Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01994/15.7BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Esperança Mealha
Descritores:INVALIDADE E INEFICÁCIA DO ATO; SITUAÇÃO DE FACTO CONSUMADO
Sumário:I – O incumprimento do prazo para comunicar a decisão de cessar a comissão de serviço não traduz uma questão de mera (in)eficácia do ato, mas antes um requisito da sua (i)legalidade (por dizer respeito à sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos), que, no caso, embora não corresponda a uma situação de ilegalidade evidente, é, não obstante, suficiente para concluir não ser manifesta a falta de fundamento da sua pretensão.
II – A não suspensão da eficácia do ato que decidiu cessar a comissão de serviço, na medida em que impede a continuidade no exercício do cargo, é suscetível de gerar uma situação de facto consumado (ou de muito difícil reconstituição) para o requerente cautelar. Contudo, tendo o requerido invocado prejuízos decorrentes do decretamento da providência, não pode ser efetuado o juízo de ponderação previsto no artigo 120.º/2 do CPTA sem antes se produzir prova sobre esses factos alegados.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PCAC
Recorrido 1:REAL ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE V....
Votação:Maioria
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer de não provimento do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
PCAC interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo (deliberação de 09.02.2015 que decidiu a não renovação da comissão de serviço no cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros) intentada contra a REAL ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE V....

O Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos que delimitam o objeto do recurso:

PRIMEIRA: A questão a decidir nos presentes autos e bem assim nos autos principais, de que este procedimento é apenso, consiste em saber se a notificação da deliberação da requerida em não renovar o cargo do aqui requerente de Comandante do Corpo de Bombeiros respeitou, ou não, o prazo de aviso prévio previsto na Lei, sabendo-se, de antemão, que, nos termos da Lei, o não cumprimento desse prazo determina a renovação automática do cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros, por um novo período de 5 anos.

SEGUNDA: Sendo que, com a presente providência, O Requerente pretende manter a sua situação tal como se encontrava antes de ser proferido o ato de 9/2/2015. E, a manter-se a situação tal como se encontrava – ou seja – sem o ato emitido em 9/2/2015, o Requerente assistiria à renovação da comissão de serviço por força do artigo 32º do Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21/11

TERCEIRA: O que significa que o decretamento da providência dita a renovação – ope legis – da comissão de serviço.

QUARTA: Tendo o Tribunal de 1ª Instância dado como provado que o requerente tomou conhecimento do teor da deliberação de não renovação de cargo em 16.02.2015 e que o mesmo havia tomado posse para desempenhar, por um período de cinco anos, as funções do cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de V... em 28.03.2010,

QUINTA: Impunha-se que o Tribunal tivesse concluído que o Órgão de Administração da Associação notificou, por escrito, o interessado, sem dar cumprimento à antecedência mínima de 45 dias (contados de forma contínua sobre a data do termo da comissão) a decisão de não renovar a comissão.

SEXTA: E sendo a questão em discussão apenas relacionada com a contagem de um prazo, também se impunha que o Tribunal tivesse concluído, de acordo com as decisões jurisprudenciais que têm sido proferidas e bem assim com as orientações doutrinais, ser mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente na ação principal

SÉTIMA: Pois que só no mencionado dia 16.02.2015 é que a notificação da deliberação de não renovação da comissão de serviço chegou à esfera de cognoscibilidade do respetivo destinatário, no caso do requerente.

OITAVA: Pelo que dúvidas não podem restar que é esta a data que terá de ser tida em conta para efeitos de contagem do prazo a que alude o artigo 32º do Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21/11;

NONA: E assim, sendo notória a procedência da pretensão formulada, porquanto não há outro critério possível ou plausível para determinar a data em que a notificação é oponível ao requerente e não há outro modo de contar o prazo de antecedência previsto na lei, e sabendo-se que as providências cautelares são adotadas para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infrutuosidade, seja por retardamento, no juízo urgente e sumário que se impõe ao julgador, deveria a presente providência ter sido imediatamente decretada.

DÉCIMA: E a igual conclusão se haveria de chegar, ainda que no plano teórico e meramente académico, se houvesse de admitir não ser evidente o êxito dessa pretensão, uma vez que, no caso dos autos, não é previsível, nem antecipável a manifesta improcedência da ação principal.

DÉCIMA PRIMEIRA: Isto porque, de acordo com a factualidade dada como provada e ainda do que resulta da própria Lei, por cada dia que demore a ser decidida a ação principal, o ora requerente ficará, irremediavelmente, prejudicado no seu direito legítimo de ocupar as funções do cargo de Comandante, sem qualquer possibilidade de reparação, relativamente ao tempo que mediou a sua renovação automática e a data em que a decisão final venha a transitar em julgado.

DÉCIMA SEGUNDA: Já que há medida que o tempo passa deixará de ser possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é determinado na sentença, relativamente a todo o período de tempo entretanto decorrido desde que operou a renovação automática da comissão de serviço do requerente, o que determinará a perda definitiva da utilidade pretendida no processo principal, quer por infrutuosidade, quer por retardamento.

DÉCIMA TERCEIRA: De onde resulta o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

DÉCIMA QUARTA: Pois que quanto mais tempo demorar a decisão a proferir na ação, não só o efeito útil dessa decisão poderá ficar irremediavelmente comprometido como, inquestionavelmente, ficará o requerente prejudicado, de forma irreparável e sem solução, de exercer a sua comissão de serviço durante todo o período temporal até que a decisão seja proferida, sem que esse período (durante o qual o requerente está impedido de exercer as suas funções) possa vir a ser exercido após o final do tempo da renovação de serviço.

DÉCIMA QUINTA: De onde resulta, sem que se mostrasse necessário alegar mais o que quer que fosse, estarem reunidos os pressupostos cumulativos de que depende o decretamento da providência requerida, a saber: (a) “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” e (b) “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”

DÉCIMA SEXTA: Já que tendo em conta que o período de renovação da comissão de serviço não se irá prolongar por força da decisão final a proferir no processo principal e que até lá ficará o requerente impedido de exercer as funções do cargo que deveria estar a ocupar, não pode haver dúvidas de que este prejuízo ao longo do tempo jamais poderá ser reparado pela reposição da legalidade.
DÉCIMA SÉTIMA: Pelo que, inexistindo quaisquer danos para o interesse público, e ainda que existissem, por tais danos não se mostrarem superiores aos que resultam, inequivocamente da sua recusa para os interesses que o requerente defende, deverá ser decretada a presente providência cautelar, pois que, só assim, poderá o requerente exercer as funções do cargo inerentes à comissão de serviço que, por imperativo legal, se renovou em 28.03.2015.

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A Recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
A) No caso dos presentes autos não se encontra demonstrado nem verificado o requisito preceituado na al. a) do nº 1 do art° 120º do CPTA, pelo que não assiste razão a tudo o que de contrário o recorrente alega e conclui na sua alegação de recurso.
B) Sendo a presente providência cautelar conservatória também não se mostram verificados (até por falta de alegação, no requerimento inicial, de factos consubstanciadores de tal matéria) os requisitos previstos na alínea b) do nº1 do art° 120º do CPTA, soçobrando, portanto, o que de diferente o recorrente alega e conclui na sua alegação de recurso.
C) Ainda que por hipótese meramente académica se entendesse estarem verificados os requisitos dos n°s 1 e 2 do art° 120º do CPTA., sempre a adopção da providência requerida deveria ser recusada urna vez que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, nos termos do disposto no n°2 do art° 120º do CPTA, dúvidas não subsistem de que os danos que resultariam da concessão da presente providência se mostram incomensuravelmente superiores àqueles que resultarão da sua recusa, os quais são inexistentes.
D) Nestes termos e com o mais que Vossas Excelências se dignarão doutamente suprir, deve ser negado provimento ao recurso do recorrente, mantendo-se e confirmando-se a douta Decisão recorrida nos seus precisos termos, sem qualquer reparo ou censura, por a mesma se mostrar inteiramente conforme ao direito e expurgada de qualquer dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente.
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O Ministério Público acompanhando o juízo do tribunal “a quo”, emitiu parecer de não provimento do recurso.
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2. Factos

A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
A) O Requerente tomou posse para desempenhar, por um período de cinco anos, as funções do cargo de Comandante do Corpo dos Bombeiros Voluntários de V... em 28/3/2010 – por acordo.
B) Na reunião de 9/2/2015, a Direção da Real Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de V... deliberou, por unanimidade, a não renovação do cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros – por acordo.
C) Com vista a dar conhecimento do teor da deliberação, foi expedida em 10/2/2015 carta registada com AR dirigida ao Requerente, contendo a fundamentação da decisão de não renovação – por acordo, cf. documento de fls. 695 a 657 dos autos.
D) O Requerente tomou conhecimento do teor da deliberação de não renovação do cargo em 16/02/2015 – por acordo, cf. documento de fls. 615 do processo administrativo.
E) Inconformado, o Requerente interpôs recurso para a Comissão Arbitral – cf. documento de fls. 1 a 15 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) A Comissão Arbitral deliberou, em 20/04/2015, com um voto vencido, não dar provimento ao recurso – cf. documento de fls. 595 a 617 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

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3. Direito

A decisão recorrida julgou improcedente o processo cautelar com o seguinte discurso fundamentador :

«(…) In casu, requer-se a suspensão de eficácia do ato que ditou a não renovação da comissão do Requerente como Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de V..., em concreto, a deliberação da Direção da Entidade Requerida com data de 9/2/2015.

Vejamos se a providência requerida se reconduz às chamadas providências conservatórias ou, antes, às antecipatórias.

O Requerente pretende manter a sua situação tal como se encontrava antes de ser proferido o acto de 9/2/2015. E, a manter-se a situação tal como se encontrava – ou seja – sem o acto emitido em 9/2/2015, o Requerente assistiria à renovação da comissão de serviço por força do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21/11, de acordo com o qual: “As designações para os cargos a exercer na estrutura de comando dos corpos de bombeiros voluntários ou mistos detidos por associações humanitárias de bombeiros são exercidas em regime de comissão de serviço, pelo período de cinco anos, automaticamente renováveis por iguais períodos se o órgão de administração da associação não notificar, por escrito, o interessado, com a antecedência mínima de 45 dias, contados de forma contínua, sobre a data de termo da comissão, a decisão devidamente fundamentada de não renovar a comissão.”

Na verdade, o caso dos autos tem uma particularidade que faz toda a diferença na caracterização da providência, a saber: o decretamento da providência requerida dita a renovação – ope legis - da comissão de serviço.

Assim, não restam dúvidas de que estamos perante uma providência conservatória.

Caso se afigurasse evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal, a providência podia ser, desde já, concedida, não havendo sequer que ponderar prejuízos para os interesses em confronto, porquanto apenas se iria adiantar provisoriamente a solução a ter como indiscutível no processo principal.

Todavia, aplicando a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que tem vindo a densificar o conceito de “evidência”, entende este Tribunal que o caso dos autos não passa o crivo do preceituado no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do CPTA.

A questão a decidir é simples, mas tal não significa que a respectiva solução seja evidente.

O Tribunal terá de aquilatar se a Entidade Demandada cumpriu o prazo estabelecido no artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21/11. Ou seja, se o Órgão de administração da Associação notificou, por escrito, o interessado, com a antecedência mínima de 45 dias (contados de forma contínua sobre a data de termo da comissão) a decisão de não renovar a comissão.

Para tanto, terá o Tribunal que justificar a razão pela qual escolhe como – dies a quo – a data de expedição da notificação (10/2/2015) ou, antes, a data da recepção da notificação (16/02/2015).

O caso dos autos não se afigura complexo, mas a resposta não é evidente, porquanto – tem-nos ensinado a jurisprudência – que “O juízo de «evidência» inserto na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza e de carácter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas naquela alínea, ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal. Tratam-se, pois, de situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou afirma no caso como patente, notório, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida. Estamos, nessa medida, em presença de critério excepcional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a decretação da tutela cautelar enquanto meio de reposição ainda que provisório da legalidade.” – cf. acórdão de 28/03/2014 do Tribunal Central Administrativo Norte.

A solução a adoptar pelo Tribunal não resultará, assim, de uma interpretação elementar da lei aplicável, tanto mais que a matéria em discussão já mereceu reflexão por parte dos nossos Tribunais tendo inclusivamente sido objecto de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais.

Importa, assim, atentar ao estabelecido na alínea b) do n.º 1 do já mencionado artigo 120.º do CPTA e verificar se há “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” e se não se afigura “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.

Sucede que, quando passamos à análise do periculum in mora, que pode assumir a forma de situação de facto consumado ou a de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, o Tribunal depara-se com a falta de alegação de factos concretos para prova deste pressuposto de que a lei faz depender a procedência da pretensão.

A tutela cautelar só pode ser reclamada por quem pretende evitar lesões graves, irreparáveis ou de difícil reparação. Não havendo no caso factos notórios que possam integrar o conceito de periculum in mora, devia o Requerente especificar os concretos factos que constituem a situação de perigo justificativa da concessão da medida cautelar reclamada – de harmonia com a repartição do ónus da prova previsto no artigo 342.º do CPC.

In casu, não foi cumprido o ónus de alegação. Com efeito, no requerimento inicial apenas se afirma: “sem margem de quaisquer dúvidas, por existir fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal”.

Ponto é que, com o pedido principal, o Requerente pretende obter um julgado anulatório que destrua o ato alegadamente ilegal e dite a reconstituição da situação que existiria se o ato em causa não tivesse sido praticado.

Não se extrai do requerimento inicial que, se não for decretada a providência cautelar, o pedido formulado no processo principal se torne irremediavelmente inútil. Com efeito, não se vislumbra razão que impeça o Requerente de voltar – após decisão do processo principal – a desempenhar funções do cargo de Comandante do Corpo dos Bombeiros Voluntários de V.... Nas palavras de Isabel Celeste da Fonseca, O debate Universitário, “o periculum in mora não é um perigo genérico de dano, pelo contrário é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva, resultante da inevitável lentidão do processo ordinário. Este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só tem – ou devem ter – relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença proferida no processo principal. (…)”.

Quanto ao mais, o Tribunal depara-se com uma ausência total de alegação de factos dos quais se possa extrair uma situação de perigo justificativo da concessão da medida cautelar requerida.

Tratando-se de pressupostos de preenchimento cumulativo, forçoso será concluir que o não preenchimento do requisito do fumus boni iuris [sic] dita irremediavelmente a improcedência da providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação de não renovação da comissão do Requerente como Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de V..., proferida pela Direção da Requerida em 9/2/2015.(…)».

O Recorrente entende que existe um fumus boni iuris qualificado, traduzido na evidência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, justificando a procedência nos termos do artigo 120.º/1-a) do CPTA; ainda que assim não seja, pelo menos um fumus non malus iuris, numa situação que projetará facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, o que sempre lhe garante êxito na previsão do artigo 120.º/1-b) do CPTA.

E em nosso entender parcialmente com razão.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se que o vício invocado pelo Recorrente contra o ato suspendendo (ato impugnado na ação principal) constitui um vício de violação de lei, traduzido no incumprimento do prazo de aviso prévio previsto no citado artigo 32.º/4 do Decreto-Lei n.º 249/2012, ou seja, do prazo para fazer cessar a comissão de serviço e assim obstar à sua renovação automática.

Na verdade, a falta de notificação da decisão de cessar a comissão de serviço no prazo referido não traduz uma questão de mera (in)eficácia do ato, mas antes um requisito da (i)legalidade da não renovação da comissão de serviço. Note-se que tal ato não pode ser repetido nem pode produzir efeitos no futuro pois padece de um vício estrutural que o inquina irremediavelmente (o incumprimento do prazo de aviso prévio).

Ora, se estivéssemos perante um mero problema de eficácia do ato, sempre o ato ineficaz seria apto a produzir efeitos, uma vez notificado, o que no caso, como vimos, não pode acontecer. O que significa que o ato em causa não padece de um problema de mera ausência de “efetiva produção de efeitos jurídicos”, mas antes lhe falta a “aptidão intrínseca para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence” (seguimos de perto as noções de “eficácia” e “validade” apontadas por Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 2001, 342).

Numa outra perspetiva, pode dizer-se que estamos perante uma situação de caducidade do direito potestativo de não renovar a comissão de serviço: não tendo a Recorrida exercido o direito de não renovar no prazo legalmente estipulado, a comissão renova-se ex lege e tal direito (suprimido pelo decurso do tempo) já não se encontra na esfera jurídica da Associação Recorrida à data em que o ato foi praticado e notificado, o que necessariamente inquina a sua validade.

Independentemente disso, quer qualifiquemos a situação como de invalidade (em sentido estrito) ou ineficácia (em sentido lato ou, mais exatamente, de ineficiência), o certo é que tal ato é incapaz de produzir efeitos jurídicos (externos) na esfera jurídica do Recorrente e essa incapacidade nunca poderá ser suprida ou sanada (ou só o poderia ser na medida em que fosse sanável o vício que afeta a validade do ato). Como salientam Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, III, 2.ª ed, 57, a validade e invalidade dizem respeito à aptidão ou inaptidão intrínsecas para a produção de efeitos; enquanto que a eficácia e a ineficácia têm que ver com as efetivas produção ou não produção de efeitos. No caso em apreço, o incumprimento do prazo de pré-aviso, caso se mostre verificado, é apto a originar aquela inaptidão intrínseca do ato suspendendo para a produção de efeitos, acarretando a sua invalidade.

Assim sendo, conclui-se que o requerente, aqui Recorrente, imputou ao ato suspendendo um vício suscetível de conduzir à respetiva invalidade, não sendo por isso manifesta a falta de fundamento da sua pretensão, o que determina o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, na modalidade consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

Contudo, a eventual procedência de tal vício – rectius, a procedência da pretensão formulada no processo principal (pretensão invalidatória do ato) – não se mostra evidente, por várias razões. Desde logo porque, como revela a mudança de relator no presente acórdão, não é unânime ou inequívoco o entendimento de que o vício invocado é suscetível de conduzir à invalidade do ato, o que significa que a sua apreciação exige uma análise jurídica relativamente complexa; e, por outro lado, porque se extrai dos argumentos esgrimidos a este respeito pelo requerente e pela requerida nos respetivos articulados que a demonstração de tal vício (o incumprimento do prazo de pré-aviso) exige indagações de facto e de direito incompatíveis com o juízo de evidência exigido na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA/2004. Concluímos, por isso, que o caso dos atos não revela uma situação de “ato manifestamente ilegal”, que, como é sabido, corresponde a situações que “não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida” (cfr., por todos, o Acórdão o STA de 22.10.2008, P. 0396/08).

Pelo que, contrariamente ao alegado, a providência não pode ser decretada ao abrigo do artigo 120.º/1-a) do CPTA/2004, impondo-se a sua apreciação de acordo com os critérios vertidos na alínea b) do mesmo preceito legal (por se tratar de providência conservatória de suspensão de eficácia).

O vício imputado pelo requerente/Recorrente ao ato suspendendo, embora não corresponda a uma situação de ilegalidade evidente, é, não obstante, suficiente para concluir não ser manifesta a falta de fundamento da sua pretensão de invalidar este ato, dando-se por verificado o fumus boni iuris, na versão prevista naquela alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

No que respeita ao periculum in mora, não pode deixar de se entender que, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, o Requerente da providência, aqui Recorrente, alegou factos concretos suficientes, pois invocou que a não suspensão do ato o impede de continuar investido no cargo de Comandante (nomeação que estaria renovada por mero efeito legal, não fora o ato suspendendo) e, portanto, de continuar a exercer o cargo até à decisão da ação principal. Ora, se o requerente vier a ter ganho de causa nesta ação principal, já não será possível assegurar essa continuidade no exercício do cargo. O que significa que o não decretamento da providência é suscetível de originar uma situação de facto consumado (ou de muito difícil reconstituição) para o Requerente.

Contudo, os autos demonstram também que a Requerida invocou prejuízos que adviriam do decretamento da providência, nomeadamente, nos artigos 193.º e seguintes da oposição, e que tais factos alegados não se encontram documentados nos autos (pelo menos integralmente), sendo antes suscetíveis de prova testemunhal, aliás requerida pelo demandado na sua oposição. Ou seja, os autos não contêm factos suficientes para apurar os prejuízos que possam advir para a Requerida (e para o interesse público que esta representa) do decretamento da providência e, consequentemente, para efetuar o juízo de ponderação previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA/2004.
Assim, não se dispondo dos elementos necessários para proferir decisão em substituição (cfr. artigo 665.º/2 do CPC), impõe-se determinar a baixa dos autos para apuramento da matéria de facto necessária à decisão da providência cautelar, nomeadamente dos factos necessários para efetuar o juízo de ponderação exigido no 120.º/2 do CPTA/2004, e tomando desde já em consideração que se deu como verificado os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora (para o requerente cautelar), a que alude a alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal.

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4. Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para apuramento da matéria de facto e decisão da providência nos termos indicados.

Custas pela Recorrida.

Porto, 08.04.2016
Ass.: Esperança Mealha (relatora por vencimento)
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia com o seguinte voto de vencido,
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Voto vencido:
Como melhor dei conta no projecto de Acórdão de que fui inicialmente relator, conceptualizo a questão subjacente, da notificação intempestiva, por referência à eficácia do acto, à eficácia intrínseca (não externa), causa que não respeita à validade do acto, entendida esta como reportada à (ao seu momento de) perfeição.
Não negando que o recorrente possa eventualmente ter “uma razão” a sustentar por adequado meio, julgo, todavia, que sendo a presente providência instrumental de uma acção principal de impugnação para anulação da deliberação suspendenda, à qual não noto maleita que dê apoio a um tal efeito, retiraria juízo desfavorável à concessão da providência.

Porto, 8/04/2016.
[Luís Migueis Garcia]