Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00758/06.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2007
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Drª Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
CO-INCINERAÇÃO
PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
FACTO CONSUMADO
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I. Permitir que o processo de licenciamento de co-incineração avance sem a realização do referido estudo do impacto ambiental é correr um sério risco de que a mesma comece a funcionar potenciando uma situação de facto consumado.
II. O que é o bastante para que se considere preenchido o requisito do periculum in mora previsto no art. 120.º n.º1 al. b) do CPTA.
III. Não resultando dos autos a existências dos prejuízos alegados com a suspensão do acto que dispensa a AIA não se podem considerar os mesmos superiores prejuízos que inevitavelmente decorrem de uma situação de facto consumado.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:01/22/2007
Recorrente:Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e outra
Recorrido 1:Município de Coimbra
Votação:Maioria
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer sobre o mérito do recurso
1
Decisão Texto Integral:C…, S.A., pessoa colectiva n.º … com sede na Rua …, Lisboa, e MINISTÉRIO DO AMBIENTE, DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL vêm interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra, que suspendeu a eficácia do Despacho n.º 16 447/2006, do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, de 21 de Julho. Para tanto alega, em conclusão, a C…:
1. Dos fundamentos invocados pelo requerente, foi na questão de saber se estavam ou não em causa circunstâncias excepcionais que permitissem que o Ministro competente exercesse o poder discricionário, que a lei expressamente lhe conferiu, de dispensa de AIA, que o Tribunal veio a sustentar a sua decisão;
2. A utilização por parte da Lei do conceito indeterminado – circunstâncias excepcionais - remete inequivocamente para uma verdadeira discricionariedade de previsão, também apelidada de margem de livre apreciação a que se associa uma discricionariedade de estatuição;
3. É a entidade legalmente competente, e não o requerente da providência, nem o Tribunal, que terá de verificar se, perante o caso concreto apresentado, existem, ou não, circunstâncias excepcionais que justifiquem a dispensa do procedimento de AIA;
4. Sendo esta uma decisão discricionária, apenas pode ser sindicada em termos muito restritos, quanto aos aspectos vinculados;
5. Para não extravasar os seus poderes, o Tribunal poderia apenas verificar, ainda que numa análise perfunctória, se o acto do Ministro estava ferido de vício de forma, de incompetência, de desvio de poder, de violação dos princípios constitucionais, de vícios da vontade ou ainda em caso de erro grosseiro e manifesto na apreciação dos pressupostos de facto ou de direito;
6. Não sendo grosseiro e manifesto o erro de avaliação, já que nenhum dos demais potenciais vícios foi sequer invocado ou analisado, não poderia o Tribunal apreciar a decisão ministerial, não podendo, por isso mesmo, por maioria de razão, decidir a suspensão do acto praticado;
7. Indeferida a pretensão do requerente ao abrigo da alínea a) do art. 120.º do CPTA, tornava-se necessário compulsar os alegados fundamentos invocados, com todos os requisitos exigidos pela alínea b) do art. 120.º do CPTA;
8. Nos termos deste artigo, o Tribunal apenas pode decretar uma providência conservatória como a solicitada, nos casos em que, não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
9. No caso sub judice, a prova do fundamento da pretensão é mais exigente, na medida em que só terá fundamento se demonstrar que a decisão ministerial incorreu em erro manifesto ou grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto ou de direito;
10. Mas ao contrário do que seria de esperar, para o Tribunal foi suficiente que se alegassem (mesmo sem se provarem) vícios que, em abstracto, geram anulabilidade dos actos, para se considerar, ipso facto, que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão;
11. Acontece que, uma coisa é uma avaliação sumária dos vícios apontados, própria da tutela cautelar, outra, bem diferente, é a afirmação de que a avaliação sumária se basta pela mera verificação de que o requerente invoca, em abstracto, vícios que, segundo o Código do Procedimento Administrativo, podem conduzir, se eventualmente viessem a ser provados, independentemente do grau de probabilidade de isso poder vir a suceder, à anulação de actos administrativos;
12. Em parte alguma resultou provado que o requerente tenha logrado demonstrar, com mínimo grau de probabilidade ou de verosimilhança, que o Ministro tenha cometido erros grosseiros e manifestos de avaliação dos pressupostos de facto ou de direito em que estribou a decisão de dispensa da AIA.
13. É o Tribunal que comete um erro nos pressupostos de Direito ao interpretar o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 8 de Novembro, e o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril, no sentido da obrigatoriedade da AIA relativamente aos procedimentos para licenciamento de instalações de co-incineração;
14. O Tribunal parte do pressuposto errado de que sempre que o Ministro dispensasse a AIA, estaria a aceitar que a instalação a licenciar pudesse causar danos ao ambiente e à saúde pública;
15. Com efeito, a lei permite que a conclusão de que um projecto não causa danos ao ambiente se possa fazer, não só através de uma AIA favorável, como, também, através de uma avaliação efectuada pelo Ministro, naturalmente com base noutros dados, estudos, pareceres, informações, testes, que o levem a considerar, justificada e fundamentadamente, não ser necessário efectuar uma AIA para se concluir que não existem danos relevantes para o ambiente ou para a saúde pública, assim dispensando essa mesma AIA.
16. Razão pela qual não podem ser desvalorizados, como acabou o Tribunal por fazer, todos os estudos e informações que instruíram a decisão ministerial;
17. Nestes termos, forçoso se torna também considerar completamente deslocadas e erróneas todas as afirmações do Tribunal, no sentido de qualificar a dispensa da AIA como uma decisão restritiva de Direitos, Liberdades e Garantias;
18. Não ficou assim minimamente provada a existência de qualquer fumus que indicie a existência de uma ilegalidade na decisão ministerial, o que deveria ter inviabilizado, desde logo, o decretamento da providência cautelar, e que seguramente levará à revogação da decisão tomada;
19. A revogação da providência cautelar deferida impõe-se ainda pela falta de verificação do requisito do periculum in mora;
20. O periculum in mora apenas se verificaria se o requerente tivesse provado que a mera execução do acto ministerial, só por si, teria capacidade de provocar danos no ambiente e na saúde pública, a ponto de se poder considerar que o não decretamento da providência cautelar geraria uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação;
21. O Requerente não fez qualquer prova da existência de periculum em mora, o que aliás seria completamente impossível de demonstrar;
22. Surpreendentemente, e apesar de reconhecer que o requerente da providência não provou o periculum in mora, o Tribunal acabou por não valorar negativamente essa ausência de prova;
23. Com efeito, o despacho em crise consubstancia uma decisão que não se encontra no final do procedimento de licenciamento, sendo ainda necessário cumprir, nos termos do previsto no Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril, um conjunto de outros procedimentos administrativos, antes de se iniciar a queima dos resíduos perigosos;
24. O Tribunal não teve ainda em consideração toda a prova (pareceres e testes) que a entidade requerida e a contra-interessada ofereceram aos autos, e que demonstra que este modo de tratamento de resíduos industriais perigosos não representa qualquer perigo quer para o ambiente, quer para a saúde pública;
25. Finalmente, também o critério da ponderação dos interesses em presença, a que o Tribunal deve deitar mão, apenas nos casos em que tenha ficado provado o fumus boni iuris e o periculum in mora, não foi convenientemente apreciado;
26. Aqui é mais uma vez relevante recordar o facto de a mera prolação do despacho ora posto em crise não ter a virtualidade de implicar a produção de qualquer dano para o ambiente ou para a saúde pública, uma vez que não se encontra no final do procedimento de licenciamento;
27. Nestes termos, os danos causados com a concessão da providência (e que correspondem aos motivos invocados no despacho posto em crise), são naturalmente superiores aos inexistentes danos causados com a sua recusa;
28. Também nesta sede reconheceu o Tribunal que o requerente não efectuou qualquer prova de que a decisão do ministro acarreta algum risco para os bens jurídicos em presença;
29. Não tendo ficado provado que esta providência era necessária ou sequer adequada para proteger os interesses alegados pelo requerente, o indeferimento da providência em questão tornava-se inevitável, também de acordo o n.º 3 do art. 120.º do CPTA;
30. A sentença que suspendeu o despacho ora posto em crise viola, assim, a lei substantiva e processual, razão pela qual deve ser revogada.”
O Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional conclui as suas alegações da seguinte forma:
“1. Ao ter incluído na matéria dada como provada a matéria constante do artigo 70.º do requerimento inicial, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 118.º, n.º 1 do CPTA e do artigo 490.º n.º 2 do CPC, que assim saem violados.
2. Ao ter decretado a providência requerida sem que o requerente tivesse provado a existência de qualquer prejuízo de difícil reparação, a douta sentença violou o artigo 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA.
3. E violou ainda, pelos mesmos motivos, o disposto no artigo 114.º, n.º 2, al. g) do CPTA.
4. A douta sentença é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 668.º, nº 1, al. c) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA), ao decretar a providência reconhecendo que o requerente não fez prova de periculum in mora.
5. A douta sentença recorrida aplicou à decisão da causa a redacção original do artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 85/2005, de 19.4, e não aplicou a fórmula legal actualmente em vigor, deste modo violando aquele preceito.
6. A decisão recorrida fez aplicação ao caso em apreço de um pretenso princípio geral de direito do ambiente - o denominado princípio da precaução - cuja aplicabilidade na ordem jurídica portuguesa não pode ser sufragada.
7. O douto despacho recorrido de fls…, ao ordenar a junção aos autos de despacho de designação, viola o disposto no artigo 32.º n.º 2 do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, preceitos que assim saem violados.
8. Na verdade, na junção do documento não se levantam quaisquer questões de direito.
9. Em consequência, o douto despacho, ao ordenar a ratificação do processado, fez errada interpretação e aplicação dos artigos 40.º, n.º s 1 e 2 e 32.º, n.º 2 do CPC.
10. Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, nunca o Juiz da primeira instância poderia ordenar a ratificação do processado sob a cominação do artigo 33.º do CPC, preceito este que assim foi violado.
11. Não é totalmente perceptível se na decisão em apreço se pretende cominar a sanção do art. 33.º do CPC para a não ratificação do acto de junção de documento; se assim for, dir-se-á:
12. É inadmissível que a sanção para a não ratificação do acto seja a de ficar sem efeito a defesa que a recorrente iria apresentar;
13. Tal sanção, se bem se depreende do despacho que o tribunal se recusou a esclarecer, é jurisprudência inaceitável, violadora das mais elementares normas e princípios de processo, contrária às normas e princípios constitucionais e totalmente injusta.
14. Se, por mera hipótese, se pretendesse que a não ratificação do processado tivesse como efeito a ineficácia da resolução fundamentada, então o despacho recorrido violaria os artigos 33.º, 40.º, n.ºs 1 e 2 e 32.º, n.º 2 do CPC e ainda o artigo 128.º, n.º 1 do CPTA.
15. Deverá merecer o reparo e a censura do tribunal superior a ausência do necessário esclarecimento do despacho, oportunamente solicitado pelo Recorrente;
16. A decisão sobre a concessão de providência cautelar deve ser revogada, sendo proferida decisão que indefira o pedido da sua concessão.
17. O mesmo se diga para o despacho em apreciação, que deverá ser revogado.”
O Município de Coimbra alega no sentido da manutenção da sentença recorrida.
O M.A. havia interposto recurso do despacho de 6/10/06, proferido a fls. 70 dos autos, que determina a sua notificação para vir aos autos juntar acto de nomeação da sua representante em juízo e ratificação do processado, sob a cominação do art. 33.º do CPC, e do indeferimento do pedido de esclarecimento quanto ao mesmo.
E, a fls. 468 conclui as suas alegações da seguinte forma:
“1. O douto despacho recorrido, ao ordenar a junção aos autos de despacho de designação, viola o disposto no 32.° n.° 2 do CPC, aplicável por força do artigo 1.° do CPTA, preceitos que assim saem violados.
2. Na verdade, na junção do documento não se levantam quaisquer questões de direito.
3. Em consequência, o douto despacho, ao ordenar a ratificação do processado, fez errada interpretação e aplicação dos artigos 40.°, n.° s 1 e 2 e 32.°, n.º 2 do CPC.
4. Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, nunca o Juiz da primeira instância poderia ordenar a ratificação do processado sob a cominação do artigo 33.° do CPC, preceito este que assim foi violado.
5. Não é totalmente perceptível se na decisão em apreço se pretende cominar a sanção do art. 33.° do CPC para a não ratificação do acto de junção de documento; se assim for, dir-se-á:
6. É inadmissível que a sanção para a não ratificação do acto seja a de ficar sem efeito a defesa que a recorrente iria apresentar;
7. Tal sanção, se bem se depreende do despacho que o tribunal se recusou a esclarecer, é jurisprudência inaceitável, violadora das mais elementares normas e princípios de processo, contrária às normas e princípios constitucionais e totalmente injusta.
8. Deverá merecer o reparo e a censura do tribunal superior a ausência do necessário esclarecimento do despacho, oportunamente solicitado pela Recorrente;
9. O despacho em apreço deverá ser revogado, pois só assim se fará justiça”
*
O MP emitiu apenas parecer no sentido de convite à C… para corrigir as conclusões das suas alegações, o que foi desatendido por despacho.
*
Cumpre decidir sem vistos.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA
1. Na sequência da aprovação, em Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, de 25 de Junho, da estratégia nacional de gestão dos resíduos industriais que definiu a co-incineração em unidades cimenteiras como forma preferencial de tratamento dos resíduos industriais perigosos incineráveis, a Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental emitiu, em 21 de Dezembro de 1998, o Parecer relativo ao Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro, em que se concluiu em sentido favorável à co-incineração, referindo que “não se colocam questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto” – cfr. documento n.º 4 junto pela contra-interessada e PA.
2. Não se conhecem as eventuais consequências da co-incineração para as populações vizinhas de Souselas – cfr. PA, e tendo em conta o alegado no artigo 70.º do requerimento do requerimento inicial e o disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPTA.
3. Após a decisão referida no ponto 1, foi aprovada a Lei n.° 20/99, de 15 de Abril que impôs a criação pelo Governo de um Plano Estratégico Nacional de Gestão de Resíduos, por via de Decreto-Lei, tendo determinado a suspensão do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro no que respeitava às operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos e determinada a constituição de uma Comissão Científica Independente, por via de Decreto-Lei, o que veio a suceder através do DL n.º 120/99, de 16 de Abril, que institui a Comissão Científica Independente (CCI) de controlo da co-incineração, tendo a CCI elaborado, em Maio de 2000, o parecer que constitui documento n.º 5, junto pela contra-interessada, concluindo quanto ao Centro de Produção de Souselas (e de Outão) «estão certificadas segundo as normas ISSO 9000, são das cimenteiras com melhor desempenho energético a nível europeu, o que torna estas unidades credíveis para iniciarem o processo de co-incineração de RIP (resíduos industriais perigosos) a título provisório» e que «a emissão de dioxina/furanos devida à queima de RIP em co-incineração por cimenteiras em Portugal não tem relevância ambiental a nível local, regional ou global».
4. Entretanto, foi ainda aprovada a Lei n.º 22/2000, de 10 de Agosto, onde se estabeleceu que «o impacto sobre a saúde pública dos processos de queima de resíduos industriais perigosos (RIP), tendo em conta a sua localização, junto de zonas habitadas, será objecto de relatório específico, a elaborar pela Comissão Científica Independente», na sequência da qual foi criado o Grupo de Trabalho Médico que, por relatório datado de 11 de Dezembro de 2000, entendeu «dar parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais» - cfr. documento que constitui fls. 527 e seguintes, junto aos autos pela entidade requerida.
5. Na sequência da decisão do Governo de fazer cessar a suspensão do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 Setembro, no que respeita às operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos, através do Decreto-Lei n.º 154-A/2001, de 8 de Maio, e na senda das recomendações da CCI, foram realizados no Centro de Produção de Souselas os testes referidos no documento n.º 8, junto pela contra-interessada, concluindo-se, em Outubro de 2001, nos termos aí expressos, que os testes realizados permitem «confirmar a adequação da co-incineração em unidades cimenteiras para o tratamento de resíduos industriais perigosos» e que a co-incineração não implica “emissões acrescidas de dioxinas/furanos”.
6. Em 19 de Janeiro de 1999, foi firmado entre a C…, a S… e o Governo, um “ Contrato de Melhoria Contínua de Desempenho Ambiental para o Sector Cimenteiro” – cfr. o documento n.º 9, junto pela contra-interessada, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - , no seguimento do qual, entre 1999 e 2004, foram realizadas no Centro de Produção de Souselas 292 acções de cariz ambiental, nomeadamente instalando filtros de mangas nos fornos de clínquer, em substituição dos anteriores electrofiltros.
7. A contra-interessada implementou já um Sistema de Gestão do Ambiente, certificado com a Norma ISO 14001:1999, no ano de 2003 (e em 2005 já também e de acordo com a Norma ISO 14001:2004), tendo também elaborado a sua Declaração Ambiental em 2003, que foi verificada de acordo com o Regulamento EMAS cfr. o documento n.º 10, junto pela contra-interessada, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. O Governo, por sua vez, decidiu, encomendar a três dos quatro membros da CCI, um Relatório de Actualização dos Processos de Co-incineração de Resíduos em Articulação com os CIRVER, o qual foi apresentado em Dezembro de 2005, constituindo o documento n.º 11, junto pela contra-interessada, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Por requerimento datado de 12 de Julho de 2006, a contra-interessada requereu ao Instituto dos Resíduos a dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental relativamente à realização de co-incineração de resíduos industriais perigosos no Centro de Produção de Souselas, nos termos e com os fundamentos constantes do documento n.º 1, junto pela mesma, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e acompanhado dos anexos e documentação igualmente junta e que aqui se dá por reproduzida.
10. O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional proferiu em 21 de Julho de 2006 o despacho n.º 16 447/2006, publicado na II Série do Diário da República n.º 156, de 14 de Agosto de 2006, que constitui o documento junto pelo requerente a fls. 33 e seguintes, e de cujo teor, que aqui se dá por reproduzido, se destaca o seguinte:
«(...) tendo em conta que:
O projecto em causa já foi sujeito a um procedimento de AIA, cuja comissão de avaliação concluiu não existir risco para o ambiente em resultado da co-incineração de resíduos no CPS;
Do parecer da comissão de avaliação do referido procedimento de AIA resulta que o CPS foi uma das instalações propostas por esta comissão;
Posteriormente, foi criada a CCI, que se pronunciou favoravelmente à co-incineração de RIP nesta instalação;
O grupo médico emitiu parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais, concluindo que a co-incineração de RIP em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada;
Foram realizados no CPS testes de co-incineração de RIP, sob supervisão da CCI apoiada por um consultor independente, que permitiram confirmar a não influência da co-incineração nas emissões das fábricas de cimento e a sua inocuidade relativamente ao ambiente e à saúde pública;
O CPS alcançou melhorias no seu desempenho ambiental, nomeadamente no que respeita às emissões dos fornos de clínquer e à gestão ambiental, estando certificado pela Norma ISO 14001 e registado no EMAS;
Actualmente, Portugal exporta cerca de metade da sua produção anual de RIP, contrariando o princípio da auto-suficiência que norteia a política europeia de resíduos, orientada para a redução da exportação;
O regime jurídico dos resíduos, recentemente aprovado, consagra o princípio da auto-suficiência como um dos princípios orientadores da política de gestão de resíduos, nos termos do qual devem ser criadas condições para que a gestão dos RIP decorra, preferencialmente, em território nacional, reduzindo, assim, ao mínimo possível os movimentos transfronteiriços de resíduos;
Neste quadro, se configura como uma prioridade do Governo no domínio específico dos resíduos, reiterada no seu Programa, a criação de soluções para a adequada gestão de RIP;
O princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos, consagrado no novo regime jurídico dos resíduos, em conformidade com a Directiva n.º 75/442/CEE, do Conselho, de 15 Julho, estabelece que deve ser dada prioridade à prevenção, reutilização, reciclagem ou outras formas de valorização em detrimento da eliminação definitiva de resíduos, nomeadamente a sua deposição em aterro, quando seja técnica ou financeiramente inviável a opção por uma das outras soluções;
O actual enquadramento sócio-económico e ambiental da gestão de RIP, com destaque para as restrições à deposição de resíduos orgânicos em aterros, o aumento do custo dos combustíveis fósseis e as decisões comunitárias que determinam os processos de co-incineração como operações de valorização energética, favorece a opção pela co-incineração de resíduos;
A valorização energética de RIP por co-incineração se configura como uma solução adequada para a fracção destes resíduos não susceptível de operações prioritárias à luz do princípio da hierarquia acima referido;
Existe no País um passivo ambiental de resíduos industriais, incluindo perigosos, indevidamente acumulado em diversos locais, alguns dos quais há muito referenciados e para o qual urge encontrar solução eficaz;
É necessária e urgente uma solução de gestão dos RIP de âmbito nacional e que complemente os CIRVER;
O processo de pré-contencioso comunitário relativo ao tratamento de RIP em Portugal contribui para reforçar a premência da implementação de uma solução nacional para a gestão da totalidade destes resíduos;
Os pareceres da autoridade nacional em matéria de resíduos e da autoridade de AIA são favoráveis à dispensa total de procedimento de AIA;
Conclui-se estarem reunidas as condições que justificam a dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental:
Assim, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro, determino que o projecto de co-incineração de resíduos industriais perigosos no Centro de Produção de Souselas seja totalmente dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental, ficando a presente dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização, anexas ao presente despacho».
11. O Instituto dos Resíduos tem, desde 2000, procedido à actualização e respectiva divulgação da lista de operadores de gestão de resíduos não urbanos, verificando-se um aumento sempre crescente do número de operadores de gestão de resíduos devidamente legalizados. Grande parte desses operadores destina-se à gestão de resíduos não perigosos, existindo também já um número significativo de operadores de gestão de resíduos perigosos legalizados. Por outro lado, os Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos perigosos (CIRVER) encontram-se em fase final de processo de licenciamento ambiental e de emissão de alvará de instalação - cfr. oposição da entidade demandada.
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Acrescenta-se aos autos o seguinte facto:
“ 12_ Dá-se aqui por reproduzido o despacho de fls 70 dos autos.”
*
O DIREITO
RECURSO INTERCALAR DE FLS. 70
_ violação dos arts 32.º, 33.º, 40.º n.ºs 1 e 2 do CPC e 128.º n.º1 do CPTA.
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RECURSO DA SENTENÇA
ILEGALIDADES INVOCADAS PELA C…
_ violação do art. 120.º n.º1 al. b) e 3 do CPTA
_ violação do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 8 de Novembro, e o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril
ILEGALIDADES INVOCADAS PELO “MINISTÉRIO DO AMBIENTE…”
_ nulidade nos termos do art. 668.º n.º 1 al. c) do CPC
_ violação do art. 118.º do CPTA e 490.º n.º 2 do CPC.
_ violação do art. 120.º n.º 1 al. b) do CPTA
_ violação do art. 5.º, n.º 2 do DL n.º 85/05
_ É alegada subsidiariamente a violação dos arts 32.º, 33.º, 40.º n.ºs 1 e 2 do CPC e 128.º, n.º 1 do CPTA pelo despacho de fls. 70 dos autos, que fica prejudicado dado que se vai conhecer do recurso intercalar de fls. 40.

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RECURSO INTERCALAR DO DESPACHO DE FLS. 70
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VIOLAÇÃO DOS ARTS. 32.º n.º 2, 33.º, 40.º N.ºS 1 E 2 DO CPC E 128.º, N.º1 DO CPTA.
Alega o recorrente Ministério do Ambiente que com os despachos de 6/10/06 a fls. 70 dos autos que, relativamente ao ofício de junção da resolução fundamentada determinou a junção de acto de nomeação de representante em juízo com ratificação do processado, e do indeferimento do pedido de esclarecimento do mesmo, foram violados os supra referidos preceitos legais.
Para tanto alega que em 22 de Setembro de 2006 recebeu o duplicado do requerimento do pedido de suspensão de eficácia, em que é requerente o Município de Coimbra e em 28 de Setembro, o Secretário de Estado do Ambiente proferiu a resolução fundamentada a que se refere o n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, tendo dado conhecimento da mesma ao Tribunal, através do ofício n.º 3968, de 29 de Setembro, assinado pelo chefe de gabinete em substituição, bem como ao Município de Coimbra.
Em 9 de Outubro, deu entrada em tribunal a oposição do Ministério, acompanhada do despacho de designação de licenciada em Direito com funções de apoio jurídico.
Na mesma data, foi o Ministério notificado do despacho de 6 de Outubro, que, considerando que o referido ofício n.º 3968 não se encontrava subscrito por advogado ou licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, ordenava a notificação da autoridade requerida para, em cinco dias, juntar aos autos o acto de nomeação da sua representante em juízo, ratificando o processado, sob a cominação a que se refere o artigo 33.º do Código de Processo Civil.
O recorrente requereu o esclarecimento da decisão quanto a saber:
- Se a cominação do artigo 33.º se reportava à ratificação do processado ou à designação do representante;
- Qual a questão de direito suscitada no citado ofício.
Na verdade, a seu ver, não se alcançava o sentido da sua decisão, porquanto já havia sido junto aos autos o despacho de designação de licenciada em Direito com funções de apoio jurídico; o artigo 33.º do CPC não diz respeito à ratificação do processado, matéria regulada pelo artigo 40.º do mesmo Código; a constituição de advogado não é obrigatória para requerimentos em que se não suscitem questões de direito.
Tal pedido de esclarecimento foi indeferido com os seguintes fundamentos:
O pedido de esclarecimento de uma decisão visa a aclaração de alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha, e que impeça o seu destinatário de conhecer o seu sentido, e não a dedução de argumentos de não concordância com a mesma. Ao contrário do defendido pela entidade demandada, o despacho de 6 de Outubro de 2006 está perfeitamente claro e perceptível, sendo evidente o seu sentido decisório e, pela argumentação aduzida no requerimento que antecede, o seu sentido foi perfeitamente compreendido pela entidade requerida.
Nestes termos, nada há a esclarecer, reiterando-se o seu conteúdo decisório.”
Quid juris?
O artigo 33.º do Código de Processo Civil prevê que se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal fá-la-á notificar para constituir dentro de certo prazo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não dar seguimento ao recurso ou de ficar sem efeito a defesa.
O artigo 32.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo nos tribunais administrativos por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, prevê que, ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.
E, o mesmo é aplicável ao processo administrativo tal como refere Mário Aroso de Almeida e outro, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 85: “O patrocínio judiciário pode ser exercido, conforme os casos, por advogado, advogado estagiário ou solicitador, e, em relação a requerimentos em que se não levantem questões de direito, pelas próprias partes (artigo 32.º do CPC) ….”
Também refere Esteves de Oliveira e outro, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, pág. 174: “O facto de a lei exigir a constituição de advogado nos processos administrativos não impede que haja actos processuais que podem ser praticados pelas próprias partes (por um seu mandatário), por advogados estagiários ou por solicitadores, como é o caso, por exemplo, de requerimentos em que não se levantem questões de direito (art. 32.º/2 do CPC).
Normalmente, não se trata de actos processualmente decisivos – note-se que se acabou com a assinatura da contestação pela autoridade governamental em processo impugnatório por ela própria, como acontecia no regime anterior ao Código -, embora se admita que a confissão, a desistência ou a transacção possam ser lavradas (de acordo com o art. 300.º do CPC) a pedido dos interessados, sem intervenção do advogado.”
Ora, o ofício aqui em causa limitou-se a transmitir ao tribunal a existência de resolução fundamentada, e no mesmo não são suscitadas quaisquer questões de direito já que a oposição ao pedido de suspensão ainda não fora deduzida.
Pelo que, nunca poderia ter sido dada sem efeito a defesa na falta de constituição de advogado ou de licenciado em Direito, tal como impõe aquele art. 33.º do CPC.
Daí a razão de ser do pedido de esclarecimento.
Por outro lado o artigo relativo à falta de regularização do mandato, na ausência de ratificação, dispõe que fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado por quem não tinha poderes forenses, pelo que no caso sub judice apenas ficaria sem efeito a junção do documento, e nunca a defesa.
Em suma, o recorrente não tinha que estar representado por advogado para proceder à junção do documento, já que não era obrigatória a constituição de advogado.
O despacho em causa viola, pois, o disposto nos artigos 32.º e 33.º do CPC., aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA pelo que procede o recurso nesta parte, impondo-se a sua revogação.
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RECURSO DA SENTENÇA
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NULIDADE DA SENTENÇA ( ART. 668.º, N.º1, AL. C) DO CPC)
Alega o recorrente “Ministério do Ambiente…” que a sentença é nula por se ter decretado a providência reconhecendo que não se fez prova do periculum in mora.
Nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. c) do CPC é nula a sentença “ quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Ora, a sentença especifica os factos e o direito que, a seu ver, justificam a decisão.
Pode-se discordar da forma como o faz e da interpretação que é feita aos preceitos em causa.
Mas, tal apenas poderia conduzir a um erro de julgamento e não à nulidade da sentença que não é, pois, nula.
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VIOLAÇÃO DO ART. 118.º DO CPTA E 490.º N.º2 DO CPC
Alega o recorrente MAOTDR que foram violados estes preceitos ao ter-se considerado no n.º 2 da matéria de facto que “Não se conhecem as eventuais consequências da co-incineração para as populações vizinhas de Souselas – cfr. PA, e tendo em conta o alegado no artigo 70.º do requerimento inicial e o disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPTA.”
Nos termos do art. 118.º, n.º1 do CPTA:
“ Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.”
Por sua vez, dispõe o art. 490.º do CPC:
“1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição.
2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito. (…)”
Em anotação a este preceito diz Mário Aroso de Almeida e outro in ob. citada pág. 688:
De acordo com o n.º 1, a falta de oposição ao processo cautelar implica a presunção da veracidade dos factos invocados pelo requerente, o que deverá entender-se como correspondendo à confissão dos factos alegados no requerimento, por aplicação do efeito de revelia estabelecido no artigo 484.º do CPC. Havendo oposição, deverão ter-se como admitidos por acordo os factos que nela não forem impugnados, por via do efeito cominatório deriva do artigo 490.º, n.º 1, do CPC, excluindo-se os factos que, embora não impugnados, se encontrem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto ou relativamente aos quais não seja admissível a confissão ou que apenas possam ser provados por documento (artigo 490.º, n.º 2, do CPC). A presunção legal, no caso de incumprimento do ónus de impugnação, traduz-se, pois, na admissão por acordo dos factos articulados pelo requerente, e não já na confissão desses factos, que a lei processual associa ao instituto da revelia, ou seja, à falta de contestação (…) deste modo, se introduz, neste domínio, o efeito da revelia e um ónus de impugnação dos factos invocados pelo requerente que não existia no âmbito do anterior processo de suspensão de eficácia de actos administrativos, com o que se passa a revestir de muito maior importância a apresentação de contestações no processo cautelar. ”
A questão que aqui está em causa é o n.º 2 da matéria de facto em que se diz:
Não se conhecem as eventuais consequências da co-incineração para as populações vizinhas de Souselas”.
E, o fundamento para se considerar este facto como provado é o PA e que o artigo 70.º do requerimento inicial não foi impugnado nos termos do n.º 1 do artigo 118.º do CPTA.
Vejamos então se tal facto constante do art. 70.º da petição foi concretamente impugnado e se não o foi, se de qualquer forma, o mesmo resulta provado do processo administrativo.
Ora, o que o Município de Coimbra invoca no art. 70.º da petição é que as localidades que identifica no art. 67.º não foram objecto do estudo de impacto ambiental elaborado em 1998, pelo que se torna impossível conhecer os efeitos do impacto ambiental da co-incineração nessas zonas.
Este facto não foi especificadamente impugnado pelo MAOTDR, mas não será que resulta desta contestação no seu todo a impugnação do mesmo?
Do art. 31.º da contestação do MAOTDR diz-se “ encontra-se demonstrado, no processo instrutor, que a co-incineração dos resíduos industriais não representa qualquer risco acrescido para a saúde das populações ou para o ambiente”.
E, invoca nesse sentido o parecer da CCI criada pelo DL 120/99 de 16/4 na sequência de testes efectuados na cimenteira de Souselas no ano de 2001 e por ela controlados assim como um parecer de Grupo de Trabalho Médico composto por representantes das faculdades de Medicina e por um representante da Ordem dos Médicos (arts. 32.º a 35.º da contestação do MAOTDR).
E, também nos artigos 16.º, 17.º 18.º, 19.º, 31.º, 85.º e 87.º da referida contestação se alega que os efeitos da queima de resíduos na cimenteira já existente, em substituição do combustível tradicional, não representa qualquer risco acrescido para a saúde das populações ou para o ambiente, de natureza diferente, ou mais gravoso do que os eventualmente associados ao funcionamento normal de uma cimenteira, tal como concluíram a Comissão Científica Independente, a Comissão Médica criada no seio dessa Comissão, e como foi comprovado pelos testes oportunamente realizados na cimenteira de Souselas.
E, também a C… contesta tal facto nos artigos 56.º, 61.º, 62.º, 63.º, 66.º, ..., 68.º e 91.º da sua contestação.
Contudo, resulta do p.a. o impacto ambiental realizado em 1988, facto que se pode dar como provado.
Pelo que, a nosso ver, o referido facto, aqui impugnado, deve ser substituído pelo seguinte:
“A avaliação do impacto ambiental realizada em 1998 teve o âmbito que consta do I Volume do Instrutor.”
Pelo que, julga-se procedente o invocado erro passando o n.º 2 dos factos provados a ter o seguinte teor:
“A avaliação do impacto ambiental realizada em 1998 teve o âmbito que consta do I Volume do Instrutor.”
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VIOLAÇÃO DOS ARTS. 120.º, N.ºS 1 AL. B) e 2 e 114.º, N.º 2, AL. G) DO CPTA
Alega o recorrente MAOTDR que foram violados este preceito ao ter-se decretado a providência sem que se verificasse o prejuízo de difícil reparação.
Para além deste e da errada ponderação de interesses alega a C… que não ocorre o requisito de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
A seu ver, no caso sub judice, o único fundamento seria demonstrar que a decisão ministerial incorreu em erro manifesto ou grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto ou de direito e em parte alguma resultou provado que o requerente tenha logrado demonstrar, com mínimo grau de probabilidade ou de verosimilhança, que o Ministro tenha cometido erros grosseiros e manifestos de avaliação dos pressupostos de facto ou do direito em que estribou a decisão de dispensa da AIA.
Vejamos
Em 1.º lugar cumpre referir que não nos compete, neste momento, estar a aferir da bondade e do mérito a título principal do despacho n.º 16 447/2006 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, proferido em 21 de Julho de 2006 e publicado na II Série do Diário da República n.º 156, de 14 de Agosto de 2006, nos termos do qual se determina que “o projecto de co-incineração de resíduos industriais perigosos no Centro de Produção de Souselas seja totalmente dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental, ficando a presente dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização, anexas ao presente despacho”.
Não está aqui em causa aferir e conhecer em termos definitivos da oportunidade da solução de co-incineração, nem formular juízos de valor sobre os eventuais custos e/ou benefícios dessa forma de tratamento de resíduos nem da dispensa de avaliação do eventual impacto ambiental, que não o estritamente necessário para aferir dos pressupostos de suspensão de eficácia a que alude o art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA alegadamente violado.
Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 120.° do CPTA, aplicável às providências conservatórias, como é a que se pretende ver decretada nos presentes autos, exige-se:
_Haja fundado receio da constituição de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal;
_Que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo.
Quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado, admite-se que o mesmo seja de mera verosimilhança, não sendo de exigir a prova da existência, relativamente ao direito do requerente, nos termos em que deverá ser produzida no âmbito da acção principal, bastando que se indicie uma probabilidade séria, suficientemente forte, entre a simples ou mera possibilidade e a certeza de tal direito.
Nos termos do disposto no art. 120.°, n.° 1 -b) do CPTA, o juízo de probabilidade da existência do direito invocado assenta no requisito negativo de que "não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular" no processo principal.
Como refere José Carlos V. Andrade, in A justiça Administrativa (Lições), pág. 311, "(...) a lei basta-se com um juízo negativo de não-improbabilidade para fundar a concessão de uma providência conservatória, (...).
Nesta sede importa ter presente uma das alterações significativas introduzidas no novo contencioso administrativo em matéria cautelar e que se prende com enorme relevância conferida a este requisito.
Segundo refere o Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) elimina-se, sem deixar dúvidas, um dos corolários mais perversos do dogma autoritário da «presunção de legalidade do acto administrativo», quando se passa a reconhecer e a conferir até relevo fundamental ao fumus boni iuris. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» acto administrativo.” (vide ob. cit., pág. 299).
E, estando em causa uma providência conservatória, com a qual se pretende manter o “status quo” [cfr. art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA], o requisito ora em análise é mais suave, porquanto surge-nos na sua formulação negativa, ou seja, se não for “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Assim, para o decretamento da providência conservatória não se impõe uma indagação exaustiva da existência do direito invocado pelo requerente, mas de qualquer forma tal decretamento não pode ter lugar se não forem recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança de tal direito, pois, só perante a existência de tais elementos de prova será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.
Em suma fora das situações da alínea a), quando se requeira a concessão de providência conservatória ou antecipatória [alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 120.º] o critério é o da apreciação da necessidade de tutela em função da procedibilidade da pretensão cautelar, mas estando em causa a paralisação dos efeitos duma actuação administrativa, há que aferir o fumus non malus da pretensão do requerente, ou seja, a não manifesta falta de fundamento desta.
Na verdade, quanto ao requisito positivo de procedência do “fumus boni iuris” o CPTA opta por efectuar uma distinção em função da providência cautelar ser conservatória ou antecipatória, estabelecendo que ela deve ser mais facilmente decretada no primeiro caso do que no segundo.
Atenta a matéria de facto provada, o Tribunal considerou não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
E, parece-nos que bem.
Senão vejamos.
Vêm imputadas as seguintes ilegalidades ao acto suspendendo:
_ Violação, por incumprimento por parte da contra-interessada, do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 69/2000 de 3 de Maio (a este propósito o requerente refere que do processo não constam as condições de queima, a percentagem da substituição do combustível usado actualmente pelo combustível proveniente dos resíduos perigosos, as características e tipo e marca da electrónica de controlo e supervisão, sendo que não estão identificadas os principais efeitos no ambiente);
_ Violação do preceituado no n.º 1 do artigo 3.º e ofensa ao estatuído no artigo 21.º do DL n.º 69/2000 de 3 de Maio (que “só permite (...) que tal dispensa seja concedida em casos excepcionais”), por erro nos pressupostos, defendendo o requerente que “qualquer das diversas circunstâncias justificativas invocadas não corresponde a qualquer circunstância ou caso excepcional “ e porque, uma vez que a declaração de impacto ambiental de 1998 caducou e, entretanto, se produziram modificações de facto e de direito, nele “não se toma em consideração as profundas alterações entretanto verificadas desde 1998 até à data do despacho”.
Ora, não podemos dizer desde logo que a acção a que se reportam estes autos cautelares será manifestamente improcedente.
Como se diz na sentença recorrida:
Por um lado, resulta dos autos que o pedido da contra-interessada parece conter os elementos exigidos no citado preceito (cfr. ponto 9. do probatório), sendo certo, por outro, que o juízo definitivo sobre a suficiência dos elementos apresentados requer uma análise detalhada dos documentos que acompanham o dito requerimento que, face à natureza da tutela cautelar, não cabe fazer nesta sede.”
Na verdade, no despacho em causa enumeram-se vastas e fundamentadas razões que, no contexto do acto, justificaram o seu sentido decisório.
Por outro lado, o juízo final e definitivo sobre a qualificação ou subsunção dessas mesmas condições invocadas no despacho ao conceito de “circunstâncias excepcionais” reclama para o seu preenchimento um juízo valorativo incompatível com o juízo a formular em análise perfunctória subjacente à tutela cautelar.
Na verdade, trata-se de matéria que carece de ponderação e maturação e à qual não é avisado dar solução imediata e definitiva, na apreciação sumária própria do processo cautelar.
Não, podemos, pois, e sem entrar no objecto da acção principal dizer que a mesma está votada ao fracasso por se estar perante uma circunstância de poder discricionário e não se tratar de erro grosseiro, como pretende a recorrente C....
Por outro lado, e quanto ao outro requisito:
- “...fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado...” ou,“...produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar...” aqui é necessário que o Juiz faça “...um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir, se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
É certo que a sentença recorrida refere que o requerente “defende que a possibilidade de licenciamento sem prévia exigência de avaliação de impacte ambiental e consequente decisão favorável poderá colocar em risco a saúde pública, referindo estudos (que não juntou aos autos) que sustentam esse receio, e defendendo que a anterior avaliação de impacto ambiental (de 1998) não se debruçou sobre as possíveis consequências da queima de resíduos para a saúde das populações que, por força da propagação dos gases pelos ventos, podem ainda ser prejudicadas pelos eventuais efeitos nocivos da co-incineração”.
E que “ resulta do requerimento inicial (cfr, os respectivos artigos 4º, 5º e 31º e seguintes) que o ambiente também poderá ser ameaçado, invocando a alteração das condicionantes, legais e factuais, tidas em conta na avaliação de impacto ambiental realizada em 1998..) (…) Pelo que, atentos os perigos invocados, para apreciação dos riscos envolvidos e ponderação dos interesses em presença, cumpre chamar à colação os conceitos de ambiente e saúde pública, o quadro legal aplicável e os princípios operantes esta matéria”.
Pelo que, a sentença recorrida, e como alega o MAOTDR, decretou a providência sem considerar a existência de prejuízo de difícil reparação, mas considerando ab initio a ponderação de interesses.
E, efectivamente, não podia considerar, num mesmo momento, a verificação de periculum in mora e a ponderação dos interesses em presença.
É que a ponderação de interesses em presença não se destina a orientar o juiz na verificação do periculum in mora.
A referida ponderação dos interesses em presença só deve ocorrer, de acordo com o regime instituído no CPTA, se no caso concreto o julgador tiver chegado à conclusão de que se encontram reunidos os pressupostos de que depende a concessão de uma providência cautelar: periculum in mora e fumus boni juris.
A este propósito diz Drª Ana Gouveia, in “ A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo “ pág. 501 e 502 “ Não existe, assim, qualquer abertura ou base literal para sustentar o acolhimento do critério da ponderação de interesses como critério densificador do periculum in mora, no sentido de se acautelarem situações que, não consubstanciando um prejuízo de difícil ou impossível reparação, consubstanciassem um prejuízo grave, sem que exista um interesse público ou privado prevalecente que o justifique…”
É certo que a sentença recorrida errou nos termos supra expostos pelo que nos cumpre neste momento aferir da existência ou não de situação de facto consumado ou de prejuízo de difícil reparação.
Visa-se com este requisito impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere e consolide de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-a numa decisão puramente platónica (cfr. Prof. Antunes Varela e Drs. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in: “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 23).
Nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida in “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos “ 4ª ed. (...) se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”.
O critério é, pois, o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Por outro lado, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. .” ( págs. 299 e 300).
Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade in ob. citada o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo de fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível» ou justificada a cautela que é solicitada.” ( pág. 298).
Importa, por fim, ter presente que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º, 120.º todos do CPTA não se mostra consagrada uma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, termos em que o requerente do presente meio cautelar não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Pelo que, numa providência cautelar vigora também a regra geral do ónus da prova, segundo a qual àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo – artigo 342.º n.º 1 do Código Civil. Só que, no âmbito cautelar, o legislador basta-se com uma prova sumária dos fundamentos do pedido – ver artigo 114.º n.º 3 alínea g) do CPTA, e, ainda, artigo 384.º n.º1 do CPC; ver, a propósito, AC TCAN de 11.05.06, R.º 910/05.0BEPRT.
Mas prova sumária não é o mesmo que ausência de prova.
Assim, Drª Ana Gouveia Martins, in ob. citada, pág. 505: ”Será necessário mas suficiente que a produção dos danos seja credível e razoavelmente fundada, com base num juízo de séria probabilidade. Ao tribunal compete proceder a um juízo de “dupla prognose, fáctica e normativa: factos prováveis de que a execução seja causa adequada”. O requerente da providência tem o ónus de alegar factos que sustentem existir fundado receio. Quando não se tratem de factos notórios, deve ainda demonstrar, quando possível de forma sumária, os concretos prejuízos que podem resultar da não concessão da providência””.
Tal ónus só não será actuante perante os factos notórios ou de conhecimento geral como resulta do art. 514.º do CPC.
Ou quando estivermos perante situações legais de inversão do ónus da prova.
Atenhamo-nos ao caso sub judice para aferir se a mera prolação do despacho ora posto em crise tem a virtualidade de implicar a produção de qualquer dano para o ambiente ou para a saúde pública.
Ora temos para nós que a imediata execução do acto suspendendo com a extensão de todos os efeitos potenciais e legais decorrentes da não suspensão da pretensão cautelar é susceptível de gerar uma situação de periculum in mora na vertente da constituição duma situação de facto consumado.
Na verdade, cotejando todo o regime legal decorrente dos diplomas em referência nos autos, em particular da conjugação do regime decorrente do DL n.º 85/05, de 28/04, do DL n.º 69/2000 e suas sucessivas alterações mormente a do DL n.º 197/05, de 08/11, do DL n.º 194/00, de 21/08 (com alterações igualmente), temos que o não deferimento da pretensão cautelar permitirá que, prosseguindo o procedimento tendente à obtenção do licenciamento de exploração da unidade industrial em crise, neste procedimento autónomo seja eventualmente proferido acto licenciador da exploração e após venham a processar-se os normais e decorrentes actos materiais de co-incineração.
Ora no caso de se vir a obter procedência na acção principal na qual se discutirá a legalidade do acto suspendendo temos que a reintegração daquela decisão não se conseguirá obter na sua integralidade, frustrando-se a tutela jurisdicional principal e sua utilidade que se visava obter com a dedução da presente providência cautelar.
É certo que a procedência da aludida acção principal irá implicar, mercê da sua execução integral, a nulidade dos actos consequentes, eliminando-se, mormente, o acto de licenciamento de exploração que tenha eventualmente sido proferido, reconstituindo-se todo o procedimento com realização da AIA e ao qual necessariamente se seguirão os demais procedimentos autónomos tendentes à obtenção dos vários licenciamentos legalmente exigidos para este tipo de operações e actividades. Contudo, o que não se conseguirá reconstituir e se torna impossível evitar, frustrando-se, desta forma, o efeito útil da tutela a obter a título principal e da satisfação dos eventuais interesses e direitos que estejam na base quer daquela pretensão quer do regime legal em matéria de AIA, são os actos materiais de co-incineração que eventualmente haja tido lugar e que não poderão ser eliminados por efeito da prolação da sentença na acção principal e em execução/reconstituição da situação fáctico-jurídica não fora a emissão do acto ilegal.
A plena execução e eficácia do acto suspendendo irá permitir assim a constituição duma nova realidade material que tornará impossível a reintegração no plano dos factos da situação preexistente à emissão do despacho em crise uma vez obtida a procedência da pretensão formulada pelo aqui recorrido na acção principal.
Existe, pois, um risco fundado de constituição de uma situação de facto consumado mercê de haver receio fundado de que se a providência for recusada se tornará impossível a reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade uma vez decidido o processo principal com decisão favorável à pretensão do requerente cautelar.
Nessa medida, terá de ter-se como preenchido, com esta fundamentação, o requisito do “periculum in mora” na vertente da constituição duma situação de facto consumado, não se acompanhando nesse ponto o juízo efectuado na decisão judicial em apreciação que, desta forma, não pode manter-se.
Chegados aqui importa, agora, entrar na análise da bondade do juízo de ponderação dos interesses efectuado na decisão judicial objecto de recurso, aferindo, assim, da verificação do requisito negativo supra enunciado.
É que ao preenchimento dos referidos critérios positivos de verificação da necessidade da providência acresce a ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio nos termos que se mostram previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 120.º.
Como refere Prof. Mário Aroso de Almeida in ob. cit. pág “(...) o artigo 120.º, n.º 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses, públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do requerente, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que «os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
Exige-se, agora, que o tribunal proceda à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público com os danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente.
O que significa que o juiz, em providências cautelares, fora da situação excepcional prevista no art. 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, mesmo verificados os requisitos ou pressupostos positivos supra aludidos deve recusar a concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende obviar ou evitar com a providência.
Tal superioridade, nas palavras do Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) há-de estabelecer-se tendo em consideração a possibilidade de evitar ou atenuar os prejuízos causados pela concessão através de contra-providências (...) artigo 120.º, n.º 2, in fine (...)”(vide ob. cit., pág. 302), sendo que na ponderação a efectuar-se ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença.
Não há, pois, prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que, como é defendido por este Professor “(...) não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. (...) o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.” (vide ob. cit., pág. 303).
Ora, nos termos do n.º 3 do art. 120.º do CPTA, as providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente.
Não está em causa, como alega o MAOTDR que a co-incineração de resíduos é um meio importante de combate à poluição, visando dar cumprimento a princípios basilares de gestão de resíduos e combate à poluição, com assento comunitário, e que, a nível nacional, encontram tradução na legislação que define a política nacional de gestão de resíduos: o princípio da auto-suficiência e o princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos.
Assim como que a valorização energética de resíduos é uma actividade em prol da saúde pública e de defesa do ambiente, sendo que a co-incineração corresponde a uma opção legislativa e governamental que aqui não cumpre avaliar.
Não é isso que está em causa.
O que está em causa na acção principal é assegurar através dos mecanismos legais existentes para o efeito se o local em causa é o local adequado à realização da co-incineração, isto é, se o funcionamento da co-incineração é ou não susceptível de produzir quaisquer consequências nocivas na saúde e no ambiente nas populações de Souselas e vizinhas, para o que se realiza a AIA.
Porque se a co-incineração tem muitos benefícios sabe-se, também, que lhe têm sido apontadas ao longo dos tempos muitas contrapartidas e interferências nocivas no ambiente.
Contudo, o que se pretende neste meio cautelar é salvaguardar o efeito do processo principal evitando uma situação de facto consumado e que, se a acção vier a obter provimento, não tenham sido produzidas as consequências que com ela se pretendiam evitar.
Alegam os recorrentes, em 1ª instância, e no sentido da avaliação da ponderação de interesses, que o adiamento do início do processo de co-incineração até à decisão do processo principal:
_ Impede que a curto e médio prazo seja possível dar destino aos resíduos industriais que aguardam tratamento e se produzirão entretanto, assim pondo em risco a saúde pública e o ambiente;
_ Impede a redução de dependência de combustíveis externos;
_ Pode conduzir à condenação do Estado Português pela não adopção de medidas de execução da política de tratamento de resíduos.
_ Fundamenta a existência de um parecer fundamentado do colégio dos comissários dirigido à República Portuguesa por esta não aplicar devidamente a Directiva 91/689/CEE relativa aos resíduos perigosos.
_ Vai contra as recomendações da CCI e do parecer do grupo médico de trabalho.
Ora, não resulta da matéria de facto dada como provada nos autos qualquer dos factos alegados como prejuízos para os interesses dos requeridos decorrentes do despacho aqui em causa.
Na verdade, desde logo não resulta provado nem indiciado que pelo facto de se ter que adiar por algum tempo o início do processo de co-incineração tal vá constituir qualquer impacto negativo na saúde pública e no ambiente.
É que não está invocado nem provado que a forma como se têm eliminado tais resíduos até ao momento não possa continuar por mais algum tempo até à decisão do processo principal.
E que, a dependência de combustíveis estrangeiros, mesmo a existir, também seja causa de impacto negativo na saúde e no ambiente.
Quanto à existência de parecer fundamentado do colégio dos comissários dirigido à República Portuguesa por esta não aplicar devidamente a Directiva 91/689/CEE relativa aos resíduos perigosos não está o mesmo junto aos autos.
E quanto ao facto de o referido adiamento poder conduzir à condenação do Estado Português pela não adopção de medidas de execução da política de tratamento de resíduos também não resulta tal dos autos.
Aliás, dos elementos juntos aos autos, estão as conclusões do Grupo de Trabalho Médico, criado, no seio da referida CCI, pela Lei n.º 22/2000, de 10 de Agosto, com a finalidade de elaborar um relatório específico sobre impacte sobre a saúde pública dos processos de queima de resíduos industriais perigosos tendo em conta a sua localização, junto de zonas habitadas.
E, na conclusão do referido estudo médico que, saliente-se, é de 11/12/00 diz-se: “ No entanto, dever-se-á acautelar a eventualidade de riscos acrescidos a nível das localizações nas quais o processo de tratamento de resíduos em co-incineração possa vir a ocorrer, através da prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais de cada local em causa, e das posteriores monitorizações ambiental e vigilância epidemiológica. Estes procedimentos constituem os recursos instrumentais para prevenir, garantir a detecção precoce de complicações e minimizar ou eliminar eventuais riscos. Devem por isso estes procedimentos ser assegurados em conjunção com os propostos no relatório da CCI tendentes a garantir a segurança das populações… ” ( pág. 326 dos autos II V..)
Por outro lado, extrai-se do Parecer da Comissão Ambiental do Impacte Ambiental de 12/1998:
…Assim, tendo em conta os aspectos de natureza específica de cada localização e tendo presente o carácter nacional do projecto e a necessidade de que as intervenções se façam com a máxima garantia de que aquilo que se considera tecnicamente possível será, neste caso, exequível e controlável a Comissão propõe:
- quanto à co-incineração que esta seja localizada nas unidades cimenteiras de (…)
_ Souselas, pelas excelentes acessibilidades e pela oportunidade de requalificação ambiental que este projecto oferece a uma unidade que não terá o melhor registo de eventos favoráveis ao ambiente no passado …
As localizações das duas unidades cimenteiras eleitas, por se situarem em áreas com populações muito próximas, constituem desafios a uma intervenção responsável que não permite que se cometam falhas.”( pág. 326)
Finalmente, também a CCI, no seu parecer de Maio de 2000 refere que segundo as directivas da União Europeia há uma necessidade premente de Portugal dispor de unidades de queima de resíduos industriais quando se apresentar como a melhor opção em impacto ambiental para a valorização e eliminação de RIP ( evidenciado nosso).
Ora, de nenhum destes estudos, não obstante favoráveis à co-incineração, resulta a existência de qualquer dano na saúde pública e no ambiente, resultante do adiamento do prosseguimento do procedimento dos licenciamentos da mesma até à decisão da acção principal a que corresponde este meio cautelar.
Pelo que tendo em conta os elementos resultantes dos autos somos em crer que os alegados prejuízos e não provados para os interesses dos requeridos de continuação do procedimento de co-incineração sem a A.I.A. não podem conduzir à negação da tutela cautelar para efectivação e defesa dos interesses do requerente que sairão frustrados face à constituição de uma situação de facto consumado.
Pelo que os danos causados com a recusa da providência e que correspondem à situação de facto consumado são superiores aos danos causados com a sua concessão.
Pelo que é de seguir o entendimento de que nada obsta ao deferimento da suspensão do acto, não se vislumbrando outra medida mais adequada ou ajustada.
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VIOLAÇÃO DO ART. 5.º N.º2 DO DL N.º 85/2005 DE 19/4
Alega o recorrente MAOTDR que foi violado este preceito já que foi aplicada a redacção original deste preceito, ou seja, do DL n.º 69/2000 de 3/5, e não a que está em vigor.
A este propósito diz a sentença recorrida:
“Com efeito, parece resultar que em matéria de avaliação de impacto ambiental a lei é imperativa no que toca à previsão das situações em que a mesma é exigível (n.º 2 do artigo 1.º do DL n.º 69/2000 de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 197/2005, de 8 de Novembro, por referência ao n.º 9 do seu anexo I), sendo que, também de acordo com o nº 2 do artigo 5.º do DL n.º 85/2005, de 28 de Abril, esta é, em princípio, obrigatória nos procedimentos para licenciamento de instalações de co-incineração.
E, no que respeita à força jurídica e à forma como essa avaliação deve ser feita, afigura-se também que a lei é também peremptória, elegendo um instrumento único (n.º 1 do artigo 20.º do DL n.º 69/2000), parecendo portanto que as conclusões obtidas a partir de outros estudos ou outros testes são, em princípio, irrelevantes aos olhos do legislador.
Acresce que a previsão de um prazo de caducidade para as declarações de impacto ambiental favoráveis (n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 69/2000) tem implícito um juízo de não imutabilidade, de que, atentas a possibilidade de constantes alterações quer do ambiente, quer dos conhecimentos científicos, que ainda dos demais elementos que serviram de base a cada estudo e avaliação do impacto ambiental, o legislador entendeu que as conclusões formuladas em declarações de impacto ambiental favoráveis apenas se deverão manter e feitas valer enquanto se puder afirmar que os dados e circunstâncias em que se basearam não sofreram alterações significativas.”
É certo que o artigo 5.º, n.º 2 do citado Decreto-lei n.º 85/2005 não tem a redacção que a sentença indica (“exigindo, logo no n.º 2 do seu artigo 5.º, como condição de atribuição da licença de instalação, declaração de impacto ambiental favorável ou favorável condicionada”), já que, a redacção dessa disposição, alterada pelo artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro (alteração aplicável aos procedimentos em curso, por força do disposto no artigo 76.º, nº 3 do DL 178/2006) é a seguinte: “… só pode ser atribuída no caso de declaração de impacto ambiental (DIA) favorável ou favorável condicionada ou, ainda, de dispensa e procedimento de avaliação de impacto ambiental e ou depois de concedida licença ambiental”.
Assim, resulta do art. 79.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, que no caso de instalações de incineração ou co-incineração de resíduos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, e ou pelo Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de Agosto, a licença de instalação referida no número anterior só pode ser atribuída no caso de declaração de impacte ambiental (DIA) favorável ou favorável condicionada ou, ainda, de dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental e ou depois de concedida licença ambiental à instalação.
Contudo, a referência a este artigo pela sentença recorrida foi feita aquando da ponderação de interesses e o facto de o mesmo ter sido invocado, embora desadequadamente, não tem relevância só por si, apenas podendo relevar na possibilidade de interferir ou não com a referida ponderação de interesses, o que como vimos, não contende, sendo irrelevante chamar à colação tal preceito.
Desatende-se, pois, também este fundamento de recurso por irrelevante para a economia da decisão nos termos antecedentemente expostos.
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ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO
Alega o recorrente MAOTDR que a sentença recorrida aplicou um princípio de precaução que inexiste na ordem jurídica.
Independentemente da validade jurídica de quanto se dispôs neste campo na sentença recorrida, como vimos, tal argumentação esteve na base da ponderação de interesses que foi por nós decidida e ponderada sem os supra referido princípio, pelo que irreleva a questão para a ora economia da decisão que assim improcede.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em:
a) Conceder provimento ao recurso interposto da decisão de fls. 70 dos autos revogando-se a mesma com as legais consequências.
Sem custas.
b) Negar provimento aos recursos ... mantendo a decisão de deferimento da presente providência com os supra referidos fundamentos.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça nesta instância reduzida a metade.
R. e N.
Porto, 29/03/2007
Ass.) Ana Paula Portela
Ass.) Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass.) José Luís Paulo Escudeiro (vencido nos termos da declaração anexa)
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DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO
Concedia provimento aos recursos interpostos da sentença recorrida e, em consequência, revogava-a, por ser do entendimento que, quanto à concessão da providência de suspensão de eficácia do despacho ministerial de dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental, não se verificam os pressupostos de decisão das providências cautelares contidos na alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, seja o “periculum in mora” seja o “fumus non malus juris”.
Com relação ao despacho, em questão, trata-se de um acto intermédio ou preparatório do procedimento de licenciamento da co-incineração, que não se configura como destacável, porquanto destituído de eficácia externa, sendo, por isso insusceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida inimpugnável contenciosamente.
Com efeito, tratando-se de um acto situado a montante da fase final do procedimento administrativo de licenciamento da co-incineração, a sua prolação e a sua execução não possuem a virtualidade de desencadear a constituição de uma situação de facto consumado nem a produção de qualquer dano para o ambiente ou para a saúde mas tão-só de determinar o prosseguimento do procedimento de licenciamento, pelo que não se verifica o critério de decisão “periculum in mora”; e, por outro lado, tratando-se de um acto preparatório, não destacável do procedimento administrativo, em que se insere, ou seja insusceptível de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros, configura-se como sendo um acto inimpugnável, circunstância que obsta ao conhecimento de mérito da pretensão principal, o que se traduz na falta de verificação do critério de decisão das providências cautelares conservatórias do “fumus non malus juris”.
E não se verificando os pressupostos ou critérios de decisão enunciados pela alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, tratando-se de uma providência cautelar conservatória, tal implica a improcedência da providência cautelar requerida.
(A assunção de tal posição não se configura incompatível com a circunstância de se poder qualificar o procedimento de avaliação de impacte ambiental como um sub-procedimento, no âmbito de procedimento de autorização da co-incineração, o qual culmina com a emissão de um parecer obrigatório, mas não vinculante, que poderá qualificar-se de acto final parcial, ou como autorização preliminar e parcial em relação ao acto autorizativo final. É que, perante a possibilidade legal da dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental, por um lado, não tem lugar este procedimento; e, por outro lado, o acto autorizativo final poderá ser prolatado sem aquele parecer o qual para além de não vinculante deixa inclusive de ser obrigatório.).
Ass.) José Luís Paulo Escudeiro