Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00544/06.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IVA.
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E POR OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL.
ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA.
Sumário:I) Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II) No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto, ou seja, existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
III) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
IV) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
V) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
VI) Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em facturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transacção, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
VII) A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 12-11-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por “J…, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com os actos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente aos exercícios de 2002 e 2003, no valor global de 18.116,15 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 212-222), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. A douta sentença proferida anulou os actos tributários impugnados, por considerar que, em resumo que:
B. “(…) No caso dos autos cabe a AF provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, pela enunciação de elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção dessa actuação, ou seja, pela enunciação de indícios sérios, fortes e consistentes da eventual situação irregular da impugnante.
Não resulta explicado no relatório de Inspecção que procedimento usou a AF no controlo da inexistência das operações em causa.
Não pode o Tribunal deixar de concluir pela insuficiência probatória da acção inspectiva e pela incapacidade de com os elementos emergentes do relatório sustentar as liquidações impugnadas por:
À AF cabe igualmente o ónus de provar em Tribunal os pressupostos de facto suficientes para que o Tribunal possa ajuizar se o acto está fundamentado. ( ... )
As operações realizadas pela impugnante são reais, estão suportadas documental, contabilística, financeira e materialmente.
Pelo que provada a materialidade das operações e a realização efectiva dos serviços titulados pelas facturas são irrelevantes as considerações que a AF emite no seu relatório de Inspecção relativamente à inexistência da "D..." da sua estrutura e do perfil do Sr. F.... ( ... ) "Pelo que não é de excluir a sua contabilização como custos originados nos dois exercícios em causa. Pelo que a ora impugnante não poderá ser submetida à disciplina do nº 2 do art.º 23º do CIRC. A errónea quantificação da matéria colectável é um vicio do acto tributário que legitima a sua anulação nos termos do disposto no art.º 99 a) do CPPT" Fica prejudicada a apreciação das demais questões. (...)"
C. Ressalvado o devido respeito, com o desta forma decidido não se conforma a Fazenda Publica, porquanto entende que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova, bem como em contradição entre a matéria dada como provada e as conclusões porquanto:
D. Em primeiro lugar, na factualidade dada como provada, consta: "10º Pelos serviços prestados e referidos, foram emitidas as seguintes facturas pela "D..." após emissão e conferência do auto de medição ( ... )
E. Ora, sobre os autos de medição, como consta a folhas 11 do relatório da Inspecção Tributaria, no ponto "E", "Não foram apresentadas cópias de Orçamentos nem autos de medição"
F. Consultados os documentos juntos pela impugnante à petição inicial e notificados à RFP, embora a PT aluda à suposta "emissão e conferência de autos de medição" (cfr. artigo 83º) também não os junta.
G. Neste tocante, não foi igualmente produzida prova testemunhal. Aliás, da generalidade dos testemunhos infere-se pela inexistência de autos de medição entre a impugnante e a "D...".
H. Resultando dos testemunhos, que apenas existiriam autos de medição entre o "Dono" da obra, enquanto "empreiteiro principal" e a impugnante.
I. Pelo que, salvo o devido respeito entendemos que não se encontra nos autos prova da existência de tais autos de medição, com base nos quais seriam emitidas as facturas pela sociedade "D...".
J. Ainda na mesma sentença recorrida é dado como provado que "os
trabalhadores da "D..." prestaram serviços para a ora impugnante na Zona de Ermesinde - cfr - depoimento de J...."

K. Entende a Fazenda publica que do depoimento desta testemunha, J..., não se pode retirar esta conclusão pois, perguntado se tinha a certeza que os trabalhadores indicados pertenciam à empresa "D..." este respondeu categoricamente "Não tenho a certeza que estes pertenciam a esta sociedade".
L. Ainda, de acordo com a sentença recorrida, "não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa".
M. Se bem atentarmos na matéria de facto levada ao probatório constatamos desde logo que a mesma não se encontra suficientemente fundamentada na sua valoração.
N. Designadamente a M.ma Juiz a quo não especificou as razões pelas quais desconsiderou os factos constantes do Relatório de Inspecção e também não especificou as razões pelas quais valorou a prova testemunhal e relacionou essas obras que refere em geral com cada uma das facturas que discriminou.
O. Não aceita os motivos nos quais a AF alicerçou a sua legitimidade para corrigir a matéria declarada, a falta de capacidade material e humana da empresa emitente das facturas para a realização das obras, a variedade de livros de facturas e a sua falta de preenchimento sequencial, a existência de facturas com data de emissão anterior à data em que foram tipograficamente impressas, falta de concretização das obras, etc.
P. A convicção do Tribunal, portanto, baseou-se na prova apresentada pela impugnante, nomeadamente no depoimento das testemunhas por si arroladas, desvalorizando toda a prova documental plasmada no Relatório da Inspecção Tributária, de onde se conclui que as operações em causa nestes autos eram fictícias.
Q. Ou seja, apesar da matéria de facto que dá como provada, o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, fundamentalmente, na consideração de que foi suficientemente provada a efectivação das operações, por parte da impugnante, sem que essa prova - da materialidade das operações - se vislumbre directamente no/do probatório assente.
Efectivamente,
R. Os actos tributários de liquidação impugnados têm na sua origem o resultado de procedimento inspectivo à actividade desenvolvida pela impugnante, efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto.
S. Na base das liquidações impugnadas encontram-se correcções, de natureza meramente aritmética, sendo que os motivos e os fundamentos aduzidos pela Administração Tributária (doravante, AT) para determinar as liquidações impugnadas constam do Relatório da Inspecção Tributária, e tiveram origem no facto de se ter constatado a existência de facturas na contabilidade da impugnante emitida pelo sujeito passivo comprovadamente reputado como emitente de facturação falsa.
T. O transposto para o Relatório, em termos da descrição pormenorizada da informação concreta recolhida e que subjaz às liquidações, que nos escusamos de aqui reescrever na íntegra atenta a sua extensão mas apenas por tópicos;
U. considerando-o reproduzido para efeitos destas alegações, foi de molde a satisfazer o dever que sobre a Administração Tributária impendia em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída, designadamente,
· Inexistência jurídica da sociedade emitente das facturas, por falta de registo comercial
· Uso de Alvará de Construção falsificado;
· A generalidade dos trabalhadores comunicados à segurança social (foram comunicados 10 trabalhadores), pela sociedade emitente são beneficiários do rendimento mínimo garantido, constam das folhas de remunerações como tendo trabalhado entre 15 e vinte dias apenas - recorde-se que segundo declarações das testemunhas ouvidas no processo e em cujo depoimento se baseou a sentença a quo, a sociedade "D… " trabalhou cerca de três anos com a impugnante, em obras espalhadas pelo País, e conforme a sentença deu como provado que a "D..." fazia diversas obras ao mesmo tempo - cfr. ponto 31º da sentença.
· Existência de uma apólice de seguro de acidentes de trabalho junto da seguradora "AXA" que veio a ser anulada por esta entidade em virtude de a sociedade emitente não ter entregue as folhas de férias dos trabalhadores ou pago qualquer prémio.
· Emissão de facturas sem qualquer ordem sequencial, com datas anteriores à própria impressão por parte das tipografias, por vezes com desfasamento temporal de ano e meio.
· Emissão de facturas com data anterior à própria constituição da sociedade.
· No período entre Agosto de 2001 e Março de 2004, em nome da sociedade emitente foram requisitados em diversas tipografias cerca de 1350 facturas.
· De realçar também o facto de as facturas nº 714 de 30/11/2002, nº 715 de 31/12/2002, nº 716 de 31/12/2002, serem emitidas com data anterior à data da impressão na tipografia.
V. Concluiu pois o relatório dos SIT que "... produziu-se todo um conjunto de fundamentos que claramente apontam para que as facturas contabilizadas em que consta como emitente a "D..." titulam operações que não consubstanciam serviços efectivamente prestados pelas entidades emitentes tratando-se por conseguinte de documentos falsos" (...) porque se tratam de facturas fictícias será de promover as competentes correcções dos valores declarados pelo sujeito passivo em sede de IRC - não se aceitando o custo declarado inerente à contabilização da(s) factura(s) emitida(s) pela "D...".

W. Impera ainda referir que, no tocante aos indícios de falsidade, estes podem ser recolhidos tanto na esfera material e económica do utilizador das facturas - no nosso caso a ora impugnante -, como também na esfera de quem as emite.

X. Ora, a nosso ver, ressalta do Relatório de Inspecção a demonstração de que a AT emanou declaração formal fundamentadora do seu juízo quanto à existência, na contabilidade da impugnante, de operações simuladas inscritas em facturas que titulam custos,

Y. como demonstrou a pertinência desse seu juízo pela enunciação de indícios efectivos, sólidos e consistentes, de que as operações referidas nas facturas são simuladas.

Z. Vale isto por dizer que, os indícios de facturas falsas eram fortes e credíveis, e a Fazenda Pública entende que a prova produzida pela impugnante, na sua globalidade, não é suficiente para que se possa concluir pela efectivação daquelas transacções comerciais.

AA. Como é sabido, e a jurisprudência tem afirmado repetida e uniformemente, quando pela AT forem recolhidos indícios sérios, objectivos e consistentes que traduzam uma probabilidade elevada de que tais facturas não titulam operações reais, cabe à impugnante a prova dos pressupostos de que depende o seu direito à dedução dos custos rejeitada,

BB. Neste sentido o acórdão do TCA SUL de 18-12-2008, no processo nº 02692/08 propugna: "Diga-se, no entanto, que não é exigível que a AF prove cabalmente os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do C. Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que a factura não titula o negócio nos termos dela constantes, que estes não correspondem à realidade. Nesse sentido apontam, como indício de prova, os fundamentos já atrás analisados, sendo que tal doutrina cobre o caso concreto pois, dentro do princípio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis e impõe-se concluir, face ao indício da prova que foi produzida, que a obra não se realizou pelos valores constantes das facturas exibidas e, assim, que no negócio cm causa houve simulação que teve por fim que a recorrente pagasse menos imposto Assim sendo, incumbia à recorrente infirmar a conclusão de que houve acordo simulatório carreando, factos que permitissem credibilizar os dados da sua escrita." - negrito nosso

CC. Também no acórdão do STA de 27-11-2006 no processo 00499/06.1BEPNF se entendeu "Tendo a Administração Fiscal carreado para os autos factos concretos objectivos e fortemente indiciadores de que determinadas facturas existentes na contabilidade do Contribuinte não titulam operações reais está a mesma legitimada a corrigir as declarações do contribuinte desconsiderando os custos nelas existentes para efeitos de determinação do lucro tributável.

II - Ao Contribuinte cabe o ónus de na situação referida em I provar a materialização das operações a que se referem essas facturas.

III - Na sentença tem o Juiz o dever de especificar os fundamentos de facto, e as razões que determinaram tal ponderação."

DD. Todavia, a atentar-se à prova testemunhal apresentada pela impugnante, nota-­se que a mesma não é, manifestamente, suficientemente consistente para legitimar a sua pretensão. Senão vejamos:

EE. Não cremos que a prova testemunhal apresentada pela impugnante tenha sido suficiente para provar que os serviços mencionados nas facturas em questão no relatório dos SIT foram de facto prestados nos montantes ali referidos.

FF. Com efeito e conforme foi entendido no acórdão do TCA de 29-01-2009, no âmbito destes autos seria necessário "verificar se a mesma permite estabelecer uma relação inequívoca entre os serviços que as testemunhas dizem ter sido prestado e os que são referidos nas facturas em causa, designadamente se aqueles depoimentos permitem estabelecer, em concreto, que serviços foram prestados, onde, em que quantidades e por que valores e se os mesmos depoimentos permitem concluir com o grau de certeza exigível que os serviços referidos pelas testemunhas correspondem aos mencionados nas facturas; isto, porque a experiência nos revela que, em casos de facturação que não corresponde a serviços realmente prestados, muitas vezes não se trata, pura e simplesmente, de o emitente das facturas não ter prestado serviços alguns, mas de não ter prestado os serviços que constam das facturas ou de os não ter prestado com a dimensão que nelas se refere; isto, porque a experiência diz-nos que, em casos de "facturas falsas", é frequente a emissão de cheques como forma de criar uma ilusão quanto ao pagamento dos bens ou dos serviços prestados, sendo que, por vezes, os mesmos, ou nunca chegam a ser movimentados, ou, sendo-o, os movimentos bancários ulteriores revelam ou sugerem que a totalidade ou parte dos respectivos valores retornam ao sacador do cheque."

GG. De facto, se atentarmos na prova produzida, embora as testemunhas de um modo geral saibam identificar o tipo de trabalho prestado pela sociedade "D..." (arear, rebocar, assentar tijolo, etc) e saibam enumerar de cor os locais onde esta eventualmente terá prestado serviços à impugnante, tal como identificar o representante da "D...",

HH. sobre os serviços concretamente em causa nas facturas nada disseram,

II. E convenhamos, atento o preço do metro quadrado mencionado nos supostos contratos de empreitada e o montante de serviço facturado em cada uma das facturas (que oscilam entre os € 5.462,18 e os 28.680,00) seriam precisos bem mais trabalhadores do que aqueles que de acordo com as declarações do testemunho do encarregado da obra da impugnante, Manuel Faria, disse que estarem presentes ("prometeu 10 homens; na 1ª semana pôs-me só sete, na terceira semana só cinco")

JJ. Esta insuficiência de mão-de-obra é ainda mais gritante se atentarmos nas declarações da testemunha C..., que se identificou alegadamente (na medida que não consta nos registos da DGCI quaisquer declaração de rendimentos suas, nem foram apresentados os tão falados "recibos de vencimento", ou seja não consta nos autos nenhuma evidência de prova da sua qualidade de ex trabalhador da "D..." ), como ex trabalhador da "D...",

KK. quando refere que esta empresa trabalhava não só para a impugnante mas para outras empresas (até no Algarve) em simultâneo "andávamos sempre espalhados" e "às vezes éramos oito (trabalhadores), às vezes três".

LL. Sobre a prova documental apresentada, salvo o devido respeito, não demonstra que os serviços tenham sido efectuados e efectuados na quantidade mencionada nas facturas.

MM. Tratam-se de recibos e cópias de cheques (que não apresentam o seu verso de forma a se aquilatar quem efectivamente foi o beneficiário destes) que, perante os indícios recolhidos pelos SIT, existe séria probabilidade de serem forjados unicamente para dar credibilidade às facturas desconsideradas.

NN. Tal como os contratos apresentados, que não identificam a obra onde vão ser prestados os serviços, a não ser pelo local onde se realizaram.

OO. Não contêm um único elemento que identifique o dono da obra, a empreitada (tipo de prédio, por exemplo), a duração estimada dos trabalhos, o prazo de conclusão da empreitada.

PP. A sentença deu ainda como relevante para a conclusão a que chegou o depoimento de M....

QQ. Ora, esta testemunha para além de ter iniciado funções nos escritórios da impugnante apenas em Dezembro de 2002 (salienta-se que os anos que aqui estão em causa são 2002 e 2003) dos factos em apreciação (saber se de facto os serviços mencionados nas facturas foram efectivamente e naqueles moldes prestados) nada veio a acrescentar pois,

RR. esta limitava-se a efectuar os pagamentos das facturas conforme indicações do gerente da impugnante, preenchendo cheques e recibos.

SS. das obras propriamente ditas, nada revelou saber.

TT. Destarte, a credibilidade do seu depoimento deverá ser aferida e abalada em função da relação de superioridade exercida pela impugnante perante esta.

UU. Pese embora, do seu depoimento não se pode deixar de salientar algumas incoerências, que resultam forçosamente num abalo da sua força probatória, nomeadamente;

VV. alega que lhe foi entregue pelo responsável da "D..." registo da Conservatória, quando se comprova que por pedido de certidão à Conservatória pelo Inspector Tributário que elaborou o RIT, este obteve uma certidão negativa, atestando o não registo comercial da sociedade "D...".

WW. No seu depoimento é dito que "desde que entrei para a empresa (em Dezembro de 2002) tentei organizá-la o melhor possível", inferindo-se que até então a empresa não era muito organizada,

XX. e que o procedimento de exigência/ existência de orçamentos, contratos, etc., dos fornecedores/prestadores de serviços não existiriam previamente à sua entrada,

YY. ora, não é isso que resulta dos documentos juntos aos autos nos processos nºs 187/06.9BEPRT e 313/06.8BEPNF relativamente ao ano de 2001, previamente à sua entrada para a empresa, que correram igualmente termos no tribunal a quo, nos quais constam também,

ZZ. propostas de orçamentos e contratos de empreitada, entre a impugnante e a "D..." de forma a tentar-se credibilizar as facturas existentes na contabilidade da impugnante.

Assim sendo,

AAA. De acordo com que ficou dito, a prova testemunhal que se produziu não é susceptível de alterar a convicção retirada pela AT da análise que fez,

BBB. os depoimentos não se afiguram minimamente consistentes no sentido pretendido e, também não colhem pela especificidade da matéria em discussão, que carece de prova documental bastante, capaz de reproduzir os factos aventados.

CCC. Pelo que vem sendo exposto, cremos que o conjunto da prova documental e testemunhal, não constitui prova suficiente, para considerar provadas as operações tituladas pelas facturas, designadamente quanto à extensão que a impugnante apresentava na sua contabilidade e que fez inscrever em custos do exercício.

DDD. Ora, se não o Tribunal não consegue em absoluto estabelecer relação directa, de natureza e valor, entre as facturas e os serviços prestados, como pode infirmar os indícios em que a AT se sustentou para considerar a falsidade das facturas? No mero testemunho de pessoas interessadas ou envolvidas na questão?

EEE. A Fazenda Publica não concorda em absoluto com o decidido, que, como se vê, vai além dos factos dados como provados, ao considerar a prova testemunhal capaz de afastar a valia técnica e o valor probatório do Relatório da Inspecção Tributária e os indícios trazidos aos autos pela Administração de que as operações tituladas pela facturação em causa eram simuladas.

FFF. Pelo que, se na apreciação da prova o Tribunal a quo não pode concluir que a impugnante logrou provar concretamente que àquelas facturas correspondem efectivamente aquelas concretas operações, que pela AT foram postas em causa,

GGG. incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por errónea valoração da prova, mostrando-se violado, além do mais, o art. 23º do CIRC, pelo que, a douta sentença recorrida não poderá manter-se.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”


A recorrida “J…, Lda.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar a apontada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre a decisão e os fundamentos, o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável de IRC com referência ao disposto no artigo 23° do Código IRC.


3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado com base nos elementos de prova documental e no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência contraditória os seguintes factos:
1.º - A ora Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva levada a efeito ao abrigo da Ordem de Serviço OI200505598 e OI200505599, no âmbito de um processo de averiguações promovido pela Direcção de Finanças do Porto.
2.º - A Administração Fiscal (A.F.) sustenta que ocorreu por parte da ora Impugnante uma utilização abusiva de facturas emitidas pela sociedade "D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Ld.ª" - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3.º - Porquanto no decorrer da acção de fiscalização efectuada a essa sociedade "foram apurados factos que constituem indícios seguros de que as facturas emitidas pela D..., não correspondem a transacções reais, tratando-se de um mero negócio, de grandes dimensões, de venda de facturas" - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4.º - Considerou a A.F. que as facturas elencadas no Relatório de Inspecção Tributária "titulam operações que não consubstanciam serviços efectivamente prestados pelas entidades emitentes, tratando-se por conseguinte de documentos falsos" - cfr. resulta do teor do Relatório de Inspecção ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso aos autos.
5.º - O volume de negócios da Impugnante respeitante ao exercício de 2002 é de 365.350,07 euros e, para o ano de 2003 de 606.463,95 euros.
6.º - O volume das compras não aceites foi de 25.424, 65 euros, para o ano de 2002 e de 72.961,70 para o ano de 2003.
7.º - Nos dois exercícios o custo com o pessoal próprio foi reduzido, fixando-se em 90.987,06 euros em 2002 e 134.761,11 euros em 2003.
8.º - A sociedade "D... - Sociedade de Construções, Unipessoal, Ld.ª", conforme consta dos contratos de subempreitada (cfr. docs. n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, juntos aos autos pela Impugnante) prestou à Impugnante diversos trabalhos de assentamento de azulejo interior e betonagem, assentamento de tijolo e de tijoleira em pavimentos, acabamentos afagados, colocação de palas, rebocos e areados, construção de sanitários e serviços de limpeza de pavimentos, nas obras da Ria de Aveiro, Ermesinde, Vila Franca de Xira e Areosa.
9.º - Tais trabalhos tinham como objecto, a execução de serviços de construção de sanitários, pavimentação e serviços de limpeza, em especial:
- Assentamento de tijolo de 7 e de tijolo de 11;
- Colocação de palas;
- Aplicação de camada de betonagem a 5 cm de espessura;
- Realizar acabamento afagado liso;
- Construção de rampa de acesso ao armazém com acabamento rugoso;
- Construção de um sanitário em paredes de tijolo;
- Assentamento de azulejo interior e tijoleira no pavimento;
- Execução de serviços de reboco e areados;
- Realização de serviços de limpeza de pavimento interior e exterior - cfr. teor dos contratos de empreitada juntos pela Impugnante como, docs. n.ºs 1 a 6.
10.º - Pelos serviços prestados e referidos, foram emitidas as seguintes facturas pela "D..." após emissão e conferência do auto de medição:
Ano de 2002
- Factura n.º 714, datada de 30/11/2002, no valor de 9.430,57 euros (cfr. doc. n.º 7 junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 715, datada de 31/12/2002, no valor de 8.806,00 euros (cfr. doc. n.º 8 junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 716, datada de 31/12/2002, no valor de 12.019,00 euros (cfr. doc. n.º 9 junto aos autos pela Impugnante);
Ano de 2003
- Factura n.º 732, datada de 31/01/2003, no valor de 8.002,75 euros (cfr. doc. n.º 10, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 758, datada de 31/01/2003, no valor de 15.708,00 euros (cfr. doc. n.º 11, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 759, datada de 04/02/2003, no valor de 7.984, 31 euros (cfr. doc. n.º 12, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 767, datada de 03/03/2003, no valor de 7.000,18 euros (cfr. doc. n.º 13, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 908, datada de 04/04/2003, no valor de 7.500,00 euros (cfr. doc. n.º 14, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 1016, datada de 29/08/2003, no valor de 6.500,00 euros (cfr. doc. n.º 15, junto aos autos pela Impugnante);
- Factura n.º 1058, datada de 30/09/2003, no valor de 34.129,20 euros (cfr. doc. n.º16, junto aos autos pela Impugnante).
11.º - Para pagamento da factura n.º 714, foi emitido o cheque n.º 7050694238, datado de 21/01/2003, no valor de 9.430,57 euros (cfr. doc. n.º 17, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 655 (cfr. doc. n.º 18, junto aos autos pela Impugnante).
12.º - Para pagamento da factura n.º 715, foi emitido o cheque n.º 7050694335, datado de 21/01/2003, no valor de 8.806,00 euros (cfr. doc. n.º 19, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 656 (cfr. doc. n.º 20, junto aos autos pela Impugnante).
13.º - Para pagamento da factura nº 716, foi emitido o cheque n.º 7050694432, datado de 22/01/2003, no valor de 12.019,00 euros (cfr. doc. n.º 21, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 657 (cfr. doc. n.º 22, junto aos autos pela Impugnante).
14.º - Para pagamento da factura n.º 732, foi emitido o cheque n.º 7050696469, datado de 07.02.2003, no valor de 8.002,75 euros (cfr. doc. n.º 23, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 632 (cfr. doc. n.º 24, junto aos autos pela Impugnante).
15.º - Para pagamento das facturas n.º 758 e 759, foi emitido o cheque n.º 7044454034, datado de 21/02/2003, no valor de 23.692,31 euros (cfr. doc. n.º 25, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 663 (cfr. doc. n.º 26, junto aos autos pela Impugnante).
16.º - Para pagamento da factura n.º 767, foi emitido o cheque n.º 7045386495, no valor de 7.000,18 euros (cfr. doc. n.º 27, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 675 (cfr.doc. n.º 28, junto aos autos pela Impugnante).
17.º - Para pagamento da factura n.º 908, foi emitido o cheque n.º 7045392703, datado de 28/04/2003, no valor de 7.500,00 euros (cfr. doc. n.º 29, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 861 (cfr. doc. n.º 30, junto aos autos pela Impugnante).
18.º - Para pagamento da factura n.º 1016, foi emitido o cheque n.º 7008107649, datado de 05/09/2003, no valor de 6.500,00 euros (cfr. doc. n.º 31, junto aos autos pela Impugnante), tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 1016 (cfr. doc. n.º 32, junto aos autos pela Impugnante).
19.º - Para pagamento da factura n.º 1058, foi emitido o cheque n.º 7008112596, datado de 08/10/2003, no valor de 12.019,00 euros (cfr. doc. n.º 33, junto aos autos pela Impugnante) e entregue em numerário a quantia de 22.110,20 euros, tendo sido emitido o recibo de quitação n.º 657 (cfr. doc. n.º 34, junto aos autos pela Impugnante).
20.º - Os trabalhadores da "D..." prestaram serviços para a ora Impugnante na zona de Ermesinde - cfr. depoimento de J....
21.º - Aí realizaram trabalhos de trolha – cfr. depoimento de J....
22.º - A D... tomou conta de uma subempreitada do Sr. J... - cfr. depoimento de M….
23.º - A ora Impugnante tinha uma obra grande e entregava trabalhos de subempreitada - cfr. depoimento de M….
24.º - O Sr. F... era um subempreiteiro que apareceu na obra e com o qual negociamos - cfr. depoimento de M….
25.º - O Sr. F... da "D..." teve homens a trabalhar para o ora Impugnante nas obras de Ermesinde, Milheiros, Aveiro e Vila Franca - cfr. depoimento de Manuel Moreira Faria.
26.º - O Sr. F… pagava ao pessoal da "D..." em dinheiro – cfr. depoimento de M… e C....
27.º - A empresa "D..." trabalhou para a ora Impugnante nos anos de 2001, 2002 e 2003 - cfr. depoimento de M….
28.º - O pessoal era deixado na obra pelo Sr. F… e à noite ele ia buscá-lo, normalmente numa carrinha - cfr. depoimento de C....
29.º - O Sr. F… nunca tinha pessoal certo - cfr. depoimento de C....
30.º - A "D..." prestava serviços em diversas partes do país - cfr. depoimento de C....
31.º - A "D..." fazia ao mesmo tempo diversas obras, porque desempenhava em cada uma delas tarefas específicas, como por exemplo assentar tijoleira - cfr. depoimento de C....
32.º - A "D..." não trabalhava só para a empresa do Sr. J…, nomeadamente trabalhou para uma empresa no Algarve chamada "L… " e para uma outra empresa em Ermesinde, cujo dono se chama M…, e para a "S… ", da Maia - cfr. depoimento de C....
33.º - O Sr. F... da "D..." ia às instalações da Impugnante várias vezes - cfr. depoimento de M....
34.º - Era contra o acto de pagamento que eram processadas os recibos de quitação - cfr. depoimento de M....
35.º - Sempre que pagava em numerário à "D..." a Impugnante requisitava ao credor uma declaração de recebimento do numerário – cfr. depoimento de M....
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, em função dos termos da alegação da Recorrente, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre a decisão e os fundamentos.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que a M.ma Juiz a quo não especificou as razões pelas quais desconsiderou os factos constantes do Relatório de inspecção e também não especificou as razões pelas quais valorou da forma que o fez a prova testemunhal, e relacionou as obras que refere em geral com cada uma das facturas discriminadas, defendendo antes que existe contradição entre a matéria dada como provada e as respectivas conclusões.
No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Tendo presente que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, impondo-se sublinhar que a realidade apontada pela Recorrente envolve apenas matéria que poderá colocar o valor doutrinal da referida decisão.

Avançando, cumpre notar que na sentença recorrida, concluiu-se que: “…
Perante a factualidade apurada em sede de acção inspectiva, conclui-se que os indícios apontados pela A.T. não eram bastantes, nem suficientemente consistentes para se poder concluir que as facturas em causa não titulavam operações reais e, consequentemente, também não permitiam afirmar que os custos documentados nessas facturas não estão devidamente documentados ou não se revelam indispensáveis à obtenção dos proveitos.
As operações realizadas pela Impugnante são reais, estão suportadas documental, contabilística, financeira e materialmente.
Pelo que, provada a materialidade das operações e a realização efectiva dos serviços titulados pelas facturas são irrelevantes as considerações que a A.F. emite no seu Relatório de Inspecção relativamente à inexistência da “D...”, da sua estrutura e do perfil do Sr. F....
De todo o exposto, decorre, que a Impugnante logrou demonstrar que as facturas desconsideradas pela A.T. correspondem a serviços que lhe foram prestados por outras empresas, como forma de poder concluir as obras que lhe haviam sido adjudicadas.
Pelo que, não é de excluir a sua contabilização como custos originados no exercício em causa.
Pelo que, a ora Impugnante não poderá ser submetida à disciplina do n.°2 do art. 23º do CIRC.
A errónea quantificação da matéria colectável é um vício do acto tributário que legitima a sua anulação, nos termos do disposto no art.99°, alínea a), do CPPT. …”.

Com interesse para o enquadramento desta questão, cabe ter presente o exposto no Ac. deste Tribunal de 28-06-2011, Proc. nº 02477/08, www.dgsi.pt, onde se aponta que “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2001, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. …”.

Pois bem, neste âmbito, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt )

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Tal significa que, quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável.
Assim sendo, cabe, em primeiro lugar, analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pela “D...” não subjaz a prestação dos serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Deve ter-se presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154. Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (apud por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311).

No caso dos autos, como já ficou exposto, a decisão recorrida concluiu que Perante a factualidade apurada em sede de acção inspectiva, conclui-se que os indícios apontados pela A.T. não eram bastantes, nem suficientemente consistentes para se poder concluir que as facturas em causa não titulavam operações reais e, consequentemente, também não permitiam afirmar que os custos documentados nessas facturas não estão devidamente documentados ou não se revelam indispensáveis à obtenção dos proveitos”, ou seja, a apreciação desta matéria começa pela consideração da conduta da AT no sentido de afirmar ou rejeitar a posição assumida pela decisão recorrida.

Com este pano de fundo, temos que constitui fundamento do recurso o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos uma vez que a prova produzida não é de molde a contrariar os indicadores da inexistência das operações tituladas nas facturas que suportaram a desconsideração dos custos correspondentes, matéria que tem subjacente uma outra questão - esta meramente de direito - que é a de saber se, quando esteja em causa a existência das operações tituladas nas facturas, compete à administração tributária demonstrar que elas não existiram ou ao utilizador demonstrar que elas existiram, sendo que tem precedência lógica o conhecimento desta última questão, porque é da resposta que lhe for dada e da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo que derivará a resposta à primeira.

Nesta linha de análise, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte alude a custos que não podem ser atendidos.

Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ponderar, com as devidas adaptações ao caso em análise, a realidade apontada no Ac. deste Tribunal de 15-11-2013, Proc. nº 201/06.8BEPNF, www.dgsi.pt, onde se ponderou que não é controvertido [até porque resulta dos pontos II-C.5) e III-B do relatório de inspecção tributária para que remetem os factos provados supra] que a Recorrida contabilizou as facturas emitidas pela sua fornecedora e emitiu as respectivas declarações periódicas. O que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.

Nenhuma dúvida, por isso, de que a Recorrida beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.

Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua atividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apensar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução (leia-se aqui à consideração dos custos) arrogado nesses documentos.

O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização interna determinada pela ordem de serviço n.º OI200504414, de 2005-09-26.

Todavia, dessa acção de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita da Recorrida também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações.

De salientar, desde logo, a profusa documentação anexada ao relatório, da qual resulta que a fiscalização tributária teve acesso às facturas que titulam as operações, mas também aos contratos de subempreitada celebrados entre as duas empresas (a Recorrida e a emitente das facturas) e aos extractos da conta-corrente da “D...” que evidenciam a sua movimentação. Sendo que em relação a estes documentos, questiona-se os contratos por referirem os preços unitários dos serviços, não se indicando o valor global dos contratos, verificando-se, no entanto, que, em qualquer caso os contratos em apreço contêm os elementos necessários a integrar a realidade depois vertidas nas facturas juntas aos autos.

Também não foi referenciada nenhuma ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.

A ter sido efectuada outra análise à escrita da Recorrida, a ter sido averiguado o seu processo produtivo, a necessidade do recurso à subcontratação, a relação entre os serviços subcontratados a montante e as vendas a jusante, também nada foi extraído com relevo para as conclusões do relatório.

É, por isso, inequívoco que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a serviços prestados dizem respeito à emitente dessas facturas e aos indicadores de que essa sociedade não teria meios para as executar.

Importa, porém, salientar desde já que esses indicadores não foram recolhidos pela Direcção de Finanças do Porto, em primeira mão. Foram recolhidos a partir de elementos que lhe foram enviados pela Direcção de Finanças de Aveiro e de que os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto não se apropriaram nos seus exactos termos (visto que não anexaram esse relatório ao processo administrativo nem transcreveram o seu teor), tendo-se limitado a resumir os indicadores que extraíram desse outro relatório e que aqui aparecem já glosados e em segunda mão (não sendo de excluir, por isso, que se tenham perdido alguns dados relevantes e que aqui já não se possam aproveitar).

Foi, assim, de uma informação interna a que o tribunal não teve acesso que os serviços de inspecção tributária extraíram os seguintes indicadores de que as facturas em causa não respeitam a serviços efectivamente prestados:

a. Confirmou-se junto do “IMOPPI” que o alvará de construção da emitente é falsificado;

b. A emitente nunca teve qualquer pessoal produtivo;

c. O volume de negócios declarado e a dispersão geográfica das obras são incompatíveis com a capacidade material e humana da emitente das facturas;

d. As fornecedoras da emitente das facturas também estão indiciadas como emitentes de “facturas falsas”;

e. As facturas não têm ordem sequencial e algumas são mesmo anteriores à constituição da sociedade emitente;

f. Estão preenchidas com diversas caligrafias e contém assinaturas e carimbos diferentes;

g. O sócio-gerente mostra carências económicas que não se coadunam com os valores facturados.

Ora, estes indicadores - tal como se encontram apresentados (relembramos que o tribunal não teve acesso à informação original e nem esta pode aproveitar ao acto) - são insuficientes para concluir que as facturas em causa não titulam serviços prestados. Vejamos porquê.

O recurso a uma falsificação de alvará de outra empresa indica que a sociedade emitente das facturas não recuaria perante a ilegalidade para prosseguir a actividade, mas não que não tivesse actividade. Por outro lado, a cópia exibida terá sido exibida por outro utilizador das facturas emitidas por essa empresa, desconhecendo-se em que período. E não se sabendo, por isso, se a “D...” usou do mesmo estratagema junto da Recorrida ou sequer se tinha ou não alvará de construção à data da execução das obras tituladas nas facturas que lhe foram emitidas.

A afirmação de que a “D...” nunca teve pessoal produtivo seria o mais forte indicador de que nunca exerceu actividade e, por isso, não podia ter executado os trabalhos titulados nas facturas. No entanto, o próprio relatório alude à remessa de folhas de remuneração para a Segurança Social, referindo também a existência de uma apólice de seguro de acidentes de trabalho. Parece, de resto que o problema nunca esteve no facto de existirem trabalhadores declarados no período em causa, mas de constarem também como funcionários da principal firma utilizadora das facturas. Só que este tribunal não sabe que firma era essa (ou se era a Recorrida) e se esse facto punha em causa a declaração da emitente ou da utilizadora. E também não sabe se constavam como funcionários da empresa utilizadora no período a que se reportam as facturas em causa.

A inexistência de capacidade material e humana para a realização dos trabalhos declarados pela emitente sugere que havia “sobrefacturação”, mas não necessariamente que aquelas facturas em particular não fossem verdadeiras. Tal só sucederia se a incapacidade da emitente subsistisse considerando apenas as obras que lhe foram adjudicadas pela Recorrida, o que não resulta minimamente do relatório.

O facto de a “D...” ter documentado aquisições com facturas de outras empresas também indiciadas de facturas falsas, nada nos diz sobre a credibilidade dessas operações, porque os indicadores respectivos também não foram referidos, impedindo o tribunal de fazer algum juízo próprio sobre eles. Parece, de resto, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos sujeitos (por estarem envolvidos em tais processos) mas, como referia o Prof. Saldanha Sanches (in «A Quantificação da Obrigação Tributária», pág. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correcções, isso implicaria que a presunção do artigo 75.º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei.

A referência a facturas que não têm ordem sequencial e que foram emitidas em datas anteriores à sua impressão e à própria constituição da sociedade emitente, não releva para o caso. Não apenas as facturas que aqui foram postas em causa foram emitidas pela sua ordem sequencial e depois da constituição da sociedade “D...” (2001-07-24), como também, com excepção da primeira e da segunda, depois da data da sua impressão (Janeiro 2003).

O mesmo se diga das caligrafias, assinaturas e carimbos. Não apenas não se imputa as diferenças anunciadas às relações comerciais entre a Recorrida e a “D...”, como também a análise dos documentos juntos em anexo não as evidenciam. E, de qualquer modo, não há qualquer indicação de que esses documentos em particular não tenham sido assinados pelos respectivos representantes legais.

Finalmente, as carências económicas do sócio-gerente da “D...” parecem estar relacionadas com a sua situação financeira na altura da inspecção (e não da emissão das facturas), como decorre da expressão utilizada «recente afectação de uma habitação social», sendo que o que interessaria realmente era conhecer os indicadores económicos à data dos factos.

De tudo isto resulta que os indícios recolhidos pela administração tributária não permitem suportar, objectivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Recorrida e proceder à liquidação em litígio. É dizer que a administração não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige com vista a demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação correctiva da matéria tributável declarada pela Recorrida.

Deste modo, fica prejudicado o conhecimento do mais suscitado nos autos, nomeadamente o erro de julgamento em sede de matéria de facto, na medida em que os pontos discutidos estão directamente relacionados com a outra questão porventura a considerar nos autos, ou seja, no caso de uma outra leitura sobre a conduta da AT, caberia então discutir se a Recorrida tinha logrado fazer a prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC.

No entanto, como se viu, não tendo a AT demonstrado que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade, a discussão sobre a matéria termina imediatamente, tornando ocioso apreciar o erro de julgamento em sede de facto e de direito quanto à questão da prova da materialidade das operações em causa no que concerne aos custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Setembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves