Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00447/20.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:SEF; EXPULSÃO DE TERRITÓRIO NACIONAL; PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
Sumário:1 – Tendo a cidadã brasileira entrado regularmente no espaço Schengen em 11 de novembro de 2019, tendo ingressado em território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros, poder-se-ia manter-se no mesmo regularmente por 90 dias, em face do que a sua detenção em 20 de dezembro em Portugal se mostra irregular.

2 - Independentemente das razões subjacentes à permanência da cidadã brasileira em estabelecimento de diversão noturna, encontrando-se a mesma, de acordo com o próprio SEF, sozinha e a beber café, não estão preenchidos os necessários pressupostos para que a mesma pudesse ser detida e expulsa de território nacional com base em provas meramente circunstanciais e indiciárias.

3 – A execução do determinado “afastamento coercivo do território nacional da Requerente, por um período de três anos e de abandono do território nacional no prazo de 10 dias…”, são naturalmente consequências lesivas que se consubstanciam em factos consumados que inspiram um fundado receio de que, se for caso disso, se tornará, em momento ulterior, impossível proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade, mormente perante a eventual efetivação da determinada expulsão da Recorrida.

4 – A ausência de suspensão do ato requerido, determinará certamente para a cidadã brasileira um prejuízo de “difícil reparação” constitutivo e determinante de uma situação “de facto consumado” de consequências irreparáveis e não reversíveis (Artº 120º nº 1 CPTA), mormente no que concerne à expulsão, pois que mesmo que a decisão venha a ser revertida, as consequências entretanto verificadas, seriam já insuscetíveis de ser integralmente corrigidas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar apresentada por M. tendente à “Suspensão da Eficácia da decisão proferida, em 20 de Fevereiro de 2020, pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), nos termos da qual, determinou o afastamento coercivo do território nacional da Requerente, por um período de três anos e de abandono do território nacional no prazo de 10 dias…”, inconformado com a decisão proferida no TAF de Braga, em 31 de março de 2020, através da qual foi decidido julgar procedente o presente processo cautelar tendo, em consequência, sido decretada a suspensão da eficácia da decisão proferida, veio recorrer da decisão proferida.
Assim, em 13 de abril de 2020, concluiu o seu Recurso o Ministério da Administração Interna/SEF:
“1.ª- Ante o exposto, e também pelas razões vertidas na Oposição, deve dar-se por profícua a defesa por exceção, não acolhida na douta Sentença a quo, com as respetivas cominações legais.
-2.ª- Outrossim, deve dar-se por impoluto o ato sob judice, atenta a obrigatoriedade de a Administração assumir o comportamento adotado, no integral cumprimento no preceituado sobre a matéria.
-3.ª- A decisão de afastamento coercivo e de interdição de entrada foi proferida no termo de um procedimento administrativo que se rege por normas especiais, plasmadas na Lei 23/2007, de 4 de julho. i.e., foi dado cumprimento integral, designadamente os arts. 134.º, n.º 1, al. a) ex vi do art. 181.º, conjugados com o preceituado nos arts. 145.º a 150.º, da Lei 23/2007, em moldes tão clarividentes que, inequivocamente determina a existência de fumus malus iuris, ao invés do sentenciado (perfunctoriamente) pelo Tribunal a quo.
-4.ª- Por tudo isto e, sem prescindir. Pois, mostra-se sustentada a irrepreensibilidade do ato sub judice, conforme nas presentes Alegações elucidado. O que, face ao critério do “fumus malus“, bastar-se-á para o decaimento da presente providência cautelar, anulando-se consonantemente, o veredito a quo, por ausência de suporte legal que lhe dê guarida.
-5.ª- É manifesta a ilegalidade da douta Sentença a quo, face ao preceituado no diploma sobre o qual se debruça, porquanto, não parte de qualquer pressuposto válido, assenta sim, numa confusão calamitosa em redor do diploma de estrangeiros.
-6.ª- Acresce, que mesmo admitindo os argumentos esgrimidos relativamente à evidência da ilegalidade do veredito a quo, em função da omnipresença do “fumus malus” improcedam, o que só por mero raciocínio se propala, a verdade é que a presente providência não preenche outrossim os requisitos do art. 120.º do CPTA, entre eles, o “periculum in mora“.
-7.ª- Com efeito, pretende-se aferir, na hipótese de procedência da ação principal, da impossibilidade ou dificuldade de restabelecimento, no plano dos factos, da situação que deveria existir, com recurso a um critério de graduação daquela possibilidade ou dificuldade.
-8.ª- Uma vez que não sendo a recorrida titular de um qualquer direito de permanência no País, pelos motivos sobejamente elencados, não é possível antecipar a produção, na sua esfera jurídica, de quaisquer efeitos, e, consequentemente, de quaisquer prejuízos.
-9.ª- Em suma, nenhum dos critérios a que se reporta o art. 120.º do CPTA, se mostra preenchido. Pelo contrário.
-10.ª- Reitere-se, que o ato proferido pela ora Recorrente, traduz o exercício de um poder vinculado e foi praticado em estrita observância da legislação que o enforma, estando fundamentada de facto e de direito e não padecendo de qualquer vício.
-11.ª- É pois manifesta a improcedência da pretensão principal, bem como a omissão do preenchimento articulado dos critérios do “fumus malus“ e do “periculum in mora“, o que per si acarreta a desnecessidade de atuação desta cláusula de salvaguarda, e lesa o interesse público.
-12.ª- Isto porque, o interesse público que aqui se patenteia, é de que a Lei de entrada e permanência de estrangeiros em Portugal, não saia defraudada pela utilização abusiva de certos meios legais, por parte de quem vê negada a sua permanência, para lograr continuar em território nacional sem preencher as condições ope legis exigidas, que in casu, vincularam o afastamento, objeto da presente providência.
-13.ª- A ora recorrida não possui, nem nunca possuiu, qualquer título ou documento que valide a sua permanência em território nacional, donde, consequente e inquestionavelmente, se encontra em situação de permanência irregular, sobre a qual incide, designadamente, o art. 181º n.º 2 do citado diploma.
-14.ª- Neste contexto, o cidadão estrangeiro será sempre expulsável nos termos da lei.
-15.ª- O interesse público relaciona-se com o princípio da legalidade (cfr. art. 3.º do CPA), nos termos do qual a Administração está vinculada pelas normas que reconhecem direitos e tutelam interesses particulares e pelas que fixam o interesse público a prosseguir e as condutas a observar tendo em vista aquele objetivo – art. 266.º n.º 1 e 2 da CRP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso jurisdicional ser admitido e julgado procedente.”

A Recorrida/M. veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 4 de maio de 2020, aí tendo concluído:
“I. A necessidade da apresentação das presentes contra-alegações, surge na sequência do Recurso interposto pelo Requerido, ora Recorrente, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,
II. Após a Sentença Recorrida, ter julgado, e muito bem, procedente o Processo Cautelar instaurado pela Recorrida M., e em consequência, decretar a suspensão da eficácia da Decisão proferida pela Diretora Nacional do SEF, exarada em 20 de Fevereiro de 2020,
III. Tal como, a intimação do Recorrente, a abster-se de colocar, provisoriamente, o nome da ora Recorrida, tanto na lista nacional de pessoas não admissíveis da medida de interdição de entrada em Portugal, por um período de 03 (três) anos, como no S.I.S. da interdição de entrada no Espaço Schengen.
IV. Por força de tal Decisão desvantajosa para o Recorrente, veio, o mesmo, interpor Recurso, por percecionar que, o Tribunal a quo incorreu em erro, V. Tanto nos pressupostos de facto, como também de Direito, porquanto, entende que a Sentença do Tribunal a quo foi ao total arrepio da lei.
VI. Em face de tal alegação infundada do Recorrente, torna-se imprescindível referir que o mesmo, carece de total razão fáctica e jurídica no que, assim, afirma erroneamente e sem qualquer fundamento,
VII. Devendo se confirmar inteiramente a Sentença recorrida, como V/Exas. Venerandos Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo como sempre inteira justiça material.
VIII. No início das alegações, o Recorrente, insurge-se, prima facie, contra a Sentença recorrida, alegando em síntese e sem qualquer suporte legal, que a eventual possibilidade de regularização da situação da Requerente em Território Nacional, não faz parte do objeto do Processo Principal,
IX. Entendendo, por isso, que não pode por esse motivo ser apreciada em sede Cautelar.
X. Dessa inusitada premissa, o Recorrente, concluiu infundadamente, que não se verificou o preenchimento dos requisitos cumulativos para decretamento da Providência Cautelar,
XI. Pelo que, deveria, no seu entender, ser considerada pelo Tribunal recorrido, a defesa por exceção por si apresentada, dado que, tal questão é, na sua ótica, imprescindível.
XII. E isto porque, o Recorrente alega, sem sentido, que a questão suscitada pela Requerente, ora Recorrida, relativa à obtenção da autorização de residência, não poderá consubstanciar o elemento essencial para o preenchimento de um dos pressupostos a ser analisados em sede Cautelar (fumus boni iuris),
XIII. E portanto, não se verifica o preenchimento do requisito do (fumus boni iuris), para o decretamento da Providência Cautelar Requerida.
XIV. Perante tais alegações do Recorrente, tanto em sede de oposição, como no presente Recurso interposto, não pode, a Recorrida, deixar de mencionar que a Sentença ora recorrida não merece qualquer reparo,
XV. Sendo que a argumentação proclamada pelo Recorrente, não tem qualquer fundo válido, tanto do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista jurídico,
XVI. E isto porque, não se verificou nenhum erro do Tribunal recorrido ao ignorar a questão prévia suscitada pelo Requerido em sede de oposição, ora Recorrente, e ao verificar o preenchimento dos requisitos exigidos para o decretamento da Providência Cautelar requerida,
XVII. E isto porque, e em primeiro lugar, a Requerente, ora Recorrida, foi detida sem se encontrar em permanência irregular em Território Nacional,
XVIII. Uma vez que, à data da sua detenção, ainda tinha na sua posse o visto de turismo válido.
XIX. Tal factualidade, demonstra, claramente, e a todas as luzes, que o Ato Administrativo de Afastamento coercivo padece de Nulidade,
XX. Já que, ofende, manifestamente, o conteúdo essencial de um Direito Fundamental, conforme preceitua o Artigo 161.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Administrativo.
XXI. Por essa razão, uma vez que um Ato Administrativo Nulo colou a Recorrida numa enorme situação de fragilidade pessoal e social, não restam dúvidas que se verifica um dos pressupostos da Providência Cautelar Requerida,
XXII. Que, como é consabido, é o do “fumus boni iuris”, previsto no n.º 1 do Artigo 120.º do CPTA.
XXIII. De acordo com o preceituado n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, as providências cautelares são adotadas “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
XXIV. Nessa conformidade, uma vez que a Requerente foi notificada de um Ato Administrativo inquinado de Nulidades, e que o mesmo a impediu de se manter em Território Nacional, e consequentemente encontrar estabilidade profissional,
XXV. Não restam dúvidas que, o mesmo, produziu uma situação de difícil reparação para os interesses da aqui Recorrida.
XXVI. Assim sendo, resulta claramente que as alegações do Recorrente são desprovidas de fundamento, quando menciona que eventual possibilidade de regularização da situação da Requerente em Território Nacional, não faz, parte do objeto do Processo Principal,
XXVII. Uma vez que, essa possível Regularização em Território Nacional não é só essencial, como extremamente relevante para o preenchimento de um dos pressupostos a ser analisados em sede Cautelar.
XXVIII. Tudo isto a significar, claramente e sem margem para hesitações, o preenchimento do pressuposto do “fumus boni iuris”.
XXIX. Na medida em que, a regularização em Território Nacional faz parte do Processo Principal, e consubstancia, manifestamente um dos requisitos para o decretamento da Providência Cautelar.
XXX. Perante isto, devem ser mantidos os precisos termos da Sentença Recorrida, como V/Exas. Venerandos Desembargadores decidirão, fazendo como sempre a justiça material, e não a justiça formal que o Recorrente advoga,
XXXI. Porquanto, o Tribunal recorrido julgou, e muito bem, a defesa excecionada pelo Recorrente em sede de Oposição, bem como, os requisitos exigidos para o decretamento da Providência Cautelar requerida.
XXXII. Ao longo das alegações de Recurso, o Recorrente, insurge-se também contra a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo,
XXXIII. Primeiramente, na parte em que considera que a ora Recorrida, “entrou, em território nacional, com isenção de visto pelo período de 90 (noventa) dias, destinando-se tal isenção a viagens de índole turística ou equivalente”,
XXXIV. E de seguida, quanto ao facto de no dia 20 de Dezembro de 2019, na Acão de fiscalização ao estabelecimento de diversão noturna denominado “Residencial (...), a Requerente encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, não estando acompanhada, nem a exercer a atividade de alterne, nem aí se encontrando a residir.
XXXV. O Recorrente, não aceitando o teor da Sentença recorrida, indaga-se como o Tribunal a quo extraiu tal conclusão sobre a atividade da Recorrida no estabelecimento Comercial Residencial (...).
XXXVI. Dessa forma, a Recorrida, também se questiona como o Recorrente, Serviço de Estrageiros e Fronteiras, prova que no momento da sua detenção se encontrava a exercer a profissão de alternadeira/prostituição,
XXXVII. Dado que, nesse preciso momento, a Recorrida, encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, conforme dá como provado, e muito bem, o Tribunal Recorrido.
XXXVIII. Tais considerações inusitadas e desprovidas de fundamento, só demonstram a todas as luzes, atitude prepotente e abusiva do Recorrente, uma vez que, emanou um Ato Administrativo, todo ele inquinado por vícios de violação de lei e por erros grosseiros sobre os pressupostos de facto.
XXXIX. No entanto, ainda alega o Recorrente que o Auto de Interrogatório de Arguido, no âmbito do processo crime supra identificado, comprova que, a Recorrida encontrava-se ilegalmente em território nacional, dado que, não era titular de visto ou autorização de residência ou documento equivalente, e exercia atividade profissional de alterne.
XL. Sucede que, tal alegação não tem o mínimo de fundamente válido, uma vez que nunca foi provado pelo Recorrente, nem tampouco Tribunal Judicial de Braga, que a Recorrente exercia a Atividade de alternadeira.
XLI. Já a Sentença recorrida, no seu ponto 5), considera provado que, Recorrida “encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, não estando acompanhada, nem a exercer a atividade de alterne,”
XLII. Desta feita, fica demonstrado claramente que as conclusões do SEF, não passam de meras convicções de uma Entidade que, ao longo de todo o Processo de Afastamento coercivo da aqui Recorrida, violou, reiteradamente, os Direitos Fundamentais da mesma.
XLIII. Não obstante, o Recorrente, na tentativa de justificar o Ato por si emanado, refere que a entrada da Recorrida em Território Nacional, considera-se ilegal, nos termos da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, vulgo Lei dos Estrangeiros,
XLIV. Olvida-se, porém, o Recorrente de mencionar que a Recorrida, era possuidora de um visto de Turismo válido por 90 dias para entrar em Portugal,
XLV. Sendo de salientar que não se encontrava, de modo algum, em situação irregular como alega o SEF.
XLVI. Deste modo, se verifica, incontestavelmente, que o Recorrente não tem qualquer razão nas alegações que profere em sede de Recurso,
XLVII. Contudo, alega, sem razão e fundamento, que a Recorrida entrou em Território Nacional para exercer a atividade de alterne/prostituição e não com o propósito de desenvolver qualquer dos fins previstos no Tratado da Amizade, ou seja, culturais, empresariais, jornalísticos ou turísticos.
XLVIII. Também nesta matéria, carece de razão o Recorrente, na medida em que, a Recorrida não se encontrava ilegal em Portugal,
XLIX. E diz-se que a Recorrida não se encontrava ilegalmente em Portugal porque, primeiramente, possuía visto de Turismo em vigor,
L. E no que concerne à atividade ou o fim da viagem, cumpre realçar que a Recorrida veio para Portugal com o intuito de encontrar um trabalho para estabilizar a sua vida pessoal e profissional,
LI. Encontrando-se no bar, como tantos outros, somente a usufruir de um momento de lazer.
LII. Ora, atendendo que da Ação de Fiscalização, não resultou a prova da atividade de alternadeira/prostituição da Recorrida,
LIII. Em que se baseia o Recorrente para tais alegações infundadas e desprovidas de fundamento?
LIV. Nessa conformidade, não restam dúvidas que o Ato Administrativo de Afastamento Coercivo esta indevidamente fundamentado,
LV. Já que, da factualidade supra exposta, resulta a manifesta falta de fundamentação, conforme consta do nº2 do Artigo 153.º do CPA.
LVI. Conclui-se, portanto, que, a falta de fundamentação por parte do Recorrente, inquinou todo o ato de nulidade, uma vez que ofendeu o conteúdo essencial de um Direito Fundamental (Artigo 161º n.º1 al. d).
LVII. Ademais, configura pedra angular de todo o procedimento administrativo tal exigência de fundamentação, porquanto, mais do que uma exigência legal, é uma exigência constitucional – Cfr. 268.º n.º 3 da CRP.
LVIII. Dessa forma, o Ato Administrativo de Afastamento Coercivo, para além de Nulo, também é Inconstitucional,
LIX. Uma vez que, a falta de fundamentação do Ato Administrativo se traduz no desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (n°1 do artigo 266° da CRP) e na desobediência à Constituição e à Lei a que estão subordinados.
LX. Resulta também da alínea a) do n.º 1 do Artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo, que dos atos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.”, deve constar obrigatoriamente a sua fundamentação - cfr. artigo 153° do CPA.
LXI. Logo, a falta de fundamentação, nomeadamente nos Atos Administrativos supra mencionados, ofende o conteúdo essencial de um Direito Fundamental, dado que, viola um dos Direitos Fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa: O direito à informação - artigo 37°, n°1 da CRP,
LXII. Na medida em que, todos os cidadãos têm o direito a ser informados (artigo 37°, n°1 da CRP), particularmente, sobre a fundamentação relativa a ato administrativo em que a mesma é obrigatória (artigo 268°, n°3 da CRP) com vista ao cabal esclarecimento da motivação do ato.
LXIII. No caso em apreço, e ao invés do alegado pelo Recorrente, a falta de fundamentação do Ato Administrativo colocou a Requerente, ora Recorrida, numa posição diminuta em relação aos seus direitos de defesa, uma vez que, apenas conheceu o sentido, favorável ou desfavorável, da decisão, e não os elementos necessários para aquilatar se podia ou não impugnar.
LXIV. Assim, fica demonstrado a todas as luzes, que a violação do Direito à informação, configurou facto impeditivo para a Recorrida exercer os seus direitos de defesa.
LXV. Dessa forma, é mais do que lógica a assunção de que o presente Ato administrativo configurou um ato, aberrantemente, violador dos direitos de defesa da aqui Requerente.
LXVI. Assim sendo, atendendo à manifesta falta de fundamentação do Ato Administrativo e consequente violação dos direitos de defesa da Recorrente, é de rejeitar totalmente a pretensão do Recorrente formulada nas alegações de Recurso,
LXVII. E, que na conformidade de tudo o supra exposto, e também do que vai ser infra alegado, V/Exs. manterão integralmente o decidido na douta sentença recorrida, quanto à matéria de facto, e quanto à subsunção jurídica desta.
LXVIII. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no decurso das suas alegações, alega, infundadamente e sem qualquer suporte legal válido, sobre a falta de notificação ao Mandatário Judicial da Recorrida,
LXIX. E isto porque, é do seu entendimento, que a Recorrida foi notificada em 20 de Dezembro de 2019 da existência do respetivo Processo de afastamento coercivo a correr contra si,
LXX. Sendo que, a referida notificação referia a possibilidade de a mesma se fazer acompanhar pelo seu representante legal.
LXXI. Em virtude de tal conclusão inusitada e desconforme, o Recorrente considera que a ausência de notificação ao Mandatário legal da Recorrida, não impede a vigência do referido ato administrativo,
LXXII. Porquanto, no entender à sua medida e conveniência, ora Recorrida foi notificada.
LXXIII. Acontece, porém que, olvida-se o Recorrente de mencionar a Recorrida foi notificada pessoalmente da Decisão de Afastamento Coercivo, não tendo sido notificado o Seu Mandatário Judicial, que fora constituído no inicio do processo administrativo.
LXXIV. Nessa conformidade, gozando a Recorrida das mesmas garantias de defesa de um cidadão Nacional, no âmbito de um processo de Afastamento Coercivo, deveria ser notificada, imperiosamente, através do seu Mandatário, conforme preceitua o Artigo 111º do Código de Processo Administrativo.
LXXV. Dessa feita, o Ato Administrativo emanado pelo SEF, padece, indubitavelmente, de nulidade,
LXXVI. Tendo em consideração que a falta de notificação ao Mandatário, constitui, inelutavelmente, um ato que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental (direito de defesa) conforme estipula o Artigo 161º, n.º1 al.d) do CPA.
LXXVII. Perante tal factualidade, parece-nos que, salvo melhor opinião, ao Recorrente não lhe assiste qualquer tipo de razão,
LXXVIII. Já que, por tudo o supra explanado e sem necessidade de mais amplas considerações, deve manter-se a Sentença recorrida nos seus precisos termos,
LXXIX. Porquanto, a Sentença recorrida não fez interpretação errada quando deu como provado, e bem, a falta de notificação ao Mandatário.
LXXX. Por tudo o supra alegado, deverão, V/Exs. Manter integralmente o decidido na Douta Sentença recorrida, quanto à matéria de facto, e quanto à subsunção jurídica desta.
LXXXI. No decorrer das infundadas alegações, o Recorrente alega, em síntese, que não houve a preterição da Audiência de Interessados, por ser do seu entendimento, que o Auto de Declarações da Recorrida vale, para todos os efeitos, como tal.
LXXXII. Crê a Recorrida que tal alegação é desprovida de fundamento lógico-jurídico, já que, no âmbito de um procedimento administrativo de afastamento coercivo, deve ser assegurada a audição da pessoa contra a qual foi instaurado o processo, garantindo a
sua defesa- Cfr. art.º 148.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
LXXXIII. A este propósito, atendendo que a Recorrida não foi notificada para comparecer no SEF a fim de esclarecer a sua situação documental, não restam dúvidas quanto à inexistência da Audiência da Interessada ao abrigo do Artigo 148.º supra indicado.
LXXXIV. Tendo o Recorrente o dever de “assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos deste Código” - Cfr. Artigo 8.º do CPA,
LXXXV. E não o tendo feito, a fim de possibilitar a Recorrida de se pronunciar sobre o objeto do procedimento, por forma a chamar a atenção do Recorrente para a decisão relativamente aos pontos de vista que pretende que sejam analisadas no procedimento – Cfr. Artigo 121.º do CPA.
LXXXVI. A consequência jurídica do próprio ato é a ilegalidade do mesmo, normalmente sancionada com a sua anulabilidade, já que é a sanção prevista para os atos “praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção” (art.º 163.º do CPA).
LXXXVII. Tudo isto conduz-nos à inelutável conclusão de que o Ato Administrativo proferido pela Exma. Diretora Nacional do SEF, padece, indubitavelmente, de um vicio anulabilidade,
LXXXVIII. Pelo que, também quanto a esta infundada alegação, deve falecer a tese do Recorrente, mantendo-se a Sentença recorrida também, nesta parte, nos seus precisos termos,
LXXXIX. Como V/Exas. Venerandos Desembargadores decidirão, fazendo como sempre a justiça material, e não a justiça formal que o Recorrente SEF advoga.
XC. Por fim, o Recorrente, já no fecho das suas alegações de Recurso, vem tecer inusitadas considerações relativamente aos Direitos Fundamentais da Recorrida,
XCI. Alegando, sucintamente, que não foram restringidos quaisquer direitos da mesma,
XCII. Pelo que, considera, infundadamente claro, que o Tribunal a quo não fez uma correta aplicação da lei, porquanto, não vislumbra a ilegalidade do Ato por si emanado.
XCIII. Para tremendo despautério, menciona o Recorrente que a Decisão de Afastamento Coercivo não tem que possuir qualquer fundamentação de Direito quanto às hipotéticas possibilidades de regularização.
XCIV. Também nesta sede, o Recorrente carece de razão, ao mencionar que não foram restringidos direitos fundamentais da Recorrida,
XCV. E que a Decisão de Afastamento Coercivo, proferida pela Exma., Diretora Nacional do SEF, se encontra bem fundamentada de Direito e de facto.
XCVI. E isto porque, como é do conhecimento do Douto Tribunal Recorrido, toda a atuação do Recorrente, foi violadora dos Direitos Fundamentais da Recorrida,
XCVII. Desde logo, na Ação de Fiscalização junto do Estabelecimento Comercial “Residencial (...)”, o Recorrente, não permitiu que a Recorrida estabelece-se contacto com o seu Mandatário Judicial, conforme consta de Certidão junto do Processo Crime que corre os seus devidos termos junto do Tribunal Judicial de Braga – Juízo Local Criminal – Juiz 4.
XCVIII. Para além disso, que demonstra claramente o abuso de autoridade e a conduta ilegal do Recorrente Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, durante todo o Processo de Afastamento Coercivo preteriu, claramente, de mecanismos que colocaram em causa os direitos de defesa da Recorrida,
XCIX. Inclusive, a falta de fundamentação da Decisão de Afastamento coercivo, bem como a falta de notificação ao Mandatário da Decisão proferida pela Diretora Nacional do SEF.
C. Tendo em consideração tal factualidade, não se compreende, de modo algum, a alegação do Recorrente relativamente ao requisito “fumus boni iuris”, que entende que não se encontra preenchido,
CI. Porquanto, atendendo que todo o Ato Administrativo padece de nulidades inquestionáveis, o requisito em causa encontra-se, absolutamente, preenchido.
CII. Como lapidarmente consta da bem elaborada motivação da sentença ora recorrida nesta parte “considerando a factualidade supra indiciariamente julgada provada, e reproduzindo-se o atrás dito, considera-se preenchido, no caso em apreço, o requisito concernente ao “fumus boni iuris”, na medida em que, perfunctoriamente, é de considerar que a Acão principal intentada pela Requerente será procedente (sendo o ato suspendendo ilegal e inválido).”
CIII. Por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deve-se, consequentemente, manter-se a Sentença recorrida nos seus precisos termos,
CIV. Na medida em que, a sentença recorrida julgou e bem, o preenchimento cumulativo dos Requisitos do “periculum in mora” e “fumus boni iuris” para o decretamento da Providência Cautelar,
CV. Assim como, não violou ou fez interpretação errada quanto aos vícios de que padece o Ato Administrativo de afastamento coercivo, inclusive, a falta de notificação à Recorrida para se pronunciar sobre o projeto de decisão do ato suspendendo e falta de notificação ao Mandatário Judicial.
CVI. Nessa conformidade, e em suma, são infundadas as alegações de Recurso do Recorrente, devendo este ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida na parte que deu como provados os factos constantes nos Números 1) a 19) da Sentença Recorrida, devendo também se manter considerada a verificação dos requisitos exigidos para o decretamento da Providência Cautelar requerida, como V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo, como sempre Justiça. Termos em que e nos melhores de direito:
Deverão V/Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, manter a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga nos seus precisos termos, julgando, nessa conformidade, improcedente o Recurso interposto pelo Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Em 4 de maio de 2020 foi proferido Despacho de admissão do Recurso.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 8 de maio de 2020, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual se expendeu, designadamente, e no que aqui releva, o seguinte:
“A sentença deu como provado:
“Em 11 de Novembro de 2019, a Requerente entrou no espaço Schengen, via aeroporto de Schiphol, Amsterdão, tendo passado a fronteira para território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros [cf. carimbo de entrada aposto a pág, 8 do seu passaporte; cf. documento (doc.) constante de fls. 10/11 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
A Requerente entrou, em território nacional, com isenção de visto pelo período de 90 (noventa) dias, destinando-se tal isenção a viagens de índole turística ou equivalente [cf. factualidade não impugnada; cf. informação constante de fls. 9 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
(…) No momento em que ocorreu a ação de fiscalização identificada em 4), a Requerente encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, não estando acompanhada, nem a exercer a atividade de alterne, nem aí se encontrando a residir [cf. factualidade não impugnada].”
E acaba a considerar inexistir permanência irregular no território nacional porque a entrada foi legal e a estrangeira não exercia qualquer atividade laboral ou profissional. Ou seja, a sua permanência, ao tempo, estava coberta pela entrada com visto para atividade turística ou equivalente.
Operando com os factos dados como provados, que em sede de conclusões do recorrente se não colocam em causa, mister é concluir que, perante tal factualidade, verifica-se preenchido o requisito de fumus boni juris. Porque com tal factualidade é provável que a pretensão formulada venha a ser julgada procedente. É que, se a sua presença ao tempo estava coberta com a sua entrada por 90 dias, a decorrerem, para turismo, a aqui recorrida não podia, ainda, ser expulsa.
Por aqui soçobra o recurso que, como dissemos, não questiona o dado como provado não exercício de atividade profissional de alternadeira por parte da expulsanda.
E quanto ao periculum in mora?
A sentença entende que também está preenchido. Justifica-o:
“De facto, a execução do ato suspendendo - advinda da não adoção da providência requerida - importará uma situação de facto consumado consubstanciada quer na impossibilidade do regresso da Requerente ao território nacional português, durante um período de 3 (três) anos, quer na impossibilidade da Requerente em obter um qualquer meio de subsistência, em território nacional português, vendo-se impossibilitada de trabalhar em Portugal, durante o referido período de 03 (três) anos. Não se olvidando que a Requerente tem agendadas, em território nacional português, diversas entrevistas de emprego, algumas das quais ainda espera resposta, no sentido de ser admitida e obter um contrato de trabalho; pelo que a não adoção da providência requerida determinará a impossibilidade de a Requerente encontrar emprego em Portugal e de pedir de concessão de autorização de residência, nos termos do art. 88.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, colocando a Requerente numa situação económica fragilizada, sem qualquer meio de sustento próprio, e impossibilitando-a de regressar a Portugal – país, no qual, procura reorganizar a sua vida pessoal e profissional.”
Só que, neste particular, o recorrente tem razão. Na verdade, não se verifica o periculum in mora. Porque, se se dá como provado que a estrangeira está com permanência regular, por 90 dias, em turismo, não pode aceitar-se que esteja á procura de emprego ou que a impossibilidade de o procurar possa relevar como perigo na demora. A estrangeira está em turismo não está em procura de emprego. Só em turismo. Com o que desde logo se afasta a questão invocada de manutenção ou de obtenção de rendimento profissional ou de meio de subsistência no território nacional.
Nem pode aceitar-se que a impossibilidade de requerer autorização de residência possa relevar como periculum in mora, uma vez que a aqui recorrida nem sequer deu início a qualquer procedimento de autorização.
E, óbvio é, que o ter de estar afastada do território nacional durante três anos não é relevante a montante do processo de afastamento. Tal é uma consequência do afastamento coercivo que, na própria essência, comporta tal consequência penalizadora.
É legítimo que a recorrida queira entrar e permanecer em território nacional para aqui exercer qualquer atividade profissional, só que, nesse caso, tem de iniciar o procedimento legal adequado para tanto. Não pode é querer que, só por si, uma entrada e uma permanência para efeitos turísticos, permanência temporária por natureza e finalisticamente orientada para o lazer, lhe confiram carta de alforria para a não expulsão.
Os requisitos de procedência da providência cautelar são cumulativos (art. 120 do CPTA).
Assim, porque o periculum in mora não se verifica, não pode ser decretada a suspensão da eficácia requerida.”

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/MAI-SEF, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, se se mostram preenchidos os requisitos e pressupostos constantes do Artº 120º do CPTA, tendentes ao deferimento da providência cautelar.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
1. M., ora Requerente, é nacional do Brasil [cf. factualidade não impugnada].
2. Em 11 de Novembro de 2019, a Requerente entrou no espaço Schengen, via aeroporto de Schiphol, Amsterdão, tendo passado a fronteira para território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros [cf. carimbo de entrada aposto a pág, 8 do seu passaporte; cf. documento (doc.) constante de fls. 10/11 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. A Requerente entrou, em território nacional, com isenção de visto pelo período de 90 (noventa) dias, destinando-se tal isenção a viagens de índole turística ou equivalente [cf. factualidade não impugnada; cf. informação constante de fls. 9 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. Em 20 de Dezembro de 2019, em colaboração com a Polícia de Segurança Pública (PSP) de Braga, elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteira, ora Requerido, levaram a cabo uma ação de fiscalização ao estabelecimento de diversão noturna denominado “Residencial (...)” [cf. factualidade não impugnada].
5. No momento em que ocorreu a ação de fiscalização identificada em 4), a Requerente encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, não estando acompanhada, nem a exercer a atividade de alterne, nem aí se encontrando a residir [cf. factualidade não impugnada].
6. No âmbito da ação de fiscalização identificada em 4), a Requerente foi detida, constituída arguida e sujeita a termo de identidade e residência [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 8/15 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Em 20 de Dezembro de 2019, a Requerente foi sujeita a primeiro interrogatório judicial, no âmbito do processo n.º 6689/19.0T8BRG (que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga (Juízo Criminal de Braga – Juiz 4)), tendo sido elaborado o respetivo Auto de Interrogatório de Arguido cujo teor se reproduz, a saber: “…
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º n º6 CPC)
[…]
…” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o requerimento inicial e constante de fls. 17/23 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. Foi instaurado à Requerente, pelo Requerido, o processo de afastamento coercivo n.º 17/2019-120 [cf. documentos (docs.) constante de fls. 2 e de fls. 24 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
9. Em 10 de Janeiro de 2020, a Requerente foi ouvida, pelo Requerido, no âmbito do processo de afastamento coercivo n.º 17/2019-120, tendo sido representada em tal diligência pelo seu mandatário judicial [cf. documento (doc.) constante de fls. 25 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. Em 10 de Janeiro de 2020, no âmbito do processo de afastamento coercivo n.º 17/2019-120, foi elaborado o respetivo Auto de Declarações cujo teor se reproduz, a saber: “…
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º n º6 CPC)
…” [cf. documento constante de fls. 25 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. Em 14 de Janeiro de 2020, foi elaborado pelo Instrutor do processo de afastamento coercivo n.º 17/2019-120 o Relatório Final cujo teor se reproduz, a saber:
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º n º6 CPC)
“…
…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 31/37 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
12. Em 20 de Janeiro de 2020, a Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, proferiu Decisão com o seguinte teor, a saber: “…
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º n º6 CPC)
…” [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o requerimento inicial e constante de fls. 43 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] - ato ora suspendendo.
13. Em 28 de Fevereiro de 2020, a Requerente foi, pessoalmente, notificada da decisão reproduzida em 12) [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
14. A execução da decisão reproduzida em 12) impossibilita o regresso da Requerente ao território nacional português, durante um período de 03 (três) anos [cf.
factualidade não impugnada].
15. A execução da decisão reproduzida em 12) impossibilita a obtenção de qualquer meio de subsistência, por parte da Requerente, em território nacional português, impossibilitando-a de trabalhar em Portugal, durante um período de 03 (três) anos [cf. factualidade não impugnada].
16. A Requerente tem agendadas, em território nacional português, diversas entrevistas de emprego, algumas das quais ainda espera resposta, no sentido de ser admitida e obter um contrato de trabalho [cf. factualidade não impugnada].
17. A execução da decisão reproduzida em 12) impossibilita a Requerente de
encontrar emprego em Portugal e de pedir a concessão de autorização de residência, nos termos do art. 88º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho [cf. factualidade não impugnada].
18. A execução da decisão reproduzida em 12) coloca a Requerente numa situação económica fragilizada, sem qualquer meio de sustento próprio, impossibilitando-a de regressar a Portugal - país no qual procura reorganizar a sua vida pessoal e profissional [cf. factualidade não impugnada].
19. O Requerido não apresentou Resolução Fundamentada nos presentes autos cautelares [cf. informação constante do SITAF, mormente da tramitação processual dos presentes autos cautelares].

IV - Do Direito
Vem nos presentes Autos requerida a “suspensão da eficácia de ato administrativo de decisão de afastamento de Portugal…”, da aqui Recorrente.

Correspondentemente decidiu-se no tribunal a quo julgar “procedente o presente processo cautelar”, mais tendo sido decretada “a suspensão da eficácia da decisão proferida pela Diretora Nacional do SEF, exarada em 20 de Fevereiro de 2020, nos termos da qual, determinou o afastamento coercivo da Requerente do território nacional.”,
Foi ainda determinada “a intimação do Requerido a abster-se de colocar, provisoriamente, o nome da Requerente (a) quer na lista nacional de pessoas não admissíveis da medida de interdição de entrada em Portugal, por um período de 3 anos, (b) quer no S.I.S. da interdição de entrada no Espaço Schengen (...)”.

No que ao direito concerne, no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
Estando em causa, neste processo, a adoção de uma providência conservatória especificada - cf. art. 112.º, n.º 2, alínea a), do CPTA -, vamos verificar se é ou não possível adotá-la por força do preceituado no n.º 1 e no n.º 2, do art. 120.º, do mesmo Código.
Nesta vertente, exige-se, assim, desde logo, cumulativamente dois requisitos, a saber: o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”.
(...)
Desde logo, quanto ao fumus boni iuris, a Requerente alegou que o mesmo se encontraria demonstrado. Para tanto alegou que o ato suspendendo padeceria de diversos vícios conducentes à sua anulabilidade, a saber:
(a) vício de violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto) [cf. arts. 3.º, 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e no n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)],
(b) preterição de audiência prévia [cf. arts. 12.º, 121.º, n.ºs 1 e 2, e 122.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], (c) vício de falta de notificação do ato suspendendo ao mandatário da Requerente, e (d) do vício de falta de fundamentação [cf. pontos 14. a 68. do requerimento inicial].
E, com efeito, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 13) - e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual -, vislumbra-se, numa análise perfunctória, que o ato suspendendo padece de alguns dos vícios que lhe foram assacados pela Requerente.
De facto, compulsado o teor do ato suspendendo reproduzido supra em 12), constata-se que o Requerido determinou o afastamento coercivo do território nacional da Requerente, por um período de três anos e de abandono do território nacional no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 146.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, por considerar que a Requerente se encontrava em permanência irregular em território nacional porquanto, no seu entendimento, a Requerente desenvolvia a atividade de alternadeira no estabelecimento de diversão noturna “Residencial (...)” - local esse, conotado com a prática do alterne e da prostituição.
Todavia, resulta da factualidade indiciariamente julgada provada em 1) a 5) que a Requerente, em 11 de Novembro de 2019, entrou no espaço Schengen, via aeroporto de Schiphol, Amsterdão, tendo passado a fronteira para território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros. Ou seja, a Requerente entrou, em território nacional, com isenção de visto pelo período de 90 dias, destinando-se tal isenção a viagens de índole turística ou equivalente. Sendo que, em 20 de Dezembro de 2019 (no momento em que ocorria a ação de fiscalização ao estabelecimento de diversão noturna denominado “Residencial (...)”), a Requerente encontrava-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café, não estando acompanhada, nem a exercer a atividade de alterne, nem aí se encontrando a residir. Pelo que, necessariamente, o ato suspendendo encontra-se indiciariamente inquinado do vício de violação de lei (por erro sobre os pressupostos de facto).
Da mesma forma, compulsada a factualidade indiciariamente supra julgada provada em 9) a 13), verifica-se que a Requerente não foi notificada para se pronunciar sobre o projeto de decisão do ato suspendendo (ou seja, não foi notificada para se pronunciar em sede de audiência prévia), nem o seu mandatário judicial foi notificado do ato suspendendo.
Com efeito, não foi realizada, no âmbito do processo de afastamento coercivo n.º 17/2019-120, a audiência dos interessados; não se olvidando que tal é uma manifestação do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas, sendo considerado “um princípio estruturante do processamento da atividade administrativa, pois que através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do administrado” que dá cumprimento à consagração constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações (cf. art. 267.º, n.º 5 da CRP).
(...)
Em síntese, considerando a factualidade supra indiciariamente julgada provada, e reproduzindo-se o atrás dito, considera-se preenchido, no caso em apreço, o requisito concernente ao fumus boni iuris, na medida em que, perfunctoriamente, é de considerar que a ação principal intentada pela Requerente será procedente (sendo o ato suspendendo ilegal e inválido).
Quanto ao requisito respeitante ao periculum in mora, a Requerente entendeu que este também teria ficado demonstrado [cf. pontos 69. a 81. do requerimento inicial].
E, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 14) a 18) - e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual -, adianta-se que também se encontra preenchido o requisito concernente ao periculum in mora.
De facto, a execução do ato suspendendo - advinda da não adoção da providência requerida - importará uma situação de facto consumado consubstanciada quer na impossibilidade do regresso da Requerente ao território nacional português, durante um período de 3 anos, quer na impossibilidade da Requerente em obter um qualquer meio de subsistência, em território nacional português, vendo-se impossibilitada de trabalhar em Portugal, durante o referido período de 3 anos. Não se olvidando que a Requerente tem agendadas, em território nacional português, diversas entrevistas de emprego, algumas das quais ainda espera resposta, no sentido de ser admitida e obter um contrato de trabalho; pelo que a não adoção da providência requerida determinará a impossibilidade de a Requerente encontrar emprego em Portugal e de pedir de concessão de autorização de residência, nos termos do art. 88.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, colocando a Requerente numa situação económica fragilizada, sem qualquer meio de sustento próprio, e impossibilitando-a de regressar a Portugal – país, no qual, procura reorganizar a sua vida pessoal e profissional.
Em suma, no caso concreto, conclui-se pela existência de risco fundado da constituição de uma situação de facto consumado mercê de haver receio fundado de que se a providência for recusada se tornará impossível a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade, uma vez decidido o processo principal com decisão favorável à pretensão da Requerente.
Finalmente, no âmbito da ponderação necessária dos interesses com respeito pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a recusa da adoção da providência requerida, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, seria suscetível de provocar danos superiores àqueles que resultariam da sua não adoção [cf. art. 120.º, n.º 2, do CPTA].
De facto, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 18), e em 19) - e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual -, constata-se que a autoridade administrativa não apresentou resolução fundamentada nos presentes autos cautelares e que a Requerente pugna pela invalidade do ato suspendendo, nos termos supra expostos, por este se afigurar ilegal (ou seja, por este se encontrar em desconformidade com a legalidade jurídica). Ademais - reiterando-se, aqui, o supra referido a propósito da análise do preenchimento dos requisitos inerentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora -, o não decretamento da providência requerida obsta ao regresso da Requerente ao território nacional português, durante um período de 3 anos, impossibilitando-a de obter um qualquer meio de subsistência, em território nacional português, durante o referido período de 3 anos. Acresce que, a não adoção da providência requerida determina a impossibilidade de a Requerente encontrar emprego em Portugal e de pedir de concessão de autorização de residência, nos termos do art. 88.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, colocando a Requerente numa situação económica fragilizada, sem qualquer meio de sustento próprio, e impossibilitando-a de regressar a Portugal – país, no qual, procura reorganizar a sua vida pessoal e profissional. Ora, não tendo sido apresentada resolução fundamentada nos presentes autos cautelares e encontrando-se a Requerente sujeita a apresentação semanal junto das autoridades policiais, não se vislumbra que, no caso em apreço, o alegado interesse público em salvaguardar a segurança pública, seja superior aos interesses da Requerente e supra descritos.
Em suma, mostrando-se os imperativos dos interesses da Requerente bem superiores ao eventual interesse do Requerido, encontra-se preenchido o requisito previsto no art. 120.º, n.º 2, do CPTA.”

Vejamos:
Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Continua a recair sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.

Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

Analisemos então, com a necessária perfunctoriedade, o suscitado, sendo que se exige, cumulativamente o preenchimento de dois requisitos, a saber: o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”.

Diga-se, em qualquer caso, que da matéria de facto dada como provada, há um conjunto de questões incontornáveis que se prendem desde logo com o facto da aqui Recorrida ter sido detida em 20 de dezembro de 2019, quando havia entrado no espaço Schengen em 21 de novembro de 2019, tendo passado a fronteira para território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros, os quais ao abrigo do referido regime poderão permanecer no mesmo 90 dias, designadamente, enquanto turistas.

Acontece que a referida detenção ocorreu num estabelecimento de diversão noturna (“Residencial (...)”) no qual, e aquando da ação de fiscalização, a Recorrida se encontraria “sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber café” (Facto 5)

Mesmo que se admitisse que o referido estabelecimento de “diversão noturna” se pudesse tratar de uma “casa de alterne”, o que não foi dado como provado, apesar de invocado pelo SEF, o que é facto é que não foi igualmente dado como provado que a Recorrida estivesse “a exercer a atividade de alterne” ou que aí se encontrasse a residir.

Assim, o que desde logo é incontornável é que a Recorrida aquando da detenção, se encontrava legalmente em território nacional, a beber café sozinha no bar de um estabelecimento de diversão noturna.

As supostas provas de que estaria a desenvolver atividade ilícita de “alterne” são meramente conjeturais e circunstanciais.

Aliás, o próprio Ministério Público veio a reconhecer a referida situação, ao afirmar que “por aqui soçobra o recurso que, como dissemos, não questiona o dado como provado não exercício de atividade profissional de alternadeira por parte da expulsanda.”
O próprio Recorrente/MAI-SEF reconhece a verificação do “fumus”, afirmando que “mesmo admitindo os argumentos esgrimidos relativamente à evidência da ilegalidade do veredito a quo, em função da omnipresença do “fumus malus” (...).

Aqui chegados, feito que foi o enquadramento factual da situação controvertida, importa verificar agora, em concreto e sucessivamente, o preenchimento dos requisitos que importa ver cumpridos, para que haja lugar à concessão da requerida providência, começando pelo fumus boni iuris.

Entende a Recorrida que o mesmo se encontraria preenchido, alegando que o ato cuja suspensão vem requerida padeceria de diversos vícios determinantes da sua anulabilidade, a saber:
i) Violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto) [cf. arts. 3.º, 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e no n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)],
ii) Preterição de audiência prévia [cf. arts. 12.º, 121.º, n.ºs 1 e 2, e 122.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA)];
iii) Vício de falta de notificação do ato suspendendo ao mandatário da Requerente, e
iv) Vício de falta de fundamentação [cf. pontos 14. a 68. do requerimento inicial].

Efetivamente, o SEF/MAI determinou o afastamento coercivo do território nacional da aqui Recorrida, por um período de três anos e de abandono do território nacional no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 146.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, por considerar que a Requerente se encontrava em permanência irregular em território nacional, sendo que, como se afirmou já e como foi sublinhado em 1ª instância, a mesma encontrava-se, à data da ação inspetiva e da sua detenção, em situação perfeitamente regular e licita, tanto mais que não foi feita qualquer prova que estivesse a desempenhar qualquer atividade de “alternadeira” ou de prostituição.

Na realidade, a aqui Recorrida entrou no espaço Schengen em 11 de novembro de 2019, tendo ingressado em território nacional ao abrigo da isenção de visto de que beneficiam os cidadãos brasileiros, podendo manter-se no mesmo por 90 dias, em face do que a sua detenção em 20 de dezembro se mostra irregular.

Independentemente das razões subjacentes à permanência da Recorrida no referido estabelecimento de diversão noturna, objeto e objetivo que o SEF não logrou fazer prova, mal se seria que qualquer cidadão estrangeiro pudesse ser detido e presente a tribunal, pela singela razão de se encontrar a tomar café sozinho no bar de um estabelecimento de diversão noturna, com base em meras conjeturas, não demonstradas em tempo e com base em provas meramente indiciárias.

Assim, é claro que o ato cuja suspensão vem requerida se mostra ferido de erro nos pressupostos de facto, o que só por si, permite concluir desde logo pela verificação do pressuposto do fumus boni júris, na medida em que, perfunctoriamente, é de considerar que a ação principal intentada será provavelmente, neste aspeto julgada procedente, tal como reconhecido pelo Ministério Público no seu Parecer.

Já no que respeita ao requisito respeitante ao periculum in mora, a Recorrida entende que o mesmo se encontrará igualmente preenchido.

Entende pois que o referido pressuposto se encontrará preenchido em decorrência do facto consumado, consubstanciado quer na impossibilidade do regresso da Requerente ao território nacional português, durante um período de 3 anos, quer da impossibilidade de obter qualquer meio de subsistência, em território nacional português, uma vez que fica impossibilitada de trabalhar em Portugal.

Aqui chegados, importa sublinhar que as providências cautelares têm como objetivo essencial a composição provisória de uma situação jurídica por forma a acautelar o efeito útil de futura e eventual decisão de procedência da ação principal (periculum in mora).

A tutela cautelar tende assim a salvaguardar o efeito útil da sentença a proferir na correspondente ação principal, enquanto garante da tutela jurisdicional efetiva.

O Juiz terá assim de se colocar na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da ação principal, verificando perfunctoriamente se existirão razões para julgar que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.

Em particular quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4ª edição revista e atualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:
“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

Quanto aos pressupostos do periculum in mora, a requerente enuncia um conjunto de situações que se prendem com a dificuldade de obter meio de subsistência, circunstâncias que aqui não relevam, atenta até a natureza do processo.

Em qualquer caso, a execução do determinado “afastamento coercivo do território nacional da Requerente, por um período de três anos e de abandono do território nacional no prazo de 10 dias…”, são naturalmente consequências lesivas que se consubstanciam em factos consumados que inspiram um fundado receio de que, se for caso disso, se tornará, em momento ulterior, impossível proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade, mormente perante a eventual efetivação da determinada expulsão da Recorrida.

Assim, a ausência de suspensão do ato cuja suspensão vem requerida, determinará certamente para a Recorrida um prejuízo de “difícil reparação” constitutivo e determinante de uma situação “de facto consumado” de consequências irreparáveis e não reversíveis (Artº 120º nº 1 CPTA), mormente no que concerne à expulsão, pois que mesmo que a decisão venha a ser revertida, as consequências entretanto verificadas, seriam já insuscetíveis de ser integralmente corrigidas.

Em conclusão, verifica-se a existência de risco fundado da constituição de uma situação de facto consumado, mercê de haver receio fundado de que se a providência for recusada, se tornará impossível a plena reintegração, no plano dos factos, da situação da Recorrida, pois que vindo a obter ganho de causa na Ação principal, não haveria já maneira de compensar ou corrigir a expulsão entretanto verificada do território nacional.

Da ponderação de interesses - art.º 120.º, n.º 2, do CPTA:
Importa agora apreciar o requisito negativo (ou cláusula de salvaguarda) enunciado no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

O núcleo fundamental do critério da ponderação de interesses é avaliar se os prejuízos causados ao interesse público e aos outros interesses pela concessão da providência são ou não superiores aos prejuízos causados aos interesses do requerente em caso de recusa da sua adoção.

Como vimos, ficou demonstrada a existência de uma situação de facto consumado ou a ocorrência de prejuízos de difícil reparação, relativamente à Requerente, aqui Recorrida, resultantes do não decretamento da providência.

Assim, a recusa da adoção da providência requerida, devidamente ponderados os interesses em presença, será suscetível de provocar na Requerente danos superiores àqueles que resultam para a Entidade Pública em resultado da adoção da Providência [cf. art. 120.º, n.º 2, do CPTA].

Isto porque não vislumbra o Tribunal em que medida a concessão da providência em apreço, com a suspensão da eficácia do ato que determinou, designadamente, a expulsão da Recorrida, possa por em causa o cumprimento das funções desempenhadas pelo SEF de controlo das fronteiras.

Pelo contrário, a providência requerida, se decretada, não afeta o cumprimento daquelas obrigações, sendo certo que, em todo o caso, do que se trata aqui é da sindicância judicial da legalidade da atuação administrativa no cumprimento dessas obrigações por aquela instituição.

Acresce que o eventual afastamento da Recorrida do território nacional, se efetivada, terá para a sua esfera jurídica, consequências pessoais muito mais gravosas do que aquelas que o SEF poderá sofrer em decorrência da procedência da Providência.

Basta, para tanto, ter presente que, caso venha a ser na Ação principal confirmada a legalidade da decisão do SEF, sempre este terá os mais diversos mecanismos e meios à sua disposição para então poder concretizar a sua decisão.

Por conseguinte, conclui-se que também o requisito da ponderação de interesses impõe o decretamento da providência em apreço.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, ainda que com fundamentação nem sempre coincidente, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Porto, 19 de junho de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa