Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00016/02 - COIMBRA
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/07/2005
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:RECURSO APLICAÇÃO COIMA – SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO: REGIME APLICÁVEL
Sumário:I - Em matéria de direito sancionatório, vale o princípio constitucional da aplicação do regime globalmente mais favorável ao infractor que, embora apenas previsto expressamente para as infracções criminais (art. 29.º, n.º 4, da C.R.P.), é de aplicar analogicamente aos outros direitos sancionatórios.
II - Por isso, para além de nunca poder ser aplicável uma lei sobre prescrição mais gravosa para o arguido do que a vigente no momento da prática da infracção, será mesmo aplicável retroactivamente o regime que, globalmente, mais favoreça o infractor.
III - Era aplicável subsidiariamente às contra-ordenações fiscais não aduaneiras a norma do n.º 3 do art. 121.º do Código Penal.
IV - À face do regime anterior à Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, que alterou o art. 27.º-A do Regime Geral das Contra-ordenações, não havia suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional derivada apenas da pendência do processo, após a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação de coima.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
O Magistrado do M. Público recorre da decisão proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Coimbra no processo contra-ordenacional instaurado contra “A.., Ldª”, Pessoa Colectiva nº .., a qual julgou extinto, por prescrição, o referido procedimento contra-ordenacional.
Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1a - O presente recurso deve ser admitido, nos termos do n°2 do art°. 73° do RGCO, aplicável subsidiariamente ao Regime Geral das Infracções Tributárias, em virtude de ser manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da Jurisprudência.
2a - À sociedade "A ..." foi aplicada uma coima, pela prática de factos que integram a contra-ordenação referenciada nos autos.
3a - Não se conformando com o despacho que a fixou, a dita sociedade interpôs dele recurso contencioso para este tribunal, pedindo a respectiva anulação, invocando, além do mais, "que a coima já se encontra prescrita".
4a - O ora recorrente pronunciou-se, no parecer de fls. 28 v°, pela não verificação, in casu, da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
5a - Porém, a Mma Juíza a quo, estribando-se na norma constante do n°3 do art°. 121° do C. Penal, decidiu julgar extinto, pela prescrição, o procedimento contra-ordenacional em causa, sem, todavia, ter considerado qualquer causa de suspensão do prazo daquela prescrição.
6a - E, certamente em virtude de ter entendido que tal facto não era relevante para a boa decisão da causa, não seleccionou para a matéria de facto julgada provada, como se impunha, na óptica do ora recorrente, o facto de a mesma sociedade ter sido notificada, através de carta registada emitida em 21/10/02 - cf. cota de fls. 23v° - pela primeira vez, desde que o processo deu entrada em juízo, do despacho de fls. 23, através do qual ficou ciente daquela entrada e de que o processo prosseguia seus termos, com a inquirição imediata das testemunhas.
7a - Ora, tal facto, porque suspensivo do prazo de prescrição em causa - pelas razões a seguir explicitadas - devia ter sido julgado provado.
8a - Verifica-se, assim, erro de julgamento da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.
9a - Deve, pois, julgar-se provada aquela notificação.
10a - O apelo à aplicação do C. Penal, para balizar o prazo de prescrição aplicável, implica, necessariamente, também o chamamento do mesmo diploma, para definir, igualmente, os casos de suspensão subjacentes à duração daquele prazo, já que, como parece óbvio, a suspensão terá de harmonizar-se com o limite do mesmo, sob pena de quebra de unidade do sistema.
11a - Efectivamente, no caso de confluência de vários regimes legais aplicáveis, há que aplicar um só, em bloco, e não escolher, dos mesmos, as normas que forem mais favoráveis ao arguido, a fim de se evitarem soluções que qualquer um deles, quando aplicados isoladamente, não consente.
12a - Ora, o regime, em bloco, da prescrição inclui a duração do seu prazo e as respectivas causas de suspensão e interrupção.
13a - Assim, aplicar, in casu, uma norma do C Penal - ou outra igual da Lei quadro das contra-ordenações - que limite a duração do prazo de prescrição e depois olvidar o que naqueles diplomas se preceitua, v.g., relativamente às causas de suspensão de tal prazo, é, salvo o devido respeito por opinião contrária, subverter o sistema ..., "rasgar" os ensinamentos dos mestres atrás referidos e violar, além do mais, as normas do n°. l do art°.27°- A da Lei quadro das contra-ordenações (o mesmo se preceitua na parte inicial do n°3 do art°. 33° do RGIT) - a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei (...)" (esta lei só pode ser o Cód. Penal) - e, consequentemente, da ai. b) do n°l do art°. 120° deste Código.
14a - E contraria, claramente, a jurisprudência fixada no supracitado douto acórdão, nos seguintes termos: "o regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações previsto no art°. 27° - A do DL 433/82 de 27/10, na redacção dada pelo DL n°244/95, de 14/9.
15a - Face ao exposto, é mister concluir que as causas de suspensão do procedimento criminal são extensivas ao regime de suspensão do prazo de prescrição ora em análise.
16a - Daí que, nos termos da referida al. b) do n°1 do art°. 120°, do C Penal, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional se tenha de declarar suspenso a partir da supracitada notificação, efectuada, através de ofício registado, em 21/10/2002, visto que, de acordo com a doutrina acolhida por aquele douto acórdão, o despacho notificado equivale ao de pronúncia.
17a - Logo, como tal suspensão tem o limite máximo de 3 anos (cf. n°2 do referido art°. 120° do C Penal), somos levados à conclusão de que, até à presente data, ainda não se consumou o prazo de prescrição do procedimento criminal referente às contra-ordenações em causa.
18a - Assim, a aliás douta sentença recorrida viola, por erro de interpretação, as normas referidas na conclusão 13a.
19a - Deve, pois, ser revogada e substituída por douto acórdão através do qual se decida que o referido procedimento contra-ordenacional ainda se não encontra prescrito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos que, ora, por nossa iniciativa, se submetem a alíneas:
a) Contra A.., Lda. foi levantado auto de notícia de fls. 10, em 18/12/96, por não ter pago o IVA do mês de Junho de 1996, cujo prazo de pagamento terminou em 2/09/96, que aqui se dá por reproduzido, e foi condenada, por decisão de 15/10/01, que aqui se dá igualmente por reproduzida, na coima de 60.000$00 (299,27€);
b) A recorrente foi notificada para efeitos do art. 199° do CPT em 6/5/97;
c) A recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima em 5/12/01;
d) No período compreendido entre 1995 e 1997 a recorrente debateu-se com dificuldades económicas nomeadamente falta de liquidez por falta de boa cobrança das dívidas dos seus clientes que motivou a falta de entrega da prestação pecuniária correspondente.
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Situações idênticas a esta, pendem neste TCAN e foram já objecto de decisão, nomeadamente no recurso nº 01/01 - Coimbra, em acórdão hoje proferido pela Exmª Desembargadora Dulce Neto, pelo que, nos termos do art. 8º, nº 3, do Código Civil, a ela aderimos e dela respigamos a fundamentação, perfeitamente ao caso sub judice aplicável, adaptando quando necessário a bold e itálico:
«Porque o recorrente defende que as causas de suspensão do procedimento criminal são extensivas ao procedimento contra-ordenacional, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, e porque o probatório deve conter toda a matéria relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, pois que o tribunal de recurso tem de encontrar-se habilitado com a matéria de facto que lhe permita aplicar livremente o direito nos termos que lhe pareçam mais adequados, importa aditar ao probatório a matéria fáctica que o recorrente refere na conclusão , já que, a acolher-se a sua tese, aquela matéria é susceptível de provocar a suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional e de motivar a revogação da sentença recorrida.
Termos em que se acorda em ampliar o probatório com os seguintes factos provados:
e) A primeira notificação efectuada à arguida no recurso aludido em supra (..) é a que consta de fls. 23 verso dos autos, constituída por carta registada em 21/10/02 a dar-lhe conhecimento do despacho de fls. 23 que designava data para inquirição das testemunhas arroladas.
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Tal como acima se deixou referido, a questão essencial colocada neste recurso consiste unicamente em saber se as causas de suspensão do procedimento criminal são extensivas ao presente procedimento contra-ordenacional, sabido que está em causa uma infracção fiscal não aduaneira praticada em 1996, isto é, no domínio da vigência do CPT, diploma que a decisão recorrida considerou como sendo o aplicável por ser o mais favorável ao arguido (por contraposição ao RGIT e à Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, que deu nova redacção ao art. 27º-A do RGCO), decisão que nessa matéria não foi objecto de contestação.
Na sentença recorrida decidiu-se que não se verificando qualquer acto suspensivo do prazo de prescrição do procedimento tipificado no regime geral das contra-ordenações e porque decorrera já o prazo previsto no nº 3 do art. 121º do Código Penal (segundo o qual a prescrição ocorre sempre que, desde o início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade), ocorrera a prescrição do procedimento à luz do disposto no art. 35º do CPT e do citado art. 121º nº 3 do C. Penal.
Em defesa de tese contrária, o Ministério Público alega, em suma, que o apelo à aplicação do Código Penal efectuado na decisão recorrida para balizar o prazo máximo de prescrição, implica, necessariamente, o chamamento do mesmo diploma para definir os casos de suspensão subjacentes à duração daquele prazo, sob pena de quebra da unidade de sistema, sendo necessária a aplicação de um só regime em bloco da prescrição (no caso, do C. Penal), regime que teria de incluir a duração do seu prazo e as respectivas causas de suspensão e interrupção. E, a essa luz, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional ter-se-ia suspendido com a notificação referida na alínea e) do probatório, pelo que ainda não se teria consumado a prescrição.
Tal questão tem sido apreciada de modo uniforme e reiterado em corrente doutrinária dominante na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e que se tem perfilado no sentido que foi acolhido na sentença recorrida, isto é, de que à luz do regime previsto no art. 35º do CPT não havia suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional derivada da pendência do processo após a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação de coima, como se pode verificar pela leitura, designadamente, dos Acórdãos proferidos em 9/07/03, no Proc. nº 540/03; em 22/09/04, no Proc. nº 570/04; em 29/09/04, no Proc. nº 521/04; em 30/11/04, no Proc. nº 1017/04; em 19/01/05, no Proc. nº 1294/04.
É essa, também, a doutrina que se firmou no extinto TCA, em que nos inserimos e que secundámos designadamente no acórdão relatado pela presente Relatora em 23/11/04, no Proc. nº 3679/00, e do actual TCAS, como se pode verificar pelo acórdão proferido em 16/03/05 no Proc. nº 451/05, entre outros.
Em sustentação dessa tese, que subscrevemos, pode ler-se no Acórdão do STA de 30/11/04, proferido no Proc nº 1017/04, o seguinte:
«O regime da prescrição das contra-ordenações fiscais não aduaneiras vigente à data da prática da infracção (...) constava do art. 35.º do C.P.T. que estabelecia o seguinte:
Artigo 35.º
Prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais
1 - O procedimento por contra-ordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar do momento da prática da infracção.
2 - Sempre que o processo por contra-ordenações fiscais for suspenso por motivo da instauração de processo gracioso ou judicial onde se discuta situação tributária de que dependa a qualificação da infracção, fica também suspenso o prazo de prescrição do respectivo procedimento.
3 - No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação fiscal, o prazo de prescrição suspende-se desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.
4 - A prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais interrompe-se com qualquer notificação ou comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados, com a realização de quaisquer diligências de prova ou com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição e defesa.
5 - Em caso de concurso de crimes e contra-ordenações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção do procedimento por contra-ordenação.
Como se vê, prevêem-se neste artigo causas especiais de suspensão e interrupção da prescrição, sem qualquer remissão para legislação subsidiária, pelo que é de concluir que são apenas estas as causas de suspensão e interrupção a considerar, para além da prevista no n.º 4 do art. 203.º do mesmo Código, para os casos em que houve suspensão do processo contra-ordenacional, o que não ocorreu.
Não havendo indicação nos autos da existência de qualquer causa de suspensão da prescrição, e sendo de 5 anos o prazo de prescrição, por força da aplicação subsidiária do art. 121.º, n.º 3, do Código Penal, o prazo máximo de prescrição será de 7 anos e meio, a contar da data da prática de cada uma das infracções».
Por outro lado, como se deixou salientado no Acórdão do STA de 22/09/04, no Proc nº 570/04 «...sendo o prazo de prescrição das coimas por contra-ordenações fiscais aduaneiras de dois anos e um ano, seria incongruente aplicar um prazo de suspensão da prescrição de três anos a contar da notificação da acusação (situação que nem existe no processo contra-ordenacional em que o que é notificado ao arguido é a decisão de aplicação de coima), derivado da aplicação do art. 120, nº1, alínea b), e nº2, do Código Penal. O exagero de um prazo desse tipo é patenteado pela redacção introduzida pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, a estabelecer que, nos casos de suspensão a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa, ela não pode exceder 6 meses.
Assim, é de concluir que, à face do regime anterior a esta Lei, não havia suspensão da prescrição derivada apenas da pendência do processo, após a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação de coima».
Razão por que se pode afirmar que em face do disposto no art. 35º do CPT, onde se prevêem causas especiais de suspensão e interrupção da prescrição, sem qualquer remissão para legislação subsidiária nessa matéria, o direito contra-ordenacional tributário é alheio à controvérsia sobre a aplicação ao procedimento contra-ordenacional geral do regime de suspensão da prescrição do procedimento criminal, não tendo cabimento, por isso, a invocação do acórdão do STJ de 17/01/02 feita pelo recorrente.
Porque assim é, e porque não vêm, neste recurso, aduzidos novos argumentos de força tal que nos levem a arrepiar caminho, limitar-nos-emos a acolher e a dar por reproduzido o que na referida jurisprudência tem sido afirmado como discurso fundamentador do presente acórdão. E a sentença recorrida, que igual doutrina professou, tem de ser confirmada na ordem jurídica.»

IV
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por o recorrente delas estar isento – artº 2º, nº 1, al. a), do CCJ.
Notifique e registe.
Porto, 07 de Abril de 2005
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) Dulce Manuel Conceição Neto
Ass) João António Valente Torrão