Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00429/11.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO; QUESTÃO NOVA; NULIDADE PROCESSUAL.
EXCESSO DE PRONÚNCIA; PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I - Podendo o MP arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não ocorre a nulidade da sentença judicial, por excesso de pronúncia, se esta julgou procedente a oposição à execução fiscal com base em vício da reversão invocado unicamente pelo Ministério Público
II - A falta de notificação do recorrente para se pronunciar sobre questão nova, suscitada pelo MP em parecer emitido imediatamente antes de ser proferida a sentença, configura nulidade secundária a arguir em recurso jurisdicional a interpor desta sentença.
III - E não se pode afirmar que a irregularidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão, pois, abstractamente, as considerações que a FP possa tecer podem influenciar a decisão, até porque a sentença acolheu e sufragou o fundamento invocado pelo Ministério Público*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1ª Instância.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
J..., contribuinte n.°1…, residente na Av…, 4780 -365 Santo Tirso, Executado no processo de execução fiscal n.° 1880-2006/01052993 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de Santo Tirso, que tinham sido instaurados contra a sociedade … - Empresa de Transportes Rodoviários, Ld.ª, por dívidas relativas a Coimas dos exercícios de 2006 e 2007, no valor global de 2.717,93 euros, deduziu Oposição a tal execução.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi proferida sentença, em 04.10.2011, que julgou extinta a execução em relação ao oponente, por impossibilidade superveniente da lide, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, proferida nos autos em 2011/10/04, que julgou procedente a oposição deduzida contra o processo de execução fiscal com o nº 1880200601052993 e apensos, que corre termos no SF de Santo Tirso, revertido contra o aqui oponente, concretizando a sua responsabilidade subsidiária, enquanto sócio-gerente da sociedade devedora originária.
B. Entende, no entanto, a Fazenda Pública que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, padecendo ainda de erro de julgamento, como a seguir se concluirá.
C. A oposição à execução foi deduzida tendo por base o fundamentos de nulidade de citação e ilegitimidade do oponente por inexistência dos pressupostos determinantes da sua responsabilidade.
D. Não obstante, a douta sentença recorrida decidiu no sentido da procedência da questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público [Cujo parecer, saliente-se, não foi notificado a esta Representação da Fazenda Pública, pelo que se desconhece quais os seus termos, atendo-se a Fazenda Pública apenas às referências que ao mesmo são feitas na douta sentença sob recurso], atinente à inadmissibilidade do prosseguimento da execução, sem que se tivesse demonstrado que a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários tivessem adquirido bens depois da falência, atento o facto do oponente ter sido citada como executado por reversão depois da declaração de insolvência da executada originária.
E. Reputa, assim a douta sentença recorrida por ilegais, quer o prosseguimento do PEF, quer o despacho de reversão, por violação do disposto no artº 180º, nº5 do CPPT, que a Mma Juíza a quo entendeu constituir fundamento para extinção do PEF contra o executado revertido, ora oponente e,
F. em consonância com o que vem defendido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, decidiu julgar extinta a instância, em relação ao oponente, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na al. e) do artº 287º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artº 2º, al. e) do CPPT.
G. Importa, antes de mais, referir que, não obstante o Tribunal a quo não fixar a matéria de facto dada como provada, o certo é que aquando da apreciação da questão prévia invocada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, elenca uma determinada cronologia fáctica que tem como certa para decidir no sentido que decidiu.
H. De entre os vários factos assim elencados e que a Mma Juíza a quo dá como assentes, consta que “O processo de insolvência foi encerrado em 11 de Dezembro de 2009” (a fls. 3 da douta sentença).
I. Ora, conforme resulta de fls. 33-v a 37 dos autos (numeração do SF), o processo de insolvência foi encerrado, após rateio final, em conformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do artº 230º do CIRE, em 2010/09/30.
J. Consta ainda da douta sentença sob recurso, a fls. 3, que “Os processos de execução fiscal não foram avocados nem remetidos para apensação ao processo de insolvência” e que “(…) os processo de execução fiscal não vieram a ser apensados ao processo de insolvência”.
K. Acontece que, resulta dos autos, mais concretamente da informação prestada pelo SF, em 2008/04/17, a fls. 19 (numeração do SF), dos ofícios com os nºs 3378536, de 2008/04/07 e 5554891, de 2010/10/11, ambos do Tribunal Judicial de Santo Tirso, a fls. 67 e 31 dos autos (numeração do SF), respectivamente, e do ofício nº 921 – 3ª, de 2008/04/17, do SF, a fls. 68 (numeração do SF), que os processos de execução fiscal instaurados em nome da devedora originária foram avocados em 2008/04/07, sendo devolvidos em 2010/10/11.
L. Afigura-se, assim, à Fazenda Pública estarmos perante erros materiais, de escrita, resultantes de lapso manifesto, que importa rectificar, em conformidade com o disposto no artº 667º do CPC.
M. Porém, não obstante a eventual rectificação dos invocados erros materiais, e conforme já deixou intuído supra, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o sentido da decisão proferida, na parte em que considera procedente a questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, porquanto discorda do julgamento que na mesma foi feito no âmbito jurídico do incidente jurisdicional em apreço.
N. Pois, logo à partida e conforme já deixou intuído supra, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida se pronuncia em excesso em relação ao objecto admitido ao incidente de oposição, incorrendo num desvalor formal,
O. considerando, assim, que a douta sentença recorrida padece de nulidade, por excesso de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo, ao apreciar a questão suscitada pelo Ministério Público, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, conforme a segunda parte da al. d) do artº 668º do CPC e artº 125º do CPPT.
P. E, pronunciando-se em excesso em relação ao objecto da oposição, infringe a douta decisão controvertida a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo (artº 660º, nº2 do CPC) à actividade jurisdicional, que na sua decisão teria de circunscrever-se ao objecto legalmente admissível para a forma processual empregue.
Q. Dando expressão ao princípio constitucionalmente consagrado de garantia de tutela jurisdicional efectiva, a função do processo judicial seria a manutenção da legalidade por via do nexo instrumental entre um processo dirigido a um acto ou o reconhecimento de um direito,
R. sendo que há-de ser, de entre as enunciadas na lei adjectiva, uma a forma processual a adequada a fazer valer em juízo a reacção contra um acto de reconhecimento de um direito (cfr. artº 2º, nº2 do CPC), assim realizando mais eficazmente o direito à tutela plena, efectiva e em tempo útil.
S. Ora, funcionando a oposição à execução fiscal como uma contestação à pretensão do exequente, ponderando factos modificativos ou extintivos da dívida, ou a sua (in)exigibilidade ao executado, conforme resulta dos fundamentos taxativamente indicados no artº 204º do CPPT para essa forma processual,
T. e porque a questão suscitada pelo Ministério Público respeita a vício assacado à marcha do processo de execução fiscal a que se refere a oposição, afectando alegadamente aquele mesmo processo de nulidade, não constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal.
U. Examinar a admissibilidade formal da prossecução da instância executiva contra o responsável subsidiário de sociedade insolvente, depois de encerrado o processo de insolvência, corresponde à apreciação de vício adjectivo assacado ao processo de execução fiscal,
V. que deve ser arguido e conhecido no próprio processo de execução fiscal (podendo no caso de indeferimento da pretensão formulada ser deduzido o incidente de reclamação, previsto nos artºs 276º e seg.s do CPPT), não constituindo fundamento de oposição à execução fiscal, pelo que não pode ser, nesta sede, apreciada.
W. Posto isto, torna-se lógico concluir que a faculdade concedida ao Ministério Público de, nos termos do artº 121º, nº1 do CPPT, conjugado com o artº 211º, nº1 do mesmo diploma, suscitar outras questões nos termos das suas competências legais, tem de ser balizada pela vertente processual da defesa da legalidade a que está constitucional e estatutariamente vinculado.
X. Assim, tendo presente os termos em que na lei processual é concretizado o princípio da tutela jurisdicional, designadamente os artºs 2º, nº 2 do CPC e 96º e 97º do CPPT, a possibilidade de suscitar outras questões nos termos das suas competências legais insere-se na defesa da legalidade do contencioso tributário e, em consequência, no âmbito objectivo reservado para cada forma processual em que concretamente ocorre.
Y. Como tal, não estava na competência do Ministério Público, em face dos fundamentos elencados no nº 1 do artº 204º do CPPT para a oposição da execução, suscitar questão atinente à tramitação do processo de execução fiscal e, tendo a Mma Juíza a quo conhecido dessa questão, sem que tenha concedido o devido contraditório à Fazenda Pública, incorreu em vício de excesso de pronúncia, que implica a nulidade da sentença recorrida.
Z. Ao invés da exigibilidade da dívida reclamada coercivamente, a sentença recorrida analisou a legalidade da tramitação do PEF a que se reporta a oposição, e decidiu pela declaração de nulidade dos actos processuais praticados à luz de uma questão que não era de conhecimento oficioso nem fora ou podia ser suscitada pelo oponente ou pelo Digno Magistrado do Ministério Público, violando o disposto nos artºs 662º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d) do CPC e no artº 125º do CPPT.
AA. Acresce que, sem prescindir nem conceder do vício invocado, e para o caso de assim não se julgar, entende ainda a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro na aplicação do direito, na medida em que fez errónea subsunção do caso concreto às normas adjectivas, mais concretamente as que regem o efeito do processo de insolvência na execução fiscal, incorrendo num desvalor substancial.
BB. Com efeito, da conjugação do disposto nos nºs 1, 2 e 6 do artº 180º do CPPT, com o disposto no artº 88º, nº 1 do CIRE [Atente-se que a devedora originária foi declarada insolvente em 2008/04/03, data em que já se encontrava em vigor o CIRE.], segundo o qual a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência,
CC. e considerando o entendimento jurisprudencial seguido por esse Supremo Tribunal [Não obstante atinente a situações factuais ocorridas ainda no âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (CPEREF) e em relação ao seu artº 154º, nº 3 (disposição em tudo semelhante à segunda parte do nº 1 do artº 88º do CIRE), tem-se, por identidade de razões, como aplicável in casu.], de conciliação desses normativos através de uma interpretação restritiva de tal preceito,
DD. resulta que, quanto a créditos vencidos antes da declaração de falência/insolvência [Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal”, 2ª ed., p. 212, nota que, em rigor, dever-se-ia falar em créditos tributários não liquidados à data da declaração de falência, pois que esta determina o vencimento imediato de todas as dívidas do falido – cfr. artº 151º, nº1 do CPEREF, a que corresponde, actualmente, a 2ª parte do nº 1 do artº 91º do CIRE.], é admissível a instauração de uma execução fiscal após a declaração de falência da executada, com a ressalva da mesma dever ser logo sustada, nos termos do disposto no artº 180º, nº1 do CPPT e remetida para apensação ao processo de falência.
EE. Resulta ainda que, quanto a créditos vencidos depois da declaração de falência/insolvência, a execução poderá ser instaurada e prosseguir os termos normais até à extinção da execução, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação.
FF. Tal interpretação tem sido fundamentada com o argumento de que a apensação, para além de assegurar a reclamação dos créditos que são objecto dos processos de execução, tem como principal finalidade assegurar que nos processos de execução fiscal relativos a esses executados não sejam tomadas decisões que possam ter interferência no processo de falência/insolvência ou de recuperação de empresa, em face da intangibilidade do acervo de bens e de direitos da massa falida/insolvente,
GG. que por seu turno decorre do princípio da universalidade do procedimento contra o falido/insolvente ou princípio da universalidade da instância falimentar, que se traduz em não se poder conhecer da responsabilidade patrimonial do falido/insolvente fora do processo de falência/insolvência, até porque, citando Miguel Teixeira de Sousa, um processo desta natureza orienta-se por um princípio de distribuição das perdas entre os credores.
HH. Contudo, pode bem suceder que o produto da venda dos bens da falida/insolvente não seja suficiente para pagar todos os créditos em dívida, o que determina a devolução dos processos de execução fiscal por dívidas não pagas aos serviços de finanças competentes para tais execuções aí prosseguirem os seus ulteriores termos para cobrança das dívidas subsistentes,
II. sendo de admitir que, não sendo possível contra a executada originária, essa prossecução seja dirigida contra os responsáveis subsidiários (cfr., assim, a conclusão vertida no ponto V do sumário do Acórdão do STA, de 2008/06/04, processo nº 0249/08).
JJ. Posto isto, reiterando o respeito devido pelo exercício da função jurisdicional, e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende não ter apoio legal a asserção, que se recolhe do teor da douta decisão sob recurso [Pois, reitera-se, a Fazenda Pública não foi notificada do parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público.], de que o PEF sustado e avocado pelo processo de falência só pode prosseguir os seus termos se, depois de devolvido ao órgão de execução fiscal, este constatar que a empresa (no caso de processo de insolvência da executada originária), falido/insolvente (no caso do executado originário ou revertido declarado falido/insolvente) ou o responsável subsidiário (contra o qual tenha sido revertido o PEF e que tenha sido depois disso instaurado processo de insolvência), adquiriram bens depois da declaração de falência/insolvência ou da decisão de recuperação da empresa.
KK. Esta condição só tem razão de ser, e tendo presente o que foi anteriormente exposto, se tal empresa, falido/insolvente ou responsável subsidiário for o executado ao tempo e em relação ao qual o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou a declaração de falência/ou insolvência determina a sustação da execução, sendo esta remetida ao tribunal judicial competente para apensação ao processo de recuperação ou de falência/insolvência, nos termos do disposto no artº 180º, nºs 1 e 2 do CPPT.
LL. Como tal, a afirmação de que, no caso dos autos, os PEF só podiam prosseguir os seus termos se a executada originária, entretanto declarada falida/insolvente, viesse a adquirir bens, só é acertada em relação à própria sociedade executada originária,
MM. e já não ao responsável subsidiário contra o qual a execução fiscal foi revertido ulteriormente ao encerramento do processo de falência/insolvência, em relação ao qual não se coloca a necessidade de precaver a intangibilidade do acervo de bens e de direitos da massa falida/insolvente que decorre do princípio da universalidade da falência, mais a mais se tratando de dívidas constituídas anteriormente à falência/insolvência.
NN. Não sendo o responsável executado por reversão o demandado nos processos de recuperação de empresa ou de falência/insolvência que determinaram a sustação e a avocação das execuções fiscais,
OO. e não sendo, por isso, em relação a ele que cabe suscitar questões atinentes à condição para o andamento da execução fiscal posterior ao encerramento da falência/insolvência,
PP. a execução fiscal pode ter andamento contra o responsável, pois a falta de bens penhoráveis quanto à executada originária entretanto constatada é precisamente o pressuposto da reversão da execução contra o responsável.
QQ. Veja-se que, mesmo que houvesse ao tempo do despacho de prosseguimento da recuperação ou de falência/insolvência outros executados na execução fiscal, a execução poderia prosseguir contra os mesmos (cfr. nº 3 do artº 154º do CPEREF e parte final do nº 1 do artº 88º do vigente CIRE),
RR. infirmando a argumentação produzida na douta sentença recorrida de que, se antes da sustação e avocação já houvesse reversão, só quando o PEF fosse devolvido este prosseguiria os seus trâmites normais contra o responsável subsidiário já constituído.
SS. Cumpre, assim, se assim for entendido por essa jurisdição Suprema, corrigir e restringir o postulado pelo Tribunal a quo, segundo a proposição de que, encerrado o processo de recuperação ou de falência/insolvência contra a executada originária, o PEF para cobrança de dívidas anteriores ou posteriores a essa recuperação ou falência/insolvência não pode prosseguir contra a executada originária senão quando demonstrada a aquisição de bens por esta, mas pode prosseguir contra os responsáveis subsidiários mediante a reversão da execução.
TT. Diante dos princípios invocados e do teor dos normativos citados torna-se assim claro que a sentença recorrida não procedeu a uma apreciação adequada das regras de direito aplicáveis à questão que analisou.
UU. Tal erro de julgamento afecta a valia intrínseca da sentença recorrida, tendo esta, salvo o respeito devido, infringido o n ° 3 do artº 659° do CPC, aplicável por remissão do artº 2º, al. e) do CPPT, e deve, salvo melhor opinião, determinar a revogação da decisão recorrida.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

O recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1º O Recorrido alegou no seu requerimento de oposição á execução factos que, juntamente com outros elementos carreados para os autos pelo Recorrido e pela Recorrente, permitem aferir da validade/legalidade do despacho de reversão.
2º Foi com base nesses elementos que o MP emitiu parecer no sentido da procedência da acção, por entender que o despacho de reversão é ilegal, sendo por isso nulos todos os actos processuais executados posteriormente.
3º A ilegalidade de que enferma o despacho de reversão é de conhecimento oficioso, podendo por isso ser conhecida sem necessidade de ser arguida pela parte interessada na sua declaração.
4º A ilegalidade do despacho de reversão enquadra-se, enquanto fundamento da oposição à execução, nos termos do disposto na al. i) do n.° 1 do artigo 204 do CPPT, sendo por isso a oposição o meio processual adequado para atacar a ilegalidade do despacho.
5º Por força do disposto no artigo 180.° do CPPT, todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data em que é instaurado o processo de insolvência, bem como os que se venham a ser instaurados posteriormente, devem ser sustados lago após a sua instauração, avocados pelo Tribunal e apensados ao processo de insolvência.
Isso não aconteceu, violando-se assim aquela norma.
6º A reversão da execução contra o Recorrido1 no que respeita a esses processo ocorreu muito depois do encerramento do processo (em Março de 2011), não tendo ficado provado que o Recorrido ou a sociedade tenham adquirido bens após a declaração de insolvência pelo que a execução não podia ter sido revertida contra o Recorrido.
A douta sentença recorrida deve por isso manter-se nos precisos termos em que foi proferida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia (conclusões A. a Z.)
- Da violação do princípio do contraditório (conclusão Y.)
- Do erro de aplicação do direito, por errónea subsunção do caso concreto as normas que regem o efeito do processo de insolvência na execução fiscal (conclusões AA. A TT.)

III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. A sentença sob recurso tem o seguinte teor:
“(…)
O Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer considera que deve ser declarada a nulidade do despacho de reversão uma vez, que, o Oponente foi citado como Executado por reversão depois da declaração de insolvência da executada originária, nulidade que expressamente invoca.
Conclui pugnando pela declaração da extinção da instância executiva em relação ao Oponente nos termos do disposto do art.287°, alínea e), do Código de Processo Civil, por impossibilidade superveniente da lide.
Questão que cumpre desde já apreciar:
Resulta dos elementos de prova documental existentes nos autos que a executada originária foi declarada insolvente por sentença proferida em 3 de Abril de 2008 no processo n.°921/08.2TBSTS do 2° Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso.
O processo de insolvência foi encerrado em 11 de Dezembro de 2009.
Os processos de execução fiscal não foram avocados nem remetidos para apensação ao processo de insolvência.
A Oponente foi citada como devedora subsidiário em 28 de Março de 2011.
Não foram apreendidos quaisquer bens do Oponente nem da sociedade devedora subsidiária.
Assim, a executada originária foi declarada insolvente e as execuções fiscais foram instauradas antes dessa declaração de insolvência.
Resulta ainda dos autos que os processos de execução fiscal não vieram a ser apensados ao processo de insolvência.
Nos termos do art.88°, n.°1 do DL 53/04 de 18 de Março, a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido.
Ora, nos termos do art. 180° do CPPT, os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados são sustados logo após a sua instauração.
Esses processos devem ser avocados pelo Tribunal a ser apensados ao processo de falência/insolvência.
Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos assim que se encontre finda a falência.
Nos termos do art. 180°, n.°5 do CPPT, se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública.
O disposto nesse artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência, que seguirão os termos normais até à extinção da execução - n.°s 1 a 6 do referido diploma legal.
Aquela apensação para além de assegurar a reclamação de créditos que são objectos dos processos de execução, tem como principal finalidade assegurar que nesses processos não sejam tomadas decisões que possam interferir no processo de falência.
O prosseguimento indevido do processo de execução fiscal constitui uma violação da lei que deve ser conhecida independentemente da arguição dos interessados.

A declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido - nos termos do art.88° do CIRE.
De acordo com o disposto no n.°1 do art.180° do CPPT, uma vez declarada a falência, os processos de execução fiscal, que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, serão sustados logo após a sua instauração.
No caso em análise as dívidas tributárias venceram-se antes da declaração de insolvência.
Pelo que, de acordo com o disposto no art.88° do CIRE, não mais podiam ser instauradas execuções contra a falida.
Esta ficou dissolvida com a declaração de falência/insolvência.
O art.180°, n.°1, do CPPT permite a instauração de processos executivos depois da declaração da insolvência, mas obriga depois à sua sustação após a instauração e à sua apensação ao processo de insolvência.
Assim, os processos executivos fiscais pendentes na data daquela declaração, serão sustados e o mesmo deve ocorrer com aqueles que vierem a ser instaurados depois, desde que, em ambos os casos, respeitem a dívidas vencidas antes da declaração de falência.
Do exposto, resulta que depois de findo o processo de insolvência ainda podem ser instauradas novas execuções ou prosseguirem as instauradas anteriormente contra o falido e o responsável subsidiário nos termos previstos no art. 180º, n.°5 do CPPT.
Mas, para que tal aconteça a lei exige que o falido, a empresa ou o responsável subsidiário venham a adquirir bens.
Mas isso pressupõe que já tenha sido proferido o despacho de reversão da execução fazendo com que a sustação da execução e a sua apensação ao processo de insolvência implique também o não prosseguimento do processo executivo contra o executado revertido.
A execução só prosseguirá contra este depois de findo o processo de insolvência uma vez que aí pode vir a ser paga a dívida tributária o que determinaria o não prosseguimento do processo.
Deste modo, se a execução não pode ser instaurada contra o falido, não pode haver uma reversão da execução contra o responsável subsidiário uma vez, que, quando foi proferida a sentença que declarou a insolvência, ainda não tinha sido proferido qualquer despacho de reversão de execução.
A executada originária foi declarada insolvente em 3 de Abril de 2008.
As dívidas tributárias foram constituídas antes da insolvência.
Os processos executivos não foram sustados nem remetido para apensação ao processo de insolvência.
A execução reverteu contra o Oponente sem que se tivesse provado que a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários tivessem adquirido bens depois da declaração de insolvência.
Em relação ao Oponente não foram penhorados quaisquer bens.
«Ora, não tendo ficado sustada a execução fiscal, os actos processuais executados na sua ulterior tramitação consubstanciam violação do disposto nos números 1, 4 e 5 do art.°180.° do CPPT, o que ocasiona a respectiva nulidade e, por via disso, se apresenta como ilegal a reversão que foi feita na execução fiscal contra o ora recorrido.
Da ilegalidade consubstanciada no prosseguimento da execução decorre a nulidade dos actos processuais executados posteriormente» (Ac. do STA de 31/1/2008).
Acompanhando a mais recente jurisprudência do STA, «a declaração de insolvência da sociedade executada não obsta à instauração da execução por créditos vencidos antes da declaração de insolvência, havendo, contudo, que logo após a instauração, proceder à respectiva sustação em conformidade com o disposto no n.°1 do art.°180.° do CPPT.
A instauração de execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência... encontra expresso apoio legal no disposto no n.°6 do art.°1 80.° do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo» (Ac. do STA de 7/9/20 1 1, recurso 0326/11).
Assim, nos termos do art. 180°, n.°5 do CPPT, o processo de execução fiscal não podia ter prosseguido contra ele.
Não existe qualquer outra questão prévia ou excepção dilatória que obste ao conhecimento do mérito da acção.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões.
III - Decisão.
Pelo exposto, julga-se extinta a instância executiva em relação ao Oponente, nos termos do disposto no art.287°, alínea e), do CPC, por impossibilidade superveniente da lide, aplicável por força do disposto no art.2°, alínea e), do CPPT.
Custas pela Fazenda Pública.
Notifique e registe.
Penafiel, 04.10.2011.”

III – 2. Decidindo
Os actos processuais praticados até à decisão recorrida resumem-se no seguinte:
(i) em 13.05.2011, deu entrada no TAF de Penafiel petição de oposição deduzida por J..., na qualidade de revertido, contra a execução Fiscal n.º 1880200601052993 e apensos, que corres termos no Serviço de Finanças de Santo Tirso, referente a dívidas de Coimas Fiscais, do ano de 2006 e 2007, em que é executada originária ... – Empresa de Transportes Rodoviários, Ld.ª, alegando a prescrição , nulidade de citação e a ilegitimidade, por inexistência dos pressupostos determinantes da sua responsabilidade (gerência e ausência de culpa na insuficiência do património);
(ii) A contestação foi apresentada em 13.07.2011 (fls. 101 e ss.);
(iii) Por despacho datado de 23.09.2001 foi determinado: “Atenta a natureza dos tributos em causa nos presentes autos, abra vista ao Digno Magistrado do Ministério Público” (fls. 115);
(iv) Em 28.09.2011 foi emitido parecer a fls. 2117 a 122 cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se pode ler a final “Resulta do exposto, que deve ser declarada a nulidade do despacho de reversão, nulidade essa que expressamente se invoca, uma vez que o oponente foi citado como executado por reversão depois da declaração de insolvência da executada originária. Assim, nos termos citados, somos de parecer que se deve declarar extinta a instância executiva em relação ao oponente nos termos do art. 287º e) do CPC por impossibilidade superveniente da lide”;
(v) Conclusos os autos, foi proferida a sentença sob recurso em 04.10.2011.

Tendo o MP alegado que a nulidade do despacho de reversão, por a citação do oponente como executado por reversão ter ocorrido posteriormente a declaração de insolvência da executada originária, a sentença recorrida deu procedência à mesma e julgou extinta a instância executiva em relação ao oponente, por impossibilidade superveniente da lide.
Para tanto, a sentença considerou, em síntese, a inadmissibilidade do prosseguimento da execução, sem que AT tivesse demonstrado que a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários tivessem adquirido bens depois da falência, atento o facto de o oponente ter sido citado para a execução na qualidade de revertido depois da declaração de insolvência da executada originária, em manifesta violação do disposto no art. 180º n.º 5 do CPPT.

Discorda a recorrente Fazenda Pública, alegando, como se viu, que a sentença enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, na medida em que julgou a oposição procedente por nulidade do despacho de reversão: é que este vício não foi invocado pelo oponente, sendo certo que, apesar de o Ministério Público junto do TAF de Penafiel o ter invocado, carecia de poderes para o efeito, uma vez que a lei só lhe permite pronunciar-se sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade, muitos menos que digam respeito ao processo executivo.

Assim, sendo certo que o oponente não invocou a nulidade do despacho de reversão com tal fundamento como causa de pedir da oposição à execução fiscal, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença incorreu em nulidade ao declarar extinta a instância com base na verificação dessa nulidade suscitada pelo MP em sede de parecer.
Vejamos, pois.
A nulidade da sentença, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC) relaciona-se com o disposto no nº 2 do art. 660º e com o nº 1 do art. 661º, ambos do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
No caso, a Fazenda sustenta que apesar de fundamento invocado pelo MP, a sentença incorre em excesso de pronúncia, pois que a faculdade concedida ao mesmo MP de, nos termos do nº 1 do art. 121º e do nº 1 do art. 211º, ambos do CPPT, suscitar outras questões nos termos das suas competências legais, tem de ser balizada pela vertente processual da defesa da legalidade a que está constitucional e estatutariamente vinculado.
Este nº 1 do art. 121º do CPPT (aplicável à oposição à execução fiscal ex vi do disposto no nº 1 do art. 211º do mesmo Código) dispõe o seguinte:
«Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais».
Ora, como se exara no acórdão de 31.10.2012, da Secção do Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0948/12, embora «uma interpretação estritamente literal do art. 121º do CPPT e que não atenda ao seu segmento final – «ou suscitar outras nos termos das suas competências legais» – possa sugerir que não é possível ao Ministério Público suscitar questões de legalidade que não tenham sido suscitadas no processo, não subscrevemos esse entendimento, sustentado pela Recorrente.
Como demonstra JORGE LOPES DE SOUSA, o mesmo não obedece às melhores regras da hermenêutica jurídica. Comentando aquela norma legal, diz este Autor: «No nº 1 deste art. 121º refere-se que a vista ao Ministério Público lhe é dada para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais.
Assim, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» não tem um alcance restritivo das possibilidades de intervenção do Ministério Público, estendendo-se as suas possibilidades de intervenção processual a todas as que se coadunam com a sua função estatutária nos tribunais administrativos e fiscais.
Nestes termos, além das expressamente previstas possibilidades de se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas no processo e suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o Ministério Público poderá também promover o que tiver por conveniente, como lhe é genericamente permitido pelo art. 6º, nº 1, do EMP, designadamente promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções, arguir nulidades, e requerer a realização de diligências.
Do preceituado na alínea b) do nº 2 do art. 124º do CPPT, conclui-se que o Ministério Público pode também arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante, possibilidade essa que estava expressamente prevista para os recursos contenciosos de actos administrativos, na alínea d) do art. 27º da LPTA, e está também prevista para as acções administrativas especiais, nos n.ºs 3 e 4 do art. 85º do CPTA» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 121º, pág. 300.).
É certo que, como referido nas alegações de recurso, CASALTA NABAIS defendeu que além das questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo, o Ministério Público só pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade (Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina, pág. 425.).
No entanto, essa tese não foi acolhida pela jurisprudência (Sobre a possibilidade de o Ministério Público suscitar vícios não arguidos pelo impugnante, vide os acs. da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 22/3/1995, proc. nº 18.996, in Ap. ao DR de 31/7/1997, pp. 880 a 883; de 29/10/1997, proc. nº 18.997, in Ap. Ao DR de 30/3/2001, pp. 2750 a 2752; de 5/11/1997, proc. nº 21.043, in Ap. ao DR de 30/3/2001, pp. 2849 a 2851; de 25/3/1998, proc. nº 21.168, in Ap. ao AR de 8/11/2001, pp. págs. 952 a 954; de 31/10/2000, proc. nº 25.516, in Ap. ao DR de 31/1/2003, pp. 3999 a 4002; de 8/2/2006, proc. nº 810/05, in Ap. ao DR de 29/9/2006, pp. 239 a 243.) (…) nem pela doutrina, sendo que JORGE LOPES DE SOUSA a criticou expressamente, pelos motivos que vimos de citar (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5ª edição, volume I, nota de rodapé com o nº (2), anotação 4 ao art. 121º, pág. 861).»

Em suma, em concordância com este entendimento e retornando ao caso dos autos, é de concluir que o MP pode arguir vícios/nulidades do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente e, consequentemente, que não sofre de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, decorrente da nulidade do despacho de reversão invocada unicamente pelo mesmo Ministério Público
Improcede pois, alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Do conhecimento em substituição/princípio do contraditório
Cumpriria pois, passar ao conhecimento do mérito da acção, em substituição, no entanto tal se mostra vedado, não pode este Tribunal olvidar o formalismo processual que antecedeu a prolação da mesma, que em si consubstancia irregularidade que constitui nulidade, e da qual cumpre conhecer alegado que foi pela Fazenda Pública o não ter sido notificada do parecer em questão – o que os autos confirmam, como se viu supra.

A falta de notificação do aludido parecer à Fazenda Pública (e oponente) comprometeu a possibilidade de esta se pronunciar sobre a questão da nulidade invocada pelo MP, bem como suas eventuais consequências sobre o processo de execução fiscal e reversão operada, o que não pode deixar de representar uma nulidade processual face ao disposto nos artigos 3º e 201º do CPC.
Com efeito, o art. 201º estabelece que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” e o art. 3.º estabelece que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.º 3). É o chamado princípio do contraditório, que, sobretudo após a reforma operada pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, se transformou numa das pedras basilares em que assenta todo o nosso Código de Processo Civil.
Dele decorre o dever de facultar sempre às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa. Aliás, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar a consagração do princípio do contraditório como algo integrado no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (Cfr., nomeadamente, os Acórdãos do STA nº 177/00, proferido em 22/03/00 e o nº 358/98, proferido em 12/05/97, consultáveis no endereço electrónico http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) e, como já deixou sublinhado, «o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º nº1, da Constituição.».
Por conseguinte, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo (Cfr. Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96.). Daí que, mesmo relativamente às questões de direito, a norma proíba as decisões surpresa, ou seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes, enquanto violadoras do princípio do contraditório.
É, pois, neste contexto que se compreende que nenhuma decisão judicial deve ser tomada sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar, consubstanciando a inobservância desse contraditório uma nulidade processual se for susceptível de influir no exame ou decisão da causa. E é essa, também, a razão essencial que tem levado a jurisprudência do STA a afirmar, de forma constante e reiterada, (Cfr., entre tantos outros, os acórdãos da Secção de CT do STA proferidos em 4/12/2002, no Proc. n.º 1314/02, em 29/06/2005, no Proc. n.º 432/05 e em 25/06/2009, no Proc. n.º 485/08.) que no processo judicial tributário a falta de notificação do parecer do MP constitui uma nulidade processual caso nele sejam suscitadas questões novas susceptíveis de influenciar a decisão da causa.
No caso vertente, é inequívoco que foi violado o princípio do contraditório, uma vez que não foi dada à Fazenda pública a oportunidade de se pronunciar sobre essa nova questão suscitada pelo MP, impeditiva da apreciação do mérito da causa, que a sentença acolheu e sufragou, julgando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
E não se pode afirmar que a irregularidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão, pois, abstractamente, as considerações que a Fazenda Pública possa tecer podem influenciar a decisão, até porque não é nada líquido, mas bem controverso, que a instância deva ser extinta com tal fundamento legal, como resulta das alegações apresentadas em sede deste recurso. Razão por que seria de elementar prudência que o julgador tivesse dado cumprimento ao dever de convidar a Fazenda Pública a tomar posição sobre a referida questão, possibilitando-lhe influir activamente na respectiva decisão pela apresentação de argumentos jurídicos que contribuíssem para um real debate contraditório e que pudessem ser ponderados na decisão, independentemente de nela serem atendidos ou não.
Em conclusão, a irregularidade cometida constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º, nº 1, do CPC, o que implica a anulação de todo o processado a partir do parecer emitido pelo Ministério Público em 1ª instância.
Na procedência do recurso, mostra-se prejudicado o demais alegado em sede de recurso.

V – DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para que aí seja dado cumprimento ao disposto no art. 121º n.º 2 do CPPT, prosseguindo os autos os seu normais termos.
Sem custas.

Porto, 13 de Março de 2014

Ass. Irene Neves

Ass. Nuno Bastos

Ass. Pedro Marques