Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00363/14.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/25/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
EFEITO DO RECURSO;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DESPACHO QUE NÃO ADMITE PRODUÇÃO PROVA;
NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA
Sumário:1_ A regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº4 e no nº5 desse mesmo artigo às providências cautelares por não se encontrar legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo, podendo o tribunal, quanto muito e ao abrigo do disposto no n.º4 do art. 143º do CPTA, determinar a adopção de providências adequadas a minorar os danos que possam advir da execução da sentença.
2- A fundamentação de um despacho tem a ver com adequação à importância e circunstância da decisão.
3- No deferimento ou não de uma diligência de prova de um cautelar em que não se põe em causa a verdadeira questão de direito, a não ser que seja de tal forma evidente, que não necessite de quaisquer diligências, não se pode exigir a fundamentação inerente a uma decisão de mérito.
3_ A decisão nos termos da al. a) do art. 120º do CPTA tem a ver com as situações em que ao juiz, e sem necessidade de grandes estudos ou averiguações e numa imediatez evidente, se afigure ao primeiro olhar, incontroverso, patente e irrefragável, ser a ação manifestamente procedente.
4_ E não padece de omissão de pronúncia a falta de referência a todos os argumentos invocados pelo requerente já que não compete ao juiz uma pronúncia aprofundada sobre a questão para chegar à conclusão que não ocorre no caso sub judice a referida evidência.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MMRSCR...
Recorrido 1:Município de M e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:MMRSCR, com os sinais nos autos, inconformada, interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida pelo TAF dE coimbra, em 30.06.2014, que indeferiu o decretamento da Providência Cautelar, por si interposta contra o MUNICÍPIO DE MIRA e contra-interessados “C – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., LALS e PCALL, em que peticionava suspensão de eficácia, do despacho do Requerido Município de Mira, datado de 21/02/2014, “que aprovou o Alvará de Obras de Construção n.º 12/2014”.
Para tanto alega em conclusão:
a) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal a quo proferida em 30 de Junho de 2014, no âmbito dos autos de processo contencioso cautelar n.º 363/14.0BECBR, que indeferiu o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do Alvará n.º12/2014.
b) O presente recurso deverá ter efeito suspensivo uma vez que é interposto, como já se afirmou, de decisão que indeferiu o pedido de decretamento da providência cautelar (não se subsumindo ao n.º 2 do art. 143.º, mas sim ao seu n.º 1, que define a regra geral em matéria de efeitos dos recurso no contencioso administrativo) e ainda porque, caso assim não se entenda, sopesando os interesses em presença, os danos resultantes da atribuição de efeito meramente devolutivo serão superiores àqueles que podem resultar da atribuição de efeito suspensivo, atentando ao regime da nulidade – e consequente demolição – dos actos urbanísticos que violem as disposições legais e regulamentares aplicáveis.
c) A sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) CPC, quanto a alguns dos fundamentos referidos pela Recorrente, no seu pedido. Referimo-nos, nomeadamente, à análise da relação existente entre instrumentos de gestão territorial, mormente o Plano Director Municipal e o Plano de Urbanização da PM.
d) Constitui uma das questões mais controversas do direito do urbanismo, a de saber qual a relação existente entre os vários instrumentos de gestão territorial, e qual a consequência da desconformidade entre eles, sobretudo quando têm âmbito de abrangência diferente: nacional, regional e municipal.
e) A Recorrente alega que têm imediata aplicação ao caso concreto, atentando à localização geográfica, o Regulamento do Plano Director Municipal de Mira, doravante RPDM, republicado através do Aviso n.º 8442/2008, publicado no DR, 2ª série, n.º 55, de 18 de Março de 2008, e o Plano de Urbanização da PM, doravante PUPM, aprovado pela deliberação n.º 2108/2007, publicado no DR, 2ª série, n.º 202, de 19 de Outubro de 2007.
f) Sustentando a sua alegação no disposto no RPDM, no PUPM e ainda no RJIGT.
g) A consequência directa da aplicação destes instrumentos conduz-nos à manifesta procedência da pretensão a formular na acção administrativa especial a intentar (e que permite per se o decretamento das providências requeridas).
Vejamos porquê:
i. A obra em questão não respeita o afastamento lateral mínimo de 3 metros, previsto no artigo 12.º, n.º 1, do RPDM.
ii. Não respeita também o afastamento posterior mínimo de 6 metros tendo em atenção o alinhamento do anexo, conforme decorre do art. 12.º, n.º 2 do RPDM.
iii. Não está, por outro lado, prevista a existência de lugar de estacionamento, exigência expressamente prevista no art. 16.º do RPDM.
iv. Constata-se ainda que a obra não respeita o alinhamento dominante consolidado, que resulta do art. 10.º do RPDM e do art. 19.º, n.º3 do PUPM.
h) Em conclusão, o Alvará em causa viola pelo menos quatro disposições do RPDM e do PUPM, supra especificadas e já alegadas em sede de pedido cautelar, sendo evidente, tendo em conta a manifesta nulidade do acto administrativo em causa, a procedência da pretensão a formular na acção principal.
i) Comprovado que o Alvará em causa é nulo (ou anulável, caso assim se entenda) porque se encontra em contradição com vários preceitos regulamentares aplicáveis, constituiria razão bastante para a paralisação da sua eficácia, de forma a não produzir mais danos a qualquer dos sujeitos intervenientes.

j) Ainda assim, e admitindo (por mera hipótese) que fosse outro o entendimento do Tribunal a quo, a Recorrente fez uma breve e clara incursão pelos restantes requisitos do decretamento da providência cautelar (fumus boni iuris, periculum in mora e não subsistência de razões na ponderação dos interesses públicos e privados em presença).
k) A entidade requerida e contra-interessadas, pelo contrário, defenderam a não aplicação ao licenciamento em causa, das normas regulamentares do Plano Director Municipal (RPDM).
l) E, por conseguinte, o não preenchimento das nulidades aí referidas.
m) Já o entendimento perfilhado na sentença recorrida é inconclusivo, bastando-se com a referência “como se retira, desde logo, do pedido de inspecção ao local formulado pela Requerente, não resulta da simples leitura do requerimento inicial, mesmo complementada pelos documentos que juntou, a menor evidência de ilegalidade do acto suspendendo”; indeferindo, ao mesmo tempo, o requerimento de prova por inspecção judicial.
n) Independentemente das divergências que giram em torno da relação entre instrumentos de gestão territorial, o certo é que o Tribunal, em sede de procedimento cautelar, não está vinculado a proferir uma análise detalhada relativamente a questões que venham a ser decididas no âmbito do processo principal.
o) No entanto, aquando da averiguação do preenchimento dos pressupostos do procedimento cautelar, o Tribunal deve fazer uma análise perfunctória de todas as questões:
Art. 120.º CPTA – Critérios de decisão
1) Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal (…).

p) Ademais, na análise do Tribunal a quo, seria de extrema relevância a análise do local, através da diligência de inspecção judicial requerida pela Recorrente também no requerimento.
q) Contudo, o Tribunal a quo indefere o pedido, e fá-lo isento de qualquer fundamentação.
r) A falta de fundamentação no que concerne ao indeferimento do pedido de inspecção judicial e ainda ao raciocínio insuficiente seguido quanto à ausência de manifesta procedência da pretensão a formular na acção administrativa especial a intentar, não cumpre com a função de defesa do particular e ainda com a exigência constitucional.
s) Desta feita, para além de se apontar o vício de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação na sentença recorrida, consideramos que o entendimento perfilhado deve ser revisto e acompanhado de fundamentação, porquanto não tem em consideração a posição da Recorrente, nem os princípios gerais que tutelam a situação, nomeadamente o da segurança jurídica.
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O RECORRIDO e Contra-interessados apresentaram contra-alegações, em defesa da improcedência do recurso, embora sem formular conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com relevância para os autos):

1. Com data de 21 de Janeiro de 2014 foi emitido pela Câmara Municipal do Requerido o Alvará de Obras de Construção n.º 3/2014, em nome de LALS, respeitante às obras aprovadas por despacho do dia anterior, a realizar no prédio sito na Rua Dr. EM, na freguesia PM, descrito na Conservatória do registo Predial competente sob o n.º 2677 da referida freguesia (Doc. n.º 4 oferecido pelas contra-interessadas);
2. Com data de 20 de Março de 2014 foi emitido pela Câmara Municipal do Requerido o Alvará de Obras de Construção n.º 12/2014, em nome de LALS, respeitante às obras aprovadas por despacho de 21 de Fevereiro de 2014, a realizar no prédio sito na Rua Dr. EM, na freguesia PM, descrito na Conservatória do registo Predial competente sob o n.º 2650 da referida freguesia (Doc. n.º 5 oferecido pelas contra-interessadas);
3. A Requerente é comproprietária do prédio urbano sito na Rua Dr. EM, n.º 3, na referida freguesia da PM, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 478;
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 5, 608.º, 635.º, n.ºs 3 e 4 e 638º, n.º 3 todos do Novo Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
As questões que aqui importa conhecer são as seguintes:
_Efeito do recurso
_Preterição de diligências de prova (falta de fundamentação da mesma)
_Nulidade sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto a fundamentos integradores do art. 120º nº1 al. b) do CPTA.
_Falta de Fundamentação
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O DIREITO
EFEITO DO RECURSO
Vem a aqui recorrente requerer que seja fixado o efeito suspensivo ao recurso.
Para tanto refere alcance dúbio do art. 143º nº2 do CPTA uma vez que o mesmo se reporta à “adopção” de providências cautelares, ou seja, às decisões de sentido favorável à Requerente, o que não é o caso e por outro atenta a ponderação dos interesses em presença, poderá ser recusada a atribuição de efeito meramente devolutivo, uma vez que os danos resultantes dessa atribuição mostrar-se-ão superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição (vd. art. 143.º, n.º 5 do CPTA).
Conclui que a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso será gravosa, sobretudo, se atentarmos à posição das contra-interessadas, uma vez que são as mesmas que deverão fazer investimentos avultados para a realização e conclusão de uma obra que poderá, face ao desfecho da ação principal a instaurar, ter de ser demolida, inexistindo, paralelamente, interesse públicos que justifiquem o afastamento da suspensão da execução do ato.
Quid juris?
Desde logo, e como refere o MP no seu parecer, no despacho que admitiu o recurso, o M.mo Juiz de Direito a quo relegou para final a decisão sobre a fixação do efeito a atribuir ao recurso (cfr. fls. 368 do p. f.), sem que, certamente por lapso, tenha sido emitida pronúncia sobre esta questão (v. fls. 459 do p. f.).
Ora, nos termos do n.º 5 do artigo 641.º, do CPC:“A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º”.
Contudo, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, al. a), do referido diploma, este tribunal o pode sempre corrigir o efeito atribuído ao recurso já que a decisão de fixação de efeito ao recurso tem carácter provisório, não obstante o juiz que o proferiu esteja impossibilitado de alterá-la, mas como não constitui caso julgado formal as partes podem impugná-lo em sede de alegações e não pela via dum recurso autónomo.
Sendo assim, não se impõe, e já que estamos perante um processo urgente, a remessa dos autos à 1.ª instância, com vista ao suprimento dessa omissão pelo tribunal a quo e à consequente fixação do efeito do recurso.
Acresce que todas as partes já emitiram pronúncia sobre esta questão (cfr. fls. 376 e segs. e 435 a 437 do p. f.).
Então vejamos.
Dispõe o art. 143.º, sob a epígrafe “Efeitos dos recursos” que:
1- Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2- Os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.
3- Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4- Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5- A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”
A este propósito diz-se no Ac. 1411/08.9 BEBRG A de 18/6/09 que: “...No artigo 143º do CPTA, o legislador, à semelhança do que faz a respeito das providências cautelares, e visando assegurar o equilíbrio dos interesses em presença, fixa uma regulação complexa dos efeitos dos recursos: estabelece aí duas regras, a primeira, que salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida [nº1], e a segunda, que os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e de decisões sobre a adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo [nº2]; admite que, quando a suspensão dos efeitos da sentença provoque uma situação de periculum in mora, possa ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso [nº3]; admite que o tribunal proceda à ponderação dos interesses das partes, quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, visando impor providências destinadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos [nº4], sendo que a atribuição de efeito meramente devolutivo deverá ser recusada quando tal cause prejuízos superiores aos que resultam da suspensão, e aqueles não possam ser prevenidos ou minorados com providências adequadas [nº5].
Convém ter presente que o nº1 do artigo 143º do CPTA mantém a regra geral que já provinha do artigo 105º nº1 da LPTA, segundo a qual os recursos que subam imediatamente têm efeito suspensivo da decisão. E o seu nº2 actualiza o nº2 desse mesmo artigo 105º, segundo o qual os recursos de decisões que suspendam a eficácia de actos contenciosamente impugnados têm efeito meramente devolutivo.
Vem entendendo a doutrina que no texto do artigo 143º nº2 do CPTA cabem decisões que julguem procedente a intimação à adopção de conduta, positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício [em tempo útil] de um direito, liberdade ou garantia [proferidas no âmbito de processo de intimação urgente a que se referem os artigos 109º a 111º do CPTA], e cabem todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em processos cautelares, quer concedem ou denegam as providências, quer as declarem caducas, as alterem ou revoguem [ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição].
Ora bem. Tendo presente o teor literal da regulação fixada no artigo 143º do CPTA, sobre os efeitos dos recursos jurisdicionais, e a referida natureza, regime e finalidade das providências cautelares, pensamos que tanto a conjugação literal e sintáctica do respectivo texto, como a teleologia e sistemática que lhe subjazem, militam no sentido de uma interpretação que condiz com a adoptada na decisão judicial recorrida [ver artigo 9º do CC].
Na verdade, e quanto ao teor literal, facilmente se constata que no nº1 e no nº2 do artigo 143º é o próprio legislador a fixar o efeito regra, utilizando o verbo ter, com sentido impositivo, enquanto nos demais números é o tribunal que poderá atribuir um efeito diferente ao recurso. É fácil verificar que o nº3 só poderá dizer respeito à regra geral do nº1, e não à do nº2, em que não está em causa a suspensão dos efeitos da sentença, sendo certo que é o nº3 que vem permitir que o tribunal atribua ao recurso efeito meramente devolutivo. Assim, os números restantes [4 e 5], ao referirem-se, expressamente, à hipótese de atribuição de efeito meramente devolutivo, só poderão ter ligação sintáctica com o nº3 e não com os dois primeiros números do artigo. É o nº3 que serve de charneira entre os números 4 e 5 e o nº1, desta ligação sintáctica ficando afastada a regra do nº2. Pensamos ser este o sentido correcto que brota do texto do artigo 143º, lido no seu conjunto, e tendo presente que o legislador soube exprimir-se em termos adequados, e de forma correcta e lógica [artigo 9º nº3 do CC].
Cremos, portanto, que a letra do artigo 143º do CPTA aponta no sentido de que as alterações previstas nos seus três últimos números apenas se aplicam à regra geral do nº1, e não há regra do seu nº2.
Este mesmo sentido nos parece ser imposto por considerações de ordem sistemática e teleológica [artigo 9º nº1 do CC].
Há que ter em consideração, desde logo, que o nº3 [do artigo 143º] não se aplica, pura e simplesmente, às decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, já que tem como seu pressuposto apenas a regra do efeito suspensivo consagrada no nº1. A letra da lei, aqui, não permite qualquer outra leitura [artigo 9º nº2 do CC].
Relativamente aos números 4 e 5 do artigo 143º do CPTA, importa ter presente, primo, que o julgador cautelar, para deferir ou indeferir a providência, já terá procedido à ponderação de interesses e danos que subjaz à adopção quer das medidas lenitivas [nº4] quer da recusa do efeito meramente devolutivo [nº5], e nada justifica a sua repetição. E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso apenas significará que foi a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, a arredar, naquele caso concreto, quer por inexistência do indispensável fumus bonus, quer por inverificação de periculum in mora, a necessidade de a ela proceder.
Se o julgador cautelar considerou ser de proteger a posição do requerente contra a morosidade do processo principal, concedendo a providência pretendida, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional dessa decisão judicial acabaria por inutilizar o objectivo da tutela cautelar, prolongando no tempo uma situação desvantajosa para o requerente.
Utilizando a expressiva síntese de Teresa Violante verificando-se periculum in mora, deve a providência ser deferida, pelo que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso desta decisão poderia culminar na sua inutilidade; caso aquele perigo não se verifique então o recurso de decisões de indeferimento revestido de efeito suspensivo carece de justificação processual [Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O Direito, Ano 139º, 2007, IV, páginas 841 a 877; consultamos ainda, a respeito deste tema, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, página 595; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição, 432 e 433].
Saliente-se ainda, secundo, que o artigo 128º do CPTA, já por nós referido, determina que quando seja requerida suspensão de eficácia de acto administrativo, a autoridade administrativa, logo que receba o duplicado desse requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. Basta, pois, a emissão de um novo acto administrativo, que justifique a ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público resultante da suspensão provisória, para que a administração possa, desde logo, prosseguir na execução do acto [nº1].
Estipula o mesmo artigo, no seu nº2, que se considera indevida a execução quando falte a resolução fundamentada prevista no nº1, ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta, podendo ser deduzido pelo requerente incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida [nº4 a nº6].
Temos, assim, que deferindo a lei à autoridade administrativa, num primeiro momento, a ponderação dos interesses em presença, para efeito de evitar a suspensão automática do acto administrativo, fará todo o sentido que os motivos avançados pela administração apenas possam ser postos em causa, pelo incidente de declaração de ineficácia, quando transite em julgado a decisão judicial que declare improcedentes os mesmos, e não por um eventual efeito suspensivo do recurso.
Além disso, tertio, no caso de recusa da providência cautelar, o efeito suspensivo do recurso dessa decisão viria possibilitar, cremos que indevidamente, o prolongamento abusivo da proibição fixada no nº1 do artigo 128º do CPTA. No caso contrário, o efeito suspensivo do recurso da decisão de deferimento viria permitir, indevidamente, que a administração pudesse passar a executar o que lhe estava proibido por força daquela mesma norma, e tinha sido reforçado pela decisão cautelar. Tal efeito, permitiria ou prolongaria uma execução indevida.”
Como resulta do entendimento supra referido que sufragamos devemos concluir que a regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº4 e no nº5 desse mesmo artigo.
Este tem sentido o sentido da nossa jurisprudência noutros acórdãos nomeadamente o Acórdão do STA 1361/13 de 23/10/2013 de onde resulta que por força do disposto no n.º2 do art. 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo, podendo o tribunal, quanto muito e ao abrigo do disposto no n.º4 do art. 143º do CPTA, determinar a adopção de providências adequadas a minorar os danos que possam advir da execução da sentença, assim como o Acórdão deste TCAN por nós relatado 00941/09.0BEPRT de 4/2/010.
Também assim o entendeu o STA Ac. de 24/5/2012, Rec. n.º 0225/12, onde se refere que O art. 143.°, n.º 2, do CPTA é muito claro quando afirma que “os recursos interpostos ... de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo”.
É, pois, de manter o efeito fixado ao recurso.
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FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DESPACHO QUE NÃO ADMITE PRODUÇÃO PROVA
Alega a recorrente que ocorre falta de fundamentação na não admissão do seu pedido de inspeção ao local que reputa de essencial para a cabal compreensão dos factos alegados no pedido. Para tanto salienta que a expressão utilizada “… É exclusivamente de direito a matéria a apreciar, dispensa-se a realização de qualquer diligência de prova, indeferindo-se, designadamente, o pedido de inspecção ao local formulado pela Requerente.” não lhe permite perceber o motivo porque não foi admitida a inspeção requerida, o que viola o art. 205º, nº 1, da CRP, já que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Quid juris?
A fundamentação de qualquer outra decisão judicial tem atualmente assento constitucional.
Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero
expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre a garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Daí que tenha de ser expressa, clara e coerente e suficiente.
O legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral no art. 158º do CPC[5],( atualmente art. 154º do novo CPC) onde se prescreve:
“1. As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.”
A descoberta dos motivos da decisão não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos e a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.
No caso dos autos, o Tribunal a quo entendeu que, para a decisão a proferir, tendo em conta as soluções de direito plausíveis, não se mostravam necessários outros meios de prova, para além da documental já trazida aos autos, sendo inúteis outras indagações e, nesta sequência, dispensou a respectiva produção.
E aqui está a sua fundamentação. Ficou a perceber-se que se entendia que os autos continham os elementos para a decisão.
Não precisava, a nosso ver, o juiz a quo, de estar a decidir no momento de admitir ou não uma prova as fundamentações que tem em mente para a futura decisão.
Não se pode exigir como fundamentação neste tipo de decisão de admissibilidade de uma diligência de prova uma intensidade ou uma decisão sumariada da verdadeira decisão que vai ocorrer.
A fundamentação de um despacho tem a ver com adequação à importância e circunstância da decisão.
E, no deferimento ou não de uma diligência de prova de um cautelar em que não se põe em causa a verdadeira questão de direito, a não ser que seja de tal forma evidente, que não necessite de quaisquer diligências, não se pode exigir a fundamentação inerente a uma decisão de mérito.
Competia, sim, à recorrente explicitar em sede de recurso porque é que, a seu ver, o processo cautelar não contém os elementos para a decisão cautelar e não porque não contém os elementos para a decisão de mérito!
O tribunal a quo não tinha que esgotar o dever inquisitório a não ser relativamente aos pressupostos cautelares do periculum in mora e ponderação de interesses, na precisa medida em que se está no quadro de um processo cautelar e, consequentemente, de uma decisão sumária e perfunctória que apenas visa salvaguardar a eficácia da decisão de mérito quando a mesma venha a ser proferida e não substitui-la.
Ora, não vem sequer alegado pela recorrente quaisquer razões para que se impusesse a realização de inspeção ao local para a boa decisão do cautelar e dos pressupostos do mesmo suscetíveis de exigir aquela prova.
Entendemos, pois, que ocorre fundamentação do despacho e que não foi sindicada a bondade do mesmo.
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NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA
Alega a recorrente que sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) CPC, quanto a alguns dos fundamentos por si, nomeadamente, quanto à análise da relação existente entre instrumentos de gestão territorial, o Plano Diretor Municipal e o Plano de Urbanização da PM.
E que, constitui uma das questões mais controversas do direito do urbanismo, a de saber qual a relação existente entre os vários instrumentos de gestão territorial, e qual a consequência da desconformidade entre eles, sobretudo quando têm âmbito de abrangência diferente: nacional, regional e municipal.
Ora, tendo alegado que têm imediata aplicação ao caso concreto, atentando à localização geográfica, o Regulamento do Plano Director Municipal de Mira, RPDM, republicado através do Aviso n.º 8442/2008, publicado no DR, 2ª série, n.º 55, de 18 de Março de 2008, e o Plano de Urbanização da PM, PUPM, aprovado pela deliberação n.º 2108/2007, publicado no DR, 2ª série, n.º 202, de 19 de Outubro de 2007 e sustentando a sua alegação no disposto no RPDM, no PUPM e ainda no RJIGT, tal conduziria à manifesta procedência da pretensão a formular na ação administrativa especial a intentar, fundamento que não foi devidamente tratado.
Quid juris?
Estipula-se no art.º 615.º,do novo CPC (art. 668º do revogado CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:

a) Quando não contenha a assinatura do juiz;

b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão;

c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;;

d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”

A nulidade prevista na alínea d) do art. 668º (art. 615º do novo CPC) está intimamente ligada com o art. 660º nº2 do CPC que dispõe que “ o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cujas decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” E, qual o sentido da palavra “ questões” ? Ora, jurisprudência e doutrina têm entendido que há que distinguir “ questões “ de “ razões “ (ou seja, argumentos), e que a falta de apreciação de todos os motivos indicados, não constituem causa de nulidade de sentença ou acórdão.
Conforme resulta deste preceito e do art. 660º nº2 do CPC o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – ver neste sentido o Ac. STJ de 25/09/2003 - Proc. n.º 03B659).
Como diz o Prof. M. Teixeira de Sousa (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221) é “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2ª parte) …” o que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …”. sendo questões “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. Prof. A. Varela in RLJ, Ano 122º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. Prof. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág.
Alega a recorrente que ocorre absoluta omissão de julgamento sobre a consequência direta da aplicação dos seguintes instrumentos sobre RPDM, PUPM e ainda o RJIGT, o que conduziria à manifesta procedência da pretensão a formular na ação administrativa especial a intentar (e que permite per se o decretamento das providências requeridas).
E explica porquê como supra se refere.
Contudo, o art. 120º al. a) do CPTA que é o preceito que permite a providência na situação alegada dispõe que as providências cautelares são adoptadas “ Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.” A este propósito extrai-se do Acórdão do TCAN 00303/04.5BEMDL de 10-03-2005 :” Na situação contemplada na alínea a) do n.º 1 do art. 120º o fumus boni iuris adquire a máxima intensidade, pois a providência é automaticamente concedida sem necessidade de atender ao periculum in mora e à ponderação de interesses públicos e privados. Trata-se de providências dirigidas contra “atos manifestamente ilegais”, por si ou por referência a atos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes, e contra atos de aplicação de normas já anuladas. Nas situações de manifesta, ostensiva e grave ilegalidade, sumariamente demonstrada, que evidencie a procedência da acção principal, é imperioso repor rapidamente a legalidade, ainda que haja interessados particulares a pugnar pela sua manutenção. Dispensa-se a ponderação de interesses públicos e privados e o juízo de proporcionalidade quanto à decisão da providência porque o critério da evidência da pretensão principal incorpora já a salvaguarda de tais interesses, do interesse público, porque a Administração não pode praticar actos ilegais, e dos interesses particulares, porque têm direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada. O juízo sobre a evidência da pretensão principal em face da manifesta ilegalidade do acto impugnado, uma situação excepcional perante as situações que normalmente justificam as providências cautelares, é ainda mais excepcional quando a ilegalidade do acto impugnado deriva de vícios formais. É que as ilegalidades verificadas nos elementos formais ou extrínsecos do acto administrativo, susceptíveis de produzir invalidade, podem não conduzir necessariamente à sua anulação, quer por ser um vício irrelevante no caso concreto, quer por ser possível o seu aproveitamento pelo juiz. Em princípio, só quanto aos vícios graves, aqueles que concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do ato, é possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal. Já quanto à violação de preceitos de forma em sentido amplo, que inclui a forma propriamente dita e o procedimento, que seja cominada com a anulabilidade nem sempre a preterição da forma conduz à anulação. Existem vícios formais com potência invalidante que, pela menor importância da forma ou por motivos de economia de actos públicos, possibilitam ao juiz recusar a anulação, declarando a irrelevância do vício, ou realizar o aproveitamento do acto. No primeiro caso, o ato não será anulado se o juiz comprovar que no caso concreto foram alcançados os fins específicos que o preceito violado visava alcançar. Esta é a posição sufragada pela generalidade da doutrina e jurisprudência portuguesa que considera «formalidades não essenciais», aquelas cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigi-las, e que, para este efeito, serve para distinguir “vícios essências” de “vícios não essenciais”, conforme impliquem, ou não, a anulação do ato. No segundo caso, se a decisão tomada corresponde à solução imposta pela lei para o caso concreto, o que só se pode saber nos atos vinculados, o juiz pode conservar o ato administrativo, uma vez que não existem dúvidas que um administrador normal e razoável o irá repetir com o mesmo conteúdo (…)” (cfr. neste sentido, Acs. do TCA Norte de 16/09/2004 - Proc. n.º 764/04.2BEPRT, de 16/12/2004 - Proc. n.º 467/04.8BECBR in: «www. dgsi. pt/ jtcn »).
Refira-se, aliás, a este propósito o sustentado pelo Prof. Colaço Antunes (in: loc. cit., pág. 93) “(…) presume-se o fumus do recorrente, numa primeira análise, a exigir, apesar da evidência da pretensão (artigo 120º/1/a do C.P.T.A.), um juízo de probabilidade qualificado (sobretudo nos actos e natureza prestacional); isto é, que o acto pareça claramente ilegal (nulidade ou inexistência do acto, artigo 120º/1/a) ou seja manifestamente evidente a existência de um direito ou interesse legalmente protegido (…). “

Independentemente de não estarem aqui em causa vícios graves, qualificando-se como tais, aqueles que se concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do ato, e de ser questionável se só relativamente a estes se reporta a manifesta procedência da ação a que alude esta alínea a) do art. 120º do CPTA, não podemos esquecer que não faz parte do âmbito deste processo o conhecimento dos vícios da ação principal, sob pena de esta perder o objecto e de se estar a transformar um processo cautelar urgente num processo principal sem as garantias que só este pode assegurar.

Reporta-se, antes, este preceito àquelas situações em que ao juiz, e sem necessidade de grandes estudos ou averiguações e numa imediatez evidente, se afigure ao primeiro olhar, incontroverso, patente e irrefragável, ser a ação manifestamente procedente.
Ora, não podemos dizer que compete ao juiz uma pronúncia aprofundada sobre a questão para chegar à conclusão que não ocorre no caso sub judice a referida evidência.
E que, a falta de pronúncia sobre todos os argumentos alegados constitua omissão de pronuncia.
A pronúncia consiste em dizer se ocorre ou não uma evidente procedência da ação principal.
É que uma análise aprofundada da questão não é só por si compatível com a simplicidade de um processo urgente, sendo certo que, em sede de apreciação do critério de decisão constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, a análise dos vícios apontados ao ato administrativo praticado se traduz numa apreciação sumária ou perfunctória, cuja razão de ser se prende com a necessidade de evitar a antecipação sobre o juízo final da causa, que deve ser decidido em sede própria e não no âmbito cautelar, sob pena de inutilidade do processo principal, que passaria a ser reduzido à condição de confirmação ou não do juízo de legalidade ou ilegalidade proferido no processo cautelar.
Não ocorre, pois, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em negar provimento e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
R. e N.
Porto, 25/09/014
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Macedo Branco