Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00475/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:FACTURAS FALSAS
IRC
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Tendo a Administração Tributária recolhido, em acção de fiscalização tributária, indícios sérios e credíveis de que determinadas facturas titulando aquisições de bens por parte da impugnante não correspondem, efectivamente, a transacções comerciais realizadas entre a impugnante e a emitente das facturas, cabe aquela o ónus da prova da veracidade de tais transacções.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Imobiliária..., Lda.,
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Imobiliária ..., Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios referenciadas aos exercícios de 2004 e 2005, no montante global de 148.526,17€ e 465.251,70€ respectivamente para cada um daqueles anos.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1. A recorrente exerce a actividade de compra e venda de imóveis e/ou sub-fracções e revenda das adquiridas para esse fim, compra e venda de urbanizações e loteamento e
a sua revenda, no todo ou em parte e a administração de imóveis e seu arrendamento (construção de Pavilhões industriais e uma pequena percentagem de reparações em edifícios);
2. Para o exercício da sua actividade, a Recorrente tem necessidade de subcontratar (porque não tem trabalhadores ao seu serviço) e de adquirir matérias-primas, essencialmente cimento, ferro e tijolo;
3. As aquisições de matérias-primas que têm o peso no custo total de 83,62€ e 91,36€ para os anos de 2004 e 2005 foram adquiridas ao Centro Comercial V... e tituladas por facturas e recibos;
4. Não existindo quaisquer outros custos na contabilidade que ascendam aquelas percentagens;
5. As aquisições efectuadas ao Centro Comercial V... só dizem respeito às aquisições de matérias-primas;
6. O Centro Comercial V... tinha capacidade de transporte das matérias-primas;
7. A T... Lda. prestou serviços de transporte e grua titulados pelas facturas emitidas, não sendo para o efeito necessário a emissão de guia de remessa;
8. As matérias-primas tanto podem circular com factura, com guia de remessa ou documento equivalente;
9. Pela análise detalhada às facturas emitidas pelos prestadores e em pormenor à descrição das mesmas facturas, podemos constatar que, na sua maioria, estas identificavam as obras pelo que foi possível proceder à correlação dos trabalhos efectuados, nessas obras aplicadas;
10. Que dos ramos de actividade económica do centro Comercial V... era a venda de materiais de construção, cuja actividade já exercia desde 01.09.1988, no sendo a Recorrente a única cliente;
11. As facturas mostram-se passadas em formato legal;
12. A Recorrente apresentou na sua declaração anual no ano de 2004, o volume de negócios de 1.168.335,79€ e no ano de 2005 o volume de negócios de 2.937.093,75€;
13. Pela facturação emitida pela Recorrente foi possível saber as obras executadas e por isso os donos das obras;
14. Pelas compras de matérias-primas foi possível identificar os fornecedores de matérias-primas de construção civil, sendo que de entre esses fornecedores os montantes mais elevados correspondem às facturas emitidas pelo Centro Comercial V...;
15. A Recorrente manteve, desde 2004, relações comerciais com o Centro Comercial V...;
16. Os custos suportados titulados pelas facturas emitidas pelo Centro Comercial V... foram indispensáveis formaç5o de proveitos;
17. Sem aqueles custos (aquisição de matérias-primas) era impossível obter o volume de negócios, declarados pela Recorrente;
18. Encontravam-se verificados os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, porque a acção inspectiva da Administração Fiscal constatou que a contabilidade da Recorrente não cumpria as regras de normalização contabilísticas;
19. Revelando omissões, erros, inexactidões e indícios fundados de que no reflectem a matéria tributável;
20. impossibilitando a quantificação directa e exacta do apuramento da matéria tributável;
21. Tanto mais porque foram desconsiderados custos com o peso de 83,62% e 91,36% no custo total;
22. E afastada a presunção de veracidade das declarações fiscais da recorrente;
23. A Recorrente não foi tributada pelo seu lucro real;

Tendo decidido em sentido contrario o Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” interpretou erradamente os factos e violou nessa consequência o disposto 17º e 18º e o art. 23º todos do CIRC, os artigos 87º, 88º da LGT e o nº2 do art. 104º da CRP.

Nestes termos e nos demais em direito permitidos, deverão V. Exas. proferir douto Acórdão, que anule a sentença recorrida e ordenar a anulação das liquidações de IRC de 2004 e 2005, como é de inteira Justiça».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), importa indagar (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e na aplicação do direito aos factos e (ii) se em vista da motivação das correcções levadas a efeito se impunha à Administração fiscal o recurso à avaliação indirecta e estavam reunidos os pressupostos do recurso a esse método de avaliação.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1- Através do ofício n. 51314080, datado de 25/10/2007, dos Serviços de inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, foi a impugnante notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, para efeitos do exercício do direito de audição respeitante as correcções de natureza meramente aritmética a levar a efeito em sede de IRC a respeitantes aos exercícios de 2004 e 2005.
2- Através do ofício fl.2 51314840, datado de 19/11/2007, do mesmo Serviço, foi notificado a impugnante o relatório definitivo de inspecção (RIT), quo manteve as correcções a matéria colectável em sede de IRC para os anos de 2004 e 2005, nos valores de € 491.757,01 e € 1.628.226,64.
3- Das correcções efectuadas resultaram as liquidações de IRC dos anos de 2004 e 2005, respectivamente de € 148.526,77 e € 465.251,70.
4- Da declaração anual do exercício de 2003 da impugnante consta o volume do negócios de €780.571,43 e o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas de € 453.045,97.
5- Da declaração anual do exercício de 2004 da impugnante consta o volume de negócios de €1.168.335,79 e o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas de € 603.773,45.
6- Na declaração anual do exercício de 2005 da impugnante consta a volume de negócios de € 2.937.093,75 e o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, o valor de € 1.670.674,29.
7- A rentabilidade fiscal apurada para o ano de 2003 foi de 17,15% e para os anos de 2004 e 2005, após desconsideração dos custos, foi respectivamente de 45,21% e 54,71%.
8- Ao nível da esfera do Centro Comercial V..., a Inspecção Tributaria verificou:
a. incapacidade da empresa em causa para fornecer materiais de construção civil nas quantidades constantes de todas as facturas que emitiu;
b. relativamente as facturas emitidas para a Impugnante, peso excessivo da mercadoria constante das facturas, tornando impraticável o transporte da mercadoria (isto tendo em conta que o documento que acompanhou a mercadoria no transporte foi a factura e um camião transporta, no limite, no máximo 40 toneladas, já em excesso de carga.
c. adulteração de facturas, facturas-recibos e adulteração do próprio sistema informático do apoio a contabilidade;
d. relativamente as facturas emitidas para a Impugnante, existência de facturas duplicadas para clientes diferentes (isto é, mesma factura para a Impugnante e para outro cliente), existência de recibos repetidos para clientes diferentes (isto é, mesmo recibo para a Impugnante e para outro cliente, tendo certos recibos sido apagados dos ficheiros informáticos), existência de facturas em ficheiro informático com duas bases tributáveis para a mesma factura e existência de facturas quo não obedecem a ordem cronológica.
9- Ao nível da esfera da Impugnante, no quo respeita tão só as facturas do Centro Comercial V..., a Inspecção tributária:
a. existência do facturas que referem a guia de remessa e, em consequência, com documento de transporte;
b. existência do facturas quo não referem a guia de remessa e cujo documento equivalente do transporte da mercadoria não podia ter sido aquelas facturas ou as facturas emitidas por T…, Lda, em virtude, respectivamente, do peso excessivo das mercadorias e a falta do requisito legal das facturas emitidas;
c. facturas de 2004, no valor total de €585.190,86 (inclui IVA a de 19%), supostamente pagas por cheques que ascenderam ao valor total de € 602.470,00;
d. daqueles €602.470,00 apenas €154.545,00 foram creditados na contas do Centro Comercial V...;
e. facturas de 2005, no valor total de t 1.827.031,31 (inclui IVA a taxa de 19%) supostamente pagas por cheques no valor total de €1.870.602,92
f. daqueles € 1.870.602,92 apenas €173.371,00 foram creditados na conta do Centro Comercial V...;
g. impossibilidade de fazer corresponder os cheques creditados na conta do Centro Comercial V... (total em 2004 de €154.545,00 e total em 2005 de €173.371,00) a qualquer uma das facturas emitidas pelo Centro Comercial V...;
h. os restantes cheques referidos como (supostos) meios de pagamento das facturas (€602.470,00 - € 154.545,00 = € 447.925,00 em 2004 e €1.870.602,92 - €173.371,00 = €1.697.321,92 em 2005) foram levantados e/ou depositados em contas da Impugnante, dos sócios da Impugnante e de outros;
i. impossibilidade de fazer corresponder os matérias constantes das facturas emitidas pelo Centro Comercial V... as obras executadas, dado a conteúdo das facturas (pouco pormenorizado, ao contrário do que aconteceu com as facturas de outros emitentes que na sua maioria permitiram identificar a obra), dada a inexistência de escritos relativos a contratação de execução de trabalhos de construção civil e inexistência de escritos relativos a contratação de mão-de-obra e dada falta de colaboração da Impugnante nesta parte;
j. impossibilidade de justificar o consumo dos materiais constantes das facturas emitidas pelo Centro Comercial V...;
10-Ao nível organização contabilística e volume de negócios da Impugnante, a Inspecção Tributária verificou:
a. apresentação, pela Impugnante, nos anos de 2003, 2004 e 2005, em media (aritmética simples), de uma margem bruta sabre as vendas (44,46%) muito inferior a outros contribuintes com a mesma actividade (media nacional de 61,99% em 2003 e 59,88% em 2005 e 61,62% em 2005);
b. apresentação, pela Impugnante, de margens brutas de vendas com inclusão de fornecimento de serviços externos irregulares (32,62% em 2003, 0,95% em 2004 e 2,09% em 2005) e muito dispares dos verificados no sector de actividade (media nacional nos e anos em análise de 20,2 1 %);
c. inexistência de movimentos contabilísticos, quer a título de recebimentos, quer a titulo de pagamentos, com cheques, sendo todos efectuados através da conta do POC (Plano Oficial de Contabilidade) “Caixa” (isto é, em numerário) - todavia, no dia-a-dia da sua actividade comercial, a Impugnante recebe e efectua pagamentos em cheque;
d. inexistência de quaisquer trabalhadores no quadro de pessoal e consequente recurso a mão-de-obra contratada;
e. duas dessas empresas contratadas para fornecimento de mão-de-obra correspondem a empresas com sócios comuns a Impugnante (A… - Estruturas Metálicas e Caixilharias, Lda e Metalurgia…, Lda);
f. execução de trabalhos pela Impugnante para as empresas A… - Estruturas Metálicas e Caixilharias, Lda e Metalurgia…, Lda e para os quais estas empresas se encontram vocacionadas;
g. inexistência de quaisquer contratos, orçamentos ou escritos relativos as obras executadas e mão-de-obra contratada - isto é, (i) entre dono de obra e Impugnante e (ii) entre Impugnante e empresa fornecedora de mão-de-obra;
h. pela facturação emitida pela Impugnante foi possível saber as obras executas e, por isso, as donos de obras;
1. identificados os donos de obra foi possível obter, tão só, orçamento com simples indicação do valor de orçamento e sem quaisquer outros elementos, designadamente, caderno de encargos ou autos de medição - com excepção dos orçamentos apresentados por N…, Lda para a obra de Fradelos e apresentados por O…, Lda para a obra F… - Setúbal;
j. pela facturação emitida para a Impugnante foi possível saber as empresas contratadas para fornecimento de mão-de-obra;
k. pela facturação emitida para a Impugnante pelas empresas fornecedoras de mão-de-obra foi passível verificar que as facturas, para além de pessoal, também mencionavam, o fornecimento de materiais;
l. pelas referidas facturas emitida pelas empresas fornecedoras de mão-de-obra também foi possível identificar a obra;
m. pela referida facturação emitida pela Impugnante aos seus clientes (isto é, donos de obra) e pela referida facturação emitida para a Impugnante pelos fornecedores de mão-de-obra foi possível elaborar as gráficos que constam do Relatório de Inspecção, de onde resulta que foram emitidas facturas pela Impugnante aos seus clientes num determinado volume (67% em 2004 e 69% em 2005) do qual não existe a mesma correspondência na contratação de mão-de-obra (33% em 2004 e 31% em 2005);
n. pelas compras de matérias-primas foi possível identificar os fornecedores de materiais de construção civil, sendo que de entre esses fornecedores as montantes mais elevados correspondem as facturas emitidas pelo Centro Comercial V...;
o. impossibilidade de imputar quaisquer compras de matérias de construção civil tituladas pelas facturas do Centro Comercial V... as obras executadas pela Impugnante.
11-Da fundamentação das correcções propostas descrita no capítulo III consta que:
“Constatou-se que o emitente dos facturas (Centro Comercial V..., Lda.) declarava na sua contabilidade, para efeitos do IVA e IRC, vendas substancialmente inferiores àquelas que constam do sua contabilidade e que se encontram titulados por facturas na posse dos clientes, sendo que as facturas emitidas para a Imobiliária…, Lda. (...)”
12-No capítulo III.3.2.3 Obras em curso (RIT pág. 11) do mesmo relatório refere-se:
“Este sujeito passivo exerce uma actividade económica quo se insere no sector do construção civil; na qualidade do subempreiteiro, de alguma das maiores empresas naquele sector, efectuando essencialmente a Construção do Pavilhões Industriais com pequena percentagem, reparações em edifícios”.
13-Mais se refere naquele relatório que, na origem da execução destas empreitadas, nem sempre está subjacente a assinatura de contratos de orçamentos ( ... ) enumerando-se para os referidos anos de 2004 e 2005 (RIT pag. 11 e 12) as obras efectuadas e as obras em curso (RIT pág. 13).
14-Consta ainda do RIT que:
“Pela análise detalhada às facturas emitidas pelos prestadores acima referidos e em pormenor á descrição das mesmas facturas, podemos constatar que na sua grande maioria estas identificam as obras pelo que foi possível proceder à correlação dos trabalhos efectuados nessas obras aplicadas (...)”
15-Para alem dos serviços prestados os prestadores de serviços também fazem menção do fornecimento dos materiais (RIT pág. 15).
16-Conclui-se naquele relatório que “Não tendo a imobiliária pessoal, teria de subcontratar com terceiros”.
17-No que concerne as compras das matérias-primas consta do RELATORIO DE INSPECÇÃ0 TRIBUTARIA que:
“Concluímos que nos anos de 2004 e 2005, os montantes mais elevados correspondem as facturas emitidas pelo Centro Comercial V..., tendo um peso de 83,62% e 91,36% das compras totais de cada ano”.
18-No que concerne ao Centro Comercial V..., Lda. (CCV), refere-se naquele relatório (pag. 23):
a. Assumiu que os valores declarados se encontravam adulterados (...), enviou declaração anual de IRC para colmatar as divergências ocorridas;
b. Pelos valores declarados o sujeito passivo não evidencia nem aquisições nem estrutura comercial para o volume de negócios declarado;
c. Alem deste facto (...) (RIT pág. 28) o que motivou a necessidade de determinar os pesos conforme só descreve nos mapas que constam do anexo 2 (...);
d. Em face dos pesos calculados ter-se-á do concluir pela impossibilidade de determinar o facto do tais transacções terem ocorrido, já quo não existem camiões que efectuem de uma só vez tais cargas e um camião no limite transporta no máximo 40 toneladas, já em excesso de carga (o peso limite é de 25 toneladas).
19-Consta do RIT (pág. 40) a desconsideração do custo do quatro facturas emitidas para a impugnante pela T…, Lda., (com relações especiais com o Centro Comercial V...) no montante de €125.833,95 (ano de 2005), porque a inspecção entendeu que a factura, não especificando o serviço prestado e a empresa não fazendo a imputação dos custos as obras não é possível analisar a necessidade do custo com vista a realização dos proveitos, não se aceitando o custo, tendo em conta o disposto no artigo 23º do CIRC.
20-Os valores das facturas emitidas pelo CCV foram pagos através de cheques (pág. 41 do RIT).
21-Do RIT (pag. 43) consta que dos cheques identificados “apenas foram creditados nas contas do CCV cheques nos anos de 2004 e 2005, respectivamente nos montantes de
€154.545,00 e €1 71371,00”.
22-Conclui-se no RIT (pág. 44):
“As facturas emitidas pelo Centro Comercial V... não correspondem a verdadeiros fornecimentos de mercadorias entre a emitente e a adquirente e como tal são consideradas falsas pela Administração Fiscal, no medida em que as transacções não se efectuaram nos montantes que constam das facturas, antes serviram para diminuir os custos ou titular custos não documentados, pelo que não podem ser aceites como custos os valores de € 491.757,01 e € 1.524.231,64, respectivamente nos anos do 2004 e 2005, por força do disposto no artigo 23º do CIRC”.
23-Não possui a impugnante qualquer funcionário ao seu serviço, pelo que a subcontratação assume valor significativo.
24-Para a angariação dos proveitos declarados, o peso do custo da compra de matérias-primas adquiridas ao CCV se cifra em 83,62% e 91,36% para os anos de 2004 e 2005.
25-As facturas mostram-se passadas em formato legal.
26-A actividade exercida pela impugnante é de construção civil - compra e venda de imóveis e/ou sub-fracções e revenda das adquiridas para esse fim, compra e venda de urbanização e loteamento e a sua revenda, no todo ou em parte, e a administração de imóveis e seu arrendamento.
27-A impugnante tinha necessidade suportar custos com mão-de-obra e compra de matérias-primas para o exercício da sua actividade.
28-A impugnante manteve desde 2004 relações comerciais com o CCV.
29-Um dos ramos de actividade económica do CCV era a venda de materiais de construção.
30-A impugnante não era a única cliente do CCV».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Matéria de facto não provada:
1- A impugnante adquiriu maioritariamente a mão-de-obra e matéria-prima de que necessitava ao Centro Comercial V....
2- É do conhecimento generalizado, na área da sua implantação (Vila Nova de Famalicão), que a empresa Contra Comercial V..., Lda. se encontra instalada no mercado há largos anos.
3- As facturas emitidas pelo CCV serviam como documentos do transporte.
*
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada, assenta fundamentalmente na prova documental disponível, designadamente relatório da inspecção tributária e nos documentos juntos pela impugnante.
A matéria do facto dada como não provada assenta na insuficiência da prova produzida a seu respeito, designadamente testemunhal.
Inexiste qualquer outra matéria dada como provada ou não provada, por nada mais que não seja incompatível com os factos dados como provados ter sido alegado com interesse para a decisão da causa».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente diz expressamente nas alegações impugnar a matéria de facto provada e a considerada não provada na sentença.

Todavia, a impugnação da matéria de facto não é feita eficazmente. Com efeito, importa ter presente que a impugnação da decisão de facto, tal como decorre do disposto no art.º685.º-B do CPC aplicável à data de interposição do recurso, obedece a regras exigentes, cuja inobservância conduz à imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.

Dispõe o art.º685.º-B, do CPC (segmento relevante):

“1 - Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.

A leitura desta disposição legal, no confronto com o teor das conclusões das alegações de recurso, mostra à evidência que a decisão de facto não foi impugnada eficazmente, ou seja, de modo a que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma.

Efectivamente, não se indicam os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem tão-pouco a decisão que, segundo a Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Para mais, sempre incumbia à Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Ora, nada disto foi feito, pelo que no que respeita à decisão da matéria de facto, o recurso é de rejeitar.

Salienta-se, a propósito, que a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que quando se impugne matéria de facto, devem igualmente constar das conclusões a especificação sintética dos pontos em crise e os meios probatórios que impunham decisão diferente, sem prejuízo do desenvolvimento e da sustentação destas especificações no precedente corpo alegatório – cf. acórdão deste TCA Norte, de 26/02/2015, proferido no proc.º 00247/06.6BEVIS; acórdão da Relação de Guimarães, de 14/03/2013, proferido no proc.º. 1472/08.0TBFLG.G1. É que, as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração – cf. art.º685.º-A, n.º1, do CPC.

Entrando na questão seguinte, vejamos agora se partindo do probatório assente, a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Administração fiscal apurou factos que suportam as correcções de custos titulados por facturas emitidas à impugnante pelo sujeito passivo “Centro Comercial V..., Lda.” que supostamente não reflectem operações reais.

E visto o âmbito das correcções aqui em causa, importa que nos detenhamos de imediato – pois essa é a questão que ora nos ocupa – nas regras de repartição do ónus da prova a ter em conta.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais os correspondentes custos foram desconsiderados não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante “Imobiliária ..., Lda.” e a sociedade “Centro Comercial V..., Lda.”

Em caso afirmativo e só nesse, importa indagar se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, as operações reflectidas nas facturas desconsideradas são reais, ou seja, que os concretos sujeitos passivos realizaram efectivamente as operações económicas mencionadas naquelas facturas.

Como já se depreende, a sentença recorrida considerou que a Administração fiscal tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso em vista da factualidade feita constar do relatório de inspecção tributária e transcrita no probatório.

Para concluir pela existência de indícios sérios de que as facturas em causa não titulam operações reais, fez-se constar do relatório, nomeadamente, o seguinte:

De banda do emitente
- incapacidade da empresa em causa para fornecer materiais de construção civil nas quantidades constantes de todas as facturas que emitiu; relativamente às facturas emitidas para a Impugnante, peso excessivo da mercadoria constante das facturas, tornando impraticável o transporte da mercadoria (isto tendo em conta que o documento que acompanhou a mercadoria no transporte foi a factura e um camião transporta, no limite, no máximo 40 toneladas, já em excesso de carga; adulteração de facturas, facturas-recibos e adulteração do próprio sistema informático de apoio a contabilidade; relativamente às facturas emitidas para a Impugnante, existência de facturas duplicadas para clientes diferentes (isto é, mesma factura para a Impugnante e para outro cliente), existência de recibos repetidos para clientes diferentes (isto é, mesmo recibo para a Impugnante e para outro cliente, tendo certos recibos sido apagados dos ficheiros informáticos), existência de facturas em ficheiro informático com duas bases tributáveis para a mesma factura e existência de facturas que não obedecem a ordem cronológica.

De banda da impugnante, beneficiária das facturas, na sua relação com o emitente Centro Comercial V...
- existência de facturas que referem a guia de remessa e, em consequência, com documento de transporte; existência de facturas que não referem a guia de remessa e cujo documento equivalente do transporte da mercadoria não podia ter sido aquelas facturas ou as facturas emitidas por T…, Lda., em virtude, respectivamente, do peso excessivo das mercadorias e a falta do requisito legal das facturas emitidas; facturas de 2004, no valor total de €585.190,86 (inclui IVA a de 19%), supostamente pagas por cheques que ascenderam ao valor total de € 602.470,00; daqueles €602.470,00 apenas €154.545,00 foram creditados nas contas do Centro Comercial V...; facturas de 2005, no valor total de € 1.827.031,31 (inclui IVA a taxa de 19%) supostamente pagas por cheques no valor total de €1.870.602,92; daqueles € 1.870.602,92 apenas €173.371,00 foram creditados na conta do Centro Comercial V...; impossibilidade de fazer corresponder os cheques creditados na conta do Centro Comercial V... (total em 2004 de €154.545,00 e total em 2005 de €173.371,00) a qualquer uma das facturas emitidas pelo Centro Comercial V...; os restantes cheques referidos como (supostos) meios de pagamento das facturas (€602.470,00 - € 154.545,00 = € 447.925,00 em 2004 e €1.870.602,92 - €173.371,00 = €1.697.321,92 em 2005) foram levantados e/ou depositados em contas da Impugnante, dos sócios da Impugnante e de outros; impossibilidade de fazer corresponder as matérias constantes das facturas emitidas pelo Centro Comercial V... às obras executadas, dado o conteúdo das facturas (pouco pormenorizado, ao contrário do que aconteceu com as facturas de outros emitentes que na sua maioria permitiram identificar a obra), dada a inexistência de escritos relativos a contratação de execução de trabalhos de construção civil e inexistência de escritos relativos a contratação de mão-de-obra e dada falta de colaboração da Impugnante nesta parte; impossibilidade de justificar o consumo dos materiais constantes das facturas emitidas pelo Centro Comercial V....
De banda da impugnante, relativamente à actividade e aos rácios económico-financeiros que apresenta:
- apresentação, pela Impugnante, nos anos de 2003, 2004 e 2005, em media (aritmética simples), de uma margem bruta sobre as vendas (44,46%) muito inferior a outros contribuintes com a mesma actividade (media nacional de 61,99% em 2003 e 59,88% em 2005 e 61,62% em 2005); apresentação, pela Impugnante, de margens brutas de vendas com inclusão de fornecimento de serviços externos irregulares (32,62% em 2003, 0,95% em 2004 e 2,09% em 2005) e muito díspares dos verificados no sector de actividade (media nacional nos e anos em análise de 20,21 %); inexistência de movimentos contabilísticos, quer a título de recebimentos, quer a título de pagamentos, com cheques, sendo todos efectuados através da conta do POC (Plano Oficial de Contabilidade) “Caixa” (isto é, em numerário) - todavia, no dia-a-dia da sua actividade comercial, a Impugnante recebe e efectua pagamentos em cheque; inexistência de quaisquer trabalhadores no quadro de pessoal e consequente recurso a mão-de-obra contratada; inexistência de quaisquer contratos, orçamentos ou escritos relativos as obras executadas e mão-de-obra contratada - isto é, (i) entre dono de obra e Impugnante e (ii) entre Impugnante e empresa fornecedora de mão-de-obra; impossibilidade de imputar quaisquer compras de matérias de construção civil tituladas pelas facturas do Centro Comercial V... às obras executadas pela Impugnante.

Embora alguns dos factos apontados não assumam qualquer relevância como indicadores de facturação falsa, nomeadamente a inobservância pelo emitente da ordem cronológica na emissão das facturas ou a constatação, de banda da impugnante, de margens brutas de venda declaradas inferiores às do sector em que opera, ou ainda o recurso generalizado a mão-de-obra contratada, a verdade é que a constatada falta de estrutura empresarial do emitente para o fornecimento de bens nas quantidades facturadas, a existência de facturas duplicadas para clientes diferentes (um dos quais a impugnante), a circunstância de não ser possível imputar os fornecimentos facturados pelo emitente a obras concretas da impugnante, bem como a impossibilidade de conciliar pagamentos efectuados com valores facturados, como ainda a circunstância de haverem cheques ao portador, de elevado montante, cujo destino comprovado não foi a sociedade emitente, mas por via de endossos a própria sociedade impugnante ou contas particulares dos sócios desta, à falta de melhor explicação, suportam objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou a Administração fiscal quanto à existência de indícios sérios, ou de uma probabilidade elevada, de estarmos perante facturação falsa, não representativa de reais e efectivas operações económicas entre os sujeitos passivos considerados, levando, consequentemente, ao afastamento da presunção de veracidade declarativa e dos dados inscritos na sua contabilidade, prevista no art.º75.º, da Lei Geral Tributária.

A partir daqui, sustentando a Recorrente que as facturas daquele emitente Centro Comercial V..., não obstante os indícios recolhidos pela Administração fiscal, têm subjacente reais e efectivas transacções, isso mesmo terá a Recorrente que demonstrar, já que é sobre ela, face às regras que atrás deixámos enunciadas, que recai o ónus da prova de que suportou os custos titulados pelas facturas que contabilizou e que estas titulam e documentam efectivas aquisições de bens.

Salienta-se que não basta à Recorrente demonstrar que adquiriu bens daquele emitente; decisivo é comprovar o fornecimento dos bens documentados nas facturas concretamente postas em causa, nas quantidades e montantes que expressam.

A este propósito, deixou-se consignado na sentença que “…o certo é que a impugnante em momento algum fez qualquer esforço nesse sentido, de demonstrar que efectivamente as facturas em causa titulam operações reais, limitando-se a, pontualmente, tentar colocar em crise um ou outro dos muitos indícios recolhidos pela Administração Tributária, nunca de forma decisiva”.

Ora, este julgamento de facto efectuado em 1ª instância, não foi posto em causa pela Recorrente, ou não o foi eficazmente por inobservância do ónus que a lei faz impender sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, pelo que o mesmo terá que se manter.

A ausência de prova quanto à materialidade das operações tituladas pelas facturas questionadas tem de ser valorado contra a Recorrente que, segundo o critério de repartição enunciado, era a parte onerada com a prova desse facto, levando consequentemente à desconsideração dos custos documentados por essas facturas e que a Recorrente se arroga o direito de deduzir como componente negativa do lucro tributável – artigos 74.º, n.º1, da LGT e 23.º, n.º1, do Código do IRC.

Outrossim, desconsiderou a Administração fiscal os custos representados por quatro facturas contabilizadas do emitente “T…, Lda.”, no montante total de 125.833,95€.

Refere-se no relatório (a pág.40), “analisadas que foram tais facturas, verificou-se que as mesmas não referem nem a hora, nem o local de partida e chegada do camião grua. Perante este facto, e uma vez que a factura não especifica o serviço prestado e a empresa não fez a imputação dos custos às obras para assim poder ser possível analisar a necessidade do custo com vista à realização dos proveitos, não pode tal custo ser aceite, tendo em conta o disposto no art.º23.º do CIRC”.

De acordo com o disposto no artigo 23º, nº1, do CIRC só podem ser aceites como custos fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da respectiva fonte produtora.

Se a Administração fiscal suscita dúvidas quanto à necessidade empresarial do gasto correspondente ao pagamento de “serviços prestados de camião grua”, nomeadamente porque o custo não está documentado em termos de poder verificar a sua relação justificada com as obras em curso da impugnante, sobre o contribuinte passa a recair o ónus de explicar a congruência económica das operações facturadas, a sua necessidade para a realização dos proveitos, no caso, provenientes das obras em curso.

Ora, a Recorrente nada prova a tal respeito, limitando-se a alegar sem nada substanciar de concreto e relevante, que foram prestados os serviços facturados por este emitente, quando o que importava, era uma explicação congruente sobre a necessidade de tais serviços face às obras em curso.

Não se achando feita tal prova, não se verifica com relação a tais custos, um dos requisitos (o de indispensabilidade) de que a lei faz depender a sua dedutibilidade fiscal – art.º23.º, do CIRC.

Passando à última questão do recurso, pretende a Recorrente que estavam reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, porque se concluiu na acção inspectiva que a sua contabilidade não cumpria as regras de normalização contabilística, apresentando omissões, erros, inexactidões e indícios fundados de que não reflecte a matéria tributável, tanto mais, “porque foram desconsiderados custos com o peso de 83,62% e 91,36% no custo total”.

Já se vê, o que a Recorrente pretende é o recurso à avaliação indirecta para consideração dos custos não aceites pela Administração fiscal, que na sua óptica seria o método adequado a repor no seu caso, a tributação pelo lucro real, preconizado constitucionalmente do art.º104.º, n.º2, da CRP.

Ora, só quando se verifiquem os requisitos previstos na lei (artigos 87.º e 88.º, da LGT) é que a matéria tributável pode ser apurada com recurso à avaliação indirecta, posto o seu carácter subsidiário (art.º85.º, n.º1, da LGT) e a clara preferência do legislador pelo método directo de avaliação (art.º81.º, n.º1, da LGT).

Quando, como no caso dos autos, estão apenas em causa correcções técnicas, a Administração fiscal tem de limitar-se a efectuar as correcções de acordo com as normas legais aplicáveis. E assim, estando unicamente em causa, nos autos, custos documentados em facturas consideradas falsas ou custos desnecessários à realização dos proveitos, apenas lhe cabia desconsiderar, corrigindo-os, tais valores no apuramento do lucro tributável.

É certo que este entendimento parece ir contra o princípio da tributação segundo o lucro real, sobretudo atendendo ao significativo valor percentual dos custos desconsiderados no total dos custos contabilizados. No entanto, ele limita-se a seguir normas em vigor em matéria contabilística e fiscal, acima referidas, cumprindo salientar, agora na perspectiva da salvaguarda do princípio da justiça em matéria tributária, que o contribuinte não está impedido de fazer a prova, por qualquer meio, dos custos cuja dedutibilidade se arroga e que tenham sido fiscalmente desconsiderados por inverificados os requisitos de comprovação ou de indispensabilidade.

Como se doutrinou no acórdão do STA, de 15/02/2007, proferido no proc.º01086/05, «Daí que, não consideração como custos dos valores constantes das citadas facturas, por estas não consubstanciarem operações reais e efectivas, não configure qualquer violação do artigo 23.º do CIRC, pois não provados determinados custos não poderiam os mesmos ser tidos em conta na fixação da matéria colectável. E muito menos o princípio constitucional da tributação das pessoas colectivas pelo seu lucro real, cuja consagração se verifica, pelo contrário, pela desconsideração de custos fictícios ou simulados».

E como se refere no acórdão deste TCA Norte de 05/05/2005, proferido no proc.º00452/04, «Sendo embora certo que a tributação deve corresponder ao lucro real e que havendo proveitos é de admitir em teoria a existência de custos para a sua obtenção, a verdade é que a Administração Tributária, se entender que a escrita do contribuinte merece crédito, não pode recorrer a métodos indirectos para apuramento da matéria tributável, procedendo apenas às correcções técnicas que a lei impõe. Deste modo, se o contribuinte não provou os custos declarados e sendo até admissível que alguns desses custos tenham existido, a Administração Tributária não podia legalmente presumir a existência desses custos por falta de base legal, sendo certo que o contribuinte tinha o ónus da prova da sua existência e montante».

Na mesma linha de entendimento, pode ainda ver-se o recente acórdão deste TCA Norte, de 26/02/2015, proferido no proc.º 00513/10.6BEPNF, com o mesmo relator deste.

E, sendo assim, cabendo à impugnante o ónus da prova de que incorreu nos custos documentados em facturas da sua contabilidade e desconsiderados e que os mesmos eram indispensáveis para a realização dos proveitos, ónus que não cumpriu, sendo certo que a Administração fiscal se limitou a seguir as normas aplicáveis em matéria de correcções técnicas, improcede também o recurso por este último fundamento.

Sendo de manter as liquidações de imposto, necessariamente se mantêm as liquidações de juros compensatórios, posto que não impugnadas estas por vícios autónomos – cf. art.º35.º, nºs 1 e 8, da Lei Geral Tributária.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.
Porto, 30 de Abril de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro