Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02491/16.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/01/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL; RESTITUIÇÃO DA CAUÇÃO; ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:
I-O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
II-A acção administrativa urgente é a forma processual especial que visa dar resposta às acções que têm por objecto o contencioso pré-contratual dos contratos abrangidos pelas Directivas europeias da contratação pública, sendo o meio próprio para a impugnação dos actos relativos à formação dos contratos enunciados no n° 1 do artigo 100° do CPTA, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual;
II.1-o meio processual utilizado pela Recorrente é impróprio, o que configura uma excepção dilatória inominada;
II.2-por seu turno, a convolação está arredada, atenta a data da notificação da deliberação e o momento da propositura da acção.
III-O contencioso pré-contratual é um processo urgente, o que significa, segundo a doutrina, um processo instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, atendendo à crescente importância económica que a contratação pública assume num contexto de Mercado Único Europeu, bem como, à necessidade de garantir uma efectiva e eficaz existência de meios contenciosos em matéria de contratação pública, designadamente para assegurar a salvaguarda das liberdades fundamentais. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ACCS, Lda.
Recorrido 1:CHSJ, E.P.E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
ACCS, Lda., NIPC 50…71, com sede na Av. C…, 4820-555 Pedraído, Fafe, instaurou acção administrativa contra o CHSJ, E.P.E., NIPC 50…97, com sede na Alameda Professor Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto, visando a anulação da deliberação do Conselho de Administração do Réu, de 07/07/2016 e consequentemente obter a restituição da caução que prestou no âmbito do procedimento concursal nº 82001815 - Concessão de Exploração da Cafetaria, Tipo Snack Bar, no AHPP do CHSJ, E.P.E..
Por saneador sentença proferido pelo TAF do Porto foi verificada a nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, e absolvido o Réu da instância.
Deste vem interposto recurso.
*
Alegando a Autora concluiu:
1. A ação é própria e foi intentada dentro prazo.
2. No caso dos autos, não está em causa o processo antecedente à formação de contrato, do contrato, a sua interpretação ou execução, mas sim um ato de autoridade, de supremacia e unilateral.
3. Não estamos na presença de situação atinente ao contencioso pré contratual ou contratual, mormente quanto a atos encadeados e integrados com vista à celebração de contrato ou referente a relação jurídica continuada no tempo derivadas desse mesmo contrato.
4. No caso presente não se pretende dirimir conflito que derive de qualquer declaração negocial mas sim de uma decisão unilateral, momentânea e isolada por via de pedido apresentado pela recorrente.
5. Trata-se, portanto, de uma relação jurídica de autoridade entre o recorrido e a recorrente, colocando o visado numa posição de submissão.
6. Tendo o CA emitido decisão que definiu a situação da recorrente relativamente ao pedido que esta fez, mormente para devolução do montante relativo à caução, tinha este ato de ser impugnado através da competente ação administrativa, como sucedeu.
7. Deste modo crê a recorrente que estamos na presença de um verdadeiro ato administrativo e isolado, conforme prescrito no art. 148.º do CPA, com clara autonomia de outros que pudessem ter lugar no procedimento concursal referenciados nos autos por via das regras previstas para a contratação pública.
8. No caso vertente, o tribunal "quo" ao julgar procedente a exceção do erro na forma do processo, ocorreu em erro de julgamento, uma vez que atento o pedido formulado, o mesmo apenas poderá ser satisfeito com recurso à ação administrativa, de forma a respeitar o consignado no arts. 37º, nº 1 e 97, nº 2 do CPTA e garantir o acesso à justiça impugnatória relativamente ao ato lesivo dos interesses da recorrente.
9. Além de que, a decisão ora posta em crise, desrespeita os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, e da boa-fé, prescritos nos arts. 3, 4, 8 e 10 do CPA.
10. Sendo inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva ou acesso à justiça, da proteção da confiança e do direito a um processo equitativo, o entendimento normativo dado ao art. 37º, nº 1; 97, al. c) e 100 n.º 2 do CPTA, no sentido de que, os atos administrativos praticados fora de procedimento concursal e que embora visem situações concretas atinentes com aquele, não poderão se objeto de impugnação através da ação administrava mas sim da ação administrativa urgente.
TERMOS EM QUE: Deve, face às conclusões antecedentes, conceder-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
I - Bem andou a sentença, ora recorrida, ao julgar procedente a exceção dilatória da nulidade de todo o processo, e, em consequência absolver o réu da instância,
Isto porque,
II - o aqui Recorrente intentou ação especial de Impugnação de Ato Administrativo para atacar a deliberação do Conselho de Administração do R. no âmbito de procedimento concursal regido pelas regras de contratação pública;
III - A deliberação do Conselho de Administração de 07.07.2016 contém uma decisão de não adjudicação por circunstâncias supervenientes à abertura do procedimento, sendo o ato de não adjudicação um ato inserido nas normas de tramitação de contratação pública plasmadas no Código dos Contratos Públicos, pelo que, nos termos previstos na alínea c) do artigo 97.° do CPTA, o contencioso dos atos relativos à formação dos contratos previstos na Secção III, rege-se pelo disposto no Capítulo da Ação administrativa urgente e pelo disposto nos capitulas II e III do título II, no que com ele não contenda.
IV - De acordo com o estabelecido no n.°2 do artigo 100.° do CPTA, para efeitos de aplicação do contencioso pré-contratual, são considerados atos administrativos os atos praticados por quaisquer entidades adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública.
V - A ação administrativa urgente é a forma processual especial que visa dar resposta, às ações que têm por objeto o contencioso pré-contratual dos contratos abrangidos pelas Diretivas europeias da contratação pública, sendo o meio próprio para a impugnação dos atos relativos à formação dos contratos enunciados no n.°1 do artigo 100.° do CPTA, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual.
VI - Assim sendo como é, o meio processual utilizado pela Recorrente é impróprio, o que configura uma exceção dilatória inominada pelo que bem andou o tribunal a quo, ao verificar a nulidade de todo o processo.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, com as legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA!
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Através do anúncio de procedimento n.º 82001815, abriu concurso público para a “[C]oncessão de Exploração da Cafetaria, Tipo Snack Bar, no AHPP do CHSJ, E.P.E.”, sendo a entidade contratante o Réu (cfr. fls. 270 e 271 do Processo Administrativo);
B) A Autora apresentou proposta ao concurso referido na alínea A), sendo que por deliberação do Conselho de Administração do Réu, de 20.08.2015, foi o mencionado concurso adjudicado à Autora (cfr. fls. 120 a 127 do Processo Administrativo e doc. junto com a contestação – fls. 40 dos autos - processo físico);
C) Em 26.08.2015, o Réu solicitou à Autora documentos de habilitação (cfr. doc. junto com a contestação – fls. 39 dos autos - processo físico);
D) Em 31.12.2015, o Réu remeteu à Autora a minuta do contrato (cfr. doc. junto com a contestação – fls. 41 dos autos - processo físico);
E) Em 18.01.2016, a Autora comunicou que não pretendia a adjudicação, que retirava a proposta apresentada, e requereu o levantamento da garantia prestada (cfr. fls. 12 do Processo Administrativo e doc. n.º 3 junto com a petição inicial – fls. 21 dos autos - processo físico);
F) O Conselho de Administração do Réu, em 04.03.2016, deliberou declarar caducada a adjudicação à Autora (cfr. fls. 14 e 15 do Processo Administrativo e doc. junto com a contestação – fls. 35 e 36 dos autos - processo físico);
G) Em 07.07.2016, o Director do Serviço de Aprovisionamento do Réu propôs ser tomada a decisão de não adjudicação, nos seguintes termos:
Centro de Logística, Compras e Património] Serviço de Aprovisionamento
Ofício Interno

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Centro Logística, Compras e Património I Serviço de Aprovisionamento
Data: 11/05/2016
V. comunicação Origem/V.Referência N.Referência
Pedido
Assunto: Procedimento 82001815 - Concessão de Exploração de Cafetaria, Tipo Snack Bar, no AHPP do CHSJ, E.P.E. - Pronuncia relativa à não adjudicação.
Exmo. Conselho de Administração,
1. O Serviço de Aprovisionamento submeteu a audiência prévia dos concorrentes a proposta de não adjudicação do procedimento supra mencionado, fundamentando na previsão contida na alínea d) do n.°1 do artigo 79.° do CCP.
2. Em sede de audiência prévia, a empresa ACCS, Lda. vem alegar que informou oportunamente não pretender a adjudicação, atento o decurso do prazo de manutenção de propostas, nos termos do disposto no artigo 65.° do CCP, referindo que não se escusou a assinar o contrato por terem sobrevindo à adjudicação modificações da situação económica mas com fundamento legal do decurso do prazo de validade de proposta.
3. Mais alega que, atendendo á decisão de não adjudicação estribada na necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento e de que não foi feita a adjudicação ao segundo classificado, a determinação superior de remessa ao Serviço de Aprovisionamento, destina-se à restituição da caução e cálculo de indemnização aos concorrentes nos termos previstos no n.°4 do artigo 79.° do CCP.
4. Contudo, compulsado o processo constata-se que não as alegações tecidas pela empresa não correspondem á realidade verificada no procedimento em causa.
5. Com efeito, conforme se comprova da mensagem da empresa, outrora adjudicatária, colocada na plataforma eletrónica, em resposta a mensagem enviada para aprovação da minuta de contrato, esta solicitou uma reunião (ver Anexo 1), na qual pretendia a revisão das condições apresentadas na proposta, o que legalmente não era possível.
6. Posteriormente, na fase em que se deveria proceder à outorga do contrato, a empresa veio informar já não ter interesse na adjudicação e solicitar a devolução da caução prestada (ver Anexo 1).
7. A situação exposta, configura um caso de caducidade de adjudicação previsto no artigo 105° n° 1 do CCP com consequente perda da caução prestada a favor da entidade adjudicante e adjudicação da proposta ordenada em lugar subsequente.
8. Conforme também se pode comprovar, através do processo concursal, em momento algum o adjudicatário invocou o decurso do prazo de validade da proposta, designadamente no momento da comunicação de adjudicação, tendo inclusivamente realizado a fase de habilitação.
9. Mais, não se alcança como poderia o concorrente entender que a sua proposta já não estava válida e que não se encontrava vinculado ao procedimento e ainda assim tivesse prestado caução para garantia do pontual e exato cumprimento das obrigações contratuais, sendo este um momento procedimental posterior à adjudicação (simultâneo à comunicação).
10. Assim, conforme se pode constatar do processo de concurso, verificou-se uma situação de caducidade de adjudicação por motivo Imputável ao adjudicatário, e que num segundo momento adjudicatário (adjudicação da proposta ordenada em lugar subsequente) se verificou uma causa de não adjudicação por circunstâncias supervenientes, que exigem a alteração das condições a incluir numa nova contratação, não assistindo qualquer razão á empresa na pronuncia ora apreciada, devendo ser rejeitada
11. Face ao exposto, propõe-se ao Exmo. Conselho de Administração:
a) Que seja tomada decisão de não adjudicação nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 79.° do CCP, sendo os fundamentos da mesma notificada a todos os concorrentes nos termos do n.°2 do mesmo artigo.

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

RR
Diretor do Serviço de Aprovisionamento
(cfr. fls. 4 e 5 do Processo Administrativo e doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 16 e 17 dos autos - processo físico);
H) Com referência à proposta referida na alínea G), o Conselho de Administração do Réu, em 07.07.2016, deliberou a não adjudicação – deliberação impugnada (cfr. fls. 4 do Processo Administrativo e doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 16 dos autos - processo físico);
I) Em 19.07.2016, foi disponibilizada na plataforma electrónica mensagem, constando no campo “ASSUNTO Comunicação de Não Adjudicação Pós Audiência Prévia”, sendo o corpo da mesma “Deliberação _07_07_2016” (cfr. fls. 1 do Processo Administrativo e doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 15 dos autos - processo físico);
J) A petição inicial da presente acção administrativa foi apresentada, via site, em 20.10.2016 (cfr. fls. 2 e 3 dos autos - processo físico).
*
DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção, e constitui nulidade de conhecimento oficioso – cfr. artigos 193º e 196º do CPC.
Por outro lado, a sua verificação afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com recurso à acção, que mais não é do que o efeito jurídico, a finalidade ou resultado que visa alcançar com a mesma.
Sendo que, o pedido constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que este se move.
Na situação em apreço, a Autora intentou a presente acção administrativa visando “a anulação da deliberação do Conselho de Administração do réu, de 07/07/2016 e consequentemente obter a restituição da caução prestada pela autora no âmbito do procedimento concursal n.º 82001815 – Concessão de Exploração da Cafetaria, Tipo Snack Bar, no AHPP do CHSJ, E.P.E.
De acordo com o n.º 1, do artigo 37º do CPTA, “[S]eguem a forma da acção administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial…”.
Assim sendo, seguem esta forma processual todos os processos em que não seja formulada qualquer pretensão para a qual o CPTA tenha previsto um específico modelo de tramitação. É que, para além da acção administrativa, prevê aquele diploma outras formas de processo, designadamente os processos urgentes.
Com efeito, o CPTA, no Título III, institui três formas de processo especiais.
E, a primeira destas formas de processo é a acção administrativa urgente, que visa dar resposta às acções que têm por objecto questão, entre outras, do contencioso pré-contratual dos contratos abrangidos pelas Directivas europeias da contratação pública, enunciada na alínea c), do n.º 1, do artigo 97º do CPTA.
Ora, o regime de contencioso pré-contratual, regulado nos artigos 100º a 103º-B do CPTA, é aplicável a todos os actos lesivos praticados em procedimentos administrativos tendentes à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, ou seja, aos contratos taxativamente referidos no n.º 1, do artigo 100º do CPTA, excluindo a aplicação do regime comum de impugnação de actos administrativos, de acordo com a regra da especialidade e adequação dos meios adjectivos, não podendo pois os particulares optar entre ele e o regime geral previsto no artigo 37º do CPTA (cfr. alínea c), do n.º 1, do artigo 97º do CPTA).
Trata-se, pois, de um regime imperativo e não de utilização facultativa, impondo-se o seu regime a todos os actos que caibam no âmbito de previsão do artigo 100º do CPTA, como sucede com a deliberação impugnada.
Na verdade, a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual é o meio próprio para a impugnação dos actos relativos à formação dos contratos enunciados no n.º 1, do artigo 100º do CPTA, sendo para todos os actos atinentes àqueles procedimentos, exemplificados no n.º 2, do mesmo artigo, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual.
Decorre, assim, da análise conjugada das mencionadas normas e do pedido formulado pela Autora a existência de erro na escolha da forma do processo, sendo o meio processual adequado a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual, pois que é esta a forma processual legalmente tipificada, que não a acção administrativa.
Devendo ter sido instaurada acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual e não acção administrativa, incorreu a Autora na excepção inominada de impropriedade do meio processual ou no uso indevido de meio processual.
Impõe-se, agora, aferir da utilidade e pertinência duma convolação para a forma processual adequada, nos termos do disposto no artigo 193º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Dispõe o artigo 101º do CPTA, sob a epígrafe “[P]razo”, que “[O]s processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º.”.
Na situação em apreço, a Autora foi notificada da deliberação impugnada, via plataforma electrónica, em 19.07.2016 [cfr. alínea I) do probatório], e apresentou a presente acção em 20.10.2016 [cfr. alínea H) do probatório].
Resulta assim inequívoco que, quando a presente acção foi intentada, já se mostrava ultrapassado o prazo previsto no artigo 101º do CPTA.
Pelo que, a convolação revela-se de todo inútil, em virtude da extemporaneidade da instauração do adequado meio processual, nos termos do artigo 101º do CPTA.
Assim, pelos motivos supra expostos, julga-se verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, o que determina a absolvição do Réu da instância, nos termos do disposto no n.º 2 e alínea b), do n.º 4, do artigo 89º do CPTA.
X
Esta decisão julgou verificado o erro na forma de processo - uso indevido da acção administrativa - e por reputar processualmente inadmissível a convolação dos presentes autos, absolveu da instância o Réu.
Na óptica da Apelante ela enferma de erro de julgamento de direito, além de desrespeitar os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, e da boa-fé, ínsitos nos artºs 3º, 4º, 8º e 10º do CPA.
Cremos que carece de razão.
Vejamos:
Como é sabido, o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 3ª ed.- reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 3ª ed., 1999, pág. 262, e Antunes Varela, RLJ, ano 100º, pág. 378.
O Supremo Tribunal Administrativo, e tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione “... tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir - ainda que com recurso à figura do pedido implícito - qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.
Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o cidadão visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - Acórdão do STA de 28/05/2014 no rec. 01086/13.
No que concerne ao erro de julgamento quanto à forma do processo, o intérprete tem, pois, de examinar com atenção o texto legal que cria determinado processo especial e marca a sua esfera de aplicação; por esse texto determinará o caso ou casos a que esse processo convém ou se ajusta, o caso ou casos para os quais deve ser utilizado (...). Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado na lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, do ajustamento da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial (...). Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial - continua a ensinar-nos o Prof. Alberto dos Reis, in ob. cit.

Ora, o artigo 35° do CPTA prevê quais as formas de processo correspondentes às variadas pretensões deduzidas perante a jurisdição administrativa, a saber: a acção administrativa comum, a acção administrativa especial e os processos urgentes, regulados respectivamente, nos Títulos II, III e IV do CPTA.
In casu, a questão que se coloca é a de saber se o meio processual utilizado pela Recorrente quando intentou uma acção administrativa especial, destinada à anulação da deliberação do Conselho de Administração de 07/07/2016 e consequentemente a obter a restituição da caução prestada no âmbito do procedimento concursal n° 82001815 era o meio próprio e se foi intentada no prazo, ou, se a Recorrente incorreu em impropriedade do meio processual, que, constituindo excepção dilatória, fulmina de nulidade todo o processo.
O despacho recorrido concluiu, e bem, que devendo ter sido instaurada acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual e não acção administrativa, a aqui Recorrente incorreu na falada excepção inominada de impropriedade do meio processual ou no uso indevido de meio processual, e, que, sendo inútil a convolação para a forma processual adequada, em virtude de se mostrar ultrapassado o prazo, absolveu o aqui Recorrido da instância.
A decisão remete a sua análise e interpretação ao plasmado nos artigos 37°, 97º, 100° e 101°, todos do CPTA.
De acordo com o n°1 do artigo 37° do CPTA, “Seguem a forma da ação administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código, nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial, ....”.
Prossegue, referindo que seguem esta forma de processual todos os processos em que não seja formulada qualquer pretensão para a qual o CPTA tenha previsto específico modelo de tramitação e que, para além da acção administrativa, prevê aquele diploma outras formas de processo, designadamente processos urgentes.
Das três formas de processo especial instituídas no CPTA, a primeira é a acção administrativa urgente, que visa dar resposta às acções que têm por objecto questão, entre outras, do contencioso pré-contratual dos contratos abrangidos pela Directivas europeias da contratação pública, enunciada na alínea c) do n° 1 do artigo 97° do CPTA.
A acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual é o meio próprio para a impugnação dos actos relativos à formação dos contratos enunciados no n°1 do artigo 100° do CPTA, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual.
Ao contrário do defendido pela Recorrente, o acto em crise, acto de não adjudicação ao abrigo da alínea d) do artigo 79° do Código dos Contratos Públicos, é um acto plenamente inserido na tramitação procedimental dos procedimentos pré-contratuais de contratação pública, que, com fundamento em alteração superveniente das circunstâncias ao termo do prazo de apresentação de propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, impede a decisão de adjudicação.
Por outro lado, não pode, a Recorrente extrair do acto de não adjudicação em crise, a perda da caução e a alegada recusa da sua não devolução, dado que estamos em presença de actos distintos e tomados em momentos procedimentais distintos. Isto porque, a referida perda de caução resulta da caducidade de adjudicação que tinha sido tomada a seu favor em deliberação de 20/08/2015 e que por motivos imputáveis à aqui Apelante caducou, implicando a perda de caução nos termos dos n°s 1 e 2 do artigo 105° do CCP, conforme decisão inserta em deliberação do Conselho de Administração datada de 04/03/2016.
A impugnação do acto de não adjudicação, independentemente da forma processual que viesse a revestir a acção, não determina, nem pode legalmente determinar, a restituição da caução. O que poderia suceder é que da impugnação do referido acto e consequente anulação do mesmo por ilegalidade fosse o procedimento conduzido a uma decisão de adjudicação e nunca à restituição da caução peticionada pela Recorrente.
Ora, a aqui Recorrente intentou acção especial de impugnação de acto administrativo para atacar a deliberação do Conselho de Administração do Réu/Recorrido, no âmbito de procedimento concursal regido pelas regras de contratação pública.
Nos termos previstos na alínea c) do artigo 97° do CPTA, o contencioso dos actos relativos à formação dos contratos previstos na Secção III regem-se pelo disposto no Capítulo da acção administrativa urgente e pelo disposto nos capítulos II e III do título II, no que com ele não contenda.
De acordo com o estabelecido no n° 2 do artigo 100° do CPTA, para efeitos de aplicação do contencioso pré-contratual, são considerados actos administrativos os actos praticados por quaisquer entidades adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública.
Assim sendo, o meio processual utilizado pela Autora é impróprio, o que, repete-se, configurando uma excepção dilatória inominada levou a que o Tribunal a quo absolvesse o ora Recorrido da instância, considerando inútil a convolação para o meio processual próprio ou idóneo por manifesta extemporaneidade da propositura da acção.
Como bem advoga o aqui Recorrido, não se quer com isto dizer que o acto de não adjudicação não seja um acto administrativo conforme prescrito no artigo 148° do CPA, e com clara autonomia de outros no próprio procedimento concursal. Contudo, porque sendo um acto procedimental no domínio das regras da contratação pública, a sua impugnação integra-se na forma processual especial de contencioso pré-contratual urgente prevista no artigo 100° do CPTA, que a ora Recorrente não observou.
E não se diga, como o faz, que se trata de uma relação jurídica de autoridade entre Recorrente e Recorrido, colocando aquela numa posição de submissão. Ou mesmo que a contratação pública é, na sua génese, desequilibrada em relação aos sujeitos, estando os particulares contratantes em posição de inferioridade em relação ao ente público.
O contencioso pré-contratual é um processo urgente, o que significa um processo instituído em razão de urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, atendendo à crescente importância económica que a contratação pública assume num contexto de Mercado Único Europeu, bem como, a necessidade de garantir uma efectiva e eficaz existência de meios contenciosos em matéria de contratação pública para assegurar a salvaguarda das liberdades fundamentais - cfr. o nº 21 das contra-alegações.
Assim, o contencioso pré-contratual, e a urgência que lhe foi conferida, foi exactamente com o objectivo da ampla tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares em procedimentos para a formação dos contratos públicos e, por essa via, inclui todos os procedimentos seguidos pela administração com vista à celebração de contratos públicos.
Em suma:
-a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual é o meio próprio para a impugnação dos actos relativos à formação dos contratos enunciados no nº 1 do artigo 100º do CPTA, sendo para todos os actos atinentes àqueles procedimentos, exemplificados no nº 2 do mesmo artigo, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual;
-assim, bem andou o despacho, recorrido, ao julgar procedente a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, e, em consequência, absolver o réu da instância;
-isto porque, a aqui Recorrente intentou acção especial de impugnação de acto administrativo para atacar a deliberação do Conselho de Administração do Réu no âmbito de procedimento concursal regido pelas regras de contratação pública;
-a deliberação deste órgão, de 07/07/2016, contém uma decisão de não adjudicação por circunstâncias supervenientes à abertura do procedimento, sendo o acto de não adjudicação um acto inserido nas normas de tramitação de contratação pública contidas no Código dos Contratos Públicos, pelo que, nos termos previstos na alínea c) do artigo 97° do CPTA, o contencioso dos actos relativos à formação dos contratos previstos na Secção III, rege-se pelo disposto no Capítulo da acção administrativa urgente e pelo disposto nos capítulos II e III do título II, no que com ele não contenda;
-de acordo com o estabelecido no n° 2 do artigo 100° do CPTA, para efeitos de aplicação do contencioso pré-contratual, são considerados actos administrativos os praticados por quaisquer entidades adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública.
-a acção administrativa urgente é a forma processual especial que visa dar resposta, às acções que têm por objecto o contencioso pré-contratual dos contratos abrangidos pelas Directivas europeias da contratação pública, sendo o meio próprio para a impugnação dos actos relativos à formação dos contratos enunciados no n° 1 do referido artigo 100°, mostrando-se a deliberação impugnada abrangida pelo referido meio processual;
-o meio processual utilizado pela Recorrente é impróprio, o que configura uma excepção dilatória inominada;
-é certo que o erro na indicação da forma do processo constitui uma nulidade processual (artº 193° do CPC de 2013), que pode ser oficiosamente sanada, nos termos dos artºs 193°/3 e 196° do mesmo diploma; assim, e uma vez que a forma adoptada seria susceptível de correcção oficiosa, deveria o Tribunal a quo determinar a autuação do processo em conformidade;
-de facto, o erro na forma de processo determina, à luz do princípio da economia processual, a convolação para o meio contencioso adequado para o que importa unicamente a anulação dos actos que, de todo em todo, não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma legalmente estabelecida, sendo que apenas não podem ser aproveitados os actos que tendo sido praticados envolvam uma diminuição de garantias dos demandados;
-certo é que, como bem entendeu o Tribunal recorrido, no caso, a convolação não pode operar;
-efectivamente, do probatório resulta que a Autora foi notificada da deliberação impugnada, via plataforma electrónica, em 19/07/2016 e (apenas) apresentou a acção em 20/10/2016;
-é inequívoco que, quando a presente acção foi instaurada, já se mostrava ultrapassado o prazo previsto no artigo 101º do CPTA;
-a convolação seria, de todo inútil, em virtude da intempestividade da instauração do adequado meio processual;
-já o apelo à afronta dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse publico e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça, da razoabilidade, e da boa-fé, plasmados nos artºs 3º, 4º, 8º e 10º do CPA, ou à violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva ou acesso à justiça, da protecção da confiança e do direito a um processo equitativo, não passa de uma manobra desesperada no sentido de levar a sua visão por diante; aliás, o suposto desrespeito de tais comandos nem sequer se mostra densificada o que, desde logo, faz soçobrar a sua invocação;
-de resto, o contencioso pré-contratual é um processo urgente, o que significa, nas palavras de Mário Esteves Oliveira e Rodrigo Esteves Oliveira, um processo “instituído em razão de urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa”, atendendo à crescente importância económica que a contratação pública assume num contexto de Mercado Único Europeu, bem como, a necessidade de garantir uma efectiva e eficaz existência de meios contenciosos em matéria de contratação pública, designadamente para assegurar a salvaguarda das liberdades fundamentais;
-o erro na forma do processo, repete-se, afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, razão pela qual, visto o pedido formulado em juízo não merece censura o despacho saneador recorrido, quer quando julga verificada a existência de erro na forma do processo, quer quando decide pela não convolação da forma processual erroneamente utilizada pela legalmente aplicável.
Improcedem as conclusões da alegação.
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DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 01/02/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho