Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00426/12.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO PREVISTA NO Nº 3 DO ARTIGO 252º DO REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS;
FORMA DE PROCESSO; ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; LEGITIMIDADE PASSIVA; N.ºS 2 E 4 DO ARTIGO 10º DO CPTA.
Sumário:I. A distinção que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
II. A relação jurídica subjacente emerge da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, uma relação jurídica de natureza contratual, cujo núcleo de direitos e de deveres emerge da lei, o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e do contrato celebrado entre as partes.
III. Estando em causa o reconhecimento do direito à compensação prevista no nº 3 do artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, em consequência da caducidade do contrato a termo certo e a condenação ao pagamento da compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, está em causa o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas (artigo 37º, nº 2, a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos] e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um acto administrativo impugnável, e que pode ter objecto o pagamento de uma quantia (artigo 37º, nº 2, e) do Código de Processo nos Tribunais administrativos).
IV. Para o reconhecimento deste pedido, é, portanto, a acção administrativa comum, a forma processual adequada.
V. A excepção da ilegitimidade passiva singular no contencioso administrativo é uma excepção suprível – artigo 89º, nºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VI. Na acção administrativa comum para reconhecimento do direito à compensação prevista no nº 3 do artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, em consequência da caducidade do contrato a termo certo, parte legítima do lado passivo é o Ministério contra quem se pede o reconhecimento desse direito e não o Estado Português representado pelo Ministério Público.
VII - Isto porque se aplica ao caso, não o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002) mas antes do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 10º do mesmo diploma.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CSJO
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

CSJO veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 15.11.2013 pela qual foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade do réu Ministério da Educação e Ciência e, em consequência, absolvido o réu da instância.

Invocou para tanto em síntese, que o Ministério da Educação e Ciência é parte legítima, de acordo com o disposto na parte final do n.º 2, do artigo 10º do Código de Processo no Tribunal Administrativo, ao contrário do decidido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.


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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. A aqui recorrente intentou a presente acção administrativa especial contra o réu Ministério da Educação e Ciência, pedindo a condenação deste à prática do acto devido de proceder ao pagamento da compensação por caducidade do seu contrato a termo incerto, a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, no valor total de €848,84, acrescido de juros vincendos.

2. Alega, em suma, que, tendo firmado com o réu, representado pela Escola Secundária AM, em V..., um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto em funções públicas em 29.10.2010, para substituição de uma colega que se encontrava de baixa médica, enquanto durasse o impedimento do mesmo, em qualquer caso a caducidade do contrato conferia-lhe o direito a haver do réu, desde a data da caducidade, a compensação por cessação do contrato a termo prevista nos artigo 252º e 253º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

3. Que foi isso mesmo que requereu ao Director da Escola Secundária AM, por ofício datado de 17 de Outubro de 2011, sendo que, nunca obteve qualquer resposta ao mesmo.

4. Com efeito, a ora recorrente não pode aceitar que o tribunal a quo ignore, totalmente, os factos alegados na petição inicial, ao concluir pelo erro na forma do processo.

5. A condenação à prática de acto devido é uma das acções administrativas especiais prevista nos artigos 66º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

6. Da leitura da alínea a), do n.º 1, do artigo 67º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos resulta que: “A condenação à prática do acto administrativo legalmente devido pode ser pedida quando: tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.”

7. “A primeira hipótese é preenchida pelo mero facto de ter ocorrido uma situação de inércia administrativa perante pretensão formulada por um particular e corresponde, nestes termos, a uma forma de reacção contra a violação do dever legal de decidir.”

8. E é, precisamente, neste ponto que peca a sentença recorrida, que faz tábua rasa de toda a factualidade dada como provada e decide pelo erro na forma do processo.

9. É verdade que, ”por princípio, a acção administrativa comum é forma processual regra na qual são dirimidos os litígios da competência tribunais administrativos.”

10. Ao passo que a acção administrativa especial constitui o meio próprio tipo e legalmente imposto para dirimir os litígios em que a Administração se mostra investida dos seus poderes de autoridade (através prática actos administrativos ou edição normas), sendo, por conseguinte, a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação actos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos condenação à prática de actos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [cfr. artigos 37.º e 46.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].

11. Daí que o objecto da acção administrativa comum se mostre, nomeadamente e no que aqui releva, incompatível com a figura do acto administrativo e litígio que em torno do mesmo se estabeleça, pelo que a mesma não pode ser utilizada para obter a invalidação de acto administrativo [cfr. artigos 46.º, n.º 2, al. a) e 50.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], a condenação à prática dum acto administrativo [cfr. artigos 37.º, n.º 2, al. e), 46.º, n.º 2, al. b), 66.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos] ou ainda o efeito que resultaria da anulação acto administrativo [cfr. artigo 38.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].

12. A determinação do tipo de acção competente (comum ou especial) é uma questão controversa e só possível de resolver casuisticamente.

13. Como resulta, designadamente, dos artigos 4º nº 2, alínea g) e 47º nº 2, alínea d), o Código de Processo nos Tribunais Administrativos admite que actos administrativos possam ser praticados no âmbito de uma relação contratual.

14. Em regra, a determinação da forma de processo aplicável em cada caso, depende dos termos que o autor formula o seu pedido na petição inicial.

15. De facto, o que a aqui recorrente peticiona é que a Administração seja condenada à prática do acto legalmente devido.

16. E é legalmente devido, pois a mesma dirigiu requerimento nesse sentido, fundamentando a sua pretensão no contrato de trabalho a termo incerto celebrado com a escola Secundária AM, contrato este que se rege pelas disposições do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

17. Não fazendo qualquer sentido salvo o devido respeito, a referência que é feita na douta sentença na sua página 10, ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Março de 2009, uma vez que o caso em apreço nesses autos em nada tem que ver com o tipo de pretensão que a ora recorrente peticiona, tratando-se de um pedido de indemnização em resultado da prática de um acto administrativo ilegal.

18. Situação aquela que em nada toca os pressuposto que levaram a ora recorrente a querer receber o montante a que tem direito.

19. O meio processual não pode deixar de ser a acção administrativa especial.

20. Decidindo em sentido diferente, a sentença recorrida não deve ser confirmada.

21. Não se tratando de uma acção que deva ser processada sob a forma de acção administrativa comum, a presente acção não deveria ter sido intentada contra o Estado.

22. Andou mal o tribunal a quo ao julgar procedente a excepção da ilegitimidade do réu Ministério da Educação e Ciência.

23. Assim, o Ministério da Educação e Ciência é parte legítima, de acordo com o disposto na parte final do n.º 2, do artigo 10º do Código de Processo no Tribunal Administrativo.

24. Devendo ser confirmada a legitimidade passiva da entidade demandada.
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II – Matéria de facto.

Deram-se como provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte:

1. Autora e réu, através da Escola Secundária AM, em V..., celebraram um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto em funções públicas, com início em 26.10.2010 e pelo período de tempo enquanto durasse o impedimento do titular da função José Manuel Campos Ferreira e em substituição do mesmo, que na altura se previu por 32 dias.

2. Pelo referido contrato, a autora exerceria funções de professora no grupo de recrutamento 410 – Filosofia, com 14 horas lectivas semanais e correspondente componente não lectiva, nos termos do Estatuto da Carreira Docente.

3. Nos termos do mesmo contrato de trabalho a autora auferiria a remuneração mensal de € 873,81, ficando a definição concreta da disciplina ou disciplinas a leccionar pela autora a cargo ou por indicação da Escola Secundária AM, acrescida dos subsídios de refeição, férias e Natal.

4. Entretanto, estando a autora já a exercer as suas funções ao serviço do réu, resultantes do contrato de trabalho acabado de mencionar, foi por autora e réu celebrado um aditamento ao referido contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, em 26.10.2010, pelo qual foi alterado o n.º 1 da cláusula 3.ª do mesmo, a ter início esta alteração no mesmo dia 26.10.2010 e, também, estipulando-se o termo de tal contrato como sendo o dia 20.12.2010 e, consequentemente, passando o mesmo contrato a ser um contrato de trabalho a termo resolutivo certo e, ainda, mediante o qual a autora exerceria ao serviço do réu a função de docente da disciplina de Psicologia B, com a componente lectiva de 20 horas semanais assim como com a correspondente componente não lectiva, passando a sua remuneração mensal a ser de € 1. 248,30.

5. O contrato de trabalho mencionado em d) caducou em 31.08.2011, caducidade esta que ocorreu sem que o réu tivesse manifestado à autora a vontade o não renovar.

6. Dado não se ter verificado a situação resolutiva do contrato, pois o colega/professor que a autora foi substituir manteve-se ausente do serviço, foi entre a autora a mesma Escola Secundária AM celebrado um novo aditamento ao mesmo contrato de trabalho, também por alteração do seu n.º 1 da cláusula 3.ª, em 21.12.2010 e com início nesta mesma data, estipulando-se um novo termo do mesmo, passando este a ser o dia 16.01.2011, e passando a componente lectiva da mesma disciplina de Psicologia B a ser leccionada pela autora mas apenas com a componente lectiva de 14 horas semanais assim como com a correspondente componente não lectiva, passando a sua remuneração mensal para a quantia de € 873,81.

7. Dado não se ter verificado a situação resolutiva do contrato, pois o colega/professor que a autora foi substituir manteve-se ausente do serviço, foi entre a autora a mesma Escola Secundária AM celebrado um outro novo aditamento ao mesmo contrato de trabalho, também por alteração do seu n.º 1 da cláusula 3.ª, em 17.01.2010 e com início nesta mesma data, estipulando-se um novo termo do mesmo, passando este a ser o dia 31.08.2011, e passando a componente lectiva da mesma disciplina de Psicologia B a ser leccionada pela autora mas apenas com a componente lectiva de 19 horas semanais assim como com a correspondente componente não lectiva, passando a sua remuneração mensal para a quantia de € 1.185,08.

8. O mencionado contrato de trabalho a termo certo caducou no dia 31/08/2011, por terem terminado as necessidades que determinaram a celebração daquele, pois o professor titular compareceu ao serviço.

9. O réu ou a referida Escola Secundária AM não fez qualquer comunicação à autora da cessação, por caducidade, do contrato de trabalho a termo ajuizado.

10. Entretanto a autora, solicitou à Escola Secundária AM, por requerimento que lhe dirigiu em 17.10.2011, que lhe fosse paga a compensação por caducidade do mesmo contrato de trabalho a termo certo, a qual ocorreu em 31.08.2011, e informando a mesma Escola que não havia obtido colocação, em qualquer escola, a partir de 01.10 de Setembro de 2011, não tendo a mesma Escola dado qualquer resposta à autora.

11. O contrato de trabalho a termo certo ajuizado foi celebrado ao abrigo do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/09.

12. Com a presente acção pretende a autora que o réu seja condenado a pagar-lhe a compensação solicitada pela mesma na sua comunicação/requerimento que dirigiu à Directora da Escola Secundária AM, em V..., em 17.10.2011 e à qual a mesma não deu qualquer resposta.

13. Na presente acção formula a autora os seguintes pedidos concretos, de condenação do réu a:

“-pagar à autora a quantia de 848,84 a título de compensação por caducidade do seu contrato a termo;

-pagar à autora a quantia de 33,40 a título de juros de mora vencidos à taxa legal de 4%, bem como os juros vincendos até ao seu efectivo e integral pagamento da quantia em dívida”.


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III - Enquadramento jurídico.

1. O meio processual adequado.

Para concluir pela falta de legitimidade (e de personalidade) jurídica do réu, e como pressuposto lógico e processual imediato, o Tribunal a quo começa por decidir que a acção administrativa especial, na modalidade de acção de condenação à prática do acto legalmente devido – no caso o pagamento da compensação/indemnização emergente ou resultante da caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo ajuizado – ou em que o mesmo se materializa ou materializará, e que é a decisão e subsequente pagamento dessa compensação, não é o meio processual adequado ou idóneo àquela pretensão formulada pela autora, mas antes a acção administrativa comum, regulada nos artigos 37.º a 45.º do CPTA e, consequentemente, sendo a acção administrativa especial, como a presente, inidónea ou inadequada para a finalidade pretendida pela autora e, por isso, havendo erro na forma de processo.

Contra este entendimento se insurge a recorrente, invocando que “resulta, designadamente, dos artigos 4º nº 2, alínea g) e 47º nº 2, alínea d), o Código de Processo nos Tribunais Administrativos admite que actos administrativos possam ser praticados no âmbito de uma relação contratual”. Para concluir que a forma de processo escolhida a acção administrativa especial, é a adequado ao pedido formulado dado que o “que a aqui recorrente peticiona é que a Administração seja condenada à prática do acto legalmente devido”.

Mas sem razão nesta parte.

Essencialmente pelos fundamentos apontados na jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos, de que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.02.2014, no processo 10397/13, é o primeiro exemplo e, por isso, se passa a citar (sumário):

“I. A forma de processo é estabelecida pela lei por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo.

II. A propriedade ou adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir.

III. A distinção que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.

IV. A relação jurídica subjacente emerge da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, uma relação jurídica de natureza contratual, cujo núcleo de direitos e de deveres emerge da lei, o RCTFP, e do contrato celebrado entre as partes.

V. Estando em causa o reconhecimento do direito à compensação prevista no nº 3 do artº 252º do RCTFP, em consequência da caducidade do contrato a termo certo e a condenação ao pagamento da compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, está em causa o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [artº 37º, nº 2, a) do CPTA] e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um acto administrativo impugnável, e que pode ter objecto o pagamento de uma quantia [artº 37º, nº 2, e) do CPTA]

VI. A acção administrativa comum é a forma processual adequada.”

No mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.01.2015, processo 11575/14, de 12.03.2015, processo 10888/14, e de 26.11.2015, processo 12059/15; também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.06.2014, no processo 00748/12.7 AVR.

Como melhor se justifica este entendimento no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.02.2014, no processo 10397/13:

“Questão essencial é que, tal como prevê o nº 2 do citado artº 38º do CPTA, o uso da acção administrativa comum não sirva para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

Dito de outro modo, o artº 38º do CPTA admite que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo possa ter lugar no âmbito de uma acção administrativa comum, mas proíbe que este tipo de acção possa ser utilizado para obter o efeito típico resultante da anulação do acto inimpugnável, isto é, que possa essa acção ser usada para tornear a falta de impugnação desse acto, com eventual ofensa do caso resolvido administrativo – cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos deste TCAS, de 23/04/2009, proc. nº 3135/07, de 12/11/2009, proc. nº 4765/09, de 08/07/2010, proc. nº 6092/10 e de 15/03/2012, proc. nº 5963/10.

Por outro lado, caso a Administração se recuse a exercer os seus poderes/deveres de definição prévia das situações administrativas ou os exerça de modo que constitua uma violação das regras e princípios jurídicos aplicáveis, poderá o Tribunal ser chamado a intervir, quer para condenar a Administração a emitir os actos ilegalmente omitidos ou recusados, quer para corrigir as actuações positivas ilegais, de acordo com os parâmetros estabelecidos dentro dos limites do exercício legítimo do poder discricionário e em respeito dos princípios da conveniência ou da oportunidade administrativa (cfr. artºs 66º e segs. e 3º, do CPTA).

Tal, porém, pressupõe que a situação jurídica não se encontre ela própria já definida por lei, pois, sobretudo, no domínio das relações paritárias, não dispõe da Administração dos poderes de definição autoritária da relação jurídica.

No caso presente, a relação jurídica estabelecida entre as partes assenta na celebração de contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, uma relação cujo vínculo tem base contratual, onde o núcleo dos direitos e dos deveres das partes se encontra definido por lei, nos termos do regime aprovado pelo RCTFP e do contrato celebrado.

O direito cujo reconhecimento a Autora reclama em juízo tem previsão legal no disposto no nº 3 do artº 252º do RCTAF, não obstante ser controvertido se lhe assiste razão quanto à pretensão deduzida em juízo, pelo que, está em causa uma situação jurídica que não carece da intermediação de um acto administrativo.

Tanto assim é, que mesmo após várias iniciativas adoptadas por parte do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, não logrou o Réu definir inovatória e autoritariamente a situação jurídica da Autora.

Assim, no caso configurado em juízo, nos termos da factualidade demonstrada em juízo, é de entender que a Administração não decidiu sobre o direito à compensação reclamado pela Autora, não se tendo criado os pressupostos para a instauração da acção administrativa especial, de impugnação de acto administrativo ou para a condenação à prática de acto devido, a que acresce o facto de a relação jurídica subjacente ter natureza contratual, onde são limitados os poderes de autoridade do empregador público.

A pretensão da Autora não só não foi anteriormente definida por acto administrativo, como o que está em causa é o reconhecimento de situação jurídica subjectiva directamente decorrente da lei, nos termos do disposto no nº 3 do artº 252º do RCTAFP.

Mostra-se inequívoco que as concretas pretensões requeridas em juízo não dependem, nem exigem a prática de actos administrativos, por os termos da relação jurídica administrativa de emprego público, baseada no contrato de trabalho em funções públicas, não se inserirem no âmbito dos poderes de autoridade da Administração.

Deste modo, perante a factualidade assente e as pretensões concretamente requeridas, ao contrário do entendido na sentença recorrida, a presente acção deve seguir a forma da acção administrativa comum, uma vez que não está em causa a definição autoritária da situação e do direito da Autora.”

Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento que é, tanto quanto se conhece, claramente maioritário.

O erro na forma de processo não pode conduzir, no entanto, por si só, à absolvição da instância.

Podendo – e devendo – serem aproveitados os actos já praticados nos autos pelas partes, esta excepção não é insuprível, pelo contrário.

Pelo que apenas pela verificação da mesma não se impõe a decisão recorrida, de absolvição do réu da instância, antes se impõe convolar a intentada acção administrativa especial em acção administrativa comum, com aproveitamento de todo o processado, face ao disposto no n.º1 do artigo 199º do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos):

“O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.”

Daí que se imponha verificar agora se procede a restante matéria de excepção, julgada procedente na decisão recorrida.

2. A falta de legitimidade (ou personalidade judiciária) do réu.

Discorre-se a este propósito na decisão recorrida:

“Assim, tratando-se de acção que deverá ou deve ser processada sob a forma de acção administrativa comum e, consequentemente, que respeita a uma relação jurídica de responsabilidade civil, in casu contratual, porque emergente do aludido contrato de trabalho a termo resolutivo certo e, ainda, da condenação da Administração (o réu) ao cumprimento de um dever de prestar que decorre directamente de uma norma jurídico-administrativa, a presente acção deveria ter sido instaurada contra o Estado e não contra o Ministério da Educação e Ciência, na medida em que este (qualquer ministério, pois os ministérios são órgãos integrados na pessoa colectiva Estado) não possui personalidade judiciária (nem personalidade jurídica) nos termos gerais, nem legitimidade processual passiva para este tipo de acções (acções administrativas comuns).

Assim, a parte demandada é ou deverá ser o Estado, representado pelo Ministério Público, como resulta das disposições conjuntas dos artigos 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2, ambos do CPTA. Aliás, nesta perspectiva, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, Almedina, 2.ª Ed. revista, 2007, em anotação ao artigo 10.º, n.º 2, no sentido de que a interpretação do preceito deve ser restrita, isto é, de que esta norma “não abrange todo o tipo de processos intentados contra as entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (…), e a que há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo”.

Aliás, também neste sentido aponta Pedro Gonçalves, in A acção administrativa comum, Studia Iuridica, n.º 86, BFDUC, págs. 160/161, ou seja, de que, relativamente a acções ou omissões de órgãos estaduais, a legitimidade passiva na acção comum cabe, em princípio aos ministérios em que tais órgãos se integrem, salvo se se tratar de uma acção relativa a contratos ou responsabilidade, caso em que a acção deve ser proposta contra o Estado, o qual é representado pelo Ministério Publico.

Por isso que, dado que o Ministério da Educação e Ciência não possui personalidade e capacidade judiciárias para ser demandado neste tipo de acções – as acções administrativas comuns – (cfr. artigo 5.º do CPC ex vi do disposto no artigo 42.º do CPTA, na medida em que a sua tramitação é feita nos termos do CPC), o aqui réu, Ministério da Educação e Ciência, é parte ilegítima nesta acção, o que importa a sua subsequente absolvição da instância (vide neste sentido o Ac. do TCAS, de 19/01/2012, proc.º n.º 07015/10, in www.dgsi.pt, como aliás muitos outros proferidos pelos tribunais superiores, precisamente na apreciação de matéria idêntica ou igual à aqui em discussão.

Acresce ainda referir que, in casu, não há lugar a despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º do CPTA na medida em que a autora fez um uso indevido e inadequado da acção administrativa especial e, face à consequente ilegitimidade passiva do réu, outra não pode ser a decisão que não seja a absolvição do réu da instância, para além de igualmente não ser viável a convolação da acção para a acção administrativa comum. E absolvição da instância que se decidirá nos termos das disposições conjuntas dos artigos 89.º, n.º 1, al. d), do CPTA e artigos 265.º, n.º 2, 288.º, n.º 1, alínea e), e n.º 3 a contrario, 494.º, alínea e), ambos do CPC ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA.”

A recorrente ataca nesta parte crucial a decisão recorrida sustentando, em coerência com a forma de processo escolhida, que parte legítima, do lado passivo, é o Ministério da Educação e Ciência, contra o qual foi dirigida a acção, face ao disposto na parte final do n.º 2, do artigo 10º do Código de Processo no Tribunal Administrativo.

Embora, como vimos, a forma de processo adequada não seja a escolhida, mas a acção administrativa comum, não se pode concluir pela verificação da excepção de ilegitimidade ou de falta de personalidade jurídica, também insuprível nesta parte.

Como se sustenta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.05.2008, no processo 01509/06 (sumário):

“I – A excepção da ilegitimidade passiva singular no contencioso administrativo é uma excepção suprível – artigo 89º, nºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

II – Tendo sido demandado numa acção sobre responsabilidade o Ministério em vez do Estado, tendo em conta o princípio da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, não deve ter lugar a absolvição da instância mas antes deve o autor ser convidado a suprir a excepção de ilegitimidade passiva que se verifica neste caso – artigos 7º, 11º, nº 2, e 88º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

Reiterando-se aqui os respectivos fundamentos:

“A questão de saber se deve ser demandado o Ministério ou o Estado Português que seria uma questão de existência (ou extensão) de personalidade judiciária passiva, de acordo com os conceitos do Código de Processo Civil (art.ºs 5º e 6º), é tratada pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos como uma questão de legitimidade, não se autonomizando aqui o conceito de personalidade judiciária (art.ºs 10º e 11º).

Também de acordo com as regras do Código de Processo Civil, só é suprível a excepção de ilegitimidade passiva no caso de preterição de litisconsórcio necessário, ilegitimidade passiva plural, e não no caso de ilegitimidade passiva singular, como aqui sucede (ver a este propósito António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I volume, 2ª edição revista e ampliada, página 258).

Já o Código de Processo nos Tribunais Administrativos admite que seja suprida a ilegitimidade passiva singular, autonomizando a ilegitimidade do demandado (no singular) da situação, também susceptível de ser suprida, de falta de indicação dos contra-interessados, situação de ilegitimidade passiva plural (art.ºs 88º, n.º 2, e 89º, n.º 1, alíneas d) e f) (ver a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, obra citada, pág. 450 a 463).

Posição que veio a ser reiterada em jurisprudência posterior deste Tribunal Central Norte, citada no mais recente acórdão de 23.01.2015, no processo 442/13.1 PNF (sumário):

“I – No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo” e que dá lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA.

II – Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar.”

Acórdão do qual se extrai, por exaustiva, a seguinte fundamentação:

“3.2. A legitimidade é um pressuposto processual através do qual se expressa a relação entre a parte e o concreto objeto de uma ação (não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas antes uma qualidade desse sujeito em relação a uma determinada ação com um certo objecto). Nos termos dos artigos 577.º/e) e 578.º do CPC/2013, a ilegitimidade, enquanto exceção dilatória, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. Neste quadro legal, tem sido entendimento generalizado que, ao contrário do que sucede com a legitimidade plural (litisconsórcio necessário ativo ou passivo), em que a exceção é sempre suprível, nos casos de ilegitimidade singular ativa ou passiva, a exceção é insuprível, por força do disposto nos artigos 288.º/1-d) e 493.º/2 do CPC, correspondentes aos atuais artigos 278.º/1-d) e 576.º/2 do CPC/2013 (v. neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do TRLx, de 14.12.2004, P. 6921/2004-4; e do TRE, de 22.09.2010, P. 555/2002.E1).

Foi precisamente com base neste regime do processo civil, aplicado subsidiariamente por força do artigo 1.º do CPTA, que o tribunal a quo julgou verificada a ilegitimidade do R. e determinou, em consequência, a sua absolvição da instância.

Acontece que as regras do processo civil em matéria de ilegitimidade (passiva) não podem ser transpostas, sem mais, para o processo administrativo.

Por um lado, porque o disposto na lei de processo civil apenas é aplicável supletivamente ao processo nos tribunais administrativos (artigo 1.º do CPTA) e a ação administrativa especial (como é o caso da presente) segue a tramitação regulada no Capítulo III do Título III CPTA, pelo que importa primeiro apurar se no CPTA existem regras próprias que regulem diretamente a questão em apreço, o que, diga-se desde já, assim acontece.

Por outro lado, porque a relação entre a parte e o objeto do processo (em que se traduz a legitimidade) assume, no caso das entidades públicas demandadas (legitimidade passiva), contornos diversos dos que estão subjacentes ao regime da ilegitimidade no processo civil: enquanto que no mundo das pessoas jurídicas privadas (singulares ou coletivas) a regra é a total separação das esferas jurídicas, correspondentes a distintos (e inconfundíveis) centros de imputação de direitos e deveres, já no universo das pessoas coletivas públicas predomina a complexidade da organização administrativa: não é raro que no âmbito do mesmo departamento do Estado (Ministério) proliferem entidades com competências próximas e interligadas, algumas dotadas de personalidade jurídica outras constituindo meros órgãos ou entes não personificados; e é frequente que numa mesma relação material controvertida intervenham várias entidades públicas, com ou sem personalidade jurídica, mas todas com personalidade judiciária (que, para além de coincidir com a personalidade jurídica pública é também extensiva a entes sem personalidade, como os ministérios ou os órgãos administrativos). Por isso mesmo, a par de um conjunto de regras relativas à identificação da entidade pública que deve ser demandada nas ações que têm por objeto “ação ou omissão de uma entidade pública” (constantes do artigo 10.º), o CPTA consagrou um regime que em certa medida é de tolerância ao erro na identificação entidade pública demandada, tornando irrelevantes (desprovidos de consequências) os erros que se traduzem em demandar o órgão administrativo em vez de demandar o ministério ou a pessoa coletiva a que pertence o órgão ou em intentar a ação contra órgão diverso, mas pertencente à mesma pessoa coletiva pública (cfr. artigos 10.º/4, 11.º/5, 78.º/2-e)/3, 81.º/2/3 do CPTA).


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3.3. Sem prejuízo deste regime particular, permanecem casos de ilegitimidade passiva, em sentido próprio, nomeadamente aqueles em que é demandada uma pessoa coletiva pública diversa daquela em cujo âmbito foi praticado o ato ou omissão ou em que se indique um órgão pertencente a uma pessoa coletiva que não é a titular da relação material controvertida.

De acordo com o artigo 89.º/1-d) CPTA, a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo” e que dá lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA.

Nos termos do disposto no artigo 88.º/2, quando a correção oficiosa não seja possível, incumbe ao juiz proferir “despacho de aperfeiçoamento destinado a providenciar o suprimento de exceções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado”. Ainda de acordo com o artigo 89.º/2, a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeiro, para efeitos da tempestividade da sua apresentação. Só no caso de incumprimento do despacho de aperfeiçoamento, e consequente absolvição da instância com esse fundamento, é que o autor fica sem possibilidade de substituição da petição (artigo 88.º/4 aplicável por força do artigo 89.º/4 do CPTA).

Ora, à luz deste regime e, nomeadamente, das normas conjugadas dos artigos 88.º/1/2 e 89.º/4 do CPTA não pode afirmar-se, sem mais, que no contencioso administrativo a ilegitimidade (singular) do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância. Pelo menos no caso a seguir referido, o juiz deve previamente exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição.

É certo que, quando ocorra absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento, o autor tem a faculdade de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, a qual se considera apresentada na data em que tinha sido a primeira (artigo 89.º/2). Contudo, por força dos princípios da promoção do acesso à justiça (in dubio pro actione), do aproveitamento dos atos e da economia processual, justifica-se convidar ao aperfeiçoamento da petição quando, nomeadamente, o único erro verificado respeite à identificação da entidade pública demandada. Embora a sanação desse obstáculo obrigue à repetição do ato de citação, não deixa de constituir a mesma pretensão, com o mesmo pedido e causa de pedir, permitindo o aproveitamento da petição inicial com a correção do demandado e permitindo aproveitar os atos de distribuição e de autuação do processo.

Em suma, no caso, porque a única irregularidade que a petição inicial apresenta consiste numa errada identificação do réu que, de acordo com os factos nela alegados, devia ser a pessoa coletiva Fundo de Garantia Salarial e não o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, que tutela e superintende àquele Fundo, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública demandada.

O entendimento acima exposto não é novo, nem está isolado.

Igualmente versando situações de errada identificação da entidade pública demandada, alguma jurisprudência tem entendido, ainda que sem uniformidade, que tal obstáculo é suprível e que o tribunal deve proferir despacho que convide ao aperfeiçoamento da petição – v., entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10.

Também a doutrina se tem pronunciado no sentido de a ilegitimidade do demandado (artigo 89.º/1-d) do CPTA) dar lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA (Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, I, 2004, 170); e constituir situação passível de suprimento ou correção através de convite ao aperfeiçoamento (Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, 529).”

Sempre seria, por isso, caso de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, indicando o Estado como parte demandada.

É este o entendimento que se afigura mais conforme ao princípio, adoptado pelo legislador, de prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma.

E considerando, no essencial, que as figuras jurídicas da ilegitimidade e da falta de personalidade judiciárias e a possibilidade do respectivo suprimento são distintas no processo civil e no contencioso administrativo.

No caso concreto, porém, após a convolação da forma de processo, impõe-se concluir que a parte legítima não é o Estado mas antes a entidade inicialmente demandada, o Ministério da Educação e Ciência, sem necessidade de convite ao aperfeiçoamento.

Isto porque se aplica ao caso, não o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002), a hipótese de representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais, mas antes do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 10º do mesmo diploma.

Como se refere no acórdão P 129/13.5 BELRA (Porto):

Ora, a regra de representação obrigatória do Estado pelo Ministério Público, prevista no artigo 11.º/2, 1ª parte, implica uma restrição do critério geral de atribuição de personalidade judiciária aos entes públicos não personificados que vigora no contencioso administrativo. Note-se que apenas nas ações referidas neste artigo 11.º/2 prevalece o princípio de coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária (com a obrigatoriedade de demandar a pessoa coletiva Estado, através do seu representante legal, o Ministério Público); enquanto que, em geral, o critério é outro: como regra, consagra-se a extensão da personalidade judiciária a entes públicos não personificados e, no caso do Estado, identificam-se os ministérios como os demandados preferenciais – cfr. artigo 10.º/2//4 do CPTA. Assim, o desvio contido no artigo 11.º/2, 1ª parte, não pode aplicar-se senão aos casos aí expressamente previstos, ou seja, aos processos que tenham por objeto relações de responsabilidade ou relações contratuais (particularmente, questões referentes à interpretação, validade ou execução de contratos), únicos que podem fundamentar a intervenção do Ministério Público e, consequentemente, o desvio ao referido critério de atribuição de personalidade judiciária a entes públicos não personificados.

Estando em causa, como está, uma ação que, após convolação oficiosa da forma de processo, assumiu a forma de administrativa comum e que, pelas razões referidas, tem por objeto (pedido e causa de pedir) um dever de prestar diretamente decorrente de normas jurídico-administrativas, não recai a mesma no limitado âmbito de aplicação do artigo 11.º/2, 1ª parte, do CPTA, antes lhe sendo aplicável a regra geral do artigo 10.º/2, segundo a qual a parte demandada é o ministério sobre cujos órgãos recai o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, ou seja, no caso, o Réu Ministério da Educação e Ciência.”

Termos em que se impõe concluir pela improcedência da matéria de excepção suscitada e, logo, pela procedência do recurso jurisdicional.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam improcedente a matéria de excepção suscitada.

C) Ordenam a baixa dos autos a fim de que prossigam os seus ulteriores termos, se nada a mais tal obstar.

Não é devida tributação.


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Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Luís Garcia, vencido, conforme declaração que se segue:
Como justamente dá nota o aresto que agora conhece luz, apesar de um entendimento que será maioritário, não há uniformidade jurisprudencial no tratamento de situações como a que agora se decide.
Mantendo mesma posição já expressa em Ac. deste TCAN, de 18-12-2015, proc. nº 00624/12.3BEVIS, em voto vencido, para aí remeto, também agora votando vencido.
No quadro processual em que nos movemos, anterior à recente revisão do CPTA.
Porto, 20/05/2016.
Luís Migueis Garcia