Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01291/17.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ABONO PARA FALHAS; EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA; ATO INIMPUGNÁVEL; TIPO DE AÇÃO
Sumário:
1 – A forma de processo é estabelecida pela lei por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo.
A propriedade ou adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que a mesma deve ser entendida como um pedido incorporado numa causa de pedir.
A distinção que o CPTA estabelece atualmente entre Ações impugnatórias e não impugnatórias, assenta em saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
2 – Uma Ação que emerge da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, tem subjacente uma relação jurídica de natureza contratual, cujo núcleo de direitos e de deveres resulta da lei e do contrato celebrado entre as partes.
Estando em causa o reconhecimento, no caso, do direito ao “Abono para Falhas” está em questão o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [artº 37º, nº 1, f) do CPTA] e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que igualmente decorrem de normas jurídico-administrativas, não envolvendo a necessidade de intermediação de um ato administrativo.
3 - O novo Contencioso Administrativo, tendo deixado de comportar processualmente um modelo dualista, não deixa de evidenciar diferenças entre as Ações impugnatórias e não impugnatórias. Efetivamente, sempre que na Ação não sejam deduzidos pedidos impugnatórios, o processo deve ser tramitado como tal.
4 - Mostra-se inequívoco que as concretas pretensões requeridas em juízo não dependem, nem exigiriam a intermediação de ato administrativo, pelo que a ação sempre deverá seguir a via não impugnatória, uma vez que não está em causa a definição autoritária e discricionária da situação, mas antes a verificação do direito invocado. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte
Recorrido 1:Junta de Freguesia de A…
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, em representação de duas associados devidamente identificadas nos autos, no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Junta de Freguesia de A…, S. Romão, tendente, em síntese, ao reconhecimento do direito das suas representadas receberem “Abono para Falhas” nos períodos indicados, inconformado com a Sentença proferida em 31 de outubro de 2018, no TAF de Braga, que julgou procedente “a exceção dilatória inominada que obsta a que o Tribunal conheça o mérito da causa” veio interpor recurso jurisdicional.
*
Formula a aqui Recorrente/Sindicato nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentadas em 22 de novembro de 2018, as seguintes conclusões:
A) – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a exceção dilatória inominada e absolveu a Ré da instância.
B) – O Recorrente intentou, em nome das suas associadas, ação administrativa emergente de contrato de trabalho em funções públicas, com vista o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas e do contrato de trabalho em funções públicas, ao abrigo do disposto no art.º37.º, n.º 1 alíneas b), f), i), j) e l) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10,
C) – O Recorrente formulou, entre outros, o seguinte pedido: “ser a Ré condenada:
a) – a reconhecer o direito das Representadas do Autor a receberem o suplemento remuneratório abono para falhas desde, respetivamente, 31-03-1999 e 26-11-2008 até à presente data e doravante, sempre e enquanto perdurarem as funções pelas mesmas exercidas de cobrança e guarda de valores, independentemente dos sectores de atividade nos quais exerçam tais funções;
b) – ser a Ré condenada a proceder ao pagamento dos valores em dívida a título de abono para falhas, no prazo máximo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, bem como dos juros vencidos sobre os valores em dívida e vincendos até efetivo e integral pagamento;”
D) – O Tribunal a quo suscitou oficiosamente a exceção dilatória inominada consubstanciada na questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa, que integra a proibição vertida no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA.
E) - Ao apreciar a referida exceção, o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
A) – As representadas do autor são trabalhadoras da Ré (facto não controvertido – artigos 2º e 4º da petição inicial e artigo 9.º da contestação);
B) – As representadas do Autor dirigiram requerimento à Presidente da Ré, datado de 19-12-2016 e rececionado em 04-01-2017, tendo requerido o pagamento do abono para falhas (doc. 10 junto com a petição inicial – pág. 17 do Sitaf, fls. 33 e 34 do processo físico);
C) – Por despacho da Presidente da Ré, proferido em 17-02-2017, foi indeferido o requerimento referido na alínea b) (cfr. doc. n.º 12 junto com a contestação – pág. 89 do Sitaf – fls. 58/verso e 59 do processo físico);
D) – As representadas do Autor tiveram conhecimento do despacho referido na alínea C) em 17-07-2017 (facto admitido – requerimento de pág. 121 do Sitaf);
E) – As representadas do Autor subscreveram declaração onde declaram que não se opõem ser representadas pelo Autor (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial – pág. 50 e 51 do Sitaf, fls. 11 e 12 do processo físico);
E)– A petição inicial relativa à presente ação administrativa foi enviada a Tribunal, por correio eletrónico, em 05-07-2017 (cfr. fls. 2 do processo físico).”
F)- Mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a referida decisão.
G)- O Autor/Recorrente deu entrada de ação administrativa, como acima se referiu, emergente de contrato de trabalho em funções públicas, com vista o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas e do contrato de trabalho em funções públicas e a condenação do Réu ao cumprimento de deveres de prestar, que diretamente decorrem das aludidas normas jurídico-administrativas e do contrato de trabalho em funções públicas, incluindo a adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos e interesses violados, conforme disposto do art.º37.º, n.º 1 alíneas b), f), i), j) e l) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
H) – As representadas do Recorrente exercem, ao serviço da sua entidade empregadora, funções de cobrança de valores, manuseiem dinheiros e são responsáveis pela respetiva cobrança e guarda; são, também, obrigadas a prestar contas dos valores cobrados sendo que, no caso de existir a incorreção de qualquer entrega monetária, quem tem de responder por essa falha são as mesmas.
I) - E exercem as referidas funções de cobrança e guarda de valores, desde 31-03-1999, uma delas, e a outra desde 26-11-2008, até à presente data.
J) - Ora, o que se pretende discutir nestes autos é, assim, uma componente da retribuição das referidas Trabalhadoras, sendo que a retribuição constitui direito essencial do trabalhador como contrapartida da prestação do seu trabalho, em compensação do mesmo, e é um direito consagrado na constituição da república portuguesa, no artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
K) - É entendimento maioritário da jurisprudência que “o direito ao abono para falhas do artigo 17.º, n.º 4 do Decreto-lei 247/87, de 17-06, é um direito que decorre da própria lei, sem necessidade de apreciação discricionária por parte da Administração Autárquica, uma vez que a sua atribuição só dependeria do funcionário estar integrado em carreira cujo conteúdo funcional implique o manuseamento de dinheiro.” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19-10-2012, disponível em www.dgsi.pt.
L) - Entende o Recorrente não se verificar a exceção dilatória inominada, dado que a sua pretensão não se prende com a anulação de qualquer ato administrativo, antes sim com o reconhecimento de um direito – o direito à retribuição, na vertente de abono para falhas.
M) -O reconhecimento do direito peticionado assiste-lhes independentemente de qualquer requerimento feito nesse sentido;
Inexiste, assim, qualquer prazo para reclamar esse direito, sendo oportuna a reclamação assim perdure o contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador.
N) - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida interpretou erradamente e, por isso, violou o disposto nos artigos art.º37.º, n.º 1 alíneas b), f), i), j) e l) e 38.º, n.º 2 do CPTA, bem como o disposto no artigo 59.º da CRP.
Dado o exposto e o douto suprimento, que sempre se espera, deve ser revogada a sentença recorrida e ser a ação julgada provada e procedente e, consequentemente, ser o Réu condenado no pedido.”
*
A Entidade Recorrida/Junta, devidamente notificada, veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 10 de dezembro de 2018, nas quais concluiu:
1- O apelante pretende ver revogada a douta sentença de fls., que julgou procedente a exceção dilatória inominada consubstanciada na questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa que integra a proibição vertida no nº2, do artigo 38º do CPTA e que determinou a absolvição da instância da apelada, alegando que a ação intentada não se prende com a anulação de qualquer ato administrativo, mas com o reconhecimento do direito das suas representadas a receberem o suplemento remuneratório abono para falhas, atentas as funções de cobrança exercidas na apelada, bem como o pagamento dos valores em dívida a título de abono para falhas;
2- As representadas do apelante apresentaram em 19/12/2016 requerimento à Presidente da apelada, no qual requereram o pagamento do abono para falhas, o qual foi indeferido por despacho datado de 17/02/2017;
3- Àquele despacho de indeferimento, as representadas do apelante não reagiram no prazo de 3 meses, prazo esse no qual deveriam ter lançado mão da ação administrativa especial com vista a obter o ato administrativo devido em substituição do indeferimento que versou sobre aquele seu requerimento;
4- Uma vez que, a resposta ao requerimento apresentado pelas representadas do apelante, consubstanciada no despacho de 17/02/2017, da Presidente da apelada, configura e constitui uma verdadeira decisão administrativa proferida sobre a requerida pretensão daquelas trabalhadoras (cfr. artigos 94°, 102º e 148° do CPA), decisão administrativa essa que não pode deixar de ser configurável como um ato administrativo;
5- Ora, in casu, tendo a pretensão dirigida pelas representadas do apelante sido expressamente indeferida nos termos do referido despacho de 17/02/2017 estas dispunham a partir dessa data do prazo de 3 meses para instaurar a competente ação administrativa especial visando a condenação na prática do ato administrativo devido em substituição do recusado, em conformidade com o disposto no artigo 69° n°s 2 e 3 do CPTA, o que não sucedeu;
6- E vindo instaurar a presente ação administrativa comum com vista à satisfação da mesma pretensão apenas em 05/07/2017, já o ato administrativo se havia consolidado na ordem jurídica;
7- O artigo 38.º, n.º 2 do CPTA estabelece que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”;
8- Ou seja, o artigo 38.º, n.º 2, do CPTA não permite que a ação administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável;
9- É que subjacente à pretensão do apelante de obter o abono para falhas para as suas representadas, por via do reconhecimento de tal direito, está um ato administrativo de indeferimento - despacho de 17/02/2017 - da pretensão substantiva, insuscetível de ser jurisdicionalmente impugnado com vista à sua eliminação jurídica, em sede de ação administrativa especial, seja na vertente impugnatória, seja na vertente de condenação à prática de ato devido, por decurso do prazo legal de 3 meses para o efeito – cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e 69.º, n.º 2, do CPTA;
10- Assim, a douta sentença recorrida, ao considerar verificada a exceção dilatória inominada, atento o facto de a ação ter sido intentada em violação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, subsumiu corretamente os factos ao direito, não merecendo qualquer censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se em consequência a douta sentença recorrida nos seus precisos termos e com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.”
*
O Recurso interposto veio a ser admitido por Despacho de 12 de dezembro de 2018.
*
O Ministério Público junto deste TCAN, notificado em 20 de dezembro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, se se mostrarão preenchidos os pressupostos tendentes à julgada procedente exceção dilatória inominada que obstou a que o Tribunal tivesse conhecido o mérito da causa, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
A) As representadas do Autor são trabalhadoras da Ré (facto não controvertido – artigos 2º e 4º da petição inicial e artigo 9º da contestação);
B) As representadas do Autor dirigiram requerimento à Presidente da Ré, datado de 19.12.2016 e rececionado em 04.01.2017, tendo requerido o pagamento do abono por falhas (doc. n.º 10 junto com a petição inicial – pág. 17 do Sitaf - fls. 33 e 34 do processo físico);
C) Por despacho da Presidente da Ré, proferido em 17.02.2017, foi indeferido o requerimento referido na alínea B) (cfr. doc. n.º 12 junto com a contestação – pág. 89 do Sitaf - fls. 58/verso e 59 do processo físico);
D) As representadas do Autor tiveram conhecimento do despacho referido na alínea C) em 17.07.2017 (facto admitido – requerimento de pág. 121 do Sitaf);
E) As representadas do Autor subscreveram declaração onde declaram que não se opõem ser representados pelo Autor (cfr. docs n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial – págs. 50 e 51 do Sitaf - fls. 11 e 12 do processo físico);
F) A petição inicial relativa à presente ação administrativa foi enviada a Tribunal, por correio eletrónico, em 05.07.2017 (cfr. fls. 2 do processo físico).
*
IV – Do Direito
O Sindicato, em representação das suas identificadas Associadas, não se conformando com a decisão adotada pelo Tribunal a quo, veio recorrer da mesma.
Desde logo, no que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Da exceção dilatória inominada que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa – n.º 2, artigo 38º do CPTA
Dispõe o n.º 2, do artigo 38º do CPTA que: “[S]em prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.”.
Conforme resulta da factualidade assente, as representadas do Autor dirigiram requerimento à Presidente da Ré, tendo requerido o pagamento do abono por falhas, sendo que por despacho da Presidente da Ré, proferido em 17.02.2017, foi indeferido o tal requerimento, do qual as representadas do Autor tiveram conhecimento na mesma data [cfr. alíneas B), C) e D) do probatório]
E, não consta que aquele ato administrativo, negativo da pretensão das representadas do Autor, tenha sido impugnado, já que tinha efeitos lesivos das suas esferas jurídicas, indeferido a pretensão ao recebimento do abono por falhas.
Atendendo ao pedido formulado, pretende o Autor que a Ré seja condenada a reconhecer o direito das suas representadas a receberem o suplemento remuneratório abono por falhas, e a proceder ao pagamento do mesmo suplemento.
Ora, o pretendido pelo Autor, passará, necessariamente, pela neutralização do ato administrativo que indeferiu o pagamento do abono por falhas, bem como pelo reconhecimento daquele direito.
Ou seja, através da presente ação, pretende o Autor obter o efeito que resultaria da anulação do ato administrativo proferido em 17.02.2017, já inimpugnável, pretensão essa que colide com proibição ínsita no n.º 2, do artigo 38º do CPTA.
Com efeito, o n.º 2, do artigo 38º do CPTA não permite a utilização de meio processual para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável. Esgotado o prazo para o interessado obter a anulação de um ato administrativo, não pode lançar mão de ação administrativa (não sujeita a prazo) para obter através do reconhecimento do direito o mesmo efeito jurídico. O que também vale, por identidade de razão, quando o efeito pretendido é o que resultaria da condenação na prática do ato administrativo devido.
Por outro lado, a situação em causa nos autos não é reconduzível à previsão do n.º 1, do artigo 38º do CPTA, uma vez que este preceito determina que o conhecimento sobre a ilegalidade de um ato administrativo inimpugnável, a título incidental, apenas pode ter lugar de acordo com o permitido pela lei substantiva, tendo efeitos restritos ao processo em que é proferida a decisão e não podendo implicar a anulação do ato, devendo poder extrair-se algum efeito útil de tal declaração, de um ponto de vista substantivo.
Pelo que, estando-se perante a existência de um ato administrativo que podia ter sido impugnado, estamos perante a previsão do n.º 2, do artigo 38º do CPTA que proíbe o uso da ação administrativa para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável (pelo decurso do tempo).
Assim, julga-se verificada a exceção dilatória inominada consubstanciada na questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa que integra a proibição vertida no n.º 2, do artigo 38º do CPTA, o que determina a absolvição da Ré da instância, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 89º do CPTA.”
Vejamos:
O que está pois em causa é verificar se estamos em presença, ou não, de ação impugnatória.
Refira-se que, tal como relativamente a outras matérias, como seja, por exemplo, a da indemnização por caducidade dos contratos por tempo determinado, os tribunais foram, até determina altura, admitindo que fossem apresentadas com o mesmo objetivo Ações Administrativas Especiais ou Ações Administrativas Comuns, o que agora, com o novo CPTA, significaria a apresentação de Ações impugnatórias ou não impugnatórias.
Aliás, basta atender ao histórico das Ações julgadas relativamente à reclamação de “Abono para Falhas”, para verificar que foram, ainda ao abrigo do CPTA anterior, apresentadas aleatoriamente Ações Administrativas Especiais e Ações Administrativas Comuns, tendo os Tribunais, em regra, tolerado tal dualidade.
Em bom rigor, a forma de processo é estabelecida pela lei por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo.
A propriedade ou adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que a pretensão deve ser entendida como um pedido incorporado numa causa de pedir.
A distinção que o CPTA estabelece atualmente entre Ações impugnatórias e não impugnatórias, assenta em saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
A relação jurídica subjacente à Ação em análise emerge da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, uma relação jurídica de natureza contratual, cujo núcleo de direitos e de deveres emerge da lei e do contrato celebrado entre as partes.
Estando em causa o reconhecimento do direito ao “Abono para Falhas” está em causa o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [artº 37º, nº 1, f) do CPTA] e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que igualmente decorrem de normas jurídico-administrativas, não envolvendo a necessidade de emissão de um ato administrativo impugnável, e que, no caso, terá por objeto e objetivo o pagamento de uma quantia [artº 37º, nº 1, j) do CPTA]
Aqui chegados, a Ação adequada à satisfação da pretensão formulada será atualmente a ação administrativa não impugnatória.
Como se discorreu, designadamente no Acórdão do TCAS nº 10575/13, de 06/02/2014, “A apreciação do thema decidenduum impõe que se analise a estruturação da causa, tal como deduzida em juízo pela Autora, assente no pedido e na causa de pedir, pois será nos termos e segundo a perspetiva em que a Autora vem a juízo que se aferirá da adequação ou propriedade da forma do processo.
Compulsada a petição inicial extrai-se que o Autor, aqui Recorrente, sob a presente forma da ação administrativa, peticionou relativamente às suas representadas, o reconhecimento do direito a receberem o suplemento remuneratório correspondente ao “Abono para Falhas” no período indicado, acrescido dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
É certo que a Administração expressamente indeferiu essa pretensão, no seguimento de legitimo pedido das representadas do aqui Recorrido no sentido da satisfação da sua pretensão por via extrajudicial, sendo que esse facto não poderá inibir as mesmas de procurar satisfazer a sua pretensão por via do reconhecimento do direito.
Como se afirmou já, a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir – Cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 288 e segs. e Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª ed., pág. 79.
Nos termos do disposto no artº 37º, nº 1, do CPTA, destaca-se por referência à questão em apreciação, o teor das alíneas f) e j), respetivamente:
“f) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo” e “j) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto”.
O novo Contencioso Administrativo, tendo deixado de comportar processualmente um modelo dualista, não deixa de evidenciar diferenças entre as Ações impugnatórias e não impugnatórias. Efetivamente, sempre que na Ação não sejam deduzidos pedidos impugnatórios, o processo deve ser tramitado como tal.
Acresce que o Artº 38º do CPTA, mesmo em ações não impugnatórias, permite o conhecimento, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado, não sendo assim impeditivo, como no caso presente, do adequado julgamento de questões decorrentes normas jurídico-administrativas.
No caso presente, estamos em presença de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, que resulta da celebração de contrato de trabalho em funções públicas, concretizador de um vínculo funcional de base contratual, onde o núcleo dos direitos e dos deveres das partes se encontra definido por lei, sendo que a atribuição do “abono para falhas” apenas depende da verificação do preenchimento dos correspondentes pressupostos e não da discricionariedade da Administração.
O direito à perceção do “Abono para falhas” resulta da Lei, não obstante se manter controvertido se assistirá razão às aqui Representadas quanto à concreta pretensão deduzida em juízo, o que não está em apreciação no presente Recurso.
Assim, no caso configurado em juízo, nos termos da factualidade provada, é de entender que o que está em causa é singelamente verificar se pode ser reconhecido o direito das Representadas do Autor à perceção do Abono para falhas, sendo que o ato entretanto proferido poderá ser apreciado a titulo incidental, uma vez que situação jurídica subjacente ao aqui peticionado se encontra definida por lei, tendo subjacente relação jurídica de natureza contratual, no âmbito da qual se mostram limitados os poderes de autoridade do empregador público.
A pretensão das Representadas do Autor corresponde ao reconhecimento de situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei.
Mostra-se inequívoco que as concretas pretensões requeridas em juízo não dependem, nem exigiriam a intermediação de ato administrativo, por os termos da relação jurídica administrativa de emprego público, baseada no contrato de trabalho em funções públicas, não se inserir no âmbito dos poderes de autoridade da Administração.
Deste modo, perante a factualidade assente e as pretensões concretamente requeridas, a presente ação sempre deverá seguir a via não impugnatória, uma vez que não está em causa a definição autoritária e discricionária da situação e do direito das Representadas do Autor.
Nestes termos, tendo presente a configuração que foi dada pelo Autor à presente ação, atento o pedido, na causa de pedir e na factualidade dada por provada, e sendo a tutela pretendida o reconhecimento do direito à perceção do “Abono para Falhas” e a condenação do Réu no correspondente pagamento, acrescido de juros vencidos e vincendos, constitui meio processual próprio, a ação administrativa não impugnatória.
Efetivamente, derivando o presente litígio de uma relação jurídica contratual, que tem por fonte o contrato celebrado entre as partes, e sendo peticionada em juízo a condenação do Réu ao pagamento do referido suplemento remuneratório, acrescido de juros, constitui meio processual próprio a presente ação administrativa não impugnatória, ao contrário do decidido na sentença recorrida.
O que está em causa na presente ação administrativa é pois uma relação jurídica cuja fonte de constituição é contratual, no âmbito de relações de paridade entre as partes, para cujo meio processual adequado é, como se referiu já, a ação administrativa não impugnatória.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso, revogando-se a sentença Recorrida, mais se determinando a baixa dos Autos à 1ª instância, para prosseguimento da sua normal tramitação, se a tal nada mais obstar.
Custas pela Entidade Recorrida.
Porto, 29 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa