Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00176/13.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PENSÃO DE APOSENTAÇÃO; PENSÃO VOLUNTÁRIA ANTECIPADA; CÁLCULO;
Sumário:
1 – Independentemente da data aposta no Requerimento de Aposentação como sendo aquela a partir da qual deverá operar a Aposentação, quando o Despacho a deferir a mesma ocorra em momento posterior a essa data, deverá ser esta que relevará como o seu termo inicial, nos termos do nº 1 do Artº 43º do EA, cujo segmento em causa refere que a “(...) aposentação voluntária (...) fixa-se com base (...) na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.”
2 - A interpretação adotada não colide com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2017 de 26 de abril de 2017, que julgou “inconstitucional, por violação dos Artº 2º e 13º da Constituição, a norma do artigo 43º nº 1 do Estatuto da aposentação, na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, no segmento que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação”, uma vez que não se refere ao segmento transcrito.
3 - A não ser assim, mostrar-se-ia, designadamente, violado o princípio da igualdade, uma vez que potencialmente dois aposentados declarados na mesma data, poderiam ver a data da sua aposentação diferenciada, e pior, tal poderia determinar que um Aposentado pudesse ter estado a trabalhar por período longo, o que no mínimo se mostraria incongruente e uma aberração jurídica. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações
Recorrido 1:MAFSD
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, no qual, a final, se pronuncia no sentido de o presente recurso jurisdicional obter provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A CGA – Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada por MAFSD, tendente à anulação do despacho de 14/12/2012 que considerou para cálculo da pensão de reforma a data de 31/12/2011, pedindo a sua alteração para 31/12/2012, inconformada com a Sentença proferida em 31 de janeiro de 2018 no TAF de Mirandela, que julgou a Ação procedente, veio, em 06/03/2018 a interpor recurso jurisdicional da referida decisão para este TCAN.
Formulou a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1.ª Não resulta do contexto da própria declaração – requerimento a solicitar a aposentação antecipada, nos termos do artigo 37.º A, do Estatuto da Aposentação – referido no ponto 3 da matéria de facto assente nenhum erro ostensivo.
2.ª A declaração exarada no requerimento de aposentação é clara, sem qualquer rasura ou contradição: a data efeito da aposentação nele aposta é 31 de dezembro de 2011.
3.ª Aquele erro não é cognoscível pelo destinatário – a CGA -, uma vez que de acordo com o regime legal então em vigor os interessados poderiam livremente escolher a data do ato determinante – cfr. artigos 39.º e 40.º do EA.
4.ª Acresce que o processo levou praticamente um ano a ser instruído e decidido, pelo que se havia erro de escrita, não se percebe por que razão não veio a interessada, ora Rcda, solicitar a desistência da data por si indicada passando a ser relevante a data do despacho ou a desistência do pedido de aposentação, como lho permitiam o disposto no artigo 39.º do Estatuto da Aposentação.
5.ª A aposentação da Rcda. encontra-se, pois, decidida de acordo com o que foi estritamente pedido à CGA, não existindo qualquer erro de escrita que possa ser relevado, nos termos do artigo 249.º do Código Civil.
6.ª Não se percebe igualmente como é que um despacho emitido em 14-12-2012 pode ter efeitos a 31-12-2012, sendo que, atento o fundamento legal da aposentação – artigo 37.ºA do Estatuto da Aposentação, o seu momento determinante fixa-se quando muito na data que reconhece o direito à aposentação – cfr. artigo 43.º, n.º 1, do EA -, pelo que também por este prisma nunca poderia haver simples retificação do pedido de aposentação, nos termos do artigo 102.º do Estatuto da Aposentação.
7.ª Ao decidir condenar a CGA, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 247.º e 249.º do Código Civil, os artigos 39.º, n.ºs 5 e 6, 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro, e bem assim o artigo 102.º do mesmo Estatuto, assim como a jurisprudência do STA, nela invocada, formulada no processo 586/14, de 26.06.2014.
Termos em que, com o douto suprimento de V.ª Ex.ªs deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.”
*
A Recorrida veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 26/04/2018, nas quais se discorreu:
“Interpôs a Caixa Geral de Aposentações (CGA) recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo imputando à mesma “a sua completa obscuridade ou contradição”, por, na sua ótica, fazer “uma aplicação totalmente errada da teoria do erro (erro-obstáculo)”.
A alegada obscuridade ou contradição descobre-a a recorrente em três excertos que cita da sentença em apreço, como se de um silogismo lógico se tratasse, quando os referidos excertos não constituem por si só um silogismo lógico no qual a conclusão tenha de estar em concordância com as premissas que a antecedem, já que mais não são do que partes da sentença que a recorrente elegeu separadamente para fundamentar a sua impugnação.
A nosso ver não se surpreende na sentença em crise qualquer obscuridade ou contradição, já que facilmente se percebe o itere cognitivo seguido pelo julgador para chegar à conclusão a que chegou.
Na verdade, após ter enunciado os factos que considerou provados, e que a recorrente não impugna, a Mª Juiz do Tribunal a quo demonstra de que forma ocorreu o erro de escrita, explica como o mesmo era identificável pelo seu contexto e conclui pelo direito da recorrida em vê-lo retificado de acordo com o princípio geral plasmado no artº 249º do Código Civil.
O que não se percebe são as críticas que a recorrente faz à douta sentença quando esta decidiu de forma acertada e acima de tudo com justiça, corrigindo uma situação que era obrigação daquela corrigir face à reclamação apresentada atempadamente pela recorrida.
Na verdade, seria uma injustiça intolerável que a lei permita que “se o despacho do pedido de aposentação não for proferido até à data indicada pelo subscritor como sendo aquela em que pretende aposentar-se, pode este solicitar à CGA que a situação a considerar na sua aposentação seja a existente à data desse despacho” (nº 8, artº 39º do Estatuto), caso em que a recorrida poderia requerer à CGA que fosse considerada a data do despacho de 14/12/2012, em vez da que constava do formulário (31/12/2011), e não possa a mesma CGA, por existência de um lapso na indicação da data, considerar, quanto mais não fosse, pelo menos a data daquele despacho.
Considerando a distância temporal entre a data indicada no formulário e a data do despacho (quase um ano depois), é visível que a recorrida, que se manteve sempre ao serviço, ficaria prejudicada na sua reforma.
Demais a mais, a recorrida só não lançou mão da faculdade prevista na citada norma legal, porque após ter diligenciado junto dos serviços e ainda junto do departamento de recursos humanos pela retificação desse erro, ficou convencida que a situação ficara sanada, razão pela qual, logo que lhe foi comunicada a decisão de 14/12/2012 de imediato reagiu pugnando pela retificação da data a considerar para efeitos de contagem de tempo de serviço.
De resto, o próprio Estatuto, no artº 33º, nº 1, refere que na “contagem final do tempo de serviço para a aposentação considerar-se-ão apenas os anos e os meses completos de serviço”, e que o “regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação” (artº 43º, nº 1), o que significa que estas normas vão no sentido de que a pensão de reforma reflita a situação real e existente à data do despacho que a defira, o que não se verifica no caso da recorrida.
E não diga a recorrente que o referido lapso não lhe era cognoscível, se bem que nem sequer estejamos no domínio do erro-vício, pois bem sabia que a recorrida se iria manter ao serviço (cfr. página 2 do pedido – doc. nº 1 junto com a p.i.) e que lhe seria impossível deferir o pedido em prazo tão curto (entre a sua apresentação e 31/12/2011), pelo que à data em que veio a proferir a decisão (14/12/2012), ou seja, um ano depois, e encontrando-se a recorrida ainda a trabalhar, deveria ter considerado a existência de algum lapso, quando até é contrário às regras da experiência que alguém aja contra os seus próprios interesses.
De resto, a questão da cognoscibilidade no domínio do erro (que não se aplica ao erro obstáculo) coloca-se em vista da tutela da confiança do declaratário, sendo certo que neste caso nenhuma confiança existe a tutelar por banda da CGA, quando o que merece tutela, isso sim, é a situação da recorrida e a confiança que a mesma depositou na Administração de que na sequência do contacto estabelecido após a apresentação do pedido, para correção do lapso, esse problema tinha sido devidamente tratado.
Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, sendo deveras censurável a conduta de uma CGA que, perante a evidência dos factos, não se coíbe de gastar recursos ao Estado e à recorrida, arrastando no tempo uma situação que poderia e deveria ter oportunamente resolvido, e que nenhum prejuízo lhe causa.
Pelo exposto, mantendo a decisão recorrida farão Vossas Excelências Justiça.”
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 18 de junho de 2018, veio a emitir Parecer em 28 de junho de 2018, no qual, a final, se pronuncia “no sentido de o presente recurso jurisdicional obter provimento”.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Em função do Recurso apresentado, importa verificar o suscitado erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Foi considerada a seguinte factualidade provada:
1. A Autora exerceu funções de Enfermeira Graduada no CSVF até ao dia 31.12.2012 (cfr. declaração de fls. 61 dos autos).
2. Pelo menos entre 30.11.2002 e 31.12.2012, a Autora efetuou descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência (cfr. ofício emitido pela Entidade Demandada a fls. 50 do p.a.).
3. Em data não concretamente apurada, entre os dias 28.10.2011 e 31.12.2011, IMAS, funcionária administrativa do CSVF, seguindo as indicações que lhe foram dadas pela Autora, procedeu ao preenchimento de um formulário intitulado “Requerimento de Aposentação ou reforma / nota biográfica”, no qual a Autora se encontra identificada como subscritora e do qual consta, entre outros, o seguinte:
“1.3 - Finalidade
Finalidade - Aposentação
Fundamento – Antecipada
(…)
Data a considerar na aposentação – 31-12-2011
(…)
5 – Mapa de efetividade
Entidade – Aces do Nordeste – CSVF
Período: Início 1977-08-10 Fim a)
(…)
a) Continua em exercício de funções no CSVF.
(…).”
(cfr. formulário a fls. 1 a 6 do p.a., incluindo a data de emissão constante do mesmo)
4. Aquando do preenchimento e da entrega do formulário referido no ponto anterior, a Autora pretendia permanecer ao serviço do Centro de Saúde em que desempenhava as suas funções por um período adicional de cerca de um ano, o que transmitiu à funcionária IS.
5. Alguns dias após o preenchimento e entrega do formulário referido no ponto 3 do probatório, a Autora dirigiu-se à funcionária IS e informou-a de que temia ter havido um lapso na indicação da data a partir da qual a reforma era pretendida, com vista a corrigir a situação.
6. Em 14.12.2012, a Entidade Demandada exarou despacho em que reconheceu à Autora o direito à aposentação, considerando a situação existente em 31.12.2011 (cfr. despacho e ofício a fls. 33 e 36 a 37 do p.a.).
7. Em data não concretamente apurada, anterior a 24.01.2013, a Autora dirigiu à Caixa Geral de Aposentações um requerimento com o seguinte teor parcial:
“Eu, MAFSD (…), informo que na data de preenchimento dos impressos por parte do serviço foi indicado erradamente que a data a considerar na aposentação seria de 31.12.2011 (data em que informei que queria que fosse pedida a aposentação), tendo-se sempre mantido em exercício das minhas funções até 31-12-2012 como indicado no requerimento MOD CGA 01 versão 2.0 campo nr. 5 apresentado na vossa instituição, o qual junto cópia.
Pelos motivos supra descritos venho por este meio pedir a reavaliação do valor da aposentação contabilizando o ano de 2012.” (cfr. ofício a fls. 63 do p.a. e requerimento a fls. 64).
8. Em 08.02.2013, a Entidade Demandada enviou à Autora um correio eletrónico com o seguinte conteúdo parcial:
“Em resposta à sua carta informamos V. Ex.ª de que de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de Setembro, o regime de aposentação que não dependa da verificação de incapacidade poderá ser fixado com base na situação (de facto e de direito) existente na data em que for indicada pelo subscritor.
No seu caso, como indicou que pretendia aposentar-se em 2011-12-31, a aposentação foi reportada a essa data.
É certo que, nos termos do n.º 8 do artigo 39.º do Estatuto da Aposentação, também na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, se o despacho do pedido de aposentação não for proferido até à data indicada pelo subscritor como sendo aquela em que pretende aposentar-se, pode este solicitar que a situação a considerar na sua aposentação seja a existente à data em que essa decisão vier a ser proferida, mas até o processo ser despachado, o que não aconteceu.
(…)
Em face do exposto, não é possível atender a pretensão formulada.
(…)”
(cfr. documento 3 da p.i.).
*
IV – Do Direito
Importa agora analisar e ponderar e decidir suscitado
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Conforme resulta do probatório, a Autora entregou um formulário com vista à sua aposentação antecipada, no qual se encontrava indicada como data a considerar para aposentação o dia 31.12.2011 (cfr. ponto 3 do probatório). Resultou ainda demonstrado que a Autora pretendia trabalhar por mais cerca de um ano e que, após a entrega do formulário, informou a funcionária administrativa de que temia ter existido um lapso no preenchimento do formulário (pontos 4 e 5 do probatório), tendo efetuado pelo menos uma tentativa de corrigir o formulário submetido, junto dos serviços em que prestava funções (cfr. ponto 5 do probatório).
Nos termos do art. 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na versão aprovada pelo Decreto-lei n.º 238/2009, de 16 de setembro, em vigor à data da apresentação do formulário com vista à reforma antecipada por parte da Autora:
“1 - O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa -se com base:
a) Na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se;
b) Na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 39.º, e na situação existente à data em que o mesmo seja despachado, se o interessado não indicar data a considerar.”
Este preceito foi, entretanto substituído pela redação decorrente da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, segundo a qual: “O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.”
De ambas as redações resulta que, na ausência de indicação de data a considerar por parte do interessado na aposentação, a data a considerar para efeitos de aposentação será a data da emissão do despacho.
De acordo com o art. 39.º, n.ºs 5 e 6, do Estatuto da Aposentação, o requerente pode indicar, no pedido de aposentação, uma data posterior a considerar pela CGA para os efeitos do n.º 1 do art. 43.º do mesmo diploma.
Acresce que, de acordo com o n.º 8 do art. 39.º do Estatuto da Aposentação, nas situações em que é indicada uma data, se o despacho não for proferido até à data indicada pelo subscritor, pode este solicitar à CGA que a situação a considerar seja a existente à data do despacho.
Ora, nos presentes autos não vem alegado que a Autora tivesse recorrido a este mecanismo previsto no art. 39.º, n.º 8, do Estatuto da Aposentação, requerendo a consideração de uma data posterior, em virtude do decurso do tempo.
Aquilo que vem alegado e que foi oportunamente requerido pela Autora junto da Entidade Demandada (cfr. ponto 7 do probatório) é que a Autora cometeu um erro no preenchimento da declaração e que tal erro inquina o ato impugnado de um erro nos pressupostos de facto.
Ora, nos termos do art. 102.º do Estatuto de Aposentação, “Sem prejuízo do disposto nos artigos 101.º e 103.º, as resoluções finais só podem ser revogadas ou reformadas por ilegalidade, ou retificadas por erro de escrita ou de cálculo, nos termos gerais de direito.”
Cumpre então desde logo convocar o disposto no Código Civil quanto ao lapso ou erro de escrita cuja existência vem invocada pela Autora.
Nos termos do art. 249.º no Código Civil, “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à retificação desta.”
Voltando ao caso concreto, decorre do probatório que a Autora pretendia trabalhar por mais um ano, quando apresentou o seu pedido de reforma antecipada e bem assim que tal pretensão foi transmitida à funcionária administrativa que preencheu o impresso da Entidade Demandada para o efeito.
De tal factualidade há que retirar a existência de um erro de escrita, sendo ainda certo que um tal erro resulta corroborado pela análise do contexto e das circunstâncias do preenchimento do formulário.
É que, por aplicação dos preceitos legais que vêm citados, encontra-se prevista a possibilidade da indicação, por parte do interessado na obtenção da reforma voluntária, de uma data futura, aquando da entrega do pedido da reforma. Ao fazê-lo, o interessado está a afastar-se de uma situação em que ficaria à mercê da data em que o despacho é proferido, como sucede nos casos do art. 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, fixando de antemão a data da reforma.
Ora, se assim é, não seria expectável que a Autora, entregando o formulário nos serviços entre o final do mês de outubro e o final do mês de dezembro (cfr. ponto 3 do probatório), pretendesse que a reforma fosse considerada numa data tão próxima da data da apresentação do formulário, uma vez que tal a prejudicaria em termos de contagem de serviço caso a Entidade Demandada demorasse mais tempo em deferir o requerido, como efetivamente sucedeu.
A atuação que seria expectável, caso a Autora pretendesse obter a reforma num período tão curto, era que se tivesse limitado a requerê-la, esperando que os serviços decidissem com a celeridade desejada.
Donde, atenta a prova produzida e considerando também o contexto global da apresentação do requerimento que deu origem à emissão do ato impugnado, há que concluir que a Autora não pretendia indicar como data a considerar para efeitos de aposentação o dia 31.12.2011, mas sim o dia 31.12.2012, tendo a indicação ocorrido em virtude de um erro no preenchimento do formulário.
Não está em causa um erro na representação de uma determinada realidade que possa ter influenciado a representação da vontade, mas sim um erro na expressão material dessa vontade, seja por uma troca de dígitos na data indicada, seja pela errónea interpretação daquilo que vinha solicitado no formulário.
Recorrendo às doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, “I – Acolhe e exprime-se no art. 249.º do CC um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detetem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade.” (Ac. do STA de 26.06.2014, proc. n.º 0586/14, in www.dgsi.pt).
Ao que vem dito, cumpre acrescentar que também resultou demonstrado que a Autora se dirigiu aos serviços, num momento posterior ao preenchimento do formulário, informando quanto à possibilidade da existência de um lapso no preenchimento do mesmo (ponto 5 do probatório).
Ora, nesse momento em que o erro foi invocado junto dos serviços, a situação deveria ter sido desde logo devidamente retificada, ao abrigo do disposto no art. 249.º do Código Civil, o qual - conforme resulta reconhecido no citado aresto do Supremo Tribunal Administrativo -, constitui um princípio geral de direito aplicável a todo o ato jurídico.
Até porque, nessa altura, caso a data por si indicada não consistisse num erro, a Autora sempre poderia ter requerido à Entidade Demandada que fosse afinal considerada uma data posterior, nos termos do art. 39.º, n.º 8, do Estatuto da Aposentação.
Uma vez proferido o ato, a Autora requereu então a sua revisão da sua reforma (cfr. ponto 7 do probatório), o que encontra cabimento legal no art. 102.º do Estatuto da Aposentação.
Contudo, a Entidade Demandada não relevou um tal erro, limitando-se a enquadrar a situação no regime constante do art. 39.º, n.º 8, do Estatuto da Aposentação, o que a levou a considerar o requerimento extemporâneo (cfr. ponto 8 do probatório).
Sucede que, à luz do que vem dito, à Autora assistia efetivamente o direito de retificar o erro de escrita que constava do formulário por si entregue, o que impunha a sua retificação nos termos do art. 102.º do Estatuto da Aposentação.
Isto dito, cumpre referir que não procede o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto que vem invocado pela Autora, uma vez que, nos termos do art. 249.º do Código Civil, aplicável por remissão do art. 102.º do Estatuto da Aposentação, a existência de um erro apenas dá direito à retificação do ato, não implicando a sua anulação.
Sem prejuízo, o juiz não se encontra adstrito às alegações das partes no que respeita ao direito aplicável (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
E a verdade é que a retificação do ato em função do erro revelado nos autos - constante do formulário que determinou o conteúdo do ato -, coincide materialmente com a pretensão da Autora, no sentido de ser substituído o ato que deferiu a sua aposentação antecipada por outro ato que considere a data efetivamente pretendida, com as legais consequências.
Há, pois, que considerar totalmente procedente a pretensão material formulada nos presentes autos.”

Analisemos então o suscitado pela Recorrente CGA.
A sentença recorrida condenou a CGA a retificar o ato proferido em 14 de dezembro de 2012, que reconheceu à Recorrida o direito a uma aposentação antecipada, com efeitos reportados a 31 de dezembro de 2011, por ser essa a data que constava do seu requerimento de aposentação, devendo o cálculo ser reportado a 31 de dezembro de 2012.
O Tribunal a quo entendeu existir um erro de escrita, por parte da Recorrida, verificado aquando da apresentação do seu Requerimento de Aposentação antecipada.
Efetivamente, afirmou-se na decisão recorrida que “Conforme resulta do probatório, a Autora entregou um formulário com vista à sua aposentação antecipada, no qual se encontrava indicada como data a considerar para aposentação o dia 31.12.2011 (cfr. ponto 3 do probatório). Resultou ainda demonstrado que a Autora pretendia trabalhar por mais cerca de um ano e que, após a entrega do formulário, informou a funcionária administrativa de que temia ter existido um lapso no preenchimento do formulário (pontos 4 e 5 do probatório), tendo efetuado pelo menos uma tentativa de corrigir o formulário submetido, junto dos serviços em que prestava funções (cfr. ponto 5 do probatório).
Mais à frente, discorrendo sobre o regime aplicável à aposentação da Recorrida - artigos 39.º, n.ºs 5 e 6, 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação do Decreto-lei n.º 238/2009, de 16 de setembro – mais se afirma que “De ambas as redações resulta que, na ausência de indicação de data a considerar por parte do interessado na aposentação, a data a considerar para efeitos de aposentação será a data da emissão do despacho.
De acordo com o art. 39.º, n.ºs 5 e 6, do Estatuto da Aposentação, o requerente pode indicar, no pedido de aposentação, uma data posterior a considerar pela CGA para os efeitos do n.º 1 do art. 43.º do mesmo diploma.
Acresce que, de acordo com o n.º 8 do art. 39.º do Estatuto da Aposentação, nas situações em que é indicada uma data, se o despacho não for proferido até à data indicada pelo subscritor, pode este solicitar à CGA que a situação a considerar seja a existente à data do despacho.
Afirma-se finalmente na decisão recorrida que “Recorrendo às doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, “I – Acolhe e exprime-se no art. 249.º do CC um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detetem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade.” (Ac. do STA de 26.06.2014, proc. n.º 0586/14, in www.dgsi.pt).
Resulta do transcrito que o tribunal a quo faz uma aplicação da teoria do erro-obstáculo, o que desde logo pressuporia, porventura, a verificação de um erro ostensivo ou de escrita, o que se não reconhece, nem resulta do probatório.
É incontornável que a data que consta do Requerimento de Aposentação como sendo aquela a partir da qual deverá ser considerada a aposentação é 31 de dezembro de 2011, não tendo sido feito chegar à CGA, durante o ano que levou até à decisão final, qualquer correção de alegado lapso.
Se é certo que estamos em sede de aposentação antecipada, com foi consignado pela Requerente, naturalmente que a CGA teria de ter a data aposta no requerimento, como sendo aquela que correspondia à sua vontade - cfr. artigos 39.º e 40.º do EA.
A CGA refugia-se, por outro lado, no facto de ter decidido o Requerimento de aposentação Antecipada de acordo com o requerido, o que formalmente é exato, pelo que por falta de prova em contrário, não se reconhece o declarado erro de escrita que possa ser relevado, nos termos do artigo 249.º do Código Civil.
Em qualquer caso, atenta a circunstância de se mostrar incongruente aposentar um trabalhador em 14 de dezembro de 2012 (Data do Despacho), reportadamente a 31 de dezembro de 2011, sendo que o trabalhador se encontrava a trabalhar aquando da prolação do Despacho, importa encontrar uma solução adequada e congruente, à luz do direito vigente.
Aqui chegados, perante a manifestação de vontade efetuada pela Recorrida (Facto provado 7), dirigida à Caixa Geral de Aposentações, dando conta do seu descontentamento pelo facto de ter sido considerado 31.12.2011 como data da sua aposentação, não obstante ter continuado a trabalhar até 31.12.2012, mais requerendo “a reavaliação do valor da aposentação contabilizando o ano de 2012”, sempre seria de elementar justiça entender como aplicável o regime estatuído no Artº 43º nº 1 do EA no qual se refere, no que aqui releva, que “o regime da aposentação voluntária (...) fixa-se com base (...) na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.”
A interpretação adotada não colide com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2017 de 26 de abril de 2017, que julgou “inconstitucional, por violação dos Artº 2º e 13º da Constituição, a norma do artigo 43º nº 1 do Estatuto da aposentação, na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, no segmento que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação”, uma vez que não se refere ao segmento transcrito.
Assim, fixando-se o direito à aposentação na data em que foi proferido o Despacho a reconhecer o direito à aposentação, tal determina e significa que a aqui Recorrida se considere Aposentada desde 14 de dezembro de 2012 (Data do Despacho), o que determinará que a CGA deva proceder aos correspondentes acertos nos quantitativos pagos e a pagar na Pensão de Aposentação da aqui Recorrida.
A não ser assim, mostrar-se-ia, designadamente, violado o princípio da igualdade, uma vez que potencialmente dois aposentados declarados na mesma data, poderiam ver a data da sua aposentação diferenciada, e pior, tal poderia determinar, como na situação presente, que a Aposentada tivesse estado a trabalhar mais de um ano após a data da sua aposentação, o que no mínimo seria incongruente e uma aberração jurídica.
Sobre o alcance do princípio geral da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legislativo, escreveu-se no Acórdão do TC n.º 409/99:
«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.»
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder parcial provimento ao Recurso, revogando-se parcialmente a Sentença Recorrida, considerando-se para efeitos de aposentação a data de 14 de dezembro de 2012.
Custas pela Entidade Recorrente (2/3) e Recorrido (1/3)
Porto, 9 de novembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira