Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01969/22.0BEBRG-A |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 04/21/2023 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO; LIGAÇÃO DO SISTEMA DE ÁGUAS PLUVIAIS AO SISTEMA DE ÁGUAS RESIDUAIS; PROVA; PERICULUM IN MORA; |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório 1) AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 2) CC, divorciado, e DD, divorciada, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 3) EE, viúva, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 4) FF e mulher GG, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 5) HH e mulher II, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 6) JJ e mulher KK, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 7) LL e mulher MM, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 8) NN, separada de pessoas e bens, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 9) OO e mulher PP, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 10) QQ, residente na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 11) RR e mulher SS, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 12) TT, divorciado, e UU, divorciada, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 13) César VV e mulher WW, residentes na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 14) XX e mulher YY, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 15) ZZ, divorciada, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 16) AAA, solteiro, maior, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 17) BBB, solteira, maior, residente na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 18) CCC e mulher DDD, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ...; 19) EEE e mulher EE, residentes na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., do município ..., apresentaram, por apenso aos autos do processo principal, requerimento inicial para a adoção de providências cautelares, indicando como entidade requerida a EMP01..., E. M., com sede na Praça ..., ..., o que fazem na sequência das decisões proferidas por esta entidade no sentido de determinar a realização de obras de separação dos sistemas de drenagem de águas pluviais e residuais. A final daquele requerimento inicial, pediram o seguinte: “Termos em que requer a V. Ex.cia se digne receber o presente requerimento cautelar e, após prolação de despacho liminar de aceitação do presente requerimento cautelar, deve determinar a) a suspensão de eficácia do ato administrativo praticado pela requerida a 28.7.2022 e já impugnado nos autos de processo principal que correm termos pela Unidade Orgânica 1 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (proc. nº 1969/22.0BEBRG); e b) a citação da requerida, com menção expressa da proibição de iniciar ou prosseguir a execução do ato administrativo cuja eficácia se requer seja cautelarmente suspensa, até decisão final do processo principal supra identificado.” Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgado improcedente o processo cautelar e, em consequência, não decretadas as providências solicitadas. Desta vem interposto recurso. Alegando, os Requerentes formularam as seguintes conclusões: 1ª-A douta sentença sob recurso viola o disposto no nº 1 do artigo 120º do CPTA. 2ª - Nos termos das disposições conjugadas das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, deve ser aditado um novo número ao catálogo dos “I – Factos indiciariamente provados”, com a seguinte redação: “11 - Todas as habitações pertencentes ao loteamento têm igual implantação, variando apenas a posição destas face à posição das redes públicas de drenagem de águas residuais e pluviais e a topografia do terreno, fator preponderante para o entendimento da maior ou menor necessidade de intervenções para eliminação das ligações indevidas”. 3ª - Não se sabe – porque a requerida não o diz, nem no ato administrativo cuja eficácia se requer suspensa, nem na oposição ao requerimento cautelar – quais são, em concreto e no plano dos factos, as intervenções técnicas que a requerida entenda que são necessárias para cada habitação unifamiliar dos recorrentes.
7ª - A improcedência do pedido cautelar dos recorrentes determina-lhes – em face do cenário concreto e não meramente abstrato que está colocado a partir da completa inexistência de fundamentação de facto do ato administrativo da requerida – o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que, sendo lesiva dos seus interesses, tornará inútil a apreciação judicial do caso sub judice que vier a ser feita nos autos principais.
12ª - Não se identifica nenhum facto concreto e especificado do qual se possa retirar a conclusão jurídica de que o prejuízo irreparável não existe; em sentido contrário, os recorrentes alegaram os factos dos quais, para si, decorre o fundado receio de uma situação irreversível ou de muito difícil reparação (a partir da “ameaça ainda não concretizada” decorrente do ato administrativo impugnado): itens 157º e seguintes do requerimento cautelar.
16º - Por último, não há (nem no ato administrativo cuja eficácia se requer suspensa, nem no procedimento administrativo de cada um dos recorrentes, nem na douta oposição da requerida) qualquer facto do qual se possa retirar, ao menos por ilação, qualquer perigo de dano para o interesse público.
A Requerida juntou contra-alegações e concluiu: 1 - Não merece censura o entendimento adotado pela 1.ª Instância ao não considerar como provados os factos constantes da alegação do item 49.º da requerida, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA. 3 - A douta sentença recorrida fez a mais correta interpretação e aplicação da legislação aplicável in casu, ao decidir não se verificar o requisito do periculum in mora, e, consequentemente, ao declarar improcedente o pedido de suspensão da eficácia dos atos administrativos, porquanto a decisão final que venha a recair sobre a ação a que os recorrentes deram entrada, caso julgue pela inexistência de qualquer ligação irregular do sistema de águas pluviais ao sistema de águas residuais em cada uma da moradias unifamiliares de cada um dos autores, hipótese que apenas em mera análise se pondera, será possível, sempre, voltar a repor a ligação tal como hoje existe, a custear pela requerida.
8 - Nem estamos perante uma situação iminente de facto consumado, no sentido de que, em caso de recusa da providência, seja impossível reconstituir a legalidade.
12 - Mas ainda que se mostrassem como preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, colocando os requerentes cautelares numa posição de partida favorável à obtenção da providência, o que não se concede, impunha-se, ainda, aferir da bondade do juízo efetuado pelo tribunal a quo quanto à análise do requisito ou pressuposto previsto no n.º 2 do aludido normativo legal (requisito negativo da ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio em termos de proporcionalidade da decisão de concessão ou recusa).
JUSTIÇA. A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir. Fundamentos Que assumam relevo para a decisão a proferir, não subsistem factos que o Tribunal tenha considerado indiciariamente não provados. E, em sede de motivação da factualidade assente, exarou: Recordando que, no âmbito da tutela cautelar, o conhecimento a efetuar pelo Tribunal assume-se como superficial, não exigindo o mesmo grau de certeza exigível em sede de processo principal (o que abarca tanto o juízo de Direito, como o de facto, aquele que nesta sede releva), cumpre salientar que, para assentar os factos indiciariamente provados, o Tribunal serviu-se da posição expressamente assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como da documentação que integra os autos e o respetivo processo administrativo. Assim, no que respeita aos factos indiciariamente provados nos pontos 1, 2 e 6, foi tida em consideração a posição expressa no art.º 10.º da oposição, pelo que essa factualidade é de considerar pacífica e não controvertida. De seguida, no que respeita ao facto indiciariamente provado no ponto 5, o Tribunal tomou em conta a confissão expressa pelos Requerentes quanto à existência da ligação, vertida no art.º 140.º do RI. Em relação aos restantes factos, o Tribunal tomou em consideração a documentação que foi junta aos autos com os articulados e com o processo administrativo, sendo certo que, quanto a este, no articulado de resposta os Requerentes nada vieram impugnar; em todo o caso, feita a correspondente análise crítica dos documentos, não existe razão para duvidar da sua genuinidade ou da fidedignidade do respetivo conteúdo, motivo pelo qual são merecedores de crédito para efeitos de conhecimento sumário a realizar pelo Tribunal. Para melhor elucidação, ficou identificado, a propósito de cada facto elencado, o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do Tribunal. Bem como, quando foi o caso, foi deixada referência à natureza não controvertida dos factos. De Direito - Atente-se no discurso fundamentador da decisão em crise: O presente processo cautelar vem instaurado com o fito essencial de suspender os efeitos das decisões que foram comunicadas aos Requerentes para execução de obras de separação dos sistemas de drenagem de águas residuais domésticas e de águas pluviais, nas moradias melhor identificadas nos factos indiciariamente provados. Cumprindo recordar que os Requerentes configuram a situação como se de um único ato se tratasse, o que, no entender do Tribunal, não sucede – mas, seja como for, como se referiu no despacho em que se suscitou a questão, a impugnação de todas as decisões relativas aos Requerentes está, pelo menos, implícita. * A completa preterição do procedimento legalmente devidoNos pontos 20.° e seguintes no RI, os Requerentes apontam às decisões administrativas em causa a preterição completa do procedimento legalmente devido. Partindo do pressuposto segundo o qual o CPA se aplica à atuação da requerida EMP01... – que, desde já, o Tribunal considera correto, atendendo à previsão do art.° 2.°, n.° 1, desse código; além de que nem sequer em oposição se nega essa aplicabilidade – consideram os Requerentes que deviam ter sido notificados nos termos e para os efeitos previstos no art.° 110.°, n.° 1, do CPA, ou seja, do início do procedimento. Ao não ter sucedido assim, foi-lhes vedada a possibilidade de participarem no procedimento de forma informada e atempada, tendo sido preterida in totum a fase instrutória. Ficaram, assim, privados de exercer os direitos previstos nos artigos 115.°, 116.° e 118.° do CPA; não puderam exercer o direito à informação, previsto no art.° 82.° do CPA, e que é, aliás, um direito fundamental previsto no art.° 268.°, n.° 1, da CRP, bem como o direito à consulta do processo. E nenhum dos Requerentes foi, sequer, notificado para exercer o direito de audiência prévia. No entender da EMP01..., o vício em causa não se verifica, porque, na sequência de comunicações recebidas da parte dos Requerentes, fez deslocar os seus funcionários ao local, que prestaram todas as informações solicitadas; além disso, sempre a formalidade em causa deve considerar-se degradada em não essencial, porque cumprida de outra forma ou, pelo menos, pela vinculação a proferir decisão sempre neste sentido. Ora, a respeito desta alegação julgamos que a razão pende, efetivamente, para o lado dos Requerentes. Tanto quanto é possível concluir dos factos indiciariamente provados, a iniciativa que levou à tomada das decisões cuja suspensão se requer foi da própria EMP01..., já que nada consta no sentido de os Requerentes terem solicitado vistoria às respetivas redes de drenagem de águas pluviais e residuais domésticas. Nesse sentido, e porque claramente não é caso para aplicar o n.° 2, deveria ter sido respeitada a previsão do n.° 1 do art.° 110.° do CPA. E não consta que o tenha sido. Assim, os trâmites prévios à decisão (porque, na realidade, nem sequer se lhes pode chamar um real e verdadeiro procedimento, tal como é definido no art.° 1.°, n.° 1, do CPA, por não se tratar de uma sequência devidamente ordenada de atos) correram à completa revelia dos interessados – i.e., dos aqui Requerentes – o que fez com que estes tivessem ficado privados do exercício de vários direitos intraprocedimentais, designadamente aqueles que melhor se enunciam no requerimento inicial, e acima referidos. Um desses direitos (sem menosprezar os outros, ainda assim) merece uma referência especial – referimo-nos ao direito de audiência prévia. Como é sabido, trata-se de uma das mais importantes manifestações do princípio da participação, constituindo imposição constitucional que a lei de procedimento garanta a intervenção dos interessados, nomeadamente nas situações em que a decisão da Administração afeta ou onera os respetivos direitos (cf. art.º 267.º, n.º 5, segunda parte, da CRP). No caso concreto, a requerida EMP01... tinha o dever de, antes de proferir a decisão final, notificar os aqui Requerentes para que estes se pronunciassem sobre a decisão (ainda em projeto, necessariamente). Noutros termos, teria de ter observado o disposto nos art.ºs 121.º e ss. do CPA – o que, como resulta dos factos indiciariamente provados, nunca sucedeu. Por si só, e sem prejuízo da violação dos demais direitos por desconhecimento do procedimento, este vício formal é bastante para determinar a anulação dos atos administrativos em discussão. Por outro lado, a defesa apresentada em oposição a este respeito não convence. Desde logo, no art.º 18.º desse articulado confundem-se duas realidades distintas: a notificação do início do procedimento (que é a referida pelos Requerentes) e a notificação do ato administrativo com o qual aquele culmina. Nessa medida, a referência ao regime da notificação deficiente ou insuficiente não tem, aqui, qualquer relevo. E, além do mais, nunca seria bastante para afastar a violação dos demais direitos procedimentais que os Requerentes igualmente referem. Também não convence a argumentação usada pela requerida EMP01... para afastar a relevância, in casu, da preterição da fase de audiência dos interessados. Na verdade, a Requerida considera que “os Autores não foram prejudicados no exercício do seu direito, uma vez que solicitaram informações por carta e correspondência eletrónica”, tendo, nessa sequência, feito “deslocar os seus funcionários às respetivas habitações e prestaram todos os esclarecimentos necessários sobre o andamento do processo e tipo de obras que deveriam ser realizadas.” E daí conclui que “mesmo que se entenda que houve preterição de audiência prévia, tal formalidade pode, in casu, degradar-se em formalidade não essencial, isto é, numa mera irregularidade procedimental incapaz de determinar a anulação do ato.” Com isto não podemos concordar. Primeiramente, porque, como resulta dos factos indiciariamente provados, os Requerentes só contactaram a EMP01... depois de terem recebido as comunicações contendo as decisões que determinavam a realização das obras. Ora, e como se diz na resposta apresentada à oposição, o que não existe é audiência póstuma dos interessados; como o próprio CPA refere, estamos em presente do direito de audiência prévia, porque aquilo que se pretende é permitir aos interessados influenciar a decisão a proferir. Depois, não se nos afigura que seja caso para considerar a formalidade degradada em não essencial, nomeadamente pelas circunstâncias em que os interessados, ora Requerentes, foram ouvidos. Neste aspeto, só se poderia cogitar a degradação da formalidade [nos termos da alínea b) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA] se a participação dos Requerentes, mesmo que de alguma forma espontânea, tivesse sido prévia, e não o foi. De seguida, também não é caso para apelar ao princípio da vinculação, para significar que a EMP01... teria sempre de praticar ato com o mesmo conteúdo [portanto, mediante aplicação da alínea a) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA]. Com efeito, e a este respeito, basta ler o requerimento inicial para considerar que é inclusive muito duvidoso que se possa aplicar a norma regulamentar invocada nas notificações feitas aos Requerentes. Noutros termos, a solução jurídica (a contida na decisão, note-se) não é absolutamente certa, como a EMP01... parece pressupor. Nesta medida, e em suma, com este fundamento parece verificar-se o fumus boni iuris, pelo que há que formular um juízo prognóstico positivo sobre o bem fundado da pretensão dos Requerente no que à anulação dos atos administrativos diz respeito. * O incumprimento do dever de fundamentaçãoNuma segunda linha, os Requerentes invocam a insuficiência da fundamentação inserta nos atos administrativos em causa (todos de idêntico conteúdo), considerando que se limitam a mencionar a alegada existência de uma “ligação irregular das águas pluviais às águas residuais”, na sequência de uma alegada “vistoria ao sistema predial de saneamento”. Apesar de factual, dizem, esta afirmação é meramente conclusiva, e o cumprimento do dever de fundamentação impunha que a requerida fornecesse aos requerentes toda a informação relevante para o sentido da tomada da decisão administrativa. Sobre o assunto, a requerida EMP01... vem dizer que os serviços em causa são classificados pela lei como essenciais, e, depois de recordar toda a importância dos mesmos e a regulamentação que lhes é aplicável, bem como que a jurisprudência somente considera que o vício, existindo, é gerador de mera anulabilidade, limita-se a concluir que “é notório que não há falta de fundamentação e os Autores alcançaram perfeitamente o sentido da decisão administrativa.” Apreciando. O dever de fundamentar o ato administrativo encontra-se consagrado constitucionalmente, conforme se concluirá da leitura do art.° 268.°, n.° 3, da CRP. Todavia, e não obstante essa referência constitucional, é ao nível da legislação ordinária que melhor se desenvolve o seu conteúdo, particularmente no CPA. Neste código, o dever de (simultaneamente, direito à) fundamentação encontra-se regulado nos artigos 152.° a 154.°. Assim, logo no art.° 152.°, n.° 1, do CPA afirma-se que estão sujeitos a fundamentação os atos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções [alínea a)]. À luz desta previsão, dúvidas não podem existir quanto à necessidade de fundamentar o ato em causa, porquanto impõe um determinado encargos aos Requerentes. Segue-se que, em matéria dos requisitos da fundamentação, o n.° 1 do art.° 153.° do CPA estabelece que aquela deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato. E o n.° 2 do mesmo artigo esclarece que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.” Tal como tem vindo a ser entendido – já assim o era no domínio do anterior CPA, sendo certo que o regime legal não é substancialmente distinto – trata-se de impor ao autor da decisão que exponha o iter cognoscitivo e valorativo que àquela esteve subjacente, permitindo ao destinatário do ato compreender as razões em que este se sustenta, de modo a que com elas se conforme ou não. Neste sentido, e por todos, pode citar-se (…) Aqui chegados, temos para nós que também este vício deverá ser procedente. Os Requerentes insurgem-se particularmente contra a insuficiência da fundamentação de facto, e com razão. Se vislumbrarmos o teor do ofício de notificação, dele apenas se faz constar que tinha sido realizada uma vistoria ao prédio, e que foi verificada a existência de uma ligação irregular das águas pluviais às águas residuais. Depois, ordena-se aos Requerentes que procedam “à correção desta situação”, nomeadamente pela separação das “águas pluviais das águas residuais e liga-las ao coletor de águas pluviais”. Como dizem os Requerentes, trata-se essencialmente de um juízo conclusivo. Desde logo, causa um certo espanto que não se identifique a que nível se encontra a ligação irregular. E, depois, que não se indiquem minimamente as obras a executar. É de notar que (e tendo por referência apenas o cumprimento do dever de fundamentação formal) a entidade requerida tinha elementos suficientes para sustentar a sua decisão – bastava que tivesse indicado que a ligação detetada era ao nível da grelha da rampa das garagens (como parece ser o caso, atento o teor das fichas elaboradas na sequência da deslocação às habitações); a partir daí, podia impor a realização das obras necessárias à correção da irregularidade. A fundamentação – de facto – avançada não é clara, nem congruente, nem suficiente. E não vemos como possível afastar esse vício com a suposta compreensão do ato da parte dos Requerentes, quando estes tomam por pressuposto a ligação existente a certo nível: é que sendo a única que subsiste, só podiam pressupor que a entidade requerida a ela se referia. Só que a fundamentação não se dá a suposições, dado que uma das suas características é, precisamente, ser expressa (além de contemporânea do próprio ato). Sendo certo que não é dever dos administrados, aqui requerentes, a adivinhação da ligação alegadamente irregular – é, sim, dever da requerida EMP01... fundamentar de forma expressa e suficiente, incluindo no plano dos factos, as decisões que toma. Assim sendo, afigura-se que os atos em causa serão, também, anuláveis, por ocorrer o vício formal de falta de fundamentação (por via da insuficiência da fundamentação de facto). * A ilegalidade da vistoriaSeguidamente, os Requerentes invocam que a requerida EMP01... também não deu cumprimento ao disposto no art.º 70.º do DL n.º 194/2009, de 20/08, na sua redação atual; designadamente, porque nunca comunicou previamente a realização de qualquer vistoria, nem lhes foi comunicada qualquer versão do auto que, daquela diligência, deve ser elaborado. Nada se diz sobre o assunto em oposição. Também neste caso os Requerentes parecem ter razão. Com efeito, o art.º 70.º do DL em causa diz assim: “1 - Os sistemas prediais ficam sujeitos a acções de inspecção da entidade gestora sempre que haja reclamações de utilizadores, perigos de contaminação ou poluição ou suspeita de fraude. 2 - Para efeitos do previsto no número anterior, o proprietário deve permitir o livre acesso à entidade gestora desde que avisado, por carta registada ou outro meio equivalente, com uma antecedência mínima de oito dias, da data e intervalo horário, com amplitude máxima de duas horas, previsto para a inspecção. 3 - O respectivo auto de vistoria deve ser comunicado aos responsáveis pelas anomalias ou irregularidades, fixando prazo para a sua correcção. 4 - Em função da natureza das circunstâncias referidas no n.º 1, a entidade gestora pode determinar a suspensão do fornecimento de água.” Não se encontra sequer alegado – pela requerida – que tenha dado cumprimento ao disposto no n.º 2 desta art.º 70.º, i. e., que tenha notificado os Requerentes, por um dos meios previstos, para a realização da vistoria, com a antecedência mínima de oito dias. Pelo contrário, o que se colhe dos factos indiciariamente provados é que foi realizada uma visita/vistoria sem a presença dos Requerentes, seguindo a imediata notificação das decisões. Da mesma forma, constata-se o incumprimento do n.º 3 do art.º 70.º indicado, pois que, estando provada indiciariamente a realização das vistorias, os Requerentes só foram notificados das decisões finais. Foram preteridas, assim, as formalidades inerentes às vistorias dos sistemas prediais, tratando-se de mais um vício formal, que importa a anulação dos atos administrativos, com fundamento na inobservância do art.º 70.º acima transcrito. Aliás, também viola o disposto no art.º 114.º do Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do município ... – Regulamento n.º 517/2014 – que reproduz aquele art.º 70.º. Pelo que, também por esta via é possível considerar preenchido o fumus boni iuris. * Inaplicabilidade do art.º 68.º do RegulamentoDe seguida, os Requerentes pugnam pela não aplicabilidade do art.º 68.º do Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do município ... – Regulamento n.º 517/2014. Isto porque, estando todas as moradias construídas desde, pelo menos, 1998 (algumas, anteriores a esse ano), e sendo o Regulamento do ano de 2014, as obrigações que dele constam não lhes podem ser aplicadas, porque não pode ser atribuída eficácia retroativa aos regulamentos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções. No entender dos Requerentes, estamos, assim, em presença de um vício de violação de lei, porque os atos a suspender mobilizam, para o sentido da sua decisão, um quadro jurídico que não é aplicável aos respetivos pressupostos de facto. Também este assunto não é abordado na oposição em termos específicos. Vejamos. Comece por dizer-se que, em relação a este aspeto, não concordamos que a questão se subsuma a falta de fundamentação, como se pretende no art.º 87.º do RI. Na verdade, tomando por referência o cumprimento do dever de fundamentação formal, terá de considerar-se que, do ponto de vista jurídico (ao contrário do que sucede com o plano dos factos, nos termos acima expostos) as decisões administrativas estão fundamentadas, indicando a norma regulamentar em que se sustentam. O problema poderá considerar-se do ponto de vista dos fundamentos jurídicos materiais, ou seja, quanto a saber se a norma do Regulamento referido se pode ou não aplicar, nomeadamente pela regra da não retroatividade. Daí que possa surgir o erro nos pressupostos de Direito, que não se confunde com o cumprimento do dever de fundamentação formal. Nesta perspetiva, importa depois considerar que o Regulamento aplicado data de 2014 e, portanto, é inclusivamente anterior ao atual CPA. Ora, o regime previsto nos artigos 114.º a 119.º do CPA de 1991 não continha qualquer disposição sobre a vigência dos regulamentos administrativos, ou quanto à possibilidade de produção de efeitos retroativos. Ou seja, não existia disposição semelhante àquele que hoje resulta do art.º 141.º do CPA. Mas essa omissão não é relevante, porque é princípio geral de direito, aliás ínsito ao próprio Estado de Direito, que as normas só devem valor para futuro, designadamente nas situações em que afetam direitos já constituídos. Aliás, no caso da Lei, esse é o princípio geral versado no n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil. Basicamente, o atual art.º 141.º do CPA apenas consagra de forma expressa o que já decorreria, sempre, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo, nomeadamente a tutela da confiança e a segurança jurídica. Ora, no caso concreto, atendendo a que as construções datam de, ao menos, 1998, é patente que o Regulamento em causa, publicado apenas em 2014, não vigorava naquela data – pelo que, e assim sendo, não se pode afirmar que os Requerentes tenham violado uma norma regulamentar que só veio a ser publicada (e a entrar em vigor) muito depois da execução das suas moradias. Nesse sentido, ocorre, com efeito, um erro nos pressupostos de Direito nas decisões administrativas, pois que a legalidade da referida ligação das águas residuais a águas pluviais tem de ser aferida segundo a legislação vigente à data da execução dos trabalhos. Noutras palavras, não se pode imputar aos Requerentes a violação de uma norma regulamentar que nem existia aquando da execução das moradias (ou da sua aquisição). Poderia, quanto muito, dar-se o caso de estarmos em presença de uma situação de retroatividade imprópria, ou seja, a afetação por nova regulamentação de uma situação já constituída. Todavia, teria de ser sempre a entidade requerida a apresentar a norma do próprio Regulamento que permite a sua aplicação a situações já constituídas, nomeadamente que obrigasse a adaptação de sistemas já existentes a novas exigências – o que não acontece. Portanto, também se vê como provável a procedência do alegado erro nos pressupostos de direito, por ter sido aplicada uma norma de Regulamento não vigente à data da constituição da situação de facto enunciada. * A inexistência de ligação irregular das águas pluviais às águas residuaisFinalmente, os Requerentes invocam a inexistência de qualquer ligação irregular nas suas moradias, considerando, ainda, que as decisões administrativas violam um conjunto significativo de normas legais aplicáveis à relação jurídica controvertida. Quanto a isto, a EMP01... vem recordar a importância da separação dos sistemas de drenagem de águas residuais e pluviais, em termos ambientais e económicos, norteando a sua atuação com base no interesse público; além disso, as normas invocadas pelos Requerentes, relativas ao Decreto Regulamentar n.º 23/95, dizem respeito a simples generalidades relacionadas com a instalação da rede de coletores. Apreciando. É certo que, pela data de construção das moradias, estava em vigor, naquele momento, e ainda, o regime do DL n.º 207/94, de 06/08, diploma que aprovara o regime de conceção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais [revogado pelo atualmente em vigor DL n.º 194/2009, de 20/08]. Segundo o art.º 9.º, n.º 1, desse DL era obrigatório instalar em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais; bem como, nos termos do art.º 10.º do mesmo diploma, era obrigatória a consulta à entidade gestora para emissão de parecer, no que respeitava aos projetos dos sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais. Segue-se que os Requerentes acabam por confessar, no art.º 140.º do RI, que nas respetivas moradias existe uma ligação de águas pluviais às águas residuais, que resulta da grelha de escoamento das águas pluviais colocada na parte final descendente da rampa de acesso às garagens – daí que tal factualidade tenha ficado indiciariamente provada. Porém, e a esse respeito, alegam a legalidade dessa ligação, por força do art.º 199.º do Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais, anexo ao Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23/08 (diploma que regulamentava aquele DL n.º 207/94, de 06/08), na parte em que remetida para a aplicação do art.º 116.º do mesmo diploma. Antes disso, é de salientar que nos termos do art.º 198.º daquele Regulamento Geral a separação de sistemas de drenagem era, por princípio, obrigatória, dizendo o n.º 1 deste artigo que “a montante das câmaras de ramal de ligação, é obrigatória a separação dos sistemas de drenagem de águas residuais domésticas dos de águas pluviais.” Porém, e excecionalmente, o art.º 199.º do Regulamento Geral identificado estabelecia casos de “lançamentos permitidos”, referindo no seu n.º 1 que tal sucedia com as águas “assimiláveis”, remetendo para o seu art.º 116.º. Neste caso, para os sistemas de águas residuais domésticas. Além disso, e segundo o n.º 2 deste mesmo art.º 199.º, também era permitido o lançamento, mas já em sistemas de drenagem de águas residuais pluviais as águas provenientes de: (i) rega de jardins e espaços verdes, lavagem de arruamentos, pátios e parques de estacionamento, ou seja, aquelas que, de um modo geral, são recolhidas pelas sarjetas, sumidouros ou ralos; (ii) circuitos de refrigeração e de instalações de aquecimento; (iii) piscinas e depósitos de armazenamento de água; (iv) e drenagem do subsolo. Ora, pretendem os Requerentes justificar a legalidade da ligação existente nas suas moradias com base na alínea d) do n.º 1 do art.º 116.º do Regulamento Geral acima referido, normativo que prevê a possibilidade de ligação entre sistemas quanto a águas pluviais de pátios interiores. Consideram, ainda, que a pouquíssima e insignificante água pluvial sobejante que escorre para as grelhas colocadas na parte final descendente das rampas de acesso às garagens de cada uma das moradias (...) pode ser direcionada para os ramais de descarga das águas residuais domésticas (disposições conjugadas da alínea d) do n' 1 do artigo 116' e n' 1 do artigo 199' do Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto)”. Não cremos que esta tese possa ser acolhida. Nomeadamente, porque a rampa de acesso às garagens não pode ser considerada um pátio interior. Na realidade, nem sequer as garagens, ao contrário do sustentado no art.º 149.º do RI. Um pátio interior é, por definição, um recinto aberto no interior de um edifício. Uma garagem, pelo contrário, é por definição um lugar fechado e coberto, para guardar viaturas automóveis, motociclos, etc... Por isso, não se confunde uma garagem com um pátio interior. Da mesma forma que não se pode confundir a rampa de acesso às garagens dos Requerentes com um pátio interior; simplesmente, são realidades físicas distintas. E apenas as águas provenientes de pátios interiores poderão dar azo à aplicação do art.° 116.°, n.° 1, al. d), do Regulamento Geral anexo ao Decreto Regulamentar n.° 23/95, de 23/08, por remissão do n.° 1 do art.° 199.° do mesmo diploma. Por outro lado, cumpre aqui salientar que as referências feitas à eventual ilegalidade da licença de construção, bem como quanto à emissão da autorização de utilização, são perfeitamente inócuas a este respeito. Em primeiro lugar, no que à emissão da licença de construção diz respeito, em momento algum a entidade requerida colocou em causa a sua validade – nem era causa para isso, pois que apenas está em discussão a correção aos sistemas de drenagem; aliás, nem essa competência cabe à EMP01..., porque sempre caberia ao Município. Depois, no que à autorização de utilização respeita, a sua alusão também é destituída de utilidade. Sendo verdade que se destinava, além do mais, a aferir do cumprimento dos projetos aprovados, não se podiam excluir situações de fraude perante a entidade administrativa. Daí que, como bem dizem os Requerentes, e quanto muito, a hoje designada autorização de utilização poderá constituir uma mera presunção quanto à conformidade da execução com os projetos aprovados – mas não passa disso, e não invalida a deteção de situações irregulares a posteriori. Como in casu veio a suceder, já que era suposto existir um poço de infiltração, e não a ligação que os próprios Requerentes assumem existir. E, de todo o modo, a simples circunstância de existir a autorização de utilização não tornaria a ilegalidade numa situação legal e regular. Bem como a deteção da situação seria motivo para determinar a revogação ou anulação da autorização de utilização, cenário versado no RI sem qualquer espécie de adesão àquilo que se discute no caso concreto. Aliás, o Tribunal não pode deixar de salientar que, só depois de todo um longo excurso, em matéria cuja relevância para o caso é nenhuma, os Requerentes venham a reconhecer a existência de uma ligação, mas justificando a sua legalidade, com base no art.° 199.° do Decreto Regulamentar n.° 23/95, de 06/08. Portanto, e em suma, é improvável que a pretensão dos Requerentes a respeito do reconhecimento da legalidade da ligação existente nos seus prédios (e, logo, a violação dos diversos preceitos legais e regulamentares citados por parte das decisões administrativas sindicadas) venha a ser julgada procedente. E, nesta medida, a argumentação expendida a este respeito não é bastante para sustentar a verificação do fumus boni iuris. * Sem prejuízo do acabado de referir, e estando em causa o pedido de suspensão de eficácia de atos administrativos, sempre se pode concluir pela verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris, atendendo ao referido quanto às demais causas de invalidade.Assim sendo, legitima-se avançar para a análise do requisito subsequente: o periculum in mora. ** Periculum in MoraO periculum in mora considera-se verificado quando exista receio fundado de que, com a demora do processo principal, se venha a constituir uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa salvaguardar naquele processo. Trata-se, assim, da necessidade de formular um juízo de prognose de acordo com as circunstâncias concretas do caso, a fim de averiguar sobre a utilidade da sentença a proferir no processo principal [neste sentido, cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 317/318]. Esse juízo, porém, não exige a certeza na produção dos danos ou da verificação do facto consumado; como diz AROSO DE ALMEIDA, “(...) também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor consoante as circunstâncias específicas de cada caso.” – cf. Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 450. Pois bem, e com este enquadramento, impõe-se assinalar que os Requerentes não são muito extensos no que à justificação do periculum in mora diz respeito (apesar de considerarem que a sua verificação é ostensiva), alegando, nos artigos 157.º em diante do RI, e sinteticamente, o seguinte: - Se os atos não forem suspensos, ficam à mercê da requerida EMP01... para que esta imponha a realização de obras que “causarão um impacto significativo na vida e na propriedade dos requerentes (demolição de paredes, abertura de valas, suspensão da disponibilização de água pública, impossibilidade de estacionamento); - Todos os danos e transtornos já se terão produzido na sua esfera jurídica, tanto com a realização das obras dispendiosas como pelo pagamento de coimas; - Como o ato é omisso quanto às obras a realizar, a requerida ficará com “mãos livres” para determinar as obras que lhe aprouver, e pelo preço que lhe aprouver, consumando a violação dos seus direitos, sendo notório o risco de constituição de situação de facto consumado. De forma distinta, a requerida considera que o pressuposto não se preenche, dizendo que os Requerentes não cumprem o seu ónus, nem aduzem argumentos suficientes para o seu preenchimento, considerando que a matéria alegada é absolutamente conclusiva. Vejamos. A justificação da concessão de providências cautelares não radica na simples constatação de que a não suspensão dos efeitos de um determinado ato (tendo por base o caso concreto) será causadora de danos ou prejuízos. Na verdade, e como já anteriormente se explicou, o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA exige que se possa afirmar uma de duas situações, consubstanciadas no fundado receio de: (i) constituição de um facto consumado; (ii) produção de prejuízos de difícil reparação. Acontece que nenhuma delas se preenche in casu. Primeiramente, é preciso notar que resulta dos factos indiciariamente provados que as partes não estão assim tão afastadas. Aliás, se, por um lado, os próprios Requerentes reconhecem a existência da ligação na rampa de acesso às garagens, a entidade requerida, por outro, confirma que é precisamente essa circunstância que está em causa, como resulta do item 50.º da oposição (apenas variando a posição relativa das moradias, consoante a sua orientação). Não existe, assim, tanta arbitrariedade como se quer fazer crer – aquela que os Requerentes dizem ser a única ligação que conhecem, é precisamente aquela que a requerida EMP01... confirma estar em causa (só que isso devia também constar da fundamentação dos atos, já que o vício não pode ser suprido pela indicação dos fundamentos da decisão nas peças apresentadas em juízo). Ora, e isto dito, para que se pudesse falar da criação de uma situação de facto consumado teria de ser possível afirmar a criação de uma situação insuscetível de reposição no plano dos factos. É que, como afirmado no acórdão do TCA Norte de 15/07/2011, proferido no processo n.º 00220/10.0BEMDL, só estaremos em presença de uma situação de facto consumado “quando se revele de todo em todo impossível a reintegração da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão.” Não é o que sucede. Mesmo que venha a ser dada razão aos Requerentes, no plano dos factos, será possível, sempre, voltar a repor a ligação tal como hoje existe, a custear pela requerida EMP01... (a quem competirá repor a situação que existiria se o ato anulado não fosse praticado). Não estamos, portanto, na presença do risco de ser criada uma situação insuscetível de reposição no quadro factual ou jurídico – pelo contrário. Segue-se que também não se vislumbra dos argumentos apresentados o perigo da criação de prejuízos de difícil reparação para os interesses dos Requerentes. Claro, seguramente que a realização das obras traria os incómodos referidos, que podem traduzir-se em danos – mas não de difícil reparação. Embora todas as afirmações sejam conclusivas, sempre se pode dizer que nenhum dos Requerentes afirma não ter capacidade económica para custear as obras, e nunca estas seriam assim tão arbitrárias (porque, cabe recordar que, como visto, está em causa aquela única ligação que afirmam existir, ao nível do logradouro/acesso às garagens). Sendo certo que todos os valores eventualmente gastos pelos Requerentes seriam facilmente ressarcidos em sede de ação de responsabilidade civil extracontratual. Os restantes incómodos com as obras (como ficar temporariamente sem água ou sem estacionamento interior) não configuram, sequer em abstrato, o risco de criar prejuízos de difícil reparação. Mesmo no caso da aplicação de eventuais coimas, é sabido que não são, sequer, imediatamente exequíveis, pois que assistirá sempre aos Requerentes o direito de proceder à sua impugnação. Finalmente, é de recordar que os Requerentes aparentam ter razão na pretensão impugnatória, mas já não quanto ao direito a manter o atual status quo. Embora esta seja uma questão primacialmente dirigida ao primeiro requisito analisado – fumus boni iuris – não será despiciendo dizer-se que, com base nos vícios cuja procedência parece certa, na melhor das hipóteses os Requerentes aspiram à prática de um novo ato, corrigindo os vícios formais detetados. Isto porque, mesmo não sendo de aplicar o disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA (pelas razões acima expostas), à luz do regime material aplicável, não é de crer que a requerida EMP01... altere a sua posição ou deixe de renovar os mesmos atos, expurgados dos respetivos vícios. Pelo que, quanto muito, não conseguiriam os Requerentes mais do que atrasar a execução das obras necessárias à correção da irregularidade detetada. Portanto, e concluindo, não se pode dar como demonstrado o requisito em análise. ** Sendo o preenchimento dos pressupostos legais inerentes ao decretamento de providências cautelares de natureza cumulativa, e não se verificando o periculum in mora, impõe-se concluir, desde já, pela improcedência do pedido cautelar.Do que também resulta ficar prejudicado o conhecimento do requisito sobrante, i. e., a ponderação dos interesses em presença. Tudo quanto, em conformidade, se decide. X É objecto de recurso esta sentença que julgou o processo cautelar totalmente improcedente, e, nessa esteira, absolveu a Requerida das providências requeridas. e) Que devem os autos baixar à primeira instância para produção da prova testemunhal requerida. A existência do fundado receio depende assim, ou da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os requerentes visam assegurar no processo principal. O referido artigo 120.º, n.º 1 do CPTA tem um carácter meramente exemplificativo das situações elencadas, com referência a processos impugnatórios, e exige que, para o deferimento da pretensão, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal seja evidente. Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. Ressuma, pois, do atrás exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão da eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do requerente, devolvendo-lhe a situação em que ele se encontraria não fora a execução havida daquele ato. Já se estará em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão. Tem sido afirmado que ocorre uma situação de facto consumado quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a ação (cautelar) quer influenciar fique inutilizada “ex ante” e que danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Com efeito, como a sentença recorrida entendeu que não se verificava o requisito do periculum in mora, seja na vertente da verificação dos danos de difícil reparação ou do facto consumado, o que, por inverificado, não teve de entrar na análise da ponderação de interesses, a prova testemunhal requerida pelos Recorrentes não tinha a virtualidade de demonstrar qualquer existência de fundado receio para os interesses que se pretendem ver reconhecidos no processo principal. Não tendo procedido este requisito cumulativo, bem se compreende que, com a prova documental existente nos autos e a posição das partes assumida nos respetivos articulados, com relevância para a solução jurídica da causa nos termos em que foi decidido o processo, não existia matéria controvertida. Mas a mera circunstância de ter sido requerida pela parte, em sede de processo cautelar, a produção de prova, não implica que necessariamente que o Tribunal esteja adstrito à realização das respetivas diligências, como claramente decorre do disposto no sobredito artigo 118.º, n.º 1 do CPTA. Pelo que tem que entender-se que é relativamente a eles que propugnam terem sido levadas a cabos as diligências instrutórias que foram indeferidas pelo Tribunal a quo. Ora não se impunha ao Senhor Juiz que levasse a cabo quaisquer diligências de prova quanto a qualquer facto concreto constante da alegação vertida nos artigos 157.º e seguintes do Requerimento Inicial da providência, na medida em que o ali alegado apenas se enquadraria na apreciação do requisito do fumus boni iuris, isto é, da probabilidade da procedência da ação principal, a qual haverá de ser feita na acção, e não no âmbito cautelar, que é o que nos encontramos, mediante uma apreciação perfunctória, e por conseguinte, sem necessidade de um exame minucioso e aprofundado. Como é unanimemente referido pela jurisprudência, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Isto é, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação. Assim, não se podendo dar como verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA) sucumbe a providência, pois como também não deixou de sublinhar o Senhor Juiz, sendo os requisitos de decretamento de providências cautelares cumulativos, basta a improcedência de um deles para que a pretensão cautelar não possa ser provida, ficando, assim, prejudicada a realização do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, uma vez que tal ponderação apenas releva nas situações em que se verifiquem os requisitos para o decretamento das providências previstos no n.º 1 daquele preceito, o que, repete-se, ora não sucede. Isto posto, |