Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02864/06.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/18/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEÇÃO
Sumário:I. A presunção de notificação prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT funciona em duas situações, a saber:
- Recusa do destinatário a receber a notificação;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.
II. Se os avisos de receção foram devolvidos, não assinados, com a indicação de «Mudou-se», nada se adiantando a respeito de não terem sido reclamados ou levantados, não opera a presunção de notificação a que alude o nº 5 e 6 do art. 39º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
S…, Lda., NIPC 5…, com sede na Rua … Porto, deduziu oposição judicial ao processo de execução fiscal n.º 3387200201527371, por dívidas de IRC do exercício de 2000, no montante de €28.437,00.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
I O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição instaurada contra a liquidação adicional de IRC emitida sob o nº 8310033122 em 20/09/2002, relativa ao exercício de 2000, no montante de € 28 437,00.
II No douto decisório, a Mmª Juiz a quo concluiu pela caducidade do direito à liquidação, consubstanciada na falta de notificação válida no prazo de quatro anos, e extinguiu, em consequência, o processo de execução fiscal subjacente à oposição, a correr termos pelo Serviço de Finanças de Porto -7 (ora Porto-4), sob o nº 3387200201527371.
III Considerou o Tribunal que a questão a decidir se prende com o não recebimento da notificação da liquidação, para assim concluir pela existência de irregularidade por não observância da forma de notificação exigida por lei (facto C), ainda que com a 2ª notificação efetuada pelo SF de Porto 7 tenha sido observada a forma de notificação legalmente exigida e sanada a deficiência (facto E), e as consequências daí a retirar.
IV Entende a Fazenda Pública, ressalvado o devido respeito, que baseando-se a motivação da sentença na análise crítica dos documentos juntos aos autos, e nos factos alegados pelas partes, a prova integrada nos autos não permite sustentar os factos dados como provados pela Juiz “a quo”, designadamente no facto C) do probatório, o que conduz a que prova valorada a favor da oponente, padece de erro de julgamento.
Com efeito,
V A notificação da liquidação de IRC, emitida sob o nº 8310033122 com data de 20/09/2002, (1ª notificação), corporizada no Documento Único de Cobrança emitido pela Direção de Serviços do IR – Impostos sobre o Rendimento, sediados na A. Duarte Pacheco, 28 -1089 -013 LISBOA, foi remetida à sociedade aqui oponente pelos competentes serviços liquidadores da DGCI, expedida de Cabo Ruivo, sob registo postal e aviso de receção nº RY137209320PT, para a sede social constante do cadastro da DGCI (Rua …, Porto), cfr. cópias integradas nos autos a fls. 151 frente e verso [invólucro-mensagem] correspondendo a fls. 159/160 do processo digitalizado no SITAF.
VI Tendo aquela notificação sido devolvida ao órgão periférico local da sede do contribuinte (SF de Porto-7) em 27/09/2002, com a indicação de “MUDOU”, procedeu este serviço, depois de confirmada a inexistência de qualquer alteração de cadastro quanto ao domicilio fiscal, e em cumprimento do estipulado no nº 5 do art. 39º do CPPT, a 2ª notificação, expedida sob registo e AR nº RR394889745PT (estação da R. Augusto Luso) em 4/10/2002, notificação de novo devolvida, em 8/10/2002, com a indicação de “MUDOU” (cfr fls 153 e verso, correspondendo a fls 162/163 do processo digitalizado),
Ora,
VII Tendo ambas as notificações sido efetuadas por meio de cartas registadas com aviso de receção, remetidas para o domicílio fiscal da sociedade, constante do cadastro da DGCI, mostra-se observada a forma de notificação legalmente exigida (art 38º nº 1 do CPPT e 102º do CIRC), operando em consequência a presunção do recebimento da referida notificação, a que se refere o nº 5 do art. 39º do CPPT.
Concomitantemente,
VIII Tendo a primeira e segunda notificações ocorrido, respetivamente, em 27/09/2002 e 4/10/2002, igualmente se mostra respeitado o prazo geral de quatro anos para a Administração Tributária liquidar o imposto (prazo que, conforme se refere na douta sentença, apenas se extinguiria em 31/12/2004), cfr nºs 1 e 4 do art. 45º da LGT.
Em suma,
IX Não ocorrendo qualquer irregularidade por parte da Administração Tributária, não pode senão ter-se por válida e eficazmente notificada a oponente, dentro do prazo de caducidade,
X Devendo manter-se na ordem jurídica a liquidação adicional efetuada por não incorrer no vício que lhe imputou a douta sentença sob recurso.
Logo,
XI A douta sentença recorrida, ao concluir pela procedência da oposição e consequente extinção da execução fiscal, por considerar ter ocorrido caducidade do direito à liquidação por falta de notificação válida no prazo de quatro anos, padece de erro de valoração da prova quanto à matéria de facto dada como provada, e de erro de direito ao infringir o disposto nos normativos supra citados.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
A) No cumprimento do despacho n.º 31653 e da Ordem de Serviço n.º 31654, os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto procederam a ação inspetiva à aqui Oponente, tendo a ação externa decorrido entre o período de 9 de outubro de 2001 e 28 de fevereiro de 2002, cf. fls. 135 a 143 dos autos.
B) Do procedimento inspetivo resultaram correções ao IRC, tendo sido a matéria tributável cotejada com recurso à aplicação de métodos indiretos, nos termos do disposto no artigo 90° da LGT, conjugado com o artigo 54° do Código de IRC, cf. fls. 136 e139 dos autos.
C) Os Serviços da Direção Geral de Impostos procederam à notificação da liquidação n.º 8310033122 de 20.09.2002, por meio de carta registada para o seguinte remetente: “S…, Lda., Rua…Porto”, cf. fls. 151 dos autos.
D) A notificação da liquidação foi devolvida a 27 de setembro de 2002 com a indicação “Mudou”, cf. verso de fls. 151 dos autos.
E) Em 04/2002, foi enviada nova notificação da liquidação para o mesmo remetente, por carta registada com aviso de receção, devolvida aos Serviços em 8 de outubro de 2002, com a indicação de “Mudou” - fls. 153 e verso dos autos.
F) Foi instaurado no Serviço de Finanças do Porto 7°, o processo de execução fiscal (PEF) n°3387200201527371, respeitante a IRC do exercício de 2000, cf. fls. 154 dos autos.
G) Em 07/04/2005, foi intentada a presente ação de oposição à execução, cf. fls. 2 dos autos.
Factos Não Provados
Nenhuns, com interesse para a decisão da causa.
Motivação da decisão de facto
O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cfr. art. 74 da LGT), também são corroborados pelos documentos juntos cfr. predispõe o art. 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC).”
1.2 O julgamento da matéria de facto efetuado pela 1.ª instância vem posto em causa pela Recorrente/Fazenda Pública nas conclusões V e VII alegando que A notificação da liquidação de IRC, emitida sob o nº 8310033122 com data de 20/09/2002, (1ª notificação), corporizada no Documento Único de Cobrança emitido pela Direção de Serviços do IR – Impostos sobre o Rendimento, sediados na A. Duarte Pacheco, 28 -1089 -013 LISBOA, foi remetida à sociedade aqui oponente pelos competentes serviços liquidadores da DGCI, expedida de Cabo Ruivo, sob registo postal e aviso de receção nº RY137209320PT, para a sede social constante do cadastro da DGCI (Rua…, Porto)”, pelo que foram “… ambas as notificações sido efetuadas por meio de cartas registadas com aviso de receção, remetidas para o domicílio fiscal da sociedade, constante do cadastro da DGCI …”, afigura-se-nos que a recorrente dissente, não só da valoração da prova, mas essencialmente da não inclusão no facto C) de que aquela notificação foi sob registo postal e aviso de receção conforme resulta de fls. 151 dos auto físicos digitalizados.
Efetivamente, a razão está do lado da Recorrente, pelo que cumpre concretizar aditando à matéria de facto tal precisão, ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, nos termos que passamos a explicitar e com o respetivo fundamento indicado após a enunciação do facto:
H) A notificação da liquidação de IRC, emitida sob o nº 8310033122 com data de 20/09/2002, (1ª notificação), corporizada no Documento Único de Cobrança emitido pela Direção de Serviços do IR – Impostos sobre o Rendimento, a que se alude em C), foi remetida à sociedade aqui oponente, sob registo postal e aviso de receção nº RY137209320PT, para a Rua …, Porto (cfr. fls. 151 do processo físico)
1.3Enquadramento Jurídico
Para fundamentar a procedência da oposição (por caducidade do direito à liquidação) a M.ª Juiz do Tribunal “a quo”, referiu que:
“ (…)
Estando em causa nos presentes autos uma notificação adicional de IRC, estamos perante um ato tributário passível de alterar a situação tributária, subsumido ao que dispõe o artigo 36° do CPPT.
De igual forma, no caso dos autos, atento o que dispunha o Código de IRC no artigo 102° n.° 2 do Código, resultante da renumeração resultante da Lei 30-G/2000, de 2 de dezembro, as notificações efetuadas pela Direção-Geral dos Impostos são feitas por carta registada com aviso de receção.
In casu, a notificação da liquidação foi efetuada por carta registada sem aviso de receção, conforme probatório, facto C, verificando-se uma irregularidade por não observância da forma de notificação exigida por lei.
No entanto, com a 2a notificação, efetuada pelo Serviço de Finanças do Porto 7°, por meio de carta registada com aviso de receção, (facto E do probatório), foi observada a forma de notificação legalmente exigida e sanada a deficiência.
Há que aferir de seguida da perfeição da notificação em causa.
O artigo 39.° do CPPT estabelece a perfeição das notificações mediante a forma legalmente exigida.
No que contende com as notificações a efetuar por meio de carta registada com aviso de receção, estipula o n.º 5 do artigo 39° do CPPT uma presunção de notificação, estabelecendo-se que, na situação do aviso de receção ser devolvido ou não ser assinado por recusa do destinatário, nova notificação deve ser efetuada nos 15 dias seguintes à devolução, por carta registada com aviso de receção.
Assim, para fazer valer a presunção decorrente do n.° 5 do artigo 39° do CPPT, os Serviços da AT teriam que ter enviado uma 2ª carta registada com aviso de receção após a devolução de uma 1ª, também remetida por carta registada com aviso de receção, o que não se verificou.
No caso que aqui nos ocupa e apesar de terem sido enviadas ao Oponente duas notificações da liquidação adicional de IRC, verdade é que a 1ª foi remetida por meio de carta registada, tendo somente a 2ª sido remetida por carta registada com aviso de receção, não operando a presunção de notificação.
Na sequência do exposto e na falta de notificação válida no prazo de quatro anos, conclui-se que ocorreu a caducidade do direito à liquidação.”
A recorrente Fazenda Pública de acordo com as conclusões do recurso e que delimitam o seu objeto, vem articular que ao contrário da valoração da prova levada a efeito ambas as notificações (1ª e 2ª) foram efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção remetidas para o domicílio fiscal da sociedade, constante do cadastro da DGCI, mostrando-se como tal observada a forma de notificação legalmente exigida – art. 38º n.º 1 do CPPT e 102º do CIRC, operando em consequência a presunção do recebimento da referida notificação, a que se refere o n.º 5 do art. 39º do CPPT, e respeitado o prazo geral de quatro anos para AT liquidar o imposto.
É assacado à sentença erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada, originador de incorreta aplicação do direito ao caso, consistente em se ter erroneamente considerado, que não operou no caso a presunção do recebimento da notificação, a que se refere o n.º 5 do art. 39º do CPPT e, concomitantemente, não ter sido respeitado o prazo geral de quatro anos para AT liquidar o imposto.
Portanto, cristalizada que se mostra a matéria de facto após o aditamento operado, cumpre reconduzir os mesmos às normas aplicáveis in casu.
Vejamos então.
Cumpre entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, abordar a questão da validade da notificação e, concomitantemente, aferir da ocorrência da caducidade do direito à liquidação.
Constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da AT, quando o valor dessa determinação não for notificado ao contribuinte no prazo fixado na lei, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário.
Assim, a caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré – fixados, caracterizados pela peremptoriedade e, no ensinamento de Aníbal de Castro, A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, pág. 41, visa «limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há de exercer-se o direito...», havendo sido invocada logo na petição inicial como fundamento da impugnação.
De acordo com o disposto no art. 45º nºs l e 4 da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Tecidas estes considerandos, e na esteira do decidido e não controvertido na sentença sob recurso, atento o facto tributário, é inequívoco que o prazo de caducidade se consumaria a 31 de dezembro de 2004, i.e., passados 4 anos sobre a data em que se verificou o termo do facto gerador de imposto referente a IRC do exercício de 2000.
Neste domínio, é ponto assente que estamos manifestamente perante um imposto periódico (IRC) em que a caducidade da liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, que é o dia 31-12-2000 que marca o início do prazo em apreço, o que equivale a dizer que a AF tinha de proceder à sua liquidação e notificar esta ao sujeito passivo até 31-12-2004 por força do regime estabelecido no art. 45º nºs 1 e 4 da LGT que é o aplicável.
Centremo-nos, agora, no cerne do recurso, da validade da notificação da liquidação.
Resulta da norma do artigo 36º nº 1 do CPPT que a notificação dos atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legítimos é condição da sua eficácia em relação aos notificados.
Ali se preceitua:
Os atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
Por outro lado, no atinente ao modo de proceder à notificação dos referidos atos, preceitua o artigo 38º nº 1 do CPPT:
“1 – As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.
(…)”.
Atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes e abrangidos, portanto, pelo nº 1 do artigo 38º do CPPT, devem considerar-se não só aqueles que efetivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
Por isso, em princípio, serão de efetuar por carta registada com aviso de receção, entre outras, as notificações de atos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária e as de atos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais - nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 2006, pág. 345.
Exceção à referida regra é, por um lado, a da notificação das liquidações relativas a IRS efetuadas a partir de 1 de janeiro de 2001, data da entrada em vigor da Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, a qual deve ser feita através de carta registada e, por outro lado, a partir de 1 de janeiro de 2005, todas as notificações que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, na sequência da nova redação do nº 3 do artigo 38º introduzida pela Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro.
Assim, in casu, tratando-se de liquidações de IRC efetuada antes de 1 de janeiro de 2005, a forma escolhida – carta registada com aviso de receção – é a legal, em conformidade com o que dispunha o Código de IRC no artigo 102º n.º 2.
Pelo que a perfeição da notificação, terá que ser aferida segundo o regime legal consagrado para a emissão de carta registada com aviso de receção, qual seja, o decorrente dos nºs 3 a 6 do artigo 39º do CPPT.
A regra é a de que, havendo aviso de receção, a notificação se considera efetuada na data em que ele for assinado, tal como decorre do disposto no artigo 39º nº 3 do CPPT.
No casos de o aviso de receção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução, por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada no 3º dia útil posterior ao do registo, tal como resulta dos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT.
Revertendo ao caso sub judice, da factualidade provada resulta que:
- A liquidação foi enviada à Recorrida através de carta registada com aviso de receção, datando o registo nos CTT de setembro de 2002;
- Essa carta foi devolvida com a menção de “Mudou-se” em 30.09.2002, sem que o referido aviso tivesse sido assinado;
- Perante essa circunstância, em cumprimento do art. 39º nº 5 do CPPT, em 04.10.2002, foi enviada nova notificação da liquidação para o mesmo remetente - morada da recorrida/oponente constante do cadastro da administração tributária, por carta registada com aviso de receção, devolvida aos Serviços em 8 de outubro de 2002, com a indicação de “Mudou”, sem que o aviso de receção tivesse sido assinado.
Efetivamente, dispõem o nº 5 do citado art. 39º do CPPT que: «Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vir assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal».
E, dispõe, também, o nº 1 do art. 41º do CPPT que «as pessoas coletivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem».
No caso, conforme acima se disse e resulta do probatório, AT procurou notificar a liquidação de IRC2000 à recorrida/oponente através de carta registada com AR em 29.09.2002 mas esta foi devolvida com a indicação aposta no respetivo envelope, de "Mudou-se" (cfr. item C) e D) e H) do Probatório) e no seguimento, foi, então, remetida uma outra carta com AR em 04.10.2002, para o efeito, para a mesma morada (cfr. item E)). E, também esta carta, viria a ser devolvida com a menção de “Mudou-se”.
Ou seja, foi enviada nova carta registada com AR para o mesmo domicílio da primeira carta, no prazo a que alude o art. 39º n.º 5 do CPPT, de 15 dias entre as duas cartas.
Mas, mesmo que se considerasse que havia sido dado cumprimento àquela notificação, para efeitos de funcionamento da presunção prevista no citado n.º 5 conjugado com o n.º 6 do art. 39º do CPPT (“No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”), a mesma não podia ocorrer no caso concreto.
Perante este quadro fáctico é manifesto que não pode ter-se por presumida a notificação à Recorrida da liquidação da qual emerge a obrigação exequenda.
Em anotação ao citado artigo 39º escreve Jorge Sousa, in CPPT anotado e comentado, Vol. I, pág. 357, versando os requisitos da presunção de notificação:
“Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspetiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente de - ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada;
- Não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar
- Que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
- Que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
- Que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
- Que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicílio, no n.º 1 do art. 43.º);
- Que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.
Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos:
- Quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta;
- Quando o destinatário tiver mudado de domicílio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.”
Em síntese, atento o disposto do n.º 5 e 6 do artigo 39º do CPPT e, na esteira do supra exposto e da jurisprudência do STA, temos que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de receção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações:
- Recusa do destinatário em receber a carta;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal (vd. acórdão STA 21 Mai. 2008, recurso 01031/07; acórdão STA 8 Jul. 2009, recurso 0460/09; acórdão STA 27 Jan. 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).
Feitas estas considerações e revertendo à situação em apreço no presente recurso, da matéria de facto fixada no probatório resulta que, em finais de setembro de 2002, foi expedida, por correio registado com aviso de receção, pela Administração Tributária, documento de cobrança e notificação da liquidação de IRC 2000 e cujo expediente foi devolvido pelos correios, com a indicação «Mudou-se».
Em 04.10.2002, foi expedido, por correio registado com aviso de receção, pela Administração tributária, uma segunda notificação, mediante a qual se pretendia notificar a recorrida/oponente daquela mesma liquidação e cujo expediente foi devolvido pelos correios com a indicação «Mudou-se» em 08.10.2002.
Ora, dessa factualidade provada emana a ilação de que não foi deixado qualquer aviso no domicílio fiscal da recorrida, de que as cartas contendo as notificações podiam ser levantadas, sendo certo que o ónus de demonstrar a correta efetivação da notificação cabe à administração tributária (neste sentido, acórdão STA 6 Out. 2005, recurso 500/05, www.dgsi.pt.). Ou seja, e por outras palavras, é manifesto que a recorrida não se recusou a receber as notificações remetidas pela Administração tributária, já que nem sequer chegou a ter conhecimento do seu envio, pois não foram deixados avisos para levantamento de correspondência.
Assim sendo, não funciona a presunção prevista no predito nº 5, não podendo considerar-se a notificação feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (vide predito nº 6).
Daí que, tal como se conclui na sentença sob recurso, embora com fundamentação distinta, é manifesto que não pode ter-se por presumida a notificação à Recorrida da liquidação da qual emerge a obrigação exequenda.
Não logrando a Administração Tributária por aquela via obter a presunção de notificação da ora recorrida da liquidação de IRC que originou a dívida exequenda, a notificação operada na sequência da instauração da execução em 07.04.2005, foi efetuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.
Razões pelas quais se mantém a sentença sob recurso.
III - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em negar provimento ao recurso
Custas pela recorrente.
Porto, 18 de abril de 2012
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro