, de que foi relator o Senhor Conselheiro Madeira dos Santos, que na sequência de recurso de revista revogou o identificado acórdão deste TCAN, e bem assim, o voto de vencido do Senhor Conselheiro Vitor Gomes.
O STA, nesse seu acórdão, embora afirme que a decisão revogada (acórdão do TCAN) «tem manifesta razão ao asseverar a eficácia externa dos actos impugnados e, até, a sua lesividade para as associadas do autor», logo acrescenta que «esses pormenores, por si sós, ainda não decidem da natureza dos actos. E é esta natureza que importa captar, visto que a impugnabilidade deles mediante a acção escolhida e interposta depende de serem, realmente, actos administrativos (cf o art. 46°, n.° 2. al. a). do CPTA).».
E quanto à natureza dos atos impugnados conclui que os mesmos não constituem atos administrativos, avançando para o efeito a seguinte fundamentação que ora se transcreve para melhor compreensão da solução que foi adotada:
«A noção de acto administrativo consta do art. 120º do CPA, preceito que o define como a estatuição autoritária que, «ao abrigo de normas de direito público», vise «produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» — o que logo sugere algum «apport» inovatório («vide», «hoc sensu», Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pág. 288). Por outro lado, a circunstância dos actos terem sido conjuntamente praticados por uma entidade pública (a ARS) e uma entidade privada (a recorrente) não se mostra absolutamente impeditiva da sua qualificação como administrativos; pois o art. 51°, n.° 2, do CPTA admite que as «entidades privadas» também possam emitir «decisões materialmente administrativas — e, por via disso, impugnáveis em acções administrativas especiais — desde que «actuem ao abrigo de normas de direito administrativo» («vide» também o art. 2°, n.° 3, do CPA).
As instâncias convieram na ideia de que os actos impugnados foram actos de execução do sobredito contrato administrativo; mas logo divergiram, pois o TAF viu aí a razão por que os actos não seriam administrativos, enquanto o TCA considerou que eles, ao executarem um contrato administrativo, revestiam, «eo ipso», a natureza de actos administrativos.
Não há dúvida quanto ao primeiro ponto: o título jurídico que imediatamente funda os actos impugnados é o dito contrato administrativo de gestão, «rectior», a sua cláusula que previa a possibilidade de que parte do pessoal do Hospital de SM não transitasse para o novo estabelecimento hospitalar, ficando integrada na ARS do Norte. Mas isto aponta logo para dois problemas, relacionados com o sentido e alcance dos actos e com o seu fundamento normativo.
Comecemos pelo primeiro desses dois pontos. Aquando da prática dos actos, o regime jurídico para o estabelecimento de parcerias público-privadas em saúde, sob a forma de gestão e de financiamento privados, constava do DL n.° 185/2002, de 20/8. E o art. 6° deste diploma previa que «o pessoal com relação jurídica de emprego público» que detivesse «a qualidade de agente ou funcionário» pudesse ser contratado pelas entidades privadas, concessionárias e gestoras dos estabelecimentos de saúde, «em regime de comissão de serviço» ainda que sem prejuízo da contratação se fazer segundo o regime da requisição e da licença sem vencimento.
Ora, os actos impugnados foram acometidos pelo autor na exacta medida em que não sujeitaram as associadas dele àquela comissão de serviço — ou à dita requisição. Mas o facto dessas representadas não terem sido alvo de uma comissão de serviço (ou de uma requisição) — permanecendo, no que concerne às suas relações de emprego público, «statu quo ante» — não envolveu, sequer, uma pronúncia inovadora. E, não havendo nos actos uma definição que, «de jure», inovasse quanto à situação estatutária das associadas do autor, difícil se torna divisar neles a natureza de actos administrativos».
E, concluiu-se que «os actos, na medida em que não activaram um instrumento de mobilidade em relação às associas do autor, mantiveram-nas, em termos estritamente jurídicos, na situação de emprego público em que elas já se encontravam. E, se aos actos é de recusar um qualquer cariz inovador nesse plano, que é o atacado na lide, parece impossível atribuir-se-lhes, aí, a produção de efeitos jurídicos de que dependeria a sua qualificação como actos administrativos.
Não obstante, e por ser óbvio que alguma mudança os actos trouxeram às associadas do autor no estrito plano dos factos, convém que consideremos ainda o segundo ponto, «supra» enunciado.
Radicando os actos num contrato, conforme já vimos, fica imediatamente sugerido que eles não promanem de «normas» — de «direito público» ou de «direito administrativo», como se diz nos arts. 120º do CPA e 51°, n.° 2, do CPTA; pois os actos foram emitidos em execução duma cláusula contratual cujas regras, mesmo que as apelidemos metaforicamente de «lex contractus», não são «normas» autênticas e enquadráveis na previsão dos dois citados artigos.
E esta distinção, para além de evidente por si, é facilmente explicável. As «normas» aludidas naqueles dois preceitos legais são, «grosso modo», regras atributivas de competência para o exercício do «jus imperii» (cf. Esteves de Oliveira, CPA Comentado, 2.ª ed., pág. 560); e é claro que não lhes podem ser assimiláveis as faculdades e os direitos subjectivos, mesmo que de índole potestativa, previstos em instrumentos contratuais e exercidos pelas partes.
Já assim não sucederia se, na cláusula contratual permissiva da escolha dos «recursos humanos», entrevíssemos uma veraz devolução — indirectamente fundada na lei que permitira contratualizá-la — para a entidade privada de poderes autoritários na matéria. Mas a cláusula 66.ª do contrato de gestão não é interpretável desse modo. Com efeito, a lógica do contrato é a da gestão privatística do estabelecimento hospitalar, na qual se inseria a eleição, ainda que condicionada no seu «quantum», dos recursos humanos que o parceiro privado encarasse como indispensáveis à melhor realização da actividade. Ora, seria estranho que a prevista possibilidade de aligeiramento do quadro de pessoal, justificada pela gestão privada que se seguirá, começasse exactamente pelo seu contrário, ou seja, pela prática de actos de autoridade. E antes se deve concluir que, na falta de uma clara previsão «ad hoc», a cláusula 66.ª do contrato não conferiu à recorrente qualquer prerrogativa autoritária no que concerne ao preenchimento da «estrutura dos recursos humanos»; de modo que ela, no estrito exercício da escolha do pessoal, actuaria segundo os normais critérios de gestão privada, apenas ordenados à eficácia e desvinculados de quaisquer regras administrativas. No fundo, e por ser sempre excepcional que entidades privadas, mesmo que concessionárias, disponham de poderes de autoridade, só devemos reconhecer-lhes um tal exercício quando ele seja claro e seguro — o que está muito longe de ocorrer «in casu», onde precisamente se indicia o contrário.
Assim, as pronúncias conjuntamente emitidas pela recorrente e a ARS do Norte quanto à não transição das associadas do autor não podem ser havidas como actos administrativos; pois, emergindo tais pronúncias de cláusulas contratuais, não se fundam, sequer de modo indirecto, em «normas» (de direito público) — elemento indispensável para que pudéssemos caracterizá-las como actos administrativos autênticos. Ao que acresce, recuperando-se agora o que acima dissemos, que, não envolvendo tais pronúncias uma qualquer transição, nem sequer se poderá entrever nelas uma decisão inovadora — e, portanto, um acto administrativo — quanto à situação das mesmas representadas.
E, contra o afirmado, não colhe o argumento que o TCA localizou no art. 4º, n.° 1. al. f), do ETAF. Com efeito, o problema dos autos não consiste em saber se o conflito aberto entre o autor e as entidades demandadas pode colocar-se e resolver-se no âmbito da jurisdição administrativa — embora tudo indica que possa, dado o que consta do art. 37º, n.° 3, do CPTA. O que está presentemente em causa é apurar se, ante a forma processual escolhida pelo autor — e que não enferma de qualquer erro, porque perfeitamente adaptada ao pedido formulado — a acção dispõe de um outro pressuposto processual, que consiste na impugnabilidade dos actos acometidos. E, como esta impugnabilidade depende de tais actos serem administrativos, o facto deles carecerem dessa natureza leva-nos a reiterar o que a 1.ª instância disse – que ocorre uma excepção dilatória, determinativa de que se deva absolver as entidades demandadas da instância».

Neste acórdão do STA foi lavrado voto de vencido por parte do Senhor Conselheiro Vitor Gomes, defendendo, ao invés da posição que fez vencimento, a impugnabilidade dos actos questionados nesse processo.
Ora, as razões aduzidas nesse voto de vencido merecem o nosso acolhimento, e são as seguintes: «Discordo da solução que fez vencimento, em breve síntese, pelo seguinte:
Não é exacto que os actos impugnados não produzam efeitos jurídicos na situação jurídica dos trabalhadores que não transitaram para o novo “Hospital de B...” e não devam considerar-se praticados ao abrigo de normas de direito público. Envolvendo a parceria público-privada em cujo âmbito ocorreram a transferência do estabelecimento hospitalar, com a programada extinção do “Hospital de SM”, a não inclusão na lista dos trabalhadores a transferir significa para os excluídos a impossibilidade de continuação de prestação do serviço que vinham desempenhando e a inclusão no quadro indiferenciado da ARS (cfr. a concretização final desse procedimento de reestruturação de serviços revelada pela Portaria 40/2012, de 10 de Fevereiro).
A selecção dos funcionários do estabelecimento hospitalar extinto que transitam para o novo estabelecimento será entre as partes do contrato de gestão a execução de uma cláusula contratual. Mas implica, pelo menos da parte do ente público, relativamente aos terceiros que são os trabalhadores do “Hospital de SM” um acto de gestão praticado no âmbito dos seus poderes na relação jurídica de emprego público. Não vejo obstáculo a que o acto materializado nas comunicações em causa seja perspectivado juridicamente nessa dupla vertente ideal, que tanto abrange os trabalhadores que acompanham a transferência do estabelecimento como os que são dela excluídos. Com efeito, não é a cláusula do contrato de gestão que obriga os trabalhadores a integrar-se na ARS ou a acompanhar a transferência do estabelecimento, mas a decisão do ente público que, relativamente a eles, só pode ser tomada no âmbito da relação fundamental do seu vínculo de emprego.
O entendimento que prevaleceu, sob a perfeição formal do discurso argumentativo que reconheço, comporta um resultado que repugna ao senso comum. À sua luz parece que teria de considerar-se a existência de um acto administrativo impugnável relativamente aos trabalhadores que acompanham a transferência do estabelecimento – a quase totalidade do pessoal que prestava serviço no estabelecimento hospitalar extinto -, sujeitos ao inerente instrumento de mobilidade, mas satisfeitos com o resultado. E já não haveria acto impugnável precisamente quanto àqueles para quem a selecção, tornada imperativa pela intervenção do seu ente público empregador, foi desfavorável. Ora, é relativamente a estes que o instrumentário garantístico do acto administrativo (p. ex. fundamentação da decisão, objectivação de critérios, observância do princípio da igualdade) se torna necessário.
Negaria, pois, provimento ao recurso».
Na linha de orientação definida pelo transcrito voto de vencido, também perfilhamos o entendimento que, pese embora exista um Contrato de Gestão celebrado entre a EB e o Estado Português, em cuja Cláusula 66.º/2 se estabeleceu que a EB teria de preencher a estrutura de recursos humanos do novo Hospital mediante recurso a, pelo menos, 95% do pessoal que à data exercesse funções no Hospital de SM, não pode sem mais afirmar-se que o ato impugnado se funda nesse contrato no que ao Recorrente respeita.
É que, em bom rigor, na situação em análise, não foi por decorrência automática da citada estipulação contratual que o Recorrente foi excluído da lista de pessoal a transitar para o novo Hospital gerido pela EB, cujo contrato não foi por si outorgado e em relação ao qual
é um terceiro.
Como bem se afirma no voto de vencido, «não é a cláusula do contrato de gestão que obriga os trabalhadores a integrar-se na ARS ou a acompanhar a transferência do estabelecimento, mas a decisão do ente público que, relativamente a eles, só pode ser tomada no âmbito da relação fundamental do seu vínculo de emprego.».
Por outro lado, para que o autor/Recorrente se visse excluído da lista que integrava os funcionários a transitar para o novo Hospital foi necessário, previamente, proceder à seleção do pessoal necessário à prossecução das atribuições da EB, e só nessa sequência é que o Recorrente se viu confrontado com a sua exclusão da dita lista.
Ora, no artigo 4.º da Portaria n.º 40/2012, de 10/02 refere-se o seguinte:
«Critérios de selecção do pessoal
Com vista a assegurar a adequada transição de pessoal nos termos do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, e do artigo 13.º da Lei n.º 53/2006. De 7 de dezembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 11/2008, de 20 de fevereiro, e 64-A/2008, de31 de dezembro, é fixado como critério geral e abstracto de selecção do pessoal necessário à prossecução das atribuições referidas no artigo 2.º o exercício efectivo de funções no organismo extinto, o Hospital Distrital de B..., bem como as necessidades reais e os perfis definidos para os postos de trabalho fixados no mapa de pessoal do serviço integrador».
Do disposto nesta norma resulta confirmado que a exclusão do Recorrente da lista do pessoal a transitar para o novo Hospital não foi uma decorrência automática do Contrato de Gestão celebrado com a EB, mas de um ato de seleção que o não incluiu na lista do pessoal a transitar para esse novo Hospital, decisão essa que ARS Norte, IP fez sua e comunicou ao autor/Recorrente.
Como bem se expende no voto de vencido não é de aceitar que exista um ato administrativo impugnável relativamente aos trabalhadores que integrem a lista dos funcionários a transitar, e não haja ato impugnável relativamente aos trabalhares que sejam excluídos dessa lista que, pese embora mantenham a relação de emprego público, são destinatários de um ato que os exclui dessa lista e, por conseguinte, da possibilidade da transitarem para o novo Hospital, realidade que pode ser prejudicial aos interesses dos atingidos. E é «relativamente a estes que o instrumentário garantístico do acto administrativo (p. ex. fundamentação da decisão, objectivação de critérios, observância do princípio da igualdade) se torna necessário»
Perante o exposto, impõe-se julgar procedente o erro de julgamento assacado à decisão recorrida e, como improcedente a exceção da inimpugnabilidade do ato questionado.

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4. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, julgar improcedente a exceção da inimpugnabilidade e ordenar a baixa dos autos à primeira instância, para prosseguimento dos mesmos, se nada mais a tal obstar.
Custas a cargo das Recorridas em ambas as instâncias.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 23 de setembro de 2015
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins