Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00068/02-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
CONCLUSÕES DE RECURSO.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
FACTURAS.
DIREITO À DEDUÇÃO DO IMPOSTO.
Sumário:I) As conclusões das alegações de recurso jurisdicional são decisivas para delimitar o âmbito do recurso, pois nelas o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso que, na falta de indicação expressa, abrangia toda a decisão, na medida em que, para além das questões levadas às conclusões, o Tribunal só pode conhecer questões que sejam de conhecimento oficioso ou que sejam suscitadas pelo recorrido, nos casos previstos na lei.
II) Os recursos visam a reapreciação pelos Tribunais Superiores das decisões recorridos, impondo-se ao Recorrente o ónus de alegação e prova dos fundamentos de facto e de direito que, em sua opinião, devem determinar a anulação ou revogação da decisão.
III) Ora, lendo e relendo as conclusões de recurso apresentada pelo Recorrente apenas se descortina, e com grande amplitude de análise, o tratamento de questão relacionada com o julgamento da matéria de facto, na parte em que defende que, atenta a prova produzida, o Recorrente demonstrou que os pagamentos em causa se destinaram efectivamente aos serviços prestados, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia.
IV) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que o Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora tenha feito alusão à prova produzida, o certo é que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos na gravação realizada ou documentos presentes nos autos que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto, situação que conduz, na sequência do acima exposto, à total improcedência do presente recurso, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
C…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 18-03-2009, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada a liquidação de IVA do ano de 2000 no montante de € 3.579,48.

Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 137-138 ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1º A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, refere que o ónus da prova dos pressupostos da actuação da AT, basta-se com a prova dos elementos indiciários que apontem inequivocamente para a presença de facturas falsas, sendo que perante esses concretos indícios cessa a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no art. 75º da LGT.
2º A propósito do chamado fenómeno de utilização de “facturas falsas”, susceptível de configurar uma situação em que do ponto de vista contabilístico se registam documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, pois, tais operações não tiveram lugar, é jurisprudência uniforme que o ónus da prova se reparte, em processo em que o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber à AT a prova dos pressupostos da sua actuação e ao contribuinte a prova de que as questionadas operações tiveram efectivamente lugar.
3º Como se refere no Ac. Do TCAN de 12.10.2006, Proc. nº 00249/04- “Podendo parecer uma violência que a AT possa avançar para a não assunção de custos, inscritos na contabilidade ou declarados pelos contribuintes, com base em indícios sérios e credíveis, não podemos olvidar que estamos em presença de uma prática dirigida à fraude e evasão fiscal, tendencialmente criminosa, em que contribuinte viola os mais elementares deveres de actuação enquanto sujeito de relações tributárias e, sobretudo, assumida a coberto de esquemas múltiplos, sofisticados e na aparência legais”.
4º Ora, atenta a prova produzida, o Recorrente demonstrou que os pagamentos em causa se destinaram efectivamente aos serviços prestados, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em indagar da bondade da correcção efectuada com referência à não aceitação da dedução de IVA constante das facturas emitidas em 25.03.2000, 31.06.2000 e 30.09.2000 por A…, considerando a prova produzida pelo Recorrente no sentido de demonstrar que os pagamentos em causa se destinaram efectivamente aos serviços prestados, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 - O ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária realizada ao exercício de 2000.
2 - Dessa inspecção tributária resultou uma correcção em sede de IRS e IVA relativamente a esse exercício económico, esta última ora impugnada.
3 - A correcção em causa consistiu na não aceitação da dedução de IVA constante das facturas emitidas em 25.03.2000, 31.06.2000 e 30.09.2000 por A….
4 - Os fundamentos destas correcções encontram-se exarados no relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária e que se encontra a fls. 25 a 31 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas, cujos extractos a seguir se transcrevem:
“(…) O denunciante declarou em auto de denúncia, que um seu encarregado geral, lhe furtou diversas facturas, que se encontravam em branco (...) estas facturas foram emitidas a favor de C… (...) O denunciante declarou nunca ter realizado quaisquer dos trabalhos nelas mencionados e que nunca recebeu qualquer dos valores mencionados nas mesmas (...) verificamos que estas facturas têm apenas coma descrição, a menção de “serviços efectuados na vossa obra de (...) Boavista (nº15), Artes Gráficas e Valongo (nº 18) e Valongo e Fiães (nº 19). Não é descrito qual o tipo de serviço executado, se foram ou não utilizados materiais e quantos operários realizaram os serviços. (...) O contribuinte no ano de 2000, e face às facturas que emitiu e que se encontram registadas na sua contabilidade, verificamos que possui obras nos locais mencionados, sendo o total de valores facturados nessas obras superiores aos mencionados nas facturas de subcontratos. (…) Interrogado o contribuinte, este afirmou, em Auto de Declarações (…), ter efectuado um acordo verbal com o “picheleiro”, nas pessoas de A… e A…, tendo sido o senhor A… que lhe emitiu as facturas, não sabendo se tal pessoa era a legítima proprietária das facturas ou um simples funcionário (...) Afirma, igualmente, que o senhor A… foi uma das pessoas que realizou os trabalhos mencionados nas facturas. Afirmou ter pago integralmente os valores nelas mencionados, tendo entregue o dinheiro à pessoa que lhe emitia esses documentos, sendo tal pagamento sido feito em dinheiro (na sua maioria) e cheques emitidos à ordem de A…” (...) Instado a apresentar elementos que comprovassem esses pagamentos, apresentou somente cópia de dois cheques: (...) com data de 10.05.2000, no montante de 50.000$00 (...) e com data de 23.10.2000, no montante de 150.000$00. (...)
5 - As facturas quo deram lugar à correcção em causa, encontram-se de fls. 32 a 34 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
6 - Os pagamentos efectuados pelo impugnante, são normalmente em dinheiro.
7 - O impugnante presta serviços de pichelaria.
8 - O impugnante entregava valores em dinheiro a Al…, pedindo-lhe que este entregasse tais valores ao A….
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no depoimento das testemunhas.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a presente decisão, não se provou que as facturas emitidas em nome de A…, correspondam a verdadeiras prestações de serviços, porque a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para abalar as conclusões explanadas no relatório dos serviços de inspecção tributária.
Na verdade, a 1ª testemunha nada esclarece quanto aos serviços mencionados nas facturas em causa. No que se refere aos cheques emitidos em seu nome referiu que nada têm a ver com as facturas emitidas por A…, mas sim a serviços que por si foram efectuados ao impugnante. Afirmou ainda, que nunca trabalhou com o A..., nem com ele teve qualquer negócio. No que se refere à 2ª testemunha, a mesma referiu que não conhece o A..., limitando-se a dizer que procurou o impugnante junto das obras da “Gráfica”, da “Quinta…” e em Santa Maria da Feira e que nestes locais terá ouvido falar nos picheleiros que andavam por conta do Sr. A….”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar do alcance da matéria apontada pelo Recorrente em função do teor das suas alegações.

Com efeito, a decisão recorrida considerou que:
“…
De acordo com os factos apurados pela fiscalização, é lícita a conclusão, face as regras da experiência, de que as prestações em causa eram fictícias.
Ao impugnante competia fazer a prova da materialidade das operações subjacentes às questionadas facturas, a eventual dúvida não lhe aproveita, por a mesma lhe ser imputável, razão pela qual não poderá beneficiar do disposto no artº 100º do CPPT, ou seja, não se trata de fundada dúvida, sobre a existência e quantificação do facto tributário que justifique a anulação do acto tributário.
Ora, conforme resulta do acima descrito, a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para comprovar a efectividade das prestações de serviços mencionadas nas facturas em causa.
Na verdade o depoimento das testemunhas em nada contribuiu para comprovar a efectividade daqueles serviços.
Das duas testemunhas ouvidas, nenhuma delas prestou qualquer esclarecimento concreto quanto aos eventuais serviços prestados pelo A... ao impugnante, sendo que uma delas nem o conhece.
Assim sendo, e não se tendo feito tal prova, não se mostra infirmada a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada nos pressupostos da liquidação.
Pois cabia ao ora impugnante, ter alegado e provado factos certos e concludentes para a prova da existência das operações subjacentes às facturas em discussão nos presentes autos.
Contudo não o logrou fazer. …”.

Nas suas alegações, o Recorrente refere que a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, refere que o ónus da prova dos pressupostos da actuação da AT, basta-se com a prova dos elementos indiciários que apontem inequivocamente para a presença de facturas falsas, sendo que perante esses concretos indícios cessa a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no art. 75º da LGT, sendo que a propósito do chamado fenómeno de utilização de “facturas falsas”, susceptível de configurar uma situação em que do ponto de vista contabilístico se registam documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, pois, tais operações não tiveram lugar, é jurisprudência uniforme que o ónus da prova se reparte, em processo em que o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber à AT a prova dos pressupostos da sua actuação e ao contribuinte a prova de que as questionadas operações tiveram efectivamente lugar.
Como se refere no Ac. Do TCAN de 12.10.2006, Proc. nº 00249/04- “Podendo parecer uma violência que a AT possa avançar para a não assunção de custos, inscritos na contabilidade ou declarados pelos contribuintes, com base em indícios sérios e credíveis, não podemos olvidar que estamos em presença de uma prática dirigida à fraude e evasão fiscal, tendencialmente criminosa, em que contribuinte viola os mais elementares deveres de actuação enquanto sujeito de relações tributárias e, sobretudo, assumida a coberto de esquemas múltiplos, sofisticados e na aparência legais”.
Ora, atenta a prova produzida, o Recorrente demonstrou que os pagamentos em causa se destinaram efectivamente aos serviços prestados, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia.”

Neste ponto, cumpre notar que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração - art.685º-A, do C. Proc. e art. 282º do CPPT e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág. 91), sendo que não pode o Tribunal “ad quem” olvidar o efeito de caso julgado que porventura se tenha formado sobre qualquer decisão, o qual se sobrepõe ao eventual interesse numa melhor aplicação do direito nos termos claramente enunciados no art. 684º nº 4 do C. Proc. Civil.
Com efeito, a norma em apreço aponta que se o recorrente não restringir o recurso, no requerimento de interposição, ele abrange, em princípio, tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.
Porém, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, «nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ai tacitamente, o objecto inicial do recurso.»
Assim, como se disso, as conclusões das alegações de recurso jurisdicional são decisivas para delimitar o âmbito do recurso, pois nelas o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso que, na falta de indicação expressa, abrangia toda a decisão, na medida em que, para além das questões levadas às conclusões, o Tribunal só pode conhecer questões que sejam de conhecimento oficioso ou que sejam suscitadas pelo recorrido, nos casos previstos no art. 684º-A do C. Proc. Civil.

Nesta sequência, importa ainda referir que os recursos visam a reapreciação pelos Tribunais Superiores das decisões recorridos, impondo-se ao Recorrente o ónus de alegação e prova dos fundamentos de facto e de direito que, em sua opinião, devem determinar a anulação ou revogação da decisão.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357, com a imposição do ónus de alegação ao recorrente teve-se «em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância com para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie».


Ora, lendo e relendo as conclusões de recurso apresentada pelo Recorrente apenas se descortina, e com grande amplitude de análise, o tratamento de questão relacionada com o julgamento da matéria de facto, na parte em que defende que, atenta a prova produzida, o Recorrente demonstrou que os pagamentos em causa se destinaram efectivamente aos serviços prestados, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia.
Com efeito, o mais exposto pelo Recorrente, devendo ainda anotar-se que o corpo das alegações é constituído por quatro artigos que correspondem à matéria reproduzida nas alegações, o que significa que o Recorrente começa por fazer o desenho da posição assumida pela Jurisprudência neste tipo de matéria, sendo que não vislumbramos na alegação do Recorrente qualquer ponto de discórdia em relação ao apontado na decisão recorrida, com a ressalva acima anotada e que terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica da prova, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto.

Quanto a este elemento, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC (depois art. 685º-B e agora art. 640º), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC (depois art. 685º-B e agora art. 640º), e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC (depois art. 685º-B e agora art. 640º).
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC (actual art. 607º), sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. o então art. 653.º, n.º 2 do CPC).

É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.

À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que o Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora tenha feito alusão à prova produzida, o certo é que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos na gravação realizada ou documentos presentes nos autos que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto, situação que conduz, na sequência do acima exposto, à total improcedência do presente recurso, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se, pelas razões descritas, a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves