Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00343/08.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:FATURAÇÃO FALSA
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS
Sumário:1. Se a AT pretende ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte tem de provar os fundados indícios que a abalam (art. 75º LGT) sob pena de sofrer as consequências desfavoráveis de um ónus não satisfeito (art. 414º do CPC).
2. Os indícios devem ser suficientemente fortes para que não subsistam dúvidas quanto à falsidade da operação e à consequente tributação (ou não dedução do imposto) e não podem deixar de ser lidos com prudência e devidamente contextualizados.
3. Por seu turno, se o contribuinte pretende demonstrar a veracidade das operações faturadas, tem de intervir com a mesma exigência e rigor probatórios, com a mesma cominação.
4. Para se desonerar do seu encargo probatório, não basta ao contribuinte criar a dúvida sobre a veracidade da facturação. Se se limitar a criar esta dúvida, sem adentrar na prova credível da realidade/materialidade das operações, a dúvida resolver-se-á contra si.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: M…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2004 e 2005 no valor de € 2.970.621,12 e 2.417.177,18, respetivamente.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
III.1 - Quanto à dedutibilidade dos montantes constantes de facturas alegadamente falsas

A nulidade da Sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto:

A. A especificação feita pela Sentença da factualidade não provada nos autos é absolutamente inexistente: com a mera referência aos “factos alegados com que pretende a Impetrante fazer prova da materialidade das operações/transacções a que se reportam as facturas desconsideradas pela Administração fiscal e que estão na génese das liquidações impugnadas”, a Sentença não está a especificar facto nenhum – estando, bem pelo contrário, a recusar-se a fazer essa especificação e a explicar a valoração realizada na decisão. Em rigor, nem sequer ficamos a saber a que factos o Tribunal se refere. Uma das tarefas de que o decisor judicial está incumbido é a do saneamento do processo, no âmbito do qual se devem depurar da discussão quais os factos controvertidos. Não havendo, no processo de impugnação judicial, a autonomização dessa fase, terá o labor em causa de ser realizado na própria sentença. Ora, no nosso caso, nada disso aconteceu: estamos na mais absoluta penumbra quanto aos factos específicos e concretos que o Tribunal entendeu ser essencial a Impugnante demonstrar para que se cumprisse o seu ónus da prova.

B. No fundo, com esta falta de especificação, o que a Sentença acaba por dizer é que o facto que necessitava de ser provado era a veracidade das operações tituladas pelas facturas em crise. O que, por outro lado, faz com que a especificação dos factos seja igualmente inadmissível por ser meramente tautológica e conclusiva,uma vez que esse “facto”, dado como não provado, nunca poderá ser um verdadeiro facto, para efeitos da Sentença que deveria ter sido proferida no presente processo.Ele é uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.

C. Existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.

D. Na petição inicial e nas alegações finais, a Recorrente fez a descrição de um conjunto vasto de factos que, apreciados de modo interligado, teriam a susceptibilidade de ter implicado que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não pudesse ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela M... não titulam transacções reais. Assim sendo, perante a relevância dos factos aduzidos, que têm a capacidade de refutar os alegados “indícios” da AT, deveria a Sentença recorrida ter-lhes feito uma referência e dedicado uma apreciação expressas.

E. Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como “indícios” suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a M... defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi – como fez – ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.

F. A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, bem como no n.º 1 do artigo 125º do CPC, sendo que para efeitos deste último a falta de descriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.

G. Posto que a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos não provados, é insuficiente, nos termos sobreditos, ela acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova – outro vício acerca do qual os Tribunais Superiores têm vindo a construir jurisprudência sólida.

H. Para além de excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua, podendo até dizer-se que em parte a “motivação” não revela, verdadeiramente, motivação alguma.

I. Por outro lado, todavia, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente.

J. Assim, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelos artigos 653º, 655º e 659º do CPC.

K. Por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, podendo ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 712º do CPC.

O erro no julgamento da matéria de direito:

L. O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 23º do Código do IRC: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.

M. Para que o artigo 23º do Código do IRC se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animusnocendi” em desfavor do Estado.

N. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva – não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a M... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito – a algum conceito – de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e – diga-se – preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.

O. De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).

P. DoAcórdão do TCA-Norte de 01/03/2007, proferido no processo n.º 00027/00, que a Sentença mobiliza, não resulta que a falsidade de facturas possa sempre ser retirada, para efeitos da definição da situação fiscal de um determinado contribuinte que as recebeu, com base na actuação concreta e nos termos gerais da actividade do emitente: só assim será se dos indícios extraídos da esfera dos emitentes resultar directamente a simulação das operações declaradas e a participação do receptor das facturas num conluio fraudulento.

Q. Enquanto no caso decidido pelo Acórdão do processo 00027/00 os indícios que dizem respeito ao emitente das facturas afectam directa e necessariamente a operação titulada pela factura desconsiderada pela AT (porque não é possível prestar serviços de “motoniveladora, pá carregadora, bulldozer D-5, giratória e retroescavadora” sem se possuir ou ter acesso a esses instrumentos), já quanto aos “indícios” mobilizados contra a M... nada disso acontece, porque se trata de considerações genéricas sobre os fornecedores (e, lembre-se, sobre os fornecedores desses fornecedores!) das quais não resulta com suficiente certeza (longe disso) a impossibilidade de as transacções declaradas terem ocorrido.

R. Assim, o Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007 não só não vem em auxílio da Administração fiscal, como, isso sim, vem, a contrario sensu, reforçar a posição da M..., refutando o pressuposto da Sentença segundo o qual a AT se pode bastar com factos exclusivamente relativos aos fornecedores, que nada têm que os ligue ao sujeito passivo inspeccionado nem muito menos especificamente às operações concretas desconsideradas.

S. A situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, emitidas a um sujeito passivo que tinha actividade no sector das sucatas, por alegadamente este ter deduzido imposto constante de facturas que não titulavam operações reais, sendo essa falsidade concluída exclusivamente a partir dos dados relativos aos fornecedores; e também aí foram pela AT recolhidos e dados como provados nos autos “indícios” integralmente respeitantes aos fornecedores da impugnante (aí recorrida) – à sua ausência de estrutura empresarial, falta de cumprimento de obrigações tributárias, etc. –, de estirpe semelhante à dos que estão ora em causa.

T. Ora, nesse processo foi decidido – e bem – que “se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental ao mesmo tempo que refere também que tais transacções estão comprovadamente pagas não pode a AF nesta situação por em causa algumas dessas transacções – totalmente documentadas – pelo facto de os emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa”. “A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador”.

U. Esta decisão é de um bom senso e sentido de justiça irrefutáveis: a documentação cabal das transacções, por parte do sujeito passivo inspeccionado, é uma prova que não pode ser refutada apenas com base apenas em factos relativos aos fornecedores, sem afectar propriamente as operações concretamente questionadas.

V. O aresto citado não é isolado ou inovatório: na Jurisprudência do TCA – Norte, facilmente encontramos decisões sobre matéria semelhante à da situação presente coincidentes com a posição defendida pela ora Recorrente (por exemplo, os Acórdãos de 23/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00264/04, o de 01/12/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00405/04, ou o mais recente Acórdão de 06/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º 4645/04-Viseu), os quais se debruçam sobre “indícios” iguais, da mesma estirpe de validade ou muito mais graves do que os que nos presentes autos são mobilizados pela AT, tendo este Tribunal valorado os mesmos com base em critérios de experiência corrente, nomeadamente por referência ao que seria normal ocorrer nas circunstâncias concretas dos sectores de actividade em questão (pouco sofisticados, compostos de empresas desorganizadas – como, precisamente, uma parte do sector das sucatas) e, consequentemente, em sentido desfavorável à AT.

W. Não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei – a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a M... e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis –, deveria a Sentença a quo ter decidido que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.

O erro no julgamento da matéria de facto:

X. Foram nos autos aduzidos factos cuja apreciação, se tivesse sido feita, implicaria necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela M... não titulam transacções reais.

Y. Esses factos são os que constam do elenco do ponto ii.b) da alínea c) do capítulo II das presentes alegações, elenco esse que se dá aqui por reproduzido.

Z. Essa factualidade, se incluída no probatório, levaria à demonstração cabal da naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração teria necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados,existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme,e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector, pelo que não sobra qualquer dúvida da ilegalidade da mobilização do artigo 23º do Código do IRC.

III.2 - Quanto à dedutibilidade dos montantes suportados a título de juros de mora ecustas judiciais

AA. Aalínea d) do n.º 1 do artigo 42º do Código do IRC constitui uma solução normativa que apela à unidade e coerência do sistema jurídico e se arrima numa concepção moralista do direito fiscal, segundo a qual seria intolerável que a lei permitisse que se retirassem benefícios das sanções por ela própria cominadas para as infracções tributárias (ou de outra qualquer natureza jurídica). Os encargos nela enquadráveis apenas o são se revestirem a natureza de sanção directa e automaticamente resultante da prática de infracções.

BB. Os juros de mora não têm essa natureza, porque se destinam apenas a compensar o Estado pelo atraso no pagamento de quantias liquidadas (ao contrário dos juros compensatórios – os quais são cominados na sequência de atraso ou ausência de efectivação da liquidação por parte do sujeito passivo, sempre que essa dependa de qualquer actuação deste e são uma componente da própria dívida de imposto). Nestes termos, é-lhes unanimemente reconhecida na Doutrina uma natureza indemnizatória do Estadoe, paralelamente, também uma natureza compulsória do cumprimento pontual da obrigação de imposto.

CC. Igualmente quanto às custas judiciais não se pode considerar estarmos perante uma sanção pela prática de infracções: estas têm um carácter bilateral e retributivo, associadas que estão ao pagamento de um serviço concreto e específico, aproximando-se, pois, do conceito de taxa. Não estão, pois, juridicamente ligadas a um incumprimento ou a uma infracção – inclusivamente, aliás, pelo facto de serem devidas independentemente do desfecho da lide.

DD. Aliás, se configurássemos as custas judiciais como uma sanção ou, pelo menos, como um encargo imediatamente derivado da prática de infracções à lei, estaríamos então a esvaziar de conteúdo o princípio basilar do acesso à justiça ou da tutela jurisdicional efectiva (plasmado, desde logo, no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da Constituição, bem como, no que ao direito tributário diz especificamente respeito, no artigo 9º da LGT),e ainda – porque nesse caso entraríamos (ao engano, como vimos) no âmbito do direito sancionatório – o próprio princípio da presunção da inocência (previsto no n.º 2 do artigo 32º da Constituição).

EE. Pelo que, em conclusão, assim como as liquidações em causa nos autos, também a Sentença recorrida se encontra ferida do vício de anulabilidade, por violação dos artigos 23º e 42º, n.º 1, alínea d), do Código do IRC.

Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas consequências legais resultantes dos vícios nele invocados.

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Não houve.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto, e se errou no julgamento de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

a) A Impugnante exerce a actividade de Comércio por Grosso de Sucatas, CAE 51.571, (cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 47 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

b) No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 20060527, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto desencadearam um procedimento inspectivo à aqui Impugnante, com âmbito parcial, visando os exercícios de 2004 e 2005, efectuando correcções meramente aritméticas à matéria tributável no âmbito de IRC (cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 101 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e PA apenso);

c) Da correcção meramente aritmética à matéria tributável a que se reporta a alínea anterior resultaram as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2004 e 2005, emitidas sob os nºs 20078310018851 e 20078310018897, no valor respectivamente de €2.970.621,12 e de 2.417.177,18,, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2008.01.14 (cf. Demonstração de liquidação de IRC, Demonstração de liquidação de juros e Demonstração de acerto de contas de fls. 86 a 93 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

d) Do Relatório de inspecção tributária, junto aos autos, que se dá aqui por reproduzido e que parcialmente se transcreve, consta a seguinte fundamentação de facto e de direito:

- Dada a sua extensão, aqui damos por integralmente reproduzido o teor do RIT junto a fls. dos presentes autos, para todos os efeitos legais);

e) Em 22.11.2007, foi a Impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária, respectivos anexos e das notas de fixação de IRC, na pessoa do seu gerente e a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls 42 a 305 do PA apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

f) No período de Fevereiro a Março de 2004, José... emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de remessa, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls. 365 a 421 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

g) No período de Junho a Julho de 2004, Luís... emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de transporte, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.440 a 458 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

h) No período de Março a Abril de 2004, Paulo... emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de transporte, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.459 a 536 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

i) Relativamente a Paulo... , foram ainda juntos aos autos dois talões de pesagem acompanhados por dois documentos com o seguinte teorFornecedor em causa encontra-se em parte incerta e recusou-se quando contactado a passar documentação do material em causa.

Junto encontra-se o talão de entrada e o cheque passado para pagamento do mesmo.

Nesta carga e na carga seguinte (também referenciada) foi apresentada a desculpa de que estava à espera de novos livros , que foi aceite de boa fé pelos nossos serviços.» ( cfr fls. 537 a 539 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

j) Em Março de 2004, a sociedade R... - Comércio por Grosso de Sucatas, Lda. emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de remessa, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.540 a 559 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

k) Em Janeiro de 2004, a sociedade L... - Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda. emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de remessa, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.560 a 582 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

l) No período de Janeiro a Dezembro de 2004, a sociedade F... – Comércio Sucatas e Reciclagens, Lda. emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de remessa, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.583 a 1484 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

m) Foram Juntas aos autos cópias das facturas emitidas pela sociedade M…, Sucessores Lda. dirigidas, entre outras, à sociedade Re... Reciclagens de Metais Lda., Al…, e F... Comercialização e Exportação de Sucatas , Lda. (cf. fls. 1484 a 2006 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

n) No período de Junho a Dezembro de 2004, Fred... emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de transporte, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.2007 a 2206 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

o) No período de Janeiro a Novembro de 2004, a sociedade N..., Lda. emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de remessa, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.2207 a 2319 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

p) No período de Janeiro a Dezembro de 2004, J… emitiu facturas dirigidas à Impugnante, respectivos recibos e guias de transporte, as quais encontram-se acompanhadas de cópias dos talões de pesagem, dos cheques utilizados como meio de pagamento e do respectivo extracto de conta corrente da Impetrante, conforme fls.2320 a 2775 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

q) Em 13.02.2008, não se conformando com as liquidações adicionais de IRC que têm na sua génese a Inspecção Tributária a que se reportam as alíneas anteriores, a impetrante deduziu a presente Impugnação (cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls.2 dos presentes autos).


***

Factos não provados
Não se mostram provados outros factos além dos supra referidos, nomeadamente, não resultaram provados os factos alegados com que pretende a Impetrante fazer prova da materialidade das operações/transacções a que se reportam as facturas desconsideradas pela Administração Fiscal e que estão na génese das liquidações impugnadas.
As demais asserções da douta petição constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito da Impugnante .
***
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal encontra-se sedimentada na apreciação conjugada da prova documental junta aos autos pela Administração Fiscal e pela Impugnante à luz das regras da experiência.
A matéria de facto não provada resultou da ausência de prova produzida para o efeito, não tendo a Impugnante logrado comprovar o invocado, concretamente a veracidade das transacções tituladas pelas facturas postas em crise pela Administração Tributária, tal como resulta da prova testemunhal produzida, atento o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, dos quais cumpre realçar, em síntese, que :
Fernando.., declarou ter sido funcionário da ora Impugnante, procedendo à respectiva gestão documental, tendo prestado depoimento de forma credível, coerente e séria.
Todavia, urge salientar que o seu depoimento centrou-se nas práticas comuns do mercado da sucata, tendo descrito o modus operandi da Impugnante no que concerne à estipulação dos preços, contactos dos fornecedores com a impetrante, forma de pagamento (cheque, pagamentos a pronto e venda a prazo), documentos associados às transacções de sucata (guias de remessa, facturas), assim como procedimentos verificados nas descargas das mercadorias (pesagem, selecção de materiais).
Questionado sobre se a Impugnante procurava obter referências dos seus fornecedores, afirmou que a Direcção de Finanças do Porto sempre lhes negou informação face à confidencialidade da mesma, mais tendo afirmado desconhecer, por completo, a situação de incumprimento destes face à Administração Fiscal, bem como a respectiva estrutura empresarial.
Por último, reafirmou que a contabilidade da empresa não foi alvo de qualquer censura em sede inspectiva, nem mesmo os procedimentos relativos aos respectivos stocks.
José…, declarou ter sido Revisor Oficial de Contas da Impugnante desde 1996/97, tendo prestado depoimento de forma credível e séria.
Afirmou nunca ter detectado qualquer irregularidade aquando da certificação das contas da Impugnante, o que sempre realizou sem reservas, com a excepção de contas correntes, nunca tendo registado qualquer anomalia ou feito recomendações, tendo-se deslocado às instalações da impetrante por diversas vezes para fazer a contagem física das existências, testes às compras (verificando se as facturas correspondem a entradas no stock e lançadas na conta “Fornecedores”), vendas e margem de lucro.
Na sequência da instância da Digna Representante da Fazenda Pública e questionado pela Mandatário da Impugnante, declarou que, apesar de ser possível fazer uma correspondência formal entre as compras efectuadas e as vendas realizadas, face à grande rotação dos stocks, não é possível aferir da proveniência de determinada matéria-prima.
António…, declarou ser empresário na área das sucatas, tendo afirmado ser concorrente da Impugnante neste específico mercado.
Todavia, apesar de ter descrito de forma minuciosa e credível o modo de funcionamento das empresas que laboram no ramo comercial da Impugnante, revelou não deter conhecimento directo dos factos/transacções em questão nos presentes autos, tendo-se limitado à caracterização o negócio das sucatas ao nível dos preços, funcionamento, a capacidade negocial das pequenas e das médias empresas, bem como, das fundições, assim como o relacionamento dos pequenos fornecedores de sucatas com as empresas agregadoras.
Miguel…, declarou ser comerciante da área das sucatas e ex fornecedor da Impugnante. No seu depoimento revelou não ter, igualmente, conhecimento directos dos factos/operações em questão nos presentes autos.
Questionado sobre a possibilidade da realização de negócios por qualquer pessoa sem conhecimentos na área, respondeu afirmativamente no que tange à quantidade de material, porém, declarou ser necessário “saber”, ou seja , um conhecimento específico no que concerne à qualidade da sucata.
Ademais, afirmou que para o negócio da sucata é necessário pelo menos um camião para transportar a sucata e um terreno onde acumulá-la.
Manuel..., declarou ser sócio gerente de uma empresa metalúrgica que procede à transformação de sucata e da qual a Impugnante é fornecedora.
Caracterizou a Impugnante como sendo uma empresa conceituada no mercado das sucatas, que fornece garantias aos clientes e fornecedores, nunca tendo detectado qualquer irregularidade no respectivo giro comercial.
Apesar de ter afirmado conhecer alguns dos fornecedores da Impugnante não logrou identificar com precisão qualquer um deles, tendo-se limitado a caracterizar o modus operandi da sua empresa no seu giro comercial, assim como, o seu relacionamento com os respectivos fornecedores.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com referência aos exercícios de 2004 e 2005 na sequência da qual foram realizadas correções à matéria tributável em sede de IRC, por desconsideração de faturação falsa, que a Impugnante não aceitou e contra as quais deduziu impugnação judicial.

Efetuadas as diligências probatórias, a MMª juiz proferiu sentença julgando totalmente improcedente a impugnação, considerando que a administração tributária havia carreado factos suficientemente indiciadores da falsidade das facturas e que a prova testemunhal e documental carreada para os autos pela Impugnante não teve a “.. virtualidade de contrariar ou mesmo abalar a credibilidade dos indícios recolhidos pela AT e não sendo possível a este Tribunal descortinar a veracidade das operações subjacentes às facturas desconsideradas, improcedem os alegados vícios de fundamentação, de violação do ónus da prova e de violação de lei.”

A impugnante discordou de tal julgamento e interpôs recurso para este TCA que por acórdão de 20 de dezembro de 2013 julgou parcialmente procedente o recurso e determinou a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial no tocante às correcções da matéria tributável por desconsideração das facturas emitidas por R..., Lda Comércio por Grosso de Sucatas, Lda., L... - Comércio de Sucatas Unipessoal, Lda., José..., J..., Sucatas... Unipessoal, Lda., Fred..., G... - Comércio Sucatas Unipessoal, Lda., N..., Lda. e F... - Comércio de Sucatas, Lda, julgar nesta parte procedente a impugnação judicial e anular as liquidações impugnadas na medida em que resultaram daquelas correcções.

julgando procedente a impugnação judicial vencendo o entendimento de que a AT deve reunir “...indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da sucata.”, o que não fez em relação aos emitentes cima referidos, quedando-se apenas pelos indícios junto destes.

Interposto e admitido recurso pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública por oposição com o acórdão n.º 964/06.0BEPRT deste TCA, o douto acórdão do Pleno da Secção do CT de 16/11/2016 doutrinou no sentido de não ter a AT de provar a existência de acordo simulatório entre emitente e utilizador da factura, rejeitando assim a tese do acórdão recorrido (deste TCA) no sentido contrário.

Assim, o douto acórdão do Pleno revogou o acórdão recorrido e ordenou a baixa dos autos para que seja “...proferido de novo acórdão que, em conformidade com o supra apontado regime jurídico atinente ao ónus da prova, e face à factualidade assente nos autos, reaprecie o recurso interposto da sentença proferida nos autos.”

Em cumprimento do ordenado, e como consequência da revogação total do acórdão recorrido, passamos a analisar todas as questões suscitadas nas doutas conclusões de recurso repristinando aquelas que não foram objecto de recurso as quais inteiramente sufragamos.

Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto

Insurge-se a recorrente contra a especificação da factualidade não provada, dizendo que ela é inadmissível por ser verdadeiramente inexistente, existindo uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.

Diz que nas alegações finais fez a descrição de um conjunto vasto de factos que apreciados de modo interligado, teriam a susceptibilidade de ter implicado que aos constantes do Relatório de inspecção (todos relativos a entidades terceiras) não pudesse ser atribuída, como o foi pela administração tributária, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela recorrente não titulam transacções reais. E que perante a relevância dos factos aduzidos, que têm a capacidade de refutar os alegados “indícios” da administração tributária, deveria a Sentença recorrida ter-lhes feito uma referência e dedicado uma apreciação expressas. Refere que se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como “indícios” suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que recorrente defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito, diz, foi - como fez - ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido. Imputa assim sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto, a nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, bem como no n.° 1 do artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que para efeitos deste último a falta de descriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.
Finaliza dizendo que a sentença acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova. Diz que para além de
excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua, podendo
até dizer-se que em parte a “motivação” não revela, verdadeiramente, motivação alguma. E que, por outro lado, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente. E assim, pugna, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelos artigos 653.°, 655.° e 659.° do Código de Processo Civil.

Distingue-se na arguição da recorrente duas nulidades que imputa à sentença: uma decorrente da falta de indicação dos factos não provados; outra por falta de fundamentação da matéria de facto.
Começando pela falta de especificação dos factos não provados.
O n.° 2 do artigo 123.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário determina que na sentença o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
A razão da exigência da indicação da matéria de facto não provada, além da provada (o que não acontece no processo civil - artigo 659.°, n.° 2 do Código de Processo Civil) está no facto de o julgamento da matéria de facto se fazer na sentença e não em momento processual anterior (como acontecia no Código de Processo Civil de 1961).
Mas na discriminação dos factos que há-de fazer não tem o juiz que se pronunciar sobre todos os factos alegados pela parte, tendo antes o dever de seleccionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito - artigos 508.°- A, n.° 1, alínea e), 511.° e 659.° do Código de Processo Civil de 1961.
O Tribunal recorrido sob o título “Factos não provados” consignou: - «Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos, as demais asserções da douta petição constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito da Impugnante».
A discriminação dos factos não provados foi feita por exclusão. Todos os factos alegados que não foram dados como provados foram considerados não provados. Nem sequer se põe a hipótese, neste caso, de o Tribunal recorrido os ter considerado irrelevantes para a decisão.
E assim, não se verifica a apontada nulidade.
Questão diferente da nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos provados e não provados é a falta de exame crítico da prova.
O n.º 2 do artigo 123.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário impõe ao juiz que fundamente as suas decisões no que concerne a dar determinado facto como provado ou não provado.
«Essa fundamentação da sentença deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação critica da coerência da decisão, permitir Às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a
transparência da actividade jurisdicional.» Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, Volume II, nota 8 ao artigo 123.°, página 321.

A falta de exame crítico das provas e a fundamentação de direito só constitui nulidade se há uma omissão total, como resulta dos próprios termos do artigo 125.° (e também da alínea b) do n.° 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil).
Poderá equiparar-se à falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja inteligível, situações em que haverá uma mera aparência de fundamentação - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, nota 8 ao artigo 125.°, Página 360.
Para que haja nulidade da sentença por falta do exame crítico da prova não basta, pois, uma fundamentação insuficiente ou medíocre. É necessário que haja uma falta
absoluta de fundamentação. O que manifestamente não acontece no cas
o autos.
Improcede nesta parte o recurso.

Do erro no julgamento da matéria de facto

Alega a recorrente que foram nos autos aduzidos factos cuja apreciação, se tivesse sido feita, implicaria necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras) não pudesse ser atribuída, como o foi pela administração tributária, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela recorrente não titulam transacções reais. Tais factos são os que fez constar do elenco do ponto ii.b) da alínea c) do capítulo II das alegações. Conclui que essa factualidade, se incluída no probatório, levaria à demonstração cabal da naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração teria necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector, não sobraria qualquer dúvida da ilegalidade da mobilização do artigo 23.º do Código do IRC.
O artigo 685.°-B do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 640.° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, estabelece os ónus que o recorrente que impugne a matéria de facto deve cumprir sob pena de rejeição do recurso, assim estabelecendo:
«1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento ou erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do n.° 2 do artigo 522.°-C, incumbe ao recorrente, sob pena de mediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de tacto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa procederá respectiva transcrição.».
O legislador rejeitou a possibilidade de repetição de julgamentos bem como de recursos genéricos sobre a matéria de facto impondo ao recorrente não só que indique os concretos pontos da matéria de facto em divergência bem como os concretos meios probatórios meios probatórios que constam do processo que permitam o julgamento pretendido.
Ora, se bem que a recorrente indique ponto ii.b) da alínea c) do capítulo II das suas alegações a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório, cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios. A indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os documentos dos autos e para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto.

Não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado.

Do erro no julgamento da matéria de direito.

Da desconsideração dos custos titulados nas facturas emitidas por:
- R... - COMÉRCIO POR GROSSO DE SUCATAS, LDA.

- L... - COMERCIO DE SUCATAS UNIPESSOAL, LDA.
- JOSÉ...
- PAULO...
- LUÍS...
- J...
- SUCATAS... UNIPESSOAL, LDA.
- FRED... –
- G... - COMÉRCIO DE SUCATAS UNIPESSOAL, LDA
- N…, LDA.
- F... COMÉRCIO DE SUCATAS, LDA.

A administração tributária concluiu as facturas daqueles emitentes que enunciamos, contabilizadas pela ora recorrente, não correspondiam a transacções reais e desconsiderou fiscalmente os custos nelas suportados.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente tendo entendido que administração tributária recolheu, como lhe competia, os indícios suficientes de que as facturas emitidas por aqueles agentes não correspondiam a transacções reais (facturas falsas), e que a ora recorrente, por seu turno, não tinha feito prova da veracidade das transacções.
A recorrente não se conforma com este julgamento defendendo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, os indícios coligidos pela administração tributária não são suficientes para se concluir pela falsidade das facturas e, assim, os custos foram indevidamente desconsiderados.

A primeira questão que se coloca no presente recurso no que respeita à falsidade das facturas é saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar que a administração tributária reuniu os indícios bastantes da falsidade das facturas.

Só se a resposta a esta questão for positiva, haverá que averiguar se a impugnante, ora recorrente, logrou demonstrar a veracidade das facturas.

O Tribunal recorrido considerou que a administração tributária havia carreado factos suficientemente indiciadores da falsidade das facturas, e por isso julgou improcedente a impugnação.

No exame crítico destes indícios diz o Tribunal recorrido, que «ainda que apreciados isoladamente cada um dos elementos reunidos pelos Serviços Inspectivos, estes não
lograssem traduzir por si só, indícios da falta de materialidade das transacções tituladas pelas facturas em apreço, contudo, conjugados entre si e “lidos’ à luz das regras da experiência comum, representam
indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela Administração Tributária, revelando-se igualmente fulcrais, as diligências encetadas por aquela quer em junto dos emitentes das facturas, quer de outras entidades, as quais revelaram-se essenciais para a apreciação global da (i)materialidade da transacções subjacente às facturas emitidas.

Desde logo, a evidenciada inexistência de estrutura e capacidade empresarial por parte dos emitentes das Facturas suportada em indícios objectivos e consistentes, traduz uma probabilidade elevada de estas não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados fornecedores efectivamente não venderam à Impugnante a sucata mencionada nas facturas por esta contabilizadas e em que tais entidades figuram como emitentes.
Assim sendo, afigura-se manifesto que a Administração Tributária demonstrou cabalmente os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia.».

A recorrente não concorda com tal julgamento pondo em causa que os indícios, respeitando apenas aos emitentes das facturas, sejam idóneos a evidenciar a falsidade das facturas. Defende a recorrente, reportando-se ao relatório da fiscalização, que a «fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva - não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a M... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se sem o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito - a algum conceito - de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e - diga-se - preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.». Diz ainda a recorrente que «De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).».

A questão que se coloca no recurso pode assim resumir-se: a administração tributária pode bastar-se com factos exclusivamente relativos aos emitentes das facturas indiciadores da falsidade, para desconsiderar os custos?

A resposta é afirmativa, como reiteradamente tem decidido o STA e mais uma vez o fez no acórdão proferido nos presentes autos.

Quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Como tem sido amplamente decidido na jurisprudência, a questão coloca-se em primeiro lugar no âmbito do ónus da prova que nesta matéria se refraciona em duas fases. A primeira faz recair sobre a AT a prova (indiciária) da falsidade das facturas, ie, que as mesmas não correspondem a transacções reais.
Se esta prova for feita, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar a materialidade das operações facturadas.

A administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas. Basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.° 810/04), invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem falsas. Tão elevada que seja capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Só se a resposta a esta questão for positiva, se passa à segunda fase da prova que consiste em averiguar se a impugnante, ora recorrente, logrou demonstrar a veracidade/materialidade das operações faturadas.

Temos, assim, de indagar em primeiro lugar se os indícios recolhidos pela AT são suficientes para não aceitar a contabilização das despesas incluidas nas facturas dos emitentes em causa com base na sua falsidade.

De acordo com a prova alcançada, os factos indiciadores de falsidade da faturação recolhidos pela AT são os seguintes:

1-Quanto à sociedade R... – Comércio por Grosso de Sucatas, Lda:
-O domicilio fiscal da sede da R... é um apartamento sito num prédio;
-Os principais fornecedores da R... não tinham capacidade para o exercício de qualquer actividade comercial;
- A R... não possui estrutura empresarial para desenvolver a actividade de comércio de Sucatas correspondente ao volume de facturação em causa;
- Parte dos valores declarados como custos respeitam a “facturas falsas” emitidas por Au... e Pedro....

2- Quanto à sociedade L... – Comércio de Sucatas Unipessoal , Lda.
- Contabilização de despesas com apenas um funcionário, de nome Fran...
- Em nome da firma L..., Lda estava arrendado, desde 01/06/2003 um armazém situado na Rua…, Canelas, mas nunca serviu nenhum propósito à L...;
- Em 04/12/2004, e sem que o sócio único e gerente desta sociedade tivesse tomado conhecimento foi entregue uma declaração de alterações no sentido de alterar a morada para a Av. da Boavista…4100-115, no Porto que corresponde à morada utilizada como sede social para a elaboração da escritura de constituição da sociedade ,trata-se de um escritório com cerca de 12m2, que se encontra completamente vazio
- O sócio único Rog... não tem qualquer historial no sector do comércio das sucatas, revelou ignorância face a este ao sector do comércio, desconhecia as instalações, o equipamento e o próprio funcionário registado na contabilidade .
- Rog... a troco de importâncias mensais em dinheiro “vendeu” a sua identidade para a constituição desta sociedade bem como para todas as operações relacionadas com a mesma que necessitassem da sua assinatura, tendo assim agido por na altura se encontrara desempregado e com problemas de toxicodependência, sendo que toda a sua actuação foi acompanhada por Ad... e Ag...;

3- Quanto a José...
- Quanto a Funcionários e Instalações, não se detectou a existência de qualquer funcionário ou imóvel que lhe esteja afecto ou à actividade para a qual se registou a 27.01.2004;
- Segundo informações colhidas junto do ISS Social não consta como empresário em nome individual em 2004 e 2005, pelo que não teve funcionários ao seu serviço, e que não são conhecidos quaisquer descontos nos anos referidos ;
- Não tem carta de condução ou qualquer outro tipo de habilitação para conduzir;
- Não tinha qualquer tipo de condições humanas, financeiras ou materiais que lhe permitissem desenvolver a actividade a que se reportam as facturas em causa;


4- Quanto a Paulo...
- Iniciou-se no sector da sucata por intermédio de J..., para o qual trabalhou durante vários anos, até 1999, como ajudante de motorista e motorista.
-Declarou o início de actividade em 6 de Setembro de 1999, comprou uma carrinha Toyota Dyna, matricula PS, que nunca chegou a registar em seu nome, com a qual recolhia sucata de ferro em particulares, que não emitiam qualquer documento, e cessou, para efeitos fiscais, a sua actividade em 31 de Dezembro de 2000.
- Nos inícios do ano de 2004 foi abordado pelo Sr. Fel…, de Canelas, que lhe propôs “praticamente um ordenado” todos os meses para emitir facturas de favor que pensava serem para ele, tendo ficado surpreendido quando este lhe disse que as facturas eram para a M....
- Contactado o Paulo... para se dirigir ao estaleiro do Sr. Fel…, em Canelas, e falar com a pessoa responsável que era a irmã dele, de nome D. Conceição, depois de o ter feito, esta dava-lhe referências de material e pesos para aquele emitir as facturas e nessa altura, entregava-lhas bem como as guias de transporte e recibos que ela precisava tendo apenas feito uma rubrica em cada uma delas.
- Sempre que era preciso a D. Conceição ligava a Paulo... que se encontrava com ela para este lhe entregar mais facturas e ela dar os respectivos tikets com o material e quantidades facturadas.
- Nunca foi às instalações da Impugnante para fazer qualquer entrega de sucata ou receber qualquer cheque, porém, acompanhado pela D. Conceição e um empregado, Paulo... foi a vários bancos na Avenida da Republica, em V. N. Gaia, para levantar cheques de M..., sendo que o dinheiro levantado era entregue àquele empregado que entrava no banco e se fazia munir de uma pasta para meter o dinheiro que posteriormente entregava à D. Conceição.
.Paulo... nunca entregou qualquer sucata à Impugnante .

5- Quanto a Luís...
- Confrontado com as facturas emitidas em seu nome para a firma Manuel Joaquim da Silva Barbosa, Lda. afirmou serem parte daquelas que lhe foram roubadas e que desconhecia o nome desta firma, que as facturas se encontram registadas na sua contabilidade e qual a mercadoria e valor constante das mesmas;
- Confrontado com fotocópia dos cheques para pagamento dessas facturas, e que foram endossados através da sua assinatura, referiu que a assinatura é falsa, dado que não foi realizada por si.
- pese embora a existência de viaturas adequadas ao transporte das mercadorias em causa indispensável, constatou-se, relativamente a cada uma das viaturas identificadas, o seguinte:
- GQ verificou através do sistema informático e dos elementos fornecidos pela Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, que esta viatura se encontra registada em nome da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, desde 26/08/1987
- HT - MINI (Ligeiro de passageiros) -Esta viatura, para além de não possuir características adequadas para o transporte de mercadorias, verificou-se (...) que na Conservatória do Registo de Automóveis se encontra registada em nome do Sr. A..., desde 24/11/2000 e segundo a Direcção Geral de Viação, não consta que tenha sido sujeita a inspecções periódicas, o que leva a crer que não terá circulado durante os anos em causa.
- CU- Segundo os elementos disponíveis nos serviços o veículo encontra-se abatido desde 2001 e não consta que tenha sido sujeita a inspecções periódicas.
- Relativamente à estrutura empresarial, não se tendo conhecimento da existência de instalações, viaturas e maquinaria especifica para esta actividade, verificou-se que a partir da residência do sujeito passivo seria impossível exercer a actividade de comércio de sucatas, uma vez que se trata de uma residência familiar, inserida num prédio habitacional.
- o contribuinte nunca dispôs de logística compatível para a realização da actividade evidenciada em seu nome.
- Relativamente a funcionários, segundo o Centro Regional de Segurança Social, o contribuinte apenas se encontra registado como beneficiário, desde Novembro de 1987, muito embora não existam registos de remunerações, nunca tendo estado registado como entidade patronal, não tendo em momento algum declarado ter funcionários ao seu serviço.
- não foi apurada a existência de fornecedores deste contribuinte
. Não foi cumprida qualquer obrigação fiscal pelo contribuinte, quer declarativa quer de pagamento (…).

6- Quanto a J...
- foi decretada a falência judicial de J... em Abril de 2004;
- foi instaurado um processo crime de fraude fiscal a J... no qual veio a ser condenado pelo Tribunal Judicial de Stª Maria da Feira, com a sentença transitada em julgado em 12 de Fevereiro de 2003;
- não cumpriu as obrigações fiscais em termos declarativos para efeitos de IVA e IRS;
- mais de 99,9% do valor total das compras de J... foram registadas e declaradas com base em documentos emitidos em nome de “fornecedores” pura e simplesmente inexistentes para efeitos fiscais, com a conivência de tipografias;
- a uniformidade dos preços unitários praticados dentro de cada género de sucata pressupõe uma uniformidade no tipo, na qualidade e nas características da sucata declarada como transaccionada, o que implica uma selecção para a qual J... não possui quaisquer condições;
- o nível e repartição das despesas escrituradas, evidencia uma estrutura e uma organização rudimentar e de dimensão completamente desajustada dos valores das compras e das vendas declaradas;
- J... nunca possuiu qualquer estaleiro ou armazém com capacidade ou condições para armazenar e movimentar sequer uma pequena parte das quantidades que declarou transaccionar, nomeadamente em Lourosa, local que declara ser o de carga da quase totalidade das suas vendas;
- durante o tempo em que esteve activo para efeitos fiscais, um valor total de vendas de sucata de 90 milhões de euros, sem que possuísse estrutura, organização, capacidade ou dimensão empresarial e financeira susceptível de poder realizar ou movimentar sequer uma pequena parte do que esse valor representa;
-mais de 99,9% das compras escrituradas no ano de 2005 (até 31 de Outubro), num valor da ordem dos 16 milhões de euros, são tituladas e suportadas apenas por documentos de “fornecedores” comprovadamente falsos.

7- Quanto à sociedade Sucatas... Unipessoal, Lda.
- a sede da sociedade Sucatas... corresponde à residência da sogra do sócio único;
- o estaleiro utilizado pela sociedade encontra-se localizado na estrada nacional n.º 109, entre Ovar e Maceda, sendo constituído por um amplo espaço vedado, à entrada do qual existe uma edificação onde funciona, no rés do chão, um espaço que funcionará como escritório, servindo o 1º andar de residência do sócio único, sendo que este estaleiro, tem sido sucessivamente utilizado por um conjunto de sociedades que antecederam e convivem actualmente com a sociedade Sucatas..., estando a ser utilizado por cedência gratuita do Sr. M...;
- Paulo… é pensionista por invalidez para o trabalho, e para a movimentação da sucata declarada como comercializada pela sociedade Sucatas..., existiam apenas dois funcionários, um admitido em Março e outro em Novembro de 2005;
- Quanto ao imobilizado corpóreo constatou-se os elevados anos de vida das viaturas e os baixos preços pelos quais foram adquiridas, os anteriores proprietários das viaturas indicadas, são fornecedores e clientes de Sucatas...; José…, anterior proprietário da viatura HJ, foi o motorista admitido pela sociedade em Março de 2005; os anteriores proprietários das viaturas DD e US, são sociedades com relações e ligações à sociedade Sucatas.... Realça-se ainda o facto da sociedade ter tido sempre um excesso de viaturas pesadas de mercadorias em relação aos motoristas habilitados para a sua condução, para além das cinco viaturas, constam, ainda, 5 telemóveis Nokia 1600, no valor de 57,77 € cada, uma balança Cachapuz EV22 de peso máximo 800 kgs, no valor de 1.200 €, adquirida em 15 de Fevereiro de 2006 (de acordo com o sócio único, esta balança terá ido para sucata) e uma motocortadora Efco, no valor de 752,07 €;
- Apesar de possuir capacidade instalada para o exercício da actividade, não é possível que Sucatas... tenha movimentado o volume, a cadência e o tipo uniforme de sucata que consta das facturas que emitiu.

8- Quanto a Fred...
- Para o exercício da sua actividade, e nos exercícios analisados, o sujeito passivo dispôs de umas instalações, nas traseiras da sua casa de habitação, onde reside com os seus pais que consistem num pequeno armazém (com cerca de 200 m2) onde armazena pequenas quantidades de sucata e onde tem um forno para fundição de lingotes de latão sendo que estas instalações não são compatíveis com o volume de negócios declarado em 2004.

- apenas se encontra registado como funcionário, afecto à actividade comercial desenvolvida por Fred..., o próprio empresário, declarando como seu vencimento mensal um valor próximo da Salário Mínimo Nacional.

- O equipamento de transporte existente para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, consistia numa Toyota Dyna com capacidade para cerca de 8,2 toneladas, de matrícula SQ, e este foi o veículo de transporte de mercadorias que o sujeito passivo sempre teve, e que declarou na maior parte dos documentos emitidos (...) como tendo sido a viatura responsável pelo transporte das mercadorias referenciadas nesses mesmos documentos, no exercício de 2004. Apesar da sua capacidade máxima de carga ser de cerca de 8,2 toneladas (peso máximo que está autorizado a transportar) no exercício de 2004, esta viatura foi responsável, por inúmeras vezes, pelo transporte (de uma só vez) de cargas com pesos claramente acima da sua capacidade máxima (em alguns casos, de mais de 20 e 30 toneladas)
- A 20/05/2004, o contribuinte adquiriu uma nova viatura pesada para o transporte de mercadorias, concretamente um camião marca Scania, modelo PSM 4x2, do ano de 1989 (com 15 anos) e com a matrícula QI.Apesar da data da factura de aquisição ser de 20/05/2004, esta viatura começou a ser utilizada para justificar o transporte de mercadorias do sujeito passivo a partir de 23/03/2004.Esta viatura tem como capacidade máxima autorizada a transportar 17.000 Kgs, no entanto também por diversas vezes foi inscrita nas facturas como tendo sido responsável pelo transporte, por diversas vezes, de cargas claramente acima da sua capacidade máxima. (...)
-de todas as facturas registadas na sua contabilidade como compras de mercadorias destacam-se as emitidas em nome de PAULO…, NIF 1… (Até Outubro de 2004), e em nome de AUG..., NIF: 1… (Depois de Outubro de 2004.
Relativamente a Paulo…, em Auto de Declarações afirmou nunca ter efectuado qualquer tipo de transacção comercial com FRED..., mas que lhe vendia a ele e a outros sucateiros as facturas, impressas em seu nome, a vulso, recebendo um valor previamente acordado em numerário.

- quanto ao fornecedor AUG..., trata-se de um sujeito passivo com 34 anos de idade, sem qualquer ligação laboral anterior ao negócio das sucatas, porém em 21/01/2005, este sujeito passivo, entregou uma declaração de início de actividade, registando-se para o exercício da actividade “Comércio por grosso de sucatas - CAE 51571, contabilidade só estava a ser feita após a data declarada para o início de actividade. Não provou que possuía qualquer tipo de instalações que lhe permitissem desenvolver esta actividade e em 2004 não tinha qualquer tipo de meio de transporte de mercadorias próprio ou qualquer outro tipo de equipamento;

- Na contabilidade de Fred…, entre 01/01/2001 e 31/12/2004, não constava qualquer recebimento por cheque, bem como também não constavam quaisquer movimentos através de contas bancárias. Os recebimentos eram todos contabilizados por caixa, como se tivessem sido recebidos em numerário.
- Da análise efectuada às contas bancárias concluiu-se que estas não reflectem, em termos financeiros, a actividade declarada por Fred..., principalmente no que diz respeito ao exercício de 2004 e relativamente às compras de mercadorias, e aos seus principais “fornecedores” não se conseguiu identificar um único pagamento que passasse através destas contas bancárias, apesar dos valores elevados envolvidos. De uma maneira geral, observou-se que o saldo médio das contas existentes em seu nome também se mostra algo reduzido face aos volumes de negócios declarados;
-Fred... não possui, nem possuía à data, capacidade instalada para desenvolver a actividade nos valores e quantidades declaradas. (…)»


9- Quanto à sociedade G... Comércio Sucatas Unipessoal, Lda.
- A sociedade G... Comércio de Sucatas Unipessoal foi constituída em 12 de Outubro de 2004, tendo como sócio fundador Fred... o qual, como empresário em nome individual exerceu também a actividade do “comércio por grosso de sucatas, até 2005-07-31, sendo indiciado, no âmbito de procedimentos de inspecção realizados, como agente emitente e utilizador de “facturas falsas”;
- A G... declarou o início de actividade a 2004-10-13, passando a utilizar as instalações (...) onde Fred... vinha exercendo também a sua actividade que cessou com data reportada a 2005-07-31 e em relação à G..., a cessação de actividade foi declarada com data de 2007-03-30;
- quanto aos fornecedores da G... constatou-se que neste período, não possuíam os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores por si declarados. (…)”

- Constatou-se a desarticulação entre a numeração e a datação dos documentos de transporte emitidos, ou seja, foram apuradas as mais variadas irregularidades, com evidente atropelo a uma das normas primordiais em que assenta o controlo dos bens em circulação, no que respeita à numeração sequencial dos documentos de transporte, bem como noutras componentes com eles relacionadas, sejam as verificadas nas guias de transporte processadas pela G..., sejam verificadas nas guias de transporte emitidas pela firma transportadora

10- Quanto à sociedade N..., Lda.
- A firma esteve inscrita para efeitos de Imposto s/ o Valor Acrescentado (IVA) até 31 de Julho de 2004, uma vez que declarou cessação de actividade até aí exercida de “Comércio por Grosso de Sucatas“, no regime normal, e de periodicidade mensal;
- A sede da empresa corresponde ao domicílio fiscal dos seus sócios gerentes: Manuel... e Fran... e as instalações afectas ao exercício da sua actividade, segundo declarações do sócio gerente Manuel..., estiveram localizadas em … - Ovar, no Lugar de….
- Não foram apresentados os elementos solicitados pela AF tendo M... apresentado um documento a informar que não era possível apresentar a contabilidade, em face da sua destruição em decorrência do incêndio ocorrido nas suas instalações no dia 24 de Janeiro de 2005.Relativamente a este incêndio, é ainda de referir que conjuntamente com os elementos da contabilidade da empresa N... Lda, foram também indicados como destruídos no mesmo incêndio, os elementos contabilísticos das empresas: F... - Reciclagem comércio de Sucatas Lda, contribuinte n.º 5…e S... - S... Sociedade de recolha de resíduos Sa, contribuinte n.º 5…).
Relativamente aos exercícios em análise, não foram entregues as seguintes declarações previstas nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 109.º do Código do IRC: a) Declaração periódica de rendimentos; b) Declaração anual de informação contabilística e fiscal:
-Os Serviços de Inspecção Tributária, verificaram que a empresa contabilizou nos anos de 2003 e 2004, compras tituladas em nome de João..., contribuinte n.º 1…, no valor de € 4.588.589,58 e, em nome das empresas (...) no valor de € 12.064.017,13 (...) e que as facturas e correspondentes fornecimentos de mercadorias não foram reconhecidas pelos titulares constantes nas facturas, isto é, declararam não ter feito aqueles fornecimentos; e, representando aqueles valores, nos anos de 2003 e 2004, cerca de 92% 94%, respectivamente, do valor total dos fornecedores.
- Existência de facturas emitidas com data posterior á cessação da actividade (31 de Julho de 2004), no montante de € 519.539,84, representativo de 74% do valor total facturado em 2004.(…)

11- Quanto à sociedade F... Comércio de Sucatas, Lda
- Alguns dos detentores do capital da F... estão relacionados com outras sociedades. Concretamente verificou-se que: -Manuel... e Fran... surgem como sócios e gerentes da sociedade N... Limitada, NIPC: 5…, cuja sede coincide com a da entidade inspeccionada.Esta sociedade, de acordo com o respectivo contrato tem como objecto o comércio de sucatas diversas. Esta empresa tem como datas de início e cessação da sua actividade respectivamente: 6/7/89 e 31/7/04.
ii) Manuel..., Pedro..., Paulo..., E..., Maria... e José... surgem como sócios e gerentes da sociedade Manuel... & Filhos Limitada, NIPC: 5…, cuja sede coincide com a da entidade inspeccionada. Esta sociedade, de acordo com o respectivo contrato, tem como objecto a limpeza de matas, fábricas, terraplanagens e outros serviços afins. Esta empresa tem como datas de início e cessação da sua actividade respectivamente: 4/3/97 e 30/6/04.
iii) Paulo..., filho do senhor Manuel..., surge como sócio e gerente da sociedade Sucatas... Unipessoal Limitada, NIPC: 5… (...).Esta sociedade, de acordo com o respectivo contrato, tem como objecto o comércio e reciclagem de sucata e desperdícios metálicos. Esta empresa tem como data de início da sua actividade 17/12/04.
iv) Paulo..., filho do senhor Manuel..., e a esposa do primeiro, a senhora, R..., surgem como sócios da sociedade M... - Comércio de Sucatas Limitada, NIPC: 507656180, ficando a gerência da sociedade a cargo do senhor Paulo....A sede da empresa coincide com a sede da empresa Sucatas... Unipessoal Limitada. Esta sociedade, de acordo com o respectivo contrato, tem como objecto o comércio e reciclagem de sucatas e gestão de resíduos e tem como data de início da sua actividade 29/3/06.
v) Manuel... é vogal do conselho de administração da sociedade S... Sociedade de Recolha de Resíduos SA (doravante designada por S...); NIPC: 5….Esta sociedade, de acordo com o respectivo contrato, tem como objecto a indústria, o comércio e reciclagem de materiais ferrosos e não ferrosos e limpezas ambientais, recolha de resíduos e reciclagem, sucatas diversas.A S... declarou como data de início da sua actividade 6/7/89 e como data de cessação 31/7/04.
Em relação às quatro primeiras sociedades, registe-se, para além dos óbvios vínculos de parentesco que ligam os respectivos sócios, a sucessão temporal dessas mesmas empresas (início e cessação da actividade).
-A entidade inspeccionada tem como sede o domicílio fiscal do senhor Manuel.... (…)
- os registos contabilísticos são inexistentes ou omissos no que se refere ao activo imobilizado e aos custos com pessoal
-em nome desta sociedade estão registadas as seguintes viaturas:- Tractor de mercadorias, matrícula EO, autorizado a descolar um peso máximo de 40.000 kg;- Ligeiro misto, matrícula SF, autorizado a descolar um peso máximo de 2.560 kg.(...)
-relativamente ao ano de 2004, não existia qualquer elemento contabilístico susceptível de apresentação, uma vez que a escrita tinha-se perdido em consequência de um incêndio.
-os registos contabilísticos, relativamente a 2005, revelam uma óbvia insuficiência de elementos;
- verificou-se, através da análise da numeração das facturas de venda contabilizadas, que nem todas as facturas foram objecto de registo.
- A diminuição dos valores totais declarados na passagem do ano de 2004 para o ano de 2005;
- A desproporção entre compras e vendas nos dois anos, com a particularidade de não existir um único sujeito passivo que declare vendas para a entidade inspeccionada no ano de 2005
- As compras de sucata ferrosa ultrapassam as vendas do mesmo tipo de sucata em mais 10.000 toneladas, a que corresponderia um saldo superior a um milhão de euros;.Por outro lado, no que diz respeito aos metais não ferrosos, ter-se-ia vendido aquilo que não se tinha comprado;
- Desarticulação entre a numeração e a datação das facturas emitidas por esta sociedade ; Através dos elementos solicitados aos parceiros comerciais, foi possível verificar que, nos exercícios inspeccionados, a F... utilizou a título de documentos de transporte os dois seguintes tipos de documentos impressos tipograficamente: guias de remessa e guias de transporte, ocorrendo desarticulação entre a respectiva numeração e a datação.
- Através das fotocópias remetidas pelos seus clientes, verificou-se que em muitos dos documentos de transporte emitidos são indicados diversos pesos.

Todo este acervo factual devidamente articulado entre si - e não de uma forma isolada e atomística -, lido à luz das regras da experiência comum, revela um conjunto fortemente indiciador de que as facturas emitidas por estes sujeitos é falsa e não pode corresponder a verdadeiras transações.

É preciso notar que na designada faturação falsa, na superfície e à primeira vista, tudo se passa de modo regular. Há faturação de mercadoria, há (por vezes) documentos de transporte e até se podem verificar “pagamentos” ou pelo menos emissão de cheques.

Mas quando se aprofunda um pouco mais cada um destes procedimentos detetam-se as incongruências e vem à superfície os indícios de falsidade que estavam “mascarados” pela aparente regularidade formal e documental.
Se porventura a fiscalização verificasse apenas a regularidade formal da contabilidade é fácil compreender que a maior parte da fraude fiscal decorrente da faturação falsa não seria detetada.

Os indícios devem ser suficientemente fortes para que não subsistam dúvidas quanto à falsidade da operação e à consequente tributação (ou não dedução do imposto) e não podem deixar de ser lidos com prudência e devidamente contextualizados. O objetivo de perseguição da fraude e evasão fiscal não pode permitir abrandar as exigências de rigor e justiça próprias de um estado de direito.

Queremos com isto dizer que estando cada um dos sujeitos onerado com a prova de determinados factos índice, essa prova deverá ser exigente e rigorosa, sob pena de deixar intocada a realidade que pretendia alterar.

Se a AT pretende ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte tem de provar os fundados indícios que a abalam (art. 75º LGT) sob pena de sofrer as consequências desfavoráveis de um ónus não satisfeito (art. 414º do NCPC); por seu turno, se o contribuinte pretende demonstrar a veracidade das operações faturadas, tem de intervir com a mesma exigência e rigor probatórios, com a mesma cominação.

Ora a falsidade indiciária da faturação relativa a estes emitentes está amplamente demonstrada. Foi reconhecida em primeira instância e pelo acórdão revogado deste TCA, que só não extraiu as respetivas consequências por, no seu entendimento, faltar “...demonstrar que a recorrente sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas”, em relação a alguns emitentes.
Contudo, sendo dispensável a prova indiciária deste “conhecimento”, e estabelecida em tudo mais a indiciação de falsidade da faturação, endereça-se ao contribuinte o ónus de provar a materialidade das operações.

Sobre esta prova a cargo do contribuinte é sabido que não lhe basta criar a dúvida sobre a veracidade da facturação. Se se limitar a criar esta dúvida, sem adentrar na prova credível da realidade/materialidade das operações, a dúvida resolver-se-á contra si. (cfr. art. 561º do CPC - 414º do NCPC- e ac. do TCAS n.º 07141/13 de 26-06-2014, com o seguinte sumário: VII. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
VIII. Aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.
IX. Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação).

Assim, não basta que a Impugnante/Recorrente esgrima com a possibilidade teórica de que um operador “....obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar um cheque usado como meio de pagamento” (Conclusão O).

Isso não é impossível, pode acontecer. Mas um “acontecimento” desta natureza tem um caráter excecional, não é provável que tenha lugar num “ambiente” de negócios em que os contraentes se conhecem, discutem os preços, a forma de pagamento, o transporte, os dias mais convenientes para as entregas, futuros negócios etc (1).


De qualquer modo, e compreensivelmente, a pergunta que se faz não é saber se essa hipótese é possível, mas sim se foi “isso” que aconteceu no caso em apreço.
Contudo, a Recorrente/Impugnante não logrou provar que tal tenha sido o contexto do negócio com os alegados fornecedores, como aliás resulta dos factos provados (e não provados).

Donde resulta que a AT demonstrou haver indícios suficientes de faturação falsa, não conseguindo a Recorrente cumprir a sua parte do encargo probatório mediante prova da materialidade das operações faturadas. Por conseguinte, os respetivos custos tamém não foram incorridos, pelo que andou bem a AT desconsiderando a sua contabilização.

Dedutibilidade dos montantes suportados a título de juros de mora e custas judiciais

Não se conforma ainda a recorrente com o decidido pelo Tribunal recorrido relativamente à dedutibilidade dos custos suportados a título de juros de mora e custas judiciais. A administração fiscal não os aceitou apoiando-se na alínea d) do nº 1 do artigo 42.° do Código do IRC «complementado pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 0310512000, proferido no processo n° 24627» (página 1 do relatório) e o Tribunal recorrido confirmou.

Analisemos cada um dos custos desconsiderados, começando pelos juros de mora.
O artigo 42.°, n.° 1, alínea d) do Código do IRC, invocado pela administração fiscal para não aceitar a dedutibilidade dos juros de mora e das custas judiciais, dispõe que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos incorridos com multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios.
O Supremo Tribunal Administrativo apreciou já a legalidade da dedutibilidade dos juros de mora ao abrigo desta norma, no acórdão indicado pela administração tributária e citado na sentença recorrida, de 03-05-2000, recurso n.° 24627, que nos merece inteira concordância e, que assim, com a devida vénia, se transcreve:

«Os juros de mora pelo atraso no pagamento dos impostos não podem deixar de ver-se incluídos em tal preceito, sob pena daquela intolerável dúplice valoração dos comportamentos fiscais. I//Se bem virmos, o preceito assenta numa ratio essendi moralista: a de que «a infracção não compense», mesmo sob o ponto de vista fiscal. Essa intenção é claríssima no que concerne às multas e coimas. Mas, conquanto não tão clara, também o é relativamente «aos demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios». // Também aqui, o que legislador visa impedir, quando se está perante encargos advenientes de infracções que não tenham natureza contratual, é que o agente que imponha unilateralmente certos encargos, fora de qualquer quadro contratual, e acabe por tirar alguns proveitos fiscais de uma tal situação. /// Ora, essa ratio essendi verifica-se plenamente no caso dos juros de mora, pois nele o devedor do imposto viola as regras legais que o obrigam a pagar os impostos dentro do prazo da sua cobrança voluntária e, ainda por cima, tiraria proveitos fiscais de uma tal atitude, se acaso pudesse computar tais juros como custos fiscais. // A situação não é diferente daquela que se verifica em relação aos juros compensatórios cuja consideração como custos está expressamente afastada do preceito, dado que estes apenas surgem também porque o contribuinte violou os seus deveres acessórios de declaração e/ou de autoliquidação. // Mas não é sé a ratio essendi da lei que aponta nesse sentido. Também o elemento racional da lógica interna do preceito vai na mesma direcção: se o conceito de infracção de que fala o preceito tivesse sido utilizado apenas na acepção resulta de equivalência ao ilícito criminal, pois o demais ilícitos punitivos relevantes no direito fiscal que são conhecidos peça ciência jurídica actual estão expressamente identificados pela referência às respectivas penalidades das multas e das coimas - o transgressional e o contravencional - deixaria sem explicação o facto de o legislador não ter construído o resto da hipótese apenas com a simples referência a tal ilícito, dado que o leque da sua previsibilidade ser tão restrito no domínio da ciência jurídica actual, bem como a circunstância de ele não ter elaborado toda a hipótese normativa com o recurso apenas ao conceito de infracção, adicionado não só dos adjectivos significantes das suas diferentes naturezas. // A razão é evidente: o conceito de infracção está aqui utilizado apenas na acepção de violação por acção ou por omisso dos deveres legais de natureza não contratual que impedem sobre os contribuintes. // Que é assim resulta do facto de os juros compensatórios, que estão arredados expressamente como custos dedutíveis, estarem incluídos a título de mera concretização nesta categoria de encargos pela prática da infracção, de qualquer natureza, como se revela pela expressão legislativa de «incluindo os juros compensatórios». // O qualificativo de qualquer natureza, referido à infracção, quer, pois apenas significar que a infracção tida em vista não é apenas do tipo daquelas de natureza punitiva, até, porque - repete-se - o âmbito do ilícito punitivo existente para além do previsto, com significado para o direito fiscal, se cingia apenas ao direito criminal, mas poderá ser outra, como a consubstanciada na violação de quaisquer deveres impostos aos contribuintes, desde que de fonte não contratual. // Um tal significado encontra no texto da lei uma abundante correspondência verbal e não só um mínimo de correspondência com o que se bastaria, aliás, a norma instrumental de interpretação da lei (artigo 9° n.° 2 do Código Civil e 11º da Lei Geral Tributária».

Em face da doutrina exposta, não merece qualquer censura a decisão recorrida que considerou que os juros de mora não são fiscalmente dedutíveis aos proveitos.

Quanto às custas judiciais.
Como acima ficou referido, foi com base no mesmo dispositivo legal que invocou relativamente aos juros de mora - artigo 42.°, nº 1, alínea d) do Código do IRC - que a administração fiscal não aceitou como custos os juros de mora e as custas judiciais.
Diz a recorrente que no que toca às custas judiciais não se pode considerar estarmos perante uma sanção pela prática de infracções: estas têm um carácter bilateral e retributivo, associadas que estão ao pagamento de um serviço concreto e específico, aproximando-se, pois, do conceito de taxa. Não estão, pois, juridicamente ligadas a um incumprimento ou a uma infracção - inclusivamente, aliás, pelo facto de serem devidas independentemente do desfecho da lide. E que se configurássemos as custas judiciais como uma sanção ou, pelo menos, como um encargo imediatamente derivado da prática de infracções À lei, estaríamos então a esvaziar de conteúdo o princípio basilar do acesso à justiça ou da tutela jurisdicional efectiva (plasmado, desde logo, no artigo 20.° e no n.° 4 do artigo 268° da Constituição, bem como, no que ao direito tributário diz especificamente respeito, no artigo 9.° da Lei Geral Tributária), e ainda - porque nesse caso entraríamos no âmbito do direito sancionatório - o próprio princípio da presunção da inocência (previsto no nº 2 do artigo 32.° da Constituição).
A sentença recorrida na fundamentação da posição que adoptou fez apelo não só ao disposto no artigo 42.°, n.° 1, alínea d) do Código do IRC como ao artigo 23.° do mesmo diploma, entendendo que não se verificava a indispensabilidade do custo, pressuposto da dedutibilidade do custo previsto neste último normativo. E em reforço da sua posição citou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-04-2002, proferido recurso nº 026808.
Este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo trata da questão da dedutibilidade de custas judiciais do processo executivo. E invocando o acórdão do Supremo de 03-05-2000, recurso nº 24627, que atrás transcrevemos quanto A interpretação da alínea d) do n.° 1 do artigo 42.° do Código do IR.C, conclui que se trata de um encargo derivado do não cumprimento das obrigações impostas pelo sistema fiscal. E não releva a natureza das custas como taxa, fazendo notar que quem recorre no processo executivo à justiça é a administração tributária, não o contribuinte (no acórdão é referido que não consta dos autos que tenha sequer deduzido oposição A execução fiscal). Mas não deixa de invocar o artigo 23.° do Código do IRC, para dizer que tal custo com as custas judiciais não se mostra indispensável.
No caso dos autos desconhece-se se as custas se reportam a custas de processos executivos ou a custas judiciais respeitantes a outras espécies processuais. Mas confrontado o que foi decidido pela sentença recorrida e a respectiva fundamentação com o que foi refutado no recurso, concluímos que independentemente de entendermos que a doutrina daquele acórdão se estende ou não a quaisquer custas judiciais, não interessa para a decisão saber a origem das custas em causa nos autos.
Isto porque o Tribunal recorrido não aceitou a dedutibilidade de tais encargos apoiando-se não só no disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 42.° do Código do IRC, mas também no artigo 23.º do Código do IRC, considerando que tal custo não era indispensável. E a recorrente no seu recurso não discute a indispensabilidade do custo, nem o facto de o Tribunal recorrido ter usado tal fundamentação para nesta parte julgar improcedente a impugnação,
Ou seja, ainda que se aceitasse a tese da recorrente de que as custas judiciais não caem na previsão da alínea d) do n.° 1 do artigo 42.° do Código do IRC, sempre se manteria o decidido pelo Tribunal recorrido da não dedutibilidade do custo (por não ter sido atacado no recurso), por aplicação do artigo 23.° do Código do IRC, por custo não ser indispensável.

Assim, improcedendo todas as conclusões, o recurso deve ser julgado improcedente confirmando-se a sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 7 de junho de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles

(1) Como bem se refere na declaração de voto da Exma. Desembargadora “....tais operações económicas, além dos elevados montantes que envolvem, não seriam ocasionais e esporádicas com a recorrente, mas, ao invés, e como resulta do RIT, reveladoras de um relacionamento frequente, contínuo e duradouro entre as partes.”