Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01969/22.0BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO;
LIGAÇÃO DO SISTEMA DE ÁGUAS PLUVIAIS AO SISTEMA DE ÁGUAS RESIDUAIS;
PROVA; PERICULUM IN MORA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
1) AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
2) CC, divorciado, e DD, divorciada, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
3) EE, viúva, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
4) FF e mulher GG, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
5) HH e mulher II, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
6) JJ e mulher KK, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
7) LL e mulher MM, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
8) NN, separada de pessoas e bens, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
9) OO e mulher PP, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
10) QQ, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
11) RR e mulher SS, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
12) TT, divorciado, e UU, divorciada, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
13) César VV e mulher WW, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
14) XX e mulher YY, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
15) ZZ, divorciada, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
16) AAA, solteiro, maior, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
17) BBB, solteira, maior, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
18) CCC e mulher DDD, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...;
19) EEE e mulher EE, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ..., apresentaram, por apenso aos autos do processo principal, requerimento inicial para a adoção de providências cautelares, indicando como entidade requerida a EMP01..., E. M., com sede na Praça ..., ..., o que fazem na sequência das decisões proferidas por esta entidade no sentido de determinar a realização de obras de separação dos sistemas de drenagem de águas pluviais e residuais.
A final daquele requerimento inicial, pediram o seguinte:
Termos em que requer a V. Ex.cia se digne receber o presente requerimento cautelar e, após prolação de despacho liminar de aceitação do presente requerimento cautelar, deve determinar
a) a suspensão de eficácia do ato administrativo praticado pela requerida a 28.7.2022 e já impugnado nos autos de processo principal que correm termos pela Unidade Orgânica 1 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (proc. nº 1969/22.0BEBRG); e
b) a citação da requerida, com menção expressa da proibição de iniciar ou prosseguir a execução do ato administrativo cuja eficácia se requer seja cautelarmente suspensa, até decisão final do processo principal supra identificado.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgado improcedente o processo cautelar e, em consequência, não decretadas as providências solicitadas.

Desta vem interposto recurso.
Alegando, os Requerentes formularam as seguintes conclusões:
1ª-A douta sentença sob recurso viola o disposto no nº 1 do artigo 120º do CPTA.

2ª - Nos termos das disposições conjugadas das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, deve ser aditado um novo número ao catálogo dos “I – Factos indiciariamente provados”, com a seguinte redação:
11 - Todas as habitações pertencentes ao loteamento têm igual implantação, variando apenas a posição destas face à posição das redes públicas de drenagem de águas residuais e pluviais e a topografia do terreno, fator preponderante para o entendimento da maior ou menor necessidade de intervenções para eliminação das ligações indevidas”.

3ª - Não se sabe – porque a requerida não o diz, nem no ato administrativo cuja eficácia se requer suspensa, nem na oposição ao requerimento cautelar – quais são, em concreto e no plano dos factos, as intervenções técnicas que a requerida entenda que são necessárias para cada habitação unifamiliar dos recorrentes.


4ª - Não se retira dos autos absolutamente nenhum facto concreto que possa autorizar a douta sentença em crise a afirmar que os recorrentes não sofrem qualquer prejuízo definitivo com o levantamento do efeito suspensivo do ato administrativo impugnado que decorria da notificação da requerida para os presentes autos.

5ª - Os recorrentes estão, hoje, na mesma posição de perigo em que estavam à data em que interpuseram os presentes autos cautelares: em face do absoluto silêncio da requerida no plano dos factos concretos sobre os trabalhos a realizar, a requerida sente-se, agora, autorizada e de “mãos livres” para realizar qualquer tipo de intervenção nas moradias deles recorrentes.

6ª - Em sentido contrário, há o fundado receio de que a requerida possa derrubar paredes, abrir valas nos passeios, construir estruturas, colocar tubagens, danificar as rampas das garagens, tudo isto impondo custos financeiros que serão sempre muito relevantes, assim se criando factos consumados que vão tornar inútil a douta sentença a proferir nos autos principais.

7ª - A improcedência do pedido cautelar dos recorrentes determina-lhes – em face do cenário concreto e não meramente abstrato que está colocado a partir da completa inexistência de fundamentação de facto do ato administrativo da requerida – o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que, sendo lesiva dos seus interesses, tornará inútil a apreciação judicial do caso sub judice que vier a ser feita nos autos principais.


8ª - Não pode ser critério de aferição do periculum in mora a ideia de que não há prejuízo relevante (ou seja, consumado e irreversível ou de difícil reparação) sempre que tal prejuízo possa ser ressarcido em ação judicial, já que, aplicado este critério, nunca há prejuízo relevante que não seja a perda da vida humana (e mesmo essa perda é indemnizável nos termos legais em vigor).

9ª - O único critério válido para a aferição do periculum in mora é o de saber (ainda quer perfunctoriamente) se o direito se perde ou não se perde na pendência da ação principal: se o direito não se perde com o tempo, a providência não deve ser deferida; se o direito, pela sua natureza ou pela natureza da relação jurídica administrativa, se perde com o tempo, a providência dever ser deferida.

10ª - No caso em concreto, o direito dos recorrentes, tal como este decorre do pedido na ação principal – a) declaração de ilegalidade da decisão administrativa da requerida; b) declaração do Direito aplicável à situação jurídica atual de cada morada unifamiliar de cada um dos recorrentes – arrisca perder-se no tempo, porque a requerida, desde que não suspenso o respetivo ato administrativo, praticará atos materiais (de conteúdo indeterminado e, atenta a inexistência de fundamentação de facto, indeterminável) que tornarão inútil a apreciação do direito deles recorrentes na ação principal.

11ª - Deve, neste sentido, ser revogada a decisão constante da douta sentença judicial em crise e, em sua substituição, proferida nova decisão judicial que, deferindo o pedido cautelar, suspenda os efeitos do ato administrativo praticado pela requerida.

12ª - Não se identifica nenhum facto concreto e especificado do qual se possa retirar a conclusão jurídica de que o prejuízo irreparável não existe; em sentido contrário, os recorrentes alegaram os factos dos quais, para si, decorre o fundado receio de uma situação irreversível ou de muito difícil reparação (a partir da “ameaça ainda não concretizada” decorrente do ato administrativo impugnado): itens 157º e seguintes do requerimento cautelar.


13ª - A dispensa de realização de prova testemunhal é uma prerrogativa do juiz (nº 1 do artigo 118º do CPTA), que decorre, aliás, do princípio geral da livre apreciação da prova atribuído ao poder judicial; todavia, dessa decisão judicial, decorre a consequência da inexistência absoluta de prova relativamente aos atos materiais (ou seja, obras) que a requerida entenda ser necessários à reposição da legalidade urbanística das moradias de cada um dos recorrentes (se obras fossem necessárias, e não são, pois que a moradias unifamiliares dos recorrentes cumprem todas as disposições legais aplicáveis)

14ª - Só a partir do conhecimento desses factos é que se poderá saber se as obras constituem, ou não, um facto consumado que torna inútil a apreciação que venha a ser feita dos pedidos na ação principal.

15ª - Neste sentido, e subsidiariamente, devem os presentes autos baixar à primeira instância, para produção da prova requerida pelas partes nos respetivos articulados sobre os factos que são essenciais à justa apreciação do periculum in mora.

16º - Por último, não há (nem no ato administrativo cuja eficácia se requer suspensa, nem no procedimento administrativo de cada um dos recorrentes, nem na douta oposição da requerida) qualquer facto do qual se possa retirar, ao menos por ilação, qualquer perigo de dano para o interesse público.


17º - As moradias unifamiliares de cada um dos recorrentes estão concluídas desde, a última delas, 1998 e, até à presente data, nos últimos 20 anos, não houve qualquer facto do qual resultasse o mínimo perigo de dano para o interesse público.

18ª – Deve, por isso, ser concedida a providência cautelar peticionada pelos recorrentes (artigo 149º do CPTA), assim se fazendo justiça.

A Requerida juntou contra-alegações e concluiu:

1 - Não merece censura o entendimento adotado pela 1.ª Instância ao não considerar como provados os factos constantes da alegação do item 49.º da requerida, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

2 - Ora, em abono da verdade, são os recorrentes que fazem uma interpretação incorreta da sentença ora em crise, pois, a mesmo é clara, e não merece qualquer censura, nem descura os factos juridicamente relevantes, razão pela qual deve ser confirmada.

3 - A douta sentença recorrida fez a mais correta interpretação e aplicação da legislação aplicável in casu, ao decidir não se verificar o requisito do periculum in mora, e, consequentemente, ao declarar improcedente o pedido de suspensão da eficácia dos atos administrativos, porquanto a decisão final que venha a recair sobre a ação a que os recorrentes deram entrada, caso julgue pela inexistência de qualquer ligação irregular do sistema de águas pluviais ao sistema de águas residuais em cada uma da moradias unifamiliares de cada um dos autores, hipótese que apenas em mera análise se pondera, será possível, sempre, voltar a repor a ligação tal como hoje existe, a custear pela requerida.


4 - Nesta esteira, os requerentes tinham a obrigação de convencer o tribunal quanto à verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida, devendo, para o efeito, articular, e consequentemente provar, factos concretos e relevantes para a sua pretensão, e não se quedarem por uma alegação conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.

5 - Requisita-se, por conseguinte, a alegação de circunstâncias de facto que traduzam aquele “fundado receio”. Ou, dito de outro modo, a alegação concreta e circunstanciada da situação de perigo de produção de prejuízos de difícil reparação ou do risco de consumação de situação de facto tendencialmente irreversível.

6 - Sendo que, atenta a matéria de facto indiciariamente assente, não poderia o Meritíssimo Juiz a quo concluir pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, para os interesses dos ora recorrentes.

7 - Sucede que, no caso concreto dos presentes autos, é evidente que tais pressupostos não se verificam, e nem sequer resultam do circunstancialismo alegado pelos recorrentes, agora em sede de recurso.

8 - Nem estamos perante uma situação iminente de facto consumado, no sentido de que, em caso de recusa da providência, seja impossível reconstituir a legalidade.


9 - Nos presentes autos, mesmo que se considerasse não ser a improcedência manifesta, mostra-se correta a decisão do tribunal recorrido de não determinar a inquirição da única testemunha arrolada pelos recorrentes, pois, face aos factos alegados e à prova - documental e testemunhal - oferecida, essa diligência seria inútil, inidónea para lograr-se provar aquilo se pode considerar como realidade factual invocada pelos requerentes nos autos e que foi contraditada [cfr. o teor da oposição apresentada] visto que não será desta que se obterá a prova de factos necessários e idóneos à corporização e ao preenchimento dos requisitos de concessão da providência legalmente impostos, mormente, do “periculum in mora” na dupla vertente de “facto consumado” e/ou de “prejuízos de difícil reparação”.

10 - Daí que não envolve a omissão da diligência de instrução probatória qualquer nulidade processual (artigos 158.º e 201.º do CPC), nem ofensa ao disposto no artigo 118.º do CPTA, nem também ao direito à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

11 - A instrução probatória através da inquirição de testemunhas apenas se pode reconduzir ou ter por objeto a factualidade que haja sido alegada pelas partes nos seus articulados, sede própria para observância desse ónus processual, não relevando ou servindo como meio de suprir a alegação ou omissão de alegação havida nos articulados.

12 - Mas ainda que se mostrassem como preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, colocando os requerentes cautelares numa posição de partida favorável à obtenção da providência, o que não se concede, impunha-se, ainda, aferir da bondade do juízo efetuado pelo tribunal a quo quanto à análise do requisito ou pressuposto previsto no n.º 2 do aludido normativo legal (requisito negativo da ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio em termos de proporcionalidade da decisão de concessão ou recusa).


13 - É, porém, inegável estarem em presença interesses públicos de valor inestimável e incalculável, superiores a quaisquer danos patrimoniais - esses sim, privados - dos recorrentes.

14 - Resulta do alegado na oposição e demonstrado nos factos apurados que o interesse público subjacente à emissão do ato suspendendo se prende com a necessidade de garantir o controlo e monitorização dos sistemas de drenagem de águas residuais daqueles que vivem e dos que visitam e pernoitam na cidade .... Ora, tais objetivos e prejuízos que se visam evitar que sejam produzidos nos valores/bens jurídicos pessoais e imateriais em questão através da negação da tutela cautelar mostram-se bem superiores aos que serão sofridos pelos recorrentes com as intervenções técnicas necessárias.

Termos em que, e sem necessidade de mais amplas considerações, deve confirmar-se a douta decisão proferida pelo tribunal a quo nos seus precisos termos e com as consequências legais.
Assim decidindo, farão

JUSTIÇA.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A requerida EMP01... tem por objeto social, de acordo com os respetivos estatutos, a captação, tratamento e abastecimento público de águas às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e a gestão de resíduos urbanos e limpeza pública, sendo o seu capital social detido pelo município ... em 51% - facto não controvertido, atento o art.º 10.º da oposição;
2. Cada um dos Requerentes é proprietário, comproprietário, usufrutuário ou cabeça-de-casal, mas sempre possuidor, de um prédio urbano destinado a habitação (moradia unifamiliar) sito, uns, na Rua ... e, outros, na Rua ..., ambas na União de Freguesias ... e ..., do concelho ... – facto não controvertido, atento o art.º 10.º da oposição;
3. Todas as moradias foram construídas, o mais tardar, até ao ano de 1998 – cf. documentos juntos ao processo administrativo quanto aos projetos das moradias em causa;
4. Nos projetos então aprovados pelo município ... no âmbito do licenciamento das construções, estava previsto a execução de um poço de infiltração – cf. os projetos juntos ao processo administrativo junto aos autos, fls. 6, 17, 25, 31, 35, 42, 49, 57, 66, 73, 83, 89, 95, 107, 124 e 137;
5. Nestas moradias, existe uma ligação de águas pluviais às águas residuais, que resulta da grelha de escoamento das águas pluviais colocada na parte final descendente da rampa de acesso às garagens – confessado no art.º 140.º do requerimento inicial;
6. Os referidos arruamentos são paralelos entre si, no sentido Norte/Sul, e mostram-se ligados por uma parte da Rua ... (sentido Nascente/Poente) – facto não controvertido, atento o art.º 10.º da oposição;
7. Pela requerida EMP01... foram elaboradas, para cada uma das moradias, fichas com o título “Inspeção da rede de águas residuais”, datadas de 20/07/2022, subscritas apenas por colaboradores daquela, e em cujo campo “descrição da anomalia verificada” se fez constar “”AP-AR” (Grelha)” – cf. os documentos intitulados “inspeção da rede de águas residuais” juntas ao processo administrativo, fls. 3, 10, 21, 29, 33, 38, 46, 52, 61, 69, 77, 86, 93, 98, 110, 114, 118, 128 e 134;
8. Por decisões datadas de 28/07/2022, a requerida EMP01... comunicou aos aqui Requerentes, e com referência às referidas moradias, a realização de obras destinadas a proceder à separação das águas pluviais e das águas residuais e liga-las ao coletor de águas pluviais; nesse sentido, aos Requerentes foram remetidos ofícios com o mesmo conteúdo textual, e nos quais se pode ler o seguinte:
(...)
Vimos por este meio informar V. Exa.(s) que, após vistoria ao sistema predial de saneamento da habitação sita na Rua (...), freguesia de Nogueiró, em Braga, da qual V. Exa. mé(são) propriatério(a)(s), verificámos a existência de uma ligação irregular das águas pluviais às águas residuais. Desta forma, consubstancia-se uma violação ao disposto no art.° 68° do Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do município ..., bem como ao art. 198° do Decreto-
regulamentar n.° 23/95, de 23 de agosto, os quais obrigam a que seja feita a separação dos sistemas de drenagem de águas residuais domésticas dos sistemas de águas pluviais.
Assim sendo, dando cumprimento ao previsto no artigo 71.° do supramencionado Regulamento, fica(m) V. Exa.(s) notificado(a)(s) para no prazo de 30 dias, após a receção da presente carta, proceder(em) à correção desta situação, nomeadamente, deve(m) separar as águas pluviais das águas residuais e liga-las ao coletor de águas pluviais.
Para efeitos de realização de vistoria, após a retificação da ligação irregular, deverá(ão) V. Exa(s) informar-nos da regularização (...).
Mais se informa V. Exa(s) que se findo o supramencionado prazo não tiver(em) dado cumprimento ao solicitado, então, ser-lhe(s)-á levantado um Processo de contraordenação, em que a coima aplicável pode ir, para as pessoas singulares, de € 1500 a € 3740, e de € 7500 a € 44890, para as pessoas coletivas ou equiparadas, por aplicação do disposto na alínea b), do n.° 1 do art. 109.° do mesmo Regulamento.
(...)” – facto não controvertido, atento o art.º 10.º da oposição; cf., ainda, e quanto ao teor da comunicação, o documento n.º ... junto com o RI e os ofícios constantes dos processos administrativos relativos a cada um dos Requerentes;
9. Após a receção da respetiva comunicação, alguns dos Requerentes remeteram comunicações escritas à Requerida EMP01..., solicitando, nomeadamente, esclarecimentos adicionais sobre os motivos que levavam esta última a impor a realização de obras – cf. as comunicações escritas dos Requerentes juntas ao processo administrativo, fls. 11, 22, 30, 39, 53, 62, 70, 78, 99, 111, 115, 120/121, e 129;
10. Concretamente no que respeita ao Requerente LL, após a receção da mencionada comunicação, este remeteu à Requerida mensagem escrita, datada de 10/09/2022, do seguinte teor:
(...)
Assunto: Notificação para retificação de irregularidades águas pluviais.
Vossa referência ...07...
Data: 28/07/2022
Excelentíssima Administração da EMP01... E.M.
Recebi a vossa notificação, acima referida, em 12 de Agosto de 2022, confirmo ser proprietário da referida habitação sita no número ...1 da rua... em ..., onde resido desde Abril de 1995.
Fiquei surpreso pelo resultado da vistoria de que não fui informado e pelo facto de poder haver alguma irregularidade depois de tantos anos de uso da habitação cuja licença de habitação foi aprovada andes do referido artigo de agosto de 1995.
Por outro lado, estando em período de férias, estive ausente durante bastante tempo, só agora pude responder à referida notificação.
Em face a estes dados, aguardo novas indicações e estou ao dispor para eventual reavaliação local, em data a combinar pelo telemóvel (...) encontrando-me disponível para corrigir o que for considerado errado.
(...)”; - cf. documento de fls. 47 do processo administrativo junto aos autos.

Em termos de factualidade não provada o Tribunal consignou:
II – Factos Indiciariamente Não Provados
Que assumam relevo para a decisão a proferir, não subsistem factos que o Tribunal tenha considerado indiciariamente não provados.
E, em sede de motivação da factualidade assente, exarou:
Recordando que, no âmbito da tutela cautelar, o conhecimento a efetuar pelo Tribunal assume-se como superficial, não exigindo o mesmo grau de certeza exigível em sede de processo principal (o que abarca tanto o juízo de Direito, como o de facto, aquele que nesta sede releva), cumpre salientar que, para assentar os factos indiciariamente provados, o Tribunal serviu-se da posição expressamente assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como da documentação que integra os autos e o respetivo processo administrativo.
Assim, no que respeita aos factos indiciariamente provados nos pontos 1, 2 e 6, foi tida em consideração a posição expressa no art.º 10.º da oposição, pelo que essa factualidade é de considerar pacífica e não controvertida.
De seguida, no que respeita ao facto indiciariamente provado no ponto 5, o Tribunal tomou em conta a confissão expressa pelos Requerentes quanto à existência da ligação, vertida no art.º 140.º do RI.
Em relação aos restantes factos, o Tribunal tomou em consideração a documentação que foi junta aos autos com os articulados e com o processo administrativo, sendo certo que, quanto a este, no articulado de resposta os Requerentes nada vieram impugnar; em todo o caso, feita a correspondente análise crítica dos documentos, não existe razão para duvidar da sua genuinidade ou da fidedignidade do respetivo conteúdo, motivo pelo qual são merecedores de crédito para efeitos de conhecimento sumário a realizar pelo Tribunal.
Para melhor elucidação, ficou identificado, a propósito de cada facto elencado, o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do Tribunal. Bem como, quando foi o caso, foi deixada referência à natureza não controvertida dos factos.

De Direito -

Atente-se no discurso fundamentador da decisão em crise:

O presente processo cautelar vem instaurado com o fito essencial de suspender os efeitos das decisões que foram comunicadas aos Requerentes para execução de obras de separação dos sistemas de drenagem de águas residuais domésticas e de águas pluviais, nas moradias melhor identificadas nos factos indiciariamente provados. Cumprindo recordar que os Requerentes configuram a situação como se de um único ato se tratasse, o que, no entender do Tribunal, não sucede – mas, seja como for, como se referiu no despacho em que se suscitou a questão, a impugnação de todas as decisões relativas aos Requerentes está, pelo menos, implícita.
Na tese dos Requerentes, as decisões em causa padecem de diversas e claras ilegalidades, que melhor se sumariaram aquando da definição dos termos do litígio; além disso, consideram estar em causa a possibilidade de criação de prejuízos de difícil reparação, ou mesmo facto consumado, além de que os interesses em presença, devidamente ponderados, não impedem a adoção da providência requerida.
De forma distinta, a requerida EMP01... considera que as decisões são legais ou, pelo menos, deve ser afastado o efeito anulatório, além de que não se preenchem os demais requisitos exigidos para o decretamento de providências cautelares.
Vejamos, começando por enquadrar, em breves traços, o atua regime do contencioso cautelar.
(…)

Fumus Boni Iuris
Comecemos pelo requisito da aparência do direito, normalmente designado pelo brocardo latino fumus boni iuris, cuja previsão saiu reforçada desde a última revisão do CPTA a este respeito, ocorrida, como visto, em 2015.
(…)
Questão prévia: a aceitação do ato pelos Requerentes LL e MM
Na oposição, em concreto quanto aos Requerentes acima identificados, a requerida EMP01... veio suscitar a respetiva falta de interesse em agir, reconduzida, no caso, à suposta aceitação do ato que lhes foi dirigido, nos termos do art.º 56.º do CPTA.
Os Requerentes em causa, na resposta que apresentaram à oposição, negam terminantemente que tal tenha sucedido, pois que não aceitaram o ato, nem realizaram qualquer espécie de intervenção para regularizar a situação da sua moradia – precisamente porque aquilo que defendem é a ausência de qualquer situação irregular.
Vejamos.
O art.º 56.º do CPTA refere-se à questão da aceitação do ato administrativo, dizendo, no seu n.º 1, que não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.
Não se trata propriamente de uma questão de falta de interesse em agir, como parece ser a tese da Requerida, antes se tratando de um pressuposto processual autónomo, específico para as ações de impugnação de ato administrativo.
Ora, nada nos autos denota a aceitação do ato por parte daqueles Requerentes. Veja-se que, mesmo no caso de terem sido realizadas quaisquer reparações – e nem isso os Requerentes aceitam – não é lícito retirar, daí, qualquer conclusão de aceitação dos efeitos da decisão administrativa, pois que poderiam ter sido movidos por outro ânimo que não o de reconhecerem o conteúdo da decisão, nomeadamente evitar consequências negativas para a sua esfera jurídica, como a sujeição a obras coercivas ou o pagamento de coimas.
Segue-se que, na comunicação que aqueles Requerentes enviaram à EMP01... após a tomada de conhecimento da notificação, não existe qualquer concordância com o conteúdo do ato – muito pelo contrário – tendo, antes, sido manifestada a surpresa pelo teor do mesmo. De salientar, de resto, que a EMP01... não junta, sequer, qualquer auto de vistoria nos termos em que refere, i. e., com a identificação das obras que aqueles Requerentes teriam realizado.
Além do mais, uma eventual execução das obras – mesmo que movida por intuito distinto da concordância com o conteúdo do ato –poderia ter relevo, outrossim, em sede de avaliação do periculum in mora para estes Requerentes – porém, é uma questão que não vem colocada nesses termos e, portanto, escapa ao conhecimento do Tribunal.
Assim sendo, não se antevê que esta exceção venha a ser julgada procedente no processo principal, pelo que (e ainda que sempre fosse limitada aos Requerentes em causa) não vemos que impeça a verificação do requisito em análise. Como se conclui.

*
A completa preterição do procedimento legalmente devido
Nos pontos 20.° e seguintes no RI, os Requerentes apontam às decisões administrativas em causa a preterição completa do procedimento legalmente devido. Partindo do pressuposto segundo o qual o CPA se aplica à atuação da requerida EMP01... – que, desde já, o Tribunal considera correto, atendendo à previsão do art.° 2.°, n.° 1, desse código; além de que nem sequer em oposição se nega essa aplicabilidade – consideram os Requerentes que deviam ter sido notificados nos termos e para os efeitos previstos no art.° 110.°, n.° 1, do CPA, ou seja, do início do procedimento.
Ao não ter sucedido assim, foi-lhes vedada a possibilidade de participarem no procedimento de forma informada e atempada, tendo sido preterida in totum a fase instrutória. Ficaram, assim, privados de exercer os direitos previstos nos artigos 115.°, 116.° e 118.° do CPA; não puderam exercer o direito à informação, previsto no art.° 82.° do CPA, e que é, aliás, um direito fundamental previsto no art.° 268.°, n.° 1, da CRP, bem como o direito à consulta do processo. E nenhum dos Requerentes foi, sequer, notificado para exercer o direito de audiência prévia.
No entender da EMP01..., o vício em causa não se verifica, porque, na sequência de comunicações recebidas da parte dos Requerentes, fez deslocar os seus funcionários ao local, que prestaram todas as informações solicitadas; além disso, sempre a formalidade em causa deve considerar-se degradada em não essencial, porque cumprida de outra forma ou, pelo menos, pela vinculação a proferir decisão sempre neste sentido.
Ora, a respeito desta alegação julgamos que a razão pende, efetivamente, para o lado dos Requerentes.
Tanto quanto é possível concluir dos factos indiciariamente provados, a iniciativa que levou à tomada das decisões cuja suspensão se requer foi da própria EMP01..., já que nada consta no sentido de os Requerentes terem solicitado vistoria às respetivas redes de drenagem de águas pluviais e residuais domésticas. Nesse sentido, e porque claramente não é caso para aplicar o n.° 2, deveria ter sido respeitada a previsão do n.° 1 do art.° 110.° do CPA. E não consta que o tenha sido.
Assim, os trâmites prévios à decisão (porque, na realidade, nem sequer se lhes pode chamar um real e verdadeiro procedimento, tal como é definido no art.° 1.°, n.° 1, do CPA, por não se tratar de uma sequência devidamente ordenada de atos) correram à completa revelia dos interessados – i.e., dos aqui Requerentes – o que fez com que estes tivessem ficado privados do exercício de vários direitos intraprocedimentais, designadamente aqueles que melhor se enunciam no requerimento inicial, e acima referidos.
Um desses direitos (sem menosprezar os outros, ainda assim) merece uma referência especial – referimo-nos ao direito de audiência prévia.
Como é sabido, trata-se de uma das mais importantes manifestações do princípio da participação, constituindo imposição constitucional que a lei de procedimento garanta a intervenção dos interessados, nomeadamente nas situações em que a decisão da Administração afeta ou onera os respetivos direitos (cf. art.º 267.º, n.º 5, segunda parte, da CRP).
No caso concreto, a requerida EMP01... tinha o dever de, antes de proferir a decisão final, notificar os aqui Requerentes para que estes se pronunciassem sobre a decisão (ainda em projeto, necessariamente). Noutros termos, teria de ter observado o disposto nos art.ºs 121.º e ss. do CPA – o que, como resulta dos factos indiciariamente provados, nunca sucedeu. Por si só, e sem prejuízo da violação dos demais direitos por desconhecimento do procedimento, este vício formal é bastante para determinar a anulação dos atos administrativos em discussão.
Por outro lado, a defesa apresentada em oposição a este respeito não convence. Desde logo, no art.º 18.º desse articulado confundem-se duas realidades distintas: a notificação do início do procedimento (que é a referida pelos Requerentes) e a notificação do ato administrativo com o qual aquele culmina. Nessa medida, a referência ao regime da notificação deficiente ou insuficiente não tem, aqui, qualquer relevo. E, além do mais, nunca seria bastante para afastar a violação dos demais direitos procedimentais que os Requerentes igualmente referem.
Também não convence a argumentação usada pela requerida EMP01... para afastar a relevância, in casu, da preterição da fase de audiência dos interessados. Na verdade, a Requerida considera que “os Autores não foram prejudicados no exercício do seu direito, uma vez que solicitaram informações por carta e correspondência eletrónica”, tendo, nessa sequência, feito “deslocar os seus funcionários às respetivas habitações e prestaram todos os esclarecimentos necessários sobre o andamento do processo e tipo de obras que deveriam ser realizadas.” E daí conclui que “mesmo que se entenda que houve preterição de audiência prévia, tal formalidade pode, in casu, degradar-se em formalidade não essencial, isto é, numa mera irregularidade procedimental incapaz de determinar a anulação do ato.
Com isto não podemos concordar. Primeiramente, porque, como resulta dos factos indiciariamente provados, os Requerentes só contactaram a EMP01... depois de terem recebido as comunicações contendo as decisões que determinavam a realização das obras. Ora, e como se diz na resposta apresentada à oposição, o que não existe é audiência póstuma dos interessados; como o próprio CPA refere, estamos em presente do direito de audiência prévia, porque aquilo que se pretende é permitir aos interessados influenciar a decisão a proferir.
Depois, não se nos afigura que seja caso para considerar a formalidade degradada em não essencial, nomeadamente pelas circunstâncias em que os interessados, ora Requerentes, foram ouvidos. Neste aspeto, só se poderia cogitar a degradação da formalidade [nos termos da alínea b) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA] se a participação dos Requerentes, mesmo que de alguma forma espontânea, tivesse sido prévia, e não o foi. De seguida, também não é caso para apelar ao princípio da vinculação, para significar que a EMP01... teria sempre de praticar ato com o mesmo conteúdo [portanto, mediante aplicação da alínea a) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA]. Com efeito, e a este respeito, basta ler o requerimento inicial para considerar que é inclusive muito duvidoso que se possa aplicar a norma regulamentar invocada nas notificações feitas aos Requerentes. Noutros termos, a solução jurídica (a contida na decisão, note-se) não é absolutamente certa, como a EMP01... parece pressupor.
Nesta medida, e em suma, com este fundamento parece verificar-se o fumus boni iuris, pelo que há que formular um juízo prognóstico positivo sobre o bem fundado da pretensão dos Requerente no que à anulação dos atos administrativos diz respeito.
*
O incumprimento do dever de fundamentação
Numa segunda linha, os Requerentes invocam a insuficiência da fundamentação inserta nos atos administrativos em causa (todos de idêntico conteúdo), considerando que se limitam a mencionar a alegada existência de uma “ligação irregular das águas pluviais às águas residuais”, na sequência de uma alegada “vistoria ao sistema predial de saneamento”. Apesar de factual, dizem, esta afirmação é meramente conclusiva, e o cumprimento do dever de fundamentação impunha que a requerida fornecesse aos requerentes toda a informação relevante para o sentido da tomada da decisão administrativa.
Sobre o assunto, a requerida EMP01... vem dizer que os serviços em causa são classificados pela lei como essenciais, e, depois de recordar toda a importância dos mesmos e a regulamentação que lhes é aplicável, bem como que a jurisprudência somente considera que o vício, existindo, é gerador de mera anulabilidade, limita-se a concluir que “é notório que não há falta de fundamentação e os Autores alcançaram perfeitamente o sentido da decisão administrativa.
Apreciando.
O dever de fundamentar o ato administrativo encontra-se consagrado constitucionalmente, conforme se concluirá da leitura do art.° 268.°, n.° 3, da CRP.
Todavia, e não obstante essa referência constitucional, é ao nível da legislação ordinária que melhor se desenvolve o seu conteúdo, particularmente no CPA. Neste código, o dever de (simultaneamente, direito à) fundamentação encontra-se regulado nos artigos 152.° a 154.°.
Assim, logo no art.° 152.°, n.° 1, do CPA afirma-se que estão sujeitos a fundamentação os atos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções [alínea a)]. À luz desta previsão, dúvidas não podem existir quanto à necessidade de fundamentar o ato em causa, porquanto impõe um determinado encargos aos Requerentes.
Segue-se que, em matéria dos requisitos da fundamentação, o n.° 1 do art.° 153.° do CPA estabelece que aquela deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato. E o n.° 2 do mesmo artigo esclarece que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Tal como tem vindo a ser entendido – já assim o era no domínio do anterior CPA, sendo certo que o regime legal não é substancialmente distinto – trata-se de impor ao autor da decisão que exponha o iter cognoscitivo e valorativo que àquela esteve subjacente, permitindo ao destinatário do ato compreender as razões em que este se sustenta, de modo a que com elas se conforme ou não.
Neste sentido, e por todos, pode citar-se (…)
Aqui chegados, temos para nós que também este vício deverá ser procedente.
Os Requerentes insurgem-se particularmente contra a insuficiência da fundamentação de facto, e com razão. Se vislumbrarmos o teor do ofício de notificação, dele apenas se faz constar que tinha sido realizada uma vistoria ao prédio, e que foi verificada a existência de uma ligação irregular das águas pluviais às águas residuais. Depois, ordena-se aos Requerentes que procedam “à correção desta situação”, nomeadamente pela separação das “águas pluviais das águas residuais e liga-las ao coletor de águas pluviais”.
Como dizem os Requerentes, trata-se essencialmente de um juízo conclusivo. Desde logo, causa um certo espanto que não se identifique a que nível se encontra a ligação irregular. E, depois, que não se indiquem minimamente as obras a executar. É de notar que (e tendo por referência apenas o cumprimento do dever de fundamentação formal) a entidade requerida tinha elementos suficientes para sustentar a sua decisão – bastava que tivesse indicado que a ligação detetada era ao nível da grelha da rampa das garagens (como parece ser o caso, atento o teor das fichas elaboradas na sequência da deslocação às habitações); a partir daí, podia impor a realização das obras necessárias à correção da irregularidade.
A fundamentação – de facto – avançada não é clara, nem congruente, nem suficiente. E não vemos como possível afastar esse vício com a suposta compreensão do ato da parte dos Requerentes, quando estes tomam por pressuposto a ligação existente a certo nível: é que sendo a única que subsiste, só podiam pressupor que a entidade requerida a ela se referia. Só que a fundamentação não se dá a suposições, dado que uma das suas características é, precisamente, ser expressa (além de contemporânea do próprio ato). Sendo certo que não é dever dos administrados, aqui requerentes, a adivinhação da ligação alegadamente irregular – é, sim, dever da requerida EMP01... fundamentar de forma expressa e suficiente, incluindo no plano dos factos, as decisões que toma.
Assim sendo, afigura-se que os atos em causa serão, também, anuláveis, por ocorrer o vício formal de falta de fundamentação (por via da insuficiência da fundamentação de facto).
*
A ilegalidade da vistoria
Seguidamente, os Requerentes invocam que a requerida EMP01... também não deu cumprimento ao disposto no art.º 70.º do DL n.º 194/2009, de 20/08, na sua redação atual; designadamente, porque nunca comunicou previamente a realização de qualquer vistoria, nem lhes foi comunicada qualquer versão do auto que, daquela diligência, deve ser elaborado.
Nada se diz sobre o assunto em oposição.
Também neste caso os Requerentes parecem ter razão.
Com efeito, o art.º 70.º do DL em causa diz assim:
1 - Os sistemas prediais ficam sujeitos a acções de inspecção da entidade gestora sempre que haja reclamações de utilizadores, perigos de contaminação ou poluição ou suspeita de fraude.
2 - Para efeitos do previsto no número anterior, o proprietário deve permitir o livre acesso à entidade gestora desde que avisado, por carta registada ou outro meio equivalente, com uma antecedência mínima de oito dias, da data e intervalo horário, com amplitude máxima de duas horas, previsto para a inspecção.
3 - O respectivo auto de vistoria deve ser comunicado aos responsáveis pelas anomalias ou irregularidades, fixando prazo para a sua correcção.
4 - Em função da natureza das circunstâncias referidas no n.º 1, a entidade gestora pode determinar a suspensão do fornecimento de água.
Não se encontra sequer alegado – pela requerida – que tenha dado cumprimento ao disposto no n.º 2 desta art.º 70.º, i. e., que tenha notificado os Requerentes, por um dos meios previstos, para a realização da vistoria, com a antecedência mínima de oito dias. Pelo contrário, o que se colhe dos factos indiciariamente provados é que foi realizada uma visita/vistoria sem a presença dos Requerentes, seguindo a imediata notificação das decisões. Da mesma forma, constata-se o incumprimento do n.º 3 do art.º 70.º indicado, pois que, estando provada indiciariamente a realização das vistorias, os Requerentes só foram notificados das decisões finais.
Foram preteridas, assim, as formalidades inerentes às vistorias dos sistemas prediais, tratando-se de mais um vício formal, que importa a anulação dos atos administrativos, com fundamento na inobservância do art.º 70.º acima transcrito. Aliás, também viola o disposto no art.º 114.º do Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do município ... – Regulamento n.º 517/2014 – que reproduz aquele art.º 70.º.
Pelo que, também por esta via é possível considerar preenchido o fumus boni iuris.
*
Inaplicabilidade do art.º 68.º do Regulamento
De seguida, os Requerentes pugnam pela não aplicabilidade do art.º 68.º do Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do município ... – Regulamento n.º 517/2014. Isto porque, estando todas as moradias construídas desde, pelo menos, 1998 (algumas, anteriores a esse ano), e sendo o Regulamento do ano de 2014, as obrigações que dele constam não lhes podem ser aplicadas, porque não pode ser atribuída eficácia retroativa aos regulamentos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções. No entender dos Requerentes, estamos, assim, em presença de um vício de violação de lei, porque os atos a suspender mobilizam, para o sentido da sua decisão, um quadro jurídico que não é aplicável aos respetivos pressupostos de facto.
Também este assunto não é abordado na oposição em termos específicos.
Vejamos.
Comece por dizer-se que, em relação a este aspeto, não concordamos que a questão se subsuma a falta de fundamentação, como se pretende no art.º 87.º do RI. Na verdade, tomando por referência o cumprimento do dever de fundamentação formal, terá de considerar-se que, do ponto de vista jurídico (ao contrário do que sucede com o plano dos factos, nos termos acima expostos) as decisões administrativas estão fundamentadas, indicando a norma regulamentar em que se sustentam.
O problema poderá considerar-se do ponto de vista dos fundamentos jurídicos materiais, ou seja, quanto a saber se a norma do Regulamento referido se pode ou não aplicar, nomeadamente pela regra da não retroatividade. Daí que possa surgir o erro nos pressupostos de Direito, que não se confunde com o cumprimento do dever de fundamentação formal.
Nesta perspetiva, importa depois considerar que o Regulamento aplicado data de 2014 e, portanto, é inclusivamente anterior ao atual CPA. Ora, o regime previsto nos artigos 114.º a 119.º do CPA de 1991 não continha qualquer disposição sobre a vigência dos regulamentos administrativos, ou quanto à possibilidade de produção de efeitos retroativos. Ou seja, não existia disposição semelhante àquele que hoje resulta do art.º 141.º do CPA.
Mas essa omissão não é relevante, porque é princípio geral de direito, aliás ínsito ao próprio Estado de Direito, que as normas só devem valor para futuro, designadamente nas situações em que afetam direitos já constituídos. Aliás, no caso da Lei, esse é o princípio geral versado no n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil. Basicamente, o atual art.º 141.º do CPA apenas consagra de forma expressa o que já decorreria, sempre, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo, nomeadamente a tutela da confiança e a segurança jurídica.
Ora, no caso concreto, atendendo a que as construções datam de, ao menos, 1998, é patente que o Regulamento em causa, publicado apenas em 2014, não vigorava naquela data – pelo que, e assim sendo, não se pode afirmar que os Requerentes tenham violado uma norma regulamentar que só veio a ser publicada (e a entrar em vigor) muito depois da execução das suas moradias.
Nesse sentido, ocorre, com efeito, um erro nos pressupostos de Direito nas decisões administrativas, pois que a legalidade da referida ligação das águas residuais a águas pluviais tem de ser aferida segundo a legislação vigente à data da execução dos trabalhos. Noutras palavras, não se pode imputar aos Requerentes a violação de uma norma regulamentar que nem existia aquando da execução das moradias (ou da sua aquisição). Poderia, quanto muito, dar-se o caso de estarmos em presença de uma situação de retroatividade imprópria, ou seja, a afetação por nova regulamentação de uma situação já constituída. Todavia, teria de ser sempre a entidade requerida a apresentar a norma do próprio Regulamento que permite a sua aplicação a situações já constituídas, nomeadamente que obrigasse a adaptação de sistemas já existentes a novas exigências – o que não acontece.
Portanto, também se vê como provável a procedência do alegado erro nos pressupostos de direito, por ter sido aplicada uma norma de Regulamento não vigente à data da constituição da situação de facto enunciada.
*
A inexistência de ligação irregular das águas pluviais às águas residuais
Finalmente, os Requerentes invocam a inexistência de qualquer ligação irregular nas suas moradias, considerando, ainda, que as decisões administrativas violam um conjunto significativo de normas legais aplicáveis à relação jurídica controvertida.
Quanto a isto, a EMP01... vem recordar a importância da separação dos sistemas de drenagem de águas residuais e pluviais, em termos ambientais e económicos, norteando a sua atuação com base no interesse público; além disso, as normas invocadas pelos Requerentes, relativas ao Decreto Regulamentar n.º 23/95, dizem respeito a simples generalidades relacionadas com a instalação da rede de coletores.
Apreciando.
É certo que, pela data de construção das moradias, estava em vigor, naquele momento, e ainda, o regime do DL n.º 207/94, de 06/08, diploma que aprovara o regime de conceção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais [revogado pelo atualmente em vigor DL n.º 194/2009, de 20/08].
Segundo o art.º 9.º, n.º 1, desse DL era obrigatório instalar em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais; bem como, nos termos do art.º 10.º do mesmo diploma, era obrigatória a consulta à entidade gestora para emissão de parecer, no que respeitava aos projetos dos sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais.
Segue-se que os Requerentes acabam por confessar, no art.º 140.º do RI, que nas respetivas moradias existe uma ligação de águas pluviais às águas residuais, que resulta da grelha de escoamento das águas pluviais colocada na parte final descendente da rampa de acesso às garagens – daí que tal factualidade tenha ficado indiciariamente provada. Porém, e a esse respeito, alegam a legalidade dessa ligação, por força do art.º 199.º do Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais, anexo ao Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23/08 (diploma que regulamentava aquele DL n.º 207/94, de 06/08), na parte em que remetida para a aplicação do art.º 116.º do mesmo diploma.
Antes disso, é de salientar que nos termos do art.º 198.º daquele Regulamento Geral a separação de sistemas de drenagem era, por princípio, obrigatória, dizendo o n.º 1 deste artigo que “a montante das câmaras de ramal de ligação, é obrigatória a separação dos sistemas de drenagem de águas residuais domésticas dos de águas pluviais.
Porém, e excecionalmente, o art.º 199.º do Regulamento Geral identificado estabelecia casos de “lançamentos permitidos”, referindo no seu n.º 1 que tal sucedia com as águas “assimiláveis”, remetendo para o seu art.º 116.º. Neste caso, para os sistemas de águas residuais domésticas.
Além disso, e segundo o n.º 2 deste mesmo art.º 199.º, também era permitido o lançamento, mas já em sistemas de drenagem de águas residuais pluviais as águas provenientes de: (i) rega de jardins e espaços verdes, lavagem de arruamentos, pátios e parques de estacionamento, ou seja, aquelas que, de um modo geral, são recolhidas pelas sarjetas, sumidouros ou ralos; (ii) circuitos de refrigeração e de instalações de aquecimento; (iii) piscinas e depósitos de armazenamento de água; (iv) e drenagem do subsolo.
Ora, pretendem os Requerentes justificar a legalidade da ligação existente nas suas moradias com base na alínea d) do n.º 1 do art.º 116.º do Regulamento Geral acima referido, normativo que prevê a possibilidade de ligação entre sistemas quanto a águas pluviais de pátios interiores.
Consideram, ainda, que a pouquíssima e insignificante água pluvial sobejante que escorre para as grelhas colocadas na parte final descendente das rampas de acesso às garagens de cada uma das moradias (...) pode ser direcionada para os ramais de descarga das águas residuais domésticas (disposições conjugadas da alínea d) do n' 1 do artigo 116' e n' 1 do artigo 199' do Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto)”.
Não cremos que esta tese possa ser acolhida. Nomeadamente, porque a rampa de acesso às garagens não pode ser considerada um pátio interior. Na realidade, nem sequer as garagens, ao contrário do sustentado no art.º 149.º do RI. Um pátio interior é, por definição, um recinto aberto no interior de um edifício. Uma garagem, pelo contrário, é por definição um lugar fechado e coberto, para guardar viaturas automóveis, motociclos, etc... Por isso, não se confunde uma garagem com um pátio interior.
Da mesma forma que não se pode confundir a rampa de acesso às garagens dos Requerentes com um pátio interior; simplesmente, são realidades físicas distintas. E apenas as águas provenientes de pátios interiores poderão dar azo à aplicação do art.° 116.°, n.° 1, al. d), do Regulamento Geral anexo ao Decreto Regulamentar n.° 23/95, de 23/08, por remissão do n.° 1 do art.° 199.° do mesmo diploma.
Por outro lado, cumpre aqui salientar que as referências feitas à eventual ilegalidade da licença de construção, bem como quanto à emissão da autorização de utilização, são perfeitamente inócuas a este respeito. Em primeiro lugar, no que à emissão da licença de construção diz respeito, em momento algum a entidade requerida colocou em causa a sua validade – nem era causa para isso, pois que apenas está em discussão a correção aos sistemas de drenagem; aliás, nem essa competência cabe à EMP01..., porque sempre caberia ao Município. Depois, no que à autorização de utilização respeita, a sua alusão também é destituída de utilidade. Sendo verdade que se destinava, além do mais, a aferir do cumprimento dos projetos aprovados, não se podiam excluir situações de fraude perante a entidade administrativa. Daí que, como bem dizem os Requerentes, e quanto muito, a hoje designada autorização de utilização poderá constituir uma mera presunção quanto à conformidade da execução com os projetos aprovados – mas não passa disso, e não invalida a deteção de situações irregulares a posteriori. Como in casu veio a suceder, já que era suposto existir um poço de infiltração, e não a ligação que os próprios Requerentes assumem existir. E, de todo o modo, a simples circunstância de existir a autorização de utilização não tornaria a ilegalidade numa situação legal e regular. Bem como a deteção da situação seria motivo para determinar a revogação ou anulação da autorização de utilização, cenário versado no RI sem qualquer espécie de adesão àquilo que se discute no caso concreto.
Aliás, o Tribunal não pode deixar de salientar que, só depois de todo um longo excurso, em matéria cuja relevância para o caso é nenhuma, os Requerentes venham a reconhecer a existência de uma ligação, mas justificando a sua legalidade, com base no art.° 199.° do Decreto Regulamentar n.° 23/95, de 06/08.
Portanto, e em suma, é improvável que a pretensão dos Requerentes a respeito do reconhecimento da legalidade da ligação existente nos seus prédios (e, logo, a violação dos diversos preceitos legais e regulamentares citados por parte das decisões administrativas sindicadas) venha a ser julgada procedente. E, nesta medida, a argumentação expendida a este respeito não é bastante para sustentar a verificação do fumus boni iuris.
*
Sem prejuízo do acabado de referir, e estando em causa o pedido de suspensão de eficácia de atos administrativos, sempre se pode concluir pela verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris, atendendo ao referido quanto às demais causas de invalidade.
Assim sendo, legitima-se avançar para a análise do requisito subsequente: o periculum in mora.
**
Periculum in Mora
O periculum in mora considera-se verificado quando exista receio fundado de que, com a demora do processo principal, se venha a constituir uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa salvaguardar naquele processo.
Trata-se, assim, da necessidade de formular um juízo de prognose de acordo com as circunstâncias concretas do caso, a fim de averiguar sobre a utilidade da sentença a proferir no processo principal [neste sentido, cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 317/318]. Esse juízo, porém, não exige a certeza na produção dos danos ou da verificação do facto consumado; como diz AROSO DE ALMEIDA, “(...) também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor consoante as circunstâncias específicas de cada caso.” – cf. Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 450.
Pois bem, e com este enquadramento, impõe-se assinalar que os Requerentes não são muito extensos no que à justificação do periculum in mora diz respeito (apesar de considerarem que a sua verificação é ostensiva), alegando, nos artigos 157.º em diante do RI, e sinteticamente, o seguinte:
- Se os atos não forem suspensos, ficam à mercê da requerida EMP01... para que esta imponha a realização de obras que “causarão um impacto significativo na vida e na propriedade dos requerentes (demolição de paredes, abertura de valas, suspensão da disponibilização de água pública, impossibilidade de estacionamento);
- Todos os danos e transtornos já se terão produzido na sua esfera jurídica, tanto com a realização das obras dispendiosas como pelo pagamento de coimas;
- Como o ato é omisso quanto às obras a realizar, a requerida ficará com “mãos livres” para determinar as obras que lhe aprouver, e pelo preço que lhe aprouver, consumando a violação dos seus direitos, sendo notório o risco de constituição de situação de facto consumado.
De forma distinta, a requerida considera que o pressuposto não se preenche, dizendo que os Requerentes não cumprem o seu ónus, nem aduzem argumentos suficientes para o seu preenchimento, considerando que a matéria alegada é absolutamente conclusiva.
Vejamos.
A justificação da concessão de providências cautelares não radica na simples constatação de que a não suspensão dos efeitos de um determinado ato (tendo por base o caso concreto) será causadora de danos ou prejuízos. Na verdade, e como já anteriormente se explicou, o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA exige que se possa afirmar uma de duas situações, consubstanciadas no fundado receio de: (i) constituição de um facto consumado; (ii) produção de prejuízos de difícil reparação.
Acontece que nenhuma delas se preenche in casu.
Primeiramente, é preciso notar que resulta dos factos indiciariamente provados que as partes não estão assim tão afastadas. Aliás, se, por um lado, os próprios Requerentes reconhecem a existência da ligação na rampa de acesso às garagens, a entidade requerida, por outro, confirma que é precisamente essa circunstância que está em causa, como resulta do item 50.º da oposição (apenas variando a posição relativa das moradias, consoante a sua orientação). Não existe, assim, tanta arbitrariedade como se quer fazer crer – aquela que os Requerentes dizem ser a única ligação que conhecem, é precisamente aquela que a requerida EMP01... confirma estar em causa (só que isso devia também constar da fundamentação dos atos, já que o vício não pode ser suprido pela indicação dos fundamentos da decisão nas peças apresentadas em juízo).
Ora, e isto dito, para que se pudesse falar da criação de uma situação de facto consumado teria de ser possível afirmar a criação de uma situação insuscetível de reposição no plano dos factos. É que, como afirmado no acórdão do TCA Norte de 15/07/2011, proferido no processo n.º 00220/10.0BEMDL, só estaremos em presença de uma situação de facto consumado “quando se revele de todo em todo impossível a reintegração da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão.
Não é o que sucede. Mesmo que venha a ser dada razão aos Requerentes, no plano dos factos, será possível, sempre, voltar a repor a ligação tal como hoje existe, a custear pela requerida EMP01... (a quem competirá repor a situação que existiria se o ato anulado não fosse praticado). Não estamos, portanto, na presença do risco de ser criada uma situação insuscetível de reposição no quadro factual ou jurídico – pelo contrário.
Segue-se que também não se vislumbra dos argumentos apresentados o perigo da criação de prejuízos de difícil reparação para os interesses dos Requerentes. Claro, seguramente que a realização das obras traria os incómodos referidos, que podem traduzir-se em danos – mas não de difícil reparação. Embora todas as afirmações sejam conclusivas, sempre se pode dizer que nenhum dos Requerentes afirma não ter capacidade económica para custear as obras, e nunca estas seriam assim tão arbitrárias (porque, cabe recordar que, como visto, está em causa aquela única ligação que afirmam existir, ao nível do logradouro/acesso às garagens).
Sendo certo que todos os valores eventualmente gastos pelos Requerentes seriam facilmente ressarcidos em sede de ação de responsabilidade civil extracontratual. Os restantes incómodos com as obras (como ficar temporariamente sem água ou sem estacionamento interior) não configuram, sequer em abstrato, o risco de criar prejuízos de difícil reparação.
Mesmo no caso da aplicação de eventuais coimas, é sabido que não são, sequer, imediatamente exequíveis, pois que assistirá sempre aos Requerentes o direito de proceder à sua impugnação.
Finalmente, é de recordar que os Requerentes aparentam ter razão na pretensão impugnatória, mas já não quanto ao direito a manter o atual status quo. Embora esta seja uma questão primacialmente dirigida ao primeiro requisito analisado – fumus boni iuris – não será despiciendo dizer-se que, com base nos vícios cuja procedência parece certa, na melhor das hipóteses os Requerentes aspiram à prática de um novo ato, corrigindo os vícios formais detetados. Isto porque, mesmo não sendo de aplicar o disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA (pelas razões acima expostas), à luz do regime material aplicável, não é de crer que a requerida EMP01... altere a sua posição ou deixe de renovar os mesmos atos, expurgados dos respetivos vícios. Pelo que, quanto muito, não conseguiriam os Requerentes mais do que atrasar a execução das obras necessárias à correção da irregularidade detetada.
Portanto, e concluindo, não se pode dar como demonstrado o requisito em análise.
**
Sendo o preenchimento dos pressupostos legais inerentes ao decretamento de providências cautelares de natureza cumulativa, e não se verificando o periculum in mora, impõe-se concluir, desde já, pela improcedência do pedido cautelar.
Do que também resulta ficar prejudicado o conhecimento do requisito sobrante, i. e., a ponderação dos interesses em presença.
Tudo quanto, em conformidade, se decide.
X

É objecto de recurso esta sentença que julgou o processo cautelar totalmente improcedente, e, nessa esteira, absolveu a Requerida das providências requeridas.
Atente-se nas conclusões de recurso, que, aliás, constituem o seu objeto limitador.
De acordo com o alegado, os Recorrentes sufragam, fundamentalmente, o seguinte:
a) A sentença do Tribunal a quo viola o disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
b) Deve ser aditado um novo número ao rol de factos indiciariamente provados no catálogo dos “I - Factos indiciariamente provados”, com a seguinte redação:
“11 - Todas as habitações pertencentes àquele loteamento têm igual implantação, variando apenas a posição destas face à posição das redes públicas de drenagem de águas residuais e pluviais e a topografia do terreno, fator preponderante para o entendimento da maior ou menor necessidade de intervenções para eliminação das ligações indevidas”.
c) Que os recorrentes estão na mesma situação de perigo em que estavam à data em que interpuseram os presentes autos cautelares.
d) Não pode ser critério de aferição do periculum in mora a ideia de que não há prejuízo relevante sempre que tal prejuízo possa ser ressarcido em ação judicial.

e) Que devem os autos baixar à primeira instância para produção da prova testemunhal requerida.
f) Não há qualquer facto do qual se possa retirar qualquer perigo de dano para o interesse público.
Ora, se os Recorrentes pretendiam que este Tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1. ª instância sobre a matéria de facto, sempre teriam de indicar, além dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.
Como é sabido, o tribunal de recurso, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido a mesma reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
O respeito pela livre apreciação da prova por parte do Tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
Não se vislumbrando qualquer fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se pretendem ver reconhecidos no processo principal, tal determinará a inverificação do preenchimento do requisito do periculum in mora constante do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

A existência do fundado receio depende assim, ou da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os requerentes visam assegurar no processo principal.
Mais, importa frisar que a sentença posta em crise foi proferida em sede cautelar e não em sede da ação principal da qual depende e que os factos a que os Recorrentes se referem no recurso e nos quais fundamentam a insuficiência da matéria de facto, além de não terem resultado provados, sempre seriam manifestamente irrelevantes, pelo menos nesta sede.
Sendo ainda certo que relativamente a alguns dos pontos invocados os mesmos são conclusivos ou de direito.
Com efeito, o processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal e caracteriza-se fundamentalmente pela sua provisoriedade, porque não resolve definitivamente o litígio em presença, e pela cognição sumária de facto e de direito.
Assim, não cabe no âmbito deste processo cautelar avaliar se o ato impugnando é ilegal, antecipando deste modo para um processo sumário e urgente, a decisão sobre a questão de mérito do processo principal, mas tão só avaliar se a alegada invalidade é tão manifesta que não deixe dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na ação principal.
Como refere Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa - 4.ª edição, pág. 298 “o juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.”

O referido artigo 120.º, n.º 1 do CPTA tem um carácter meramente exemplificativo das situações elencadas, com referência a processos impugnatórios, e exige que, para o deferimento da pretensão, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal seja evidente.
A evidência a que se refere a citada alínea, como se sumariou no Acórdão do TCA Sul, de 22 de setembro de 2005, no Proc. n.º 1038/05 “tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato”.
Sempre se dirá desde já, e sem prejuízo do que infra se afirmará, que não merece censura o entendimento adotado pela 1.ª Instância ao não considerar como provados os factos constantes da alegação do item 49.º da requerida, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
Face ao dissídio ora objeto de apreciação cumpre, pois, centrar a nossa atenção na análise e enquadramento do requisito do periculum in mora.
Nas palavras do legislador o periculum in mora traduz-se no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar [ou ver reconhecidos] no processo principal”.
As providências cautelares visam impedir que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão “puramente platónica”).

Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Não é, todavia, um qualquer perigo de dano que justifica ou pode fundar a decretação duma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual.
Nas palavras de Mário Aroso de Almeida se “(...) não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido que pode ser atribuído à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem de ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar. Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adoção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal (...)” (in: “Manual de Processo Administrativo”, outubro 2010, págs. 475 e 476) (no mesmo sentido M. Aroso de Almeida e C. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 804 e segs., nota 4).

Ressuma, pois, do atrás exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão da eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do requerente, devolvendo-lhe a situação em que ele se encontraria não fora a execução havida daquele ato. Já se estará em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão.
A sentença recorrida fez correta interpretação e aplicação da legislação aplicável ao caso, ao decidir não se verificar o requisito do periculum in mora, e, consequentemente, ao declarar improcedente o pedido de suspensão da eficácia dos atos administrativos, porquanto a decisão final que venha a recair sobre a ação a que os Recorrentes deram entrada, caso julgue pela inexistência de qualquer ligação irregular do sistema de águas pluviais ao sistema de águas residuais em cada uma da moradias unifamiliares de cada um dos autores, será possível, sempre, voltar a repor a ligação tal como hoje existe, a custear pela Requerida.
Aliás, não foi criada pelos atos recorridos qualquer situação de facto consumado, nem danos cuja verificação consubstanciassem prejuízo sério para os Recorrentes, pois os mesmos não foram sequer alegados, inviabilizando dessa forma, também, por esta via, o decretamento da providência pedida, como bem salienta a sentença recorrida.
Assim sendo, e perante a realidade apurada nos autos, coloca-se a questão de saber se os mesmos podem ser vistos como de difícil reparação ou passíveis de configurar uma situação de facto consumado.

Tem sido afirmado que ocorre uma situação de facto consumado quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a ação (cautelar) quer influenciar fique inutilizada “ex ante” e que danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Na verdade, em face do que se mostra alegado no requerimento inicial pelos aqui Recorrentes inexiste qualquer substrato factual que permita integrar o caso como sendo uma situação geradora de prejuízos difícil reparação e muito menos de facto consumado caso não seja concedida a pretensão cautelar peticionada, pois que as situações seriam facilmente revertíveis.
Daí que, à luz do acima referido, no caso presente os factos alegados e provados não são suficientes para, a partir deles, ser extraída a conclusão de verificação da condição positiva do periculum in mora e, nessa medida, a decisão judicial recorrida ao assim haver entendido não enferma de erro de julgamento.
Mesmo na tese dos Recorrentes e a verificarem-se todos os pressupostos enunciados no artigo 120.° n.° 1 do CPTA necessário se mostrava ainda que se procedesse à ponderação de interesses estabelecida no n.° 2 do citado normativo.
Perante o resultado a que se chegou, mostra-se inútil a verificação do requisito negativo da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, a que alude o n.° 2 do citado artigo 120.° do CPTA.

Com efeito, como a sentença recorrida entendeu que não se verificava o requisito do periculum in mora, seja na vertente da verificação dos danos de difícil reparação ou do facto consumado, o que, por inverificado, não teve de entrar na análise da ponderação de interesses, a prova testemunhal requerida pelos Recorrentes não tinha a virtualidade de demonstrar qualquer existência de fundado receio para os interesses que se pretendem ver reconhecidos no processo principal.

Não tendo procedido este requisito cumulativo, bem se compreende que, com a prova documental existente nos autos e a posição das partes assumida nos respetivos articulados, com relevância para a solução jurídica da causa nos termos em que foi decidido o processo, não existia matéria controvertida.
Neste conspecto, temos de concordar que não se tornava necessária a produção de prova testemunhal, em concreto avaliar da legalidade urbanística das moradias apresentada, nesta sede cautelar, pelos Requerentes/Recorrentes.
A respeito da produção de prova em sede cautelar dispõe o artigo 118º do CPTA o seguinte:
“Artigo 118.º
Produção de prova
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
2 - Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
4 - O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando-se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
6 - As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.”
A final do respetivo requerimento inicial os Requerentes, além da prova documental que juntaram (apenas 1 documento), requereram a produção dos seguintes meios de prova:
- documentos em poder da parte contrária, (...) o processo administrativo e cadastro dos sistemas prediais de cada um dos autores;
- prova testemunhal, arrolando uma (1) testemunha, que ali identificaram.

Mas a mera circunstância de ter sido requerida pela parte, em sede de processo cautelar, a produção de prova, não implica que necessariamente que o Tribunal esteja adstrito à realização das respetivas diligências, como claramente decorre do disposto no sobredito artigo 118.º, n.º 1 do CPTA.
É consabido que ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5.º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir. O que não deixa de ser também explicitado no artigo 114.º n.º 3 alínea g) do CPTA nos termos do qual deve o requerente de uma providência cautelar, no seu requerimento inicial, especificar os fundamentos do pedido.
O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e, por conseguinte, a adoção da providência requerida.
Deste modo, recai sobre o requerente o ónus de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos complementares ou instrumentais que resultem da instrução e bem assim, claro está, daqueles que sejam de seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 5.º, n.º s 1 e 2, alíneas a), b) e c) do CPC), (neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 114 ss.).
Por outro lado, da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, nos termos do princípio do dispositivo e do especificamente disposto no artigo 114.°, n.° 3, alínea g) do CPTA, com o efeito cominatório previsto no artigo 118.° n.° 2 do CPTA de acordo com o qual “na falta de oposição presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”, fazendo corresponder, assim, à falta de impugnação à admissão, por acordo, dos factos alegados, tem que considerar-se que as diligências de prova necessárias, à luz do disposto do artigo 118.° n.° 3 do CPTA hão de incidir desde logo sobre os factos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120.° do CPTA.
Isto sem prejuízo de não ter o juiz cautelar que se satisfazer com as provas carreadas ou requeridas pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova que considere necessárias em face das questões suscitadas e a decidir, à luz do princípio da inquisitoriedade na averiguação da verdade material, como também decorre do disposto no artigo 118.° n.° 3 do CPTA (cfr., a este respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 597 ss.). Assim, apenas cumpre ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120.° do CPTA - (entre muitos outros, vide, os acórdãos do TCA Sul de 10/08/2015, Proc. n.° 232/15.7BECTB-A, e de 06/10/2016, Proc. n° 53/16.0BEBJA, e deste TCA Norte de 15/02/2019, Proc. n.° 00593/18.6BECBR e de 03/05/2019, Proc. nº 00453/18.0BEMDL).
Os Recorrentes referem no presente recurso ter invocado no requerimento inicial da providência «(...) factos dos quais, para si, decorre o fundado receio de uma situação irreversível ou de muito difícil reparação a partir da “ameaça não concretizada” decorrente do ato administrativo impugnado: itens 157.º e seguintes do requerimento cautelar».

Pelo que tem que entender-se que é relativamente a eles que propugnam terem sido levadas a cabos as diligências instrutórias que foram indeferidas pelo Tribunal a quo.
Perante esta factualidade, facilmente se poderá concluir que os Recorrentes não provaram, porque não alegaram, minimamente factos que importem a verificação do requisito periculum in mora, seja na vertente de receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, sendo certo e consabido que não são as meras conclusões ou proposições conclusivas que podem substanciar esse requisito; o que pode ser objeto de prova, seja documental ou mesmo testemunhal, são factos, não conclusões.
Referirem, agora, que pretendiam fazer prova dessa alegação requerimental pela inquirição das testemunhas que arrolaram (e, note-se apenas uma), não permite colmatar uma manifesta deficiência factual alegatória; a prova testemunhal destina-se a comprovar factos alegados, mas impugnados, que não meras conclusões, pelo que, neste entendimento, nenhum dever processual a cargo do juiz impõe essa correção, seja pelo convite a um aperfeiçoamento, seja por um entendimento corretivo, mas olvidando a independência e equidistância de ambas as partes, sem que se possa perspetivar qualquer violação, quer do dever de gestão processual, quer ainda do princípio de um processo equitativo, como suscitado pelos Recorrentes.
Isto significa que a baixa do processo à 1.ª instância para realização de diligências de prova apenas relevaria se fosse de concluir que a mesma produziria efeito útil sobre a decisão de improcedência da pretensão cautelar, em termos de poder ser adequada a alterá-la na decorrência da eventual ampliação da matéria de facto relevante para a decisão.

Ora não se impunha ao Senhor Juiz que levasse a cabo quaisquer diligências de prova quanto a qualquer facto concreto constante da alegação vertida nos artigos 157.º e seguintes do Requerimento Inicial da providência, na medida em que o ali alegado apenas se enquadraria na apreciação do requisito do fumus boni iuris, isto é, da probabilidade da procedência da ação principal, a qual haverá de ser feita na acção, e não no âmbito cautelar, que é o que nos encontramos, mediante uma apreciação perfunctória, e por conseguinte, sem necessidade de um exame minucioso e aprofundado.
Donde não merecer a sentença recorrida qualquer censura quanto à dispensa de realização de prova testemunhal.
Em suma,

Como é unanimemente referido pela jurisprudência, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Isto é, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
Olhando para a alegação que os Requerentes, nesta parte, trazem a juízo, é não apenas evidente como manifesta a insuficiência alegatória no que concerne ao periculum.
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 30.10.2014, proc. n.º 0681/14, “A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º nº 1 al. b) e c) do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva” não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito”.

Assim, não se podendo dar como verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA) sucumbe a providência, pois como também não deixou de sublinhar o Senhor Juiz, sendo os requisitos de decretamento de providências cautelares cumulativos, basta a improcedência de um deles para que a pretensão cautelar não possa ser provida, ficando, assim, prejudicada a realização do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, uma vez que tal ponderação apenas releva nas situações em que se verifiquem os requisitos para o decretamento das providências previstos no n.º 1 daquele preceito, o que, repete-se, ora não sucede.

Isto posto,
São características próprias do processo cautelar a sua instrumentalidade - dependência em face de um processo principal, a provisoriedade - por não visarem a resolução do litígio, estando vedado ao tribunal conceder, através de uma providência cautelar, aquilo que só a sentença final pode proporcionar, e a sumariedade - cognição necessariamente sumária e perfunctória da situação de facto e de direito, visto que a finalidade própria do processo cautelar é assegurar que a demora na tomada da decisão final não acarrete a criação de uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar (art.º 112º, n.º 1, do CPTA).
Para o efeito, impende sobre o requerente o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, oferecendo prova sumária da respetiva existência [cfr. art.º 114º, n.º 3, al. g)].
Os requisitos necessários à adoção de providências cautelares encontram-se plasmados nos n.ºs 1 e 2 do art.º 120º do CPTA, de cuja verificação cumulativa está dependente o respetivo decretamento.
O primeiro desses requisitos é o denominado periculum in mora. Nos termos do n.º 1 do referido art.º 120º, as providências cautelares são adotadas, “(…) quando haja fundado receio da constituição de uma situação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)”.
Assim, o requisito do periculum in mora consiste na verificação do risco de a eventual decisão favorável que vier a ser proferida na ação principal não permitir assegurar, na sua plenitude, a pretensão que o autor aí pretende fazer valer, porque existe o fundado receio de que, pela demora normal do processo, a) se constitua uma situação de facto consumado ou b) se produzam prejuízos de difícil reparação (cf. art.º 120º, n.º 1, do CPTA).
Está-se perante a constituição de uma situação de facto consumado quando não é possível proceder à restauração natural da esfera jurídica do autor, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente. Ou seja, ainda que os danos produzidos pela alteração da situação de facto do requerente sejam avaliáveis pecuniariamente, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando não seja possível a reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade, obviando, desse modo, a que a decisão judicial não se torne numa decisão “puramente platónica”.
Por outro lado, ainda que não se vislumbre a impossibilidade de reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando exista o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação durante a pendência do processo principal.
São prejuízos de difícil reparação aqueles, ainda que suscetíveis de quantificação pecuniária, cuja compensação se mostre sempre insuficiente para devolver ao lesado a situação em que ele se encontraria sem eles (Acórdão do TCA Sul de 2.10.2008, processo 00239/08), seja porque a reconstituição natural, no plano dos factos, se preveja difícil, seja porque não serão reparáveis integralmente com a reintegração da legalidade. Isto é, para se aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação deve atender-se à “(…) maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença (…)” (Acórdão deste TCA Norte de 14.03.2014, processo n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Em conclusão, quanto ao requisito do periculum in mora, (…) o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por, entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
De todo o modo, cumpre notar que o juízo sobre o fundado receio deve ser “(…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões (...)” (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).
Voltando ao caso concreto, considerou a sentença, e, quanto a nós, bem, que não se verifica o periculum in mora.
Reitera-se que o periculum in mora, a que alude a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, se traduz no fundado receio de que, quando o processo principal seja decidido e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (….).
Impõe-se, assim, um juízo sobre o risco da ocorrência de prejuízos de difícil reparação, fundado na apreciação das circunstâncias específicas do caso concreto e segundo a factualidade trazida pelo requerente, que permitam aferir se a situação de risco é efectiva e não uma mera conjuntura de verificação eventual, recaindo sobre o impetrante o ónus de alegar e provar, ainda que sumariamente, factos conducentes ao juízo de periculum in mora.
Não é, todavia, um qualquer perigo que justifica ou pode fundar a decretação de uma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual.
Não estamos, pois, perante um perigo genérico de dano, mas sim confrontados com um perigo qualificado e aferido numa perspetiva funcional, o que significa que só têm - ou devem ter - relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença proferida no processo principal.
Como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 14.7.2016, Proc. nº 13412/16: “(..) a prova do fundado receio a que a lei faz referência deveria ter sido feita pela aqui Recorrente, a qual teria que invocar e provar factos que levassem a concluir que seria provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, o que in casu não sucedeu na medida em que não basta um mero juízo de probabilidade, antes se exigindo a existência de um fundado receio”.
Assim, bem andou o Tribunal a quo quando considerou arredado este pressuposto.
Como ensinam Mário Aroso e Carlos Cadilha, “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2 ao art.º 120º)];
Importa, pois, ter presente que o fundado receio a que a lei se refere é o receio apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade, a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade.
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas acções principais - Acórdão deste TCAN de 14.03.2014, Proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A;
Por conseguinte, à semelhança da petição inicial numa acção administrativa, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito em que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art.º 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA que “No requerimento, deve o requerente: (...) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência”, em particular no que aqui interessa deve o requerente concretizar em que medida o não decretamento da providência resultará num facto consumado ou em prejuízos de difícil reparação, não se afigurando bastante a mera alegação genérica de que os mesmos vão ocorrer.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, nem é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas - cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, Proc. n.º 0381/08, de 19/11/2008, Proc. n.º 0717/08 e de 22/01/2009 no Proc. n.º 06/09;
Incumbe, assim, ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora, através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida - artº 5.º, do CPC, o que, repete-se, não ocorreu no caso posto.
Tratando-se, pois, não de ausência de prova da factualidade alegada, mas antes e acima de tudo, da inexistência de factos substanciadores do periculum in mora invocado, também por esta via tinha de ser desatendida a tutela cautelar solicitada.
Improcedem, assim, as Conclusões das alegações.
Decisão
Termos em que se nega provimento ao recurso, com todas as legais consequências.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 21/04/2023
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro