Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00059/13.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
CULPA
Sumário:I.As alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios em tal peça processual, respeitando, assim, o princípio da estabilidade da instância.
II. Para elidir a presunção de culpa que sobre o oponente impende à luz do nº 1 da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT este terá de conseguir convencer o Tribunal, através de prova positiva e directa, da não verificação do facto presumido (culpa). Ou seja, através de factos que permitam demonstrar que o exercício da sua gerência foi prudente e adequado às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

M…, com o NIF 1…, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a Oposição judicial ao processo de execução fiscal nº 1830200901048902 e aps, instaurado originariamente à sociedade “S…, Lda”, e contra aquele revertida.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes
conclusões:

“I) A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, atendendo a que existe uma clara omissão de elementos essenciais que foram objeto de prova e que não constam da sentença recorrida nem na materia de facto dada como provada nem não provada;
II) São três os factos que a constar dos factos provados modificam obrigatoriamente a decisão da causa, quando submetidos ao respectivo regime legal;
III) Resulta dos autos e é admitido pela própria AT que a devedora originária foi encerrada oficiosamente em 31 de Dezembro de 2011, atenta a sua inatividade há mais de dois anos – conforme declarações da única testemunha ouvida, quer admitido pela própria AT – facto que teria que ter sido dado como provado;
IV) Acresce que, os processos executivos 1830201201020340; 183020121027042 e 1830201201045504 foram insaturados já depois da empresa se encontrar encerrada, conforme resulta dos documentos;
V) Deverá, assim, na matéria de facto constar que: a devedora originaria, foi encerrada oficiosamente em 31.12.2011; que desde o final de 2008 até ao encerramento oficioso a devedora originaria não teve qualquer atividade; que os processos executivos 1830201201020340; 183020121027042 e 1830201201045504 foram insaturados já depois da empresa se encontrar encerrada;
VI) Desta forma e, perante os elementos documentais constantes dos autos deverá o Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte ao abrigo do disposto no art.º 662º do CPC, alterar a matéria de factos nos termos supra descritos;
VII) Alterados os factos dados como provados resulta, não estarem preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender a reversão, havendo uma clara nulidade da citação por falta de fundamentação do despacho de reversão;
VIII) Não foi verificada a inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária, nada foi alegado sem sede de despacho de reversão ou levado aos autos pela AT;
IX) Pelo que, a decisão recorrida ao considerar válido o despacho de reversão, violou o disposto nos artigos 23.º nº 2, 4, art.º 24º da LGT e 153.º n.º 2 do CPPT;
X) Na notificação do despacho de reversão e citação consigna-se como fundamentos da reversão, entre o mais, a “inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”.
XI) Ora, uma coisa é a inexistência de bens, ou seja, não há de todo bens penhoráveis. Outra coisa, é a insuficiência de bens, ou seja, existem bens, mas não são suficientes para fazer face às dívidas existentes;
XII) O art.º 153.º, nº 2, do CPPT, refere a verificação alternativa da falta ou insuficiência de bens, competindo ao órgão de execução fiscal ao proceder à reversão optar por uma delas;
XIII) Se optar pela falta de bens, não tem de quantificar qualquer valor. Se, considerar que estamos perante uma situação de fundada insuficiência de bens, tem de indicar os bens existentes e quantifica-los;
XIV) A Administração Tributária não logrou demonstrar, como lhe competia, a inexistência de bens ou a fundada insuficiência de bens;
XV) Assim, não estando demonstrada a falta, nem a fundada insuficiência de bens da executada originária, o órgão de execução fiscal não podia proceder à reversão do processo de execução fiscal contra o Oponente cf. artigos 23. °, n.º 2, da LGT e 153.º, nº 2, do CPPT;
XVI) Do despacho de reversão não se consegue de igual forma vislumbrar onde assenta a gerência de facto do Recorrente, a proveniência dos montantes imputados nem consta os elementos em que se baseia para aferir a culpa do recorrente para efeitos de reversão das coimas;
XVII) A fundamentação dele constante não é suficientemente esclarecedora, ficando muito aquém daquilo que o legislador impõe, nos termos do n.º4 do art.º22 da LGT;
XVIII) O despacho de reversão proferido nos termos em que o foi só pode ser anulável face a insuficiência grosseira que apresenta;
XIX) Vista a fundamentação constante do despacho de reversão, fácil é concluir que a Administração Tributária não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o Recorrente;
XX) Consequentemente ao decidir pela sua conformidade mal andou o Tribunal a quo, pelo que, deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que julgue o despacho de reversão anulável por falta de fundamentação e consequentemente seja o Recorrente absolvida da instância, por violação do disposto nos artigos n.º4 do art.º 22 da LGT, art.º 125º, n.º1 do CPA;
XXI) Relativamente à admissibilidade da reversão das coimas de igual forma mal andou o tribunal a quo, atendendo a que o art.º8 do RGIT não estabelece qualquer presunção de culpa, pelo que, tal como suscitado teria que ser analisada a legitimidade do Recorrente, isto é, teria que ser analisada a culpa do gerente para que fosse possível efetivar essa reversão;
XXII) Porém, não foi analisada a culpa do Recorrente nesta sede mas apenas para efeitos de elisão da presunção constante da alínea b) do n.º1 do art.º 24º da LGT;
XXIII) A AT nada alegou quanto à culpa do Recorrente na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas, consequentemente, terá irremediavelmente que ser o Recorrido considerado parte ilegítima no que respeita à reversão de coimas;
XXIV) Não podia o tribunal a quo suprir esta falta de demonstração por parte da AT nem partir da resposta negativa dada relativamente à presunção de culpa estabelecida na alínea b) do art.º24 da LGT para concluir, por essa via, que o opoente teve culpa pela insuficiência do património da devedora originaria para o pagamento das coimas;
XXV) Não tendo ficado à luz da factualidade provada na sentença recorrida a culpa do opoente havia que valorar essa falta de prova contra a AT (a quem incumbia o ónus ao abrigo do disposto no art.º 8º do RGIT);
XXVI) Uma vez que o Recorrente não foi arguido no processo de contraordenação de onde emergem as coimas a reverter havia que trazer à colação as regras de análise e imputação da culpa porque a responsabilidade que é transmitida é a que resulta de um facto culposo;
XXVII) Desta forma, tem a sentença recorrida que ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição deduzida por ilegitimidade do recorrente no que respeita às coimas;
XXVIII) Sendo certo que, nunca poderiam ser revertidas as contraordenações apenas instauradas depois do encerramento da devedora originária por o recorrente já não ser o gerente de facto;
XXIX) E, relativamente à reversão das dívidas provenientes de IRC de 2010 e IVA de 2009,alterada a matéria de facto conforme supra referida ter-se-á que concluir que o período a que respeitam as dividas já não havia qualquer atividade da devedora originária, estamos diante de liquidações oficiosas que apenas resultam do impedimento por doença do Recorrente de prosseguir com a atividade e, consequentemente não de um ato doloso, com intuito de delapidar património e prejudicar quaisquer credor, muito menos o Estado;
XXX) Por conseguinte, falta o nexo de causalidade adequada entre o comportamento do Recorrente e o dano produzido, razão pela qual, entende o Recorrente que, a douta sentença recorrida também incorreu em erro de julgamento, nesta parte;
XXXI) NESTES TERMOS e nos demais de direito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado e revogada a sentença a quo, com todas as consequências legais,
Assim se fazendo a costumada justiça!

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, a fls. 189 v., no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.


I.I Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 684 nº3 e 685ºA, nº 1 do CPC, ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT – são as de saber a de saber (i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento; (ii) se se verifica a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

“Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento da testemunha.

1.º - Pelo serviço de finanças de Paços de Ferreira foi instaurada a execução fiscal n.º 1830200901048902 e apensos, à sociedade S…, Lda., NIPC: 5…, por dívidas de IVA, IRC e Coimas dos anos de 2009 a 2011, no valor global de € 8.446,32.

2.º - Os processos de execução fiscal prosseguiram por reversão contra o ora oponente, por insuficiência de bens da sociedade devedora originária, por despacho do órgão de execução fiscal (OEF) de 03.12.2012 - cf. doc. de fls.14 dos autos.

3.º - Despacho do qual foi o mesmo citado em 12.12.2012 - cf. doc. de fls.14 dos autos.

4.º - A presente oposição deu entrada no serviço de finanças de Paços de Ferreira em 04.01.2013 - cf. teor de fls.4 dos autos.

5.º - O ora oponente foi gerente de facto da sociedade executada desde Julho do ano de 2006 - cf. depoimento da testemunha S… e doc. de fls.18 e 19 dos autos.

6.º - No final do ano de 2007 o oponente começou a ficar doente - cf. depoimento da testemunha S….

7.º - Nessa altura já tinha perto de 80 anos - cf. depoimento da testemunha S....

8.º - A gerente (neta do oponente (S...) da sociedade executada até ao ano de 2006, pretendia encerrar a empresa, por a mesma “não estar a correr bem” - cf. depoimento da testemunha S....

9.º - Quando passou a gerência da sociedade executada ao seu avô, ora oponente, a mesma não tinha qualquer dívida - cf. depoimento da testemunha S....

10.º - A sociedade executada tem como objeto de atividade a compra e comercialização de componentes de mobiliário - cf. depoimento da testemunha S....

11.º - O oponente foi alertado para fechar a empresa executada, tendo em conta a sua impossibilidade de gerir a mesma por motivos de doença (foi-lhe diagnosticado cancro na bexiga) - cf. depoimento da testemunha S....

12.º - Nunca o fez, por entender que voltaria a ter condições para trabalhar e, porque fechar seria admitir que existiam problemas de natureza económica - cf. depoimento da testemunha S....

13.º - O oponente conhecia o ramo do mobiliário - cf. depoimento da testemunha S....

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
***
Motivação:

No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte nos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76º n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 362º e seguintes do Código Civil (CC)) e no depoimento da testemunha ouvida por este Tribunal, S..., gerente da sociedade executada desde a sua constituição no ano de 2005 até ao ano de 2006 e neta do ora oponente.
Resultou do depoimento da testemunha, que se mostrou sério e credível, mas pouco consistente relativamente a alguns aspetos determinantes na resolução deste diferendo que, a sociedade executada foi constituída no ano de 2005 por S..., tendo por objeto a compra e comercialização de componentes de mobiliário.
A sociedade era constituída inicialmente por dois funcionários, um deles, estava ligado à parte da montagem das componentes dos móveis e o outro à sua entrega.
Porque a sociedade apresentou problemas de natureza económica a sua fundadora decidiu no ano de 2006 encerrar a atividade, mas o seu avô interessou-se e ficou com a gerência da mesma, tendo para tal celebrado um contrato de cessão de quota e alteração do pacto.
A testemunha acrescentou que no ano de 2007 o seu avô começou a ficar doente, acabando passado algum tempo por lhe ser diagnosticado um cancro na bexiga, o que o obrigou a submeter a rigorosos tratamentos médicos e o afastou da gerência da sociedade executada.
Não soube ao certo dizer a este Tribunal o que aconteceu aos dois trabalhadores da sociedade executada ou sequer se a sociedade executada tinha outros trabalhadores depois da sua gerência.
Acrescentou que o avô chegou a ser alertado durante o período em que esteve doente para a necessidade do encerramento da sociedade executada, mas que não o fez, porque acreditava vir a ter condições de saúde para continuar a trabalhar, além de que fechar a sociedade para si representava admitir que a mesma se encontrava com problemas de natureza económica.
Não soube dizer com certeza ao Tribunal se a sociedade durante o período a que respeitam as dívidas objeto dos presentes autos teve alguma atividade, embora tenha afirmado que os dois funcionários que conhecia não tinham capacidade para na ausência do oponente (gerente da sociedade) exercer a sua gerência, ou seja, manter em regular funcionamento a atividade da sociedade devedora originária.
Resultou do seu depoimento que a decisão de manter a sociedade ativa, quando já se adivinhava o seu fracasso comercial, foi da inteira responsabilidade do oponente.
Pelo que, o oponente não provou a falta de culpa pelo não pagamento dos tributos em causa.
Acresce que, foi o oponente o único gerente de facto da sociedade executada desde o mês de Julho do ano de 2006. “


II.2. De Direito

II.2.1 Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia

M…, deduziu Oposição judicial ao processo de execução fiscal 1830200901048902 e aps, que tinha sido instaurado contra a sociedade “S…, Lda”, por dívidas relativas a IVA, IRS, IRC e Coimas dos anos de 2009 a 2011, com os seguintes fundamentos: nulidade de citação, inconstitucionalidade do artº 8º do RGIT, ilegitimidade do Oponente, consubstanciada pelo não exercício da gerência de facto e na ausência de culpa pela falta de pagamento das dívidas exequendas.
A sentença proferida nos autos julgou a oposição improcedente.
O oponente veio recorrer da sentença esgrimindo a nulidade da decisão recorrida por esta ter incorrido em omissão de pronúncia, dado não ter apreciado a questão da culpa do oponente, quanto às dívidas de coimas, mas apenas para efeitos da elisão da presunção constante da alínea b) do nº 1 do artº 24 da LGT. E que a AT nada alegou quanto à culpa, pelo que o tribunal não podia suprir esta falta de demonstração pela AT nem partir da resposta dada relativamente à presunção de culpa estabelecida na alínea b) do artigo 24º da LGT para concluir pela culpa no pagamento das coimas e que nunca poderia ser revertidas contraordenações apenas instauradas depois do encerramento da devedora originária, por o revertido já não ser o gerente de facto. (conclusões XXI a XXVIIII).

De acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer“.
Comando legal idêntico se encontra no artigo art. 668º alínea d), actual 615º, o CPC, em obediência ao fixado nº 2 do art. 660º, actual 608º, do CPC, segundo o qualO juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Existirá, assim, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.
Consequentemente, a suscitada nulidade só ocorrerá nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” in Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 143.
E ainda neste sentido, entre muitos outros, veja-se o recente acórdão do STA de 12.02.2015 proferido no processo nº01200/12.
No que concerne à apreciação quanto às coimas revertidas, a sentença apreciou como se transcreve: ” Quanto à questão da reversão das coimas e da sua inconstitucionalidade.
Entende o oponente que a reversão das Coimas em causa nos autos deverá improceder por manifesta ilegalidade.
Mais alega que o Tribunal Constitucional, no acórdão de 481/2010 e no acórdão de 24/2011 julgou a norma do art.8º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) inconstitucional.
Coloca-se aqui a questão, quanto à reversão da execução contra os responsáveis das pessoas coletivas, em caso de dívidas de coimas aplicadas pela AT, pois durante algum tempo o entendimento jurisprudencial foi no sentido da inconstitucionalidade do art.8º, n.1 do RGIT, ao permitir a transmissão de responsabilidade desta dívida de coimas, por se entender que traduz um caso de transmissão de penas, nesse sentido Acórdão do STA de 05/05/2010, proferido no P.0193/10, disponível em www.dgsi.pt.
Contudo, recentemente passou a ser distinto o entendimento do Venerando STA, como claramente resulta do Acórdão de 02/02/2013, proferido no P.808/12, disponível em www.dgsi.pt:
“I – O pensamento legislativo subjacente à alínea c) do artigo 148º do CPPT, introduzida pela Lei n.º3-B/2010 de 18 de Abril, é o de incluir na execução fiscal a responsabilidade civil do gestor pelo não pagamento das coimas em que a empresa foi condenada, pelo que se deve proceder a uma interpretação corretiva dessa alínea, de modo que seja possível alcançar tal finalidade.
II – No caso em apreço, considerando que o despacho de reversão é posterior à data de entrada em vigor da Lei nº3-B/2010, de 28/4, que aditou a al.c) do n.º1 do art.º 148º do CPPT, o processo de execução fiscal é o meio processual idóneo para cobrança das dívidas emergentes de responsabilidade civil do gestor pelo não pagamento das coimas em que a respetiva empresa foi condenada.”.
Ora, tendo o despacho de reversão sido proferido em 03.12.2012, terá de improceder o argumento do oponente.(…)

No caso em análise, e lida atentamente a p.i., não vislumbramos que tivesse sido alegado pelo oponente que o artigo 8º do RGIT não contém qualquer presunção de culpa, competindo à Administração Tributária reunir os elementos donde possa concluir-se pela verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora. Apenas foi invocada a inconstitucionalidade do artigo 8º do RGIT quanto à reversão das coimas e a aplicação do princípio da intransmissibilidade das penas constitucionalmente previsto no artigo 30º nº 3 da CRP ao domínio contra-ordenacional fiscal.
A fundamentação que o recorrente aporta ao presente recurso de que a AT não provou a culpa do revertido, nos termos do artigo 8º do RGIT, apenas foi invocada em sede de alegações de direito apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT.
Todavia, as alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios em tal peça processual. Como vertido no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, 5ª ed., Vol. I, pág. 783, «A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo, posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120º deste Código.
Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC) e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº 1 deste art. 108º).
Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136º, nº 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.
Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no art. 506º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.».
O acabado de expor se aplica ao processo de Oposição, em face do vertido no artigo 211º do CPPT, que dispõe no seu nº 1 que:” Cumprido o disposto no número anterior, seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreve a seguir ao despacho liminar”.
Ora, a questão de que competia à Administração Tributária reunir os elementos donde possa concluir-se pela verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora da falta de prova da culpa do revertido, feita pela AT, tal como vem configurado pelo Recorrente - traduzida no facto de a AT não ter carreado quaisquer factos demonstrativos dessa culpa - representa uma questão jurídica e não um facto subjectivamente superveniente. Ora não sendo a mesma de conhecimento oficioso, devia ter sido invocada no prazo legal para a dedução de Oposição judicial previsto no artigo 203º do CPPT. Não tendo tal questão sido invocada nesse prazo – pois que não foi invocada na petição inicial – , não sendo de conhecimento oficioso, era vedado ao tribunal conhecer de tal questão.
Deste modo, e uma vez que a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devesse conhecer, não pode proceder a invocada nulidade.

Improcedem as conclusões de recurso, quanto ao segmento apreciado.


II.2.2 Do erro de julgamento

Invectiva ainda o Recorrente contra a sentença recorrida, por considerar que …existe uma clara omissão de elementos essenciais que foram objecto de prova e que não constam da sentença recorrida nem da matéria de facto dada como provada nem não provada. E que resulta dos autos que a devedora originária foi encerrada oficiosamente em 31 de Dezembro de 2011 atenta a sua inactividade há dois anos – conforme declaração da única testemunha ouvida, quer admitido pela AT- facto que devia ter sido dado como provado. Acresce que os processo executivos 1830201201020340, 183020121027042 e 1830201201045504 foram instaurados já depois da empresa se encontrar encerrada, conforme resulta dos documentos….(conclusões I a VII)

Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º, actual 627º do Código de Processo Civil que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Mas, como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Sublinhe-se que no que tange à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso do presente recurso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
E, tal como refere Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil. Novo Regime, pag 268 e ss. a gravação dos depoimentos por registo áudio (…) não consegue traduzir tudo quando pôde ser observado no tribunal a quo. (…)
Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.(…)
Por certo que as circunstâncias anteriormente apontadas ou outras que podiam ser enunciadas terão de ser ponderadas na ocasião em que o tribunal da relação proceda à apreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível, concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.(…)
Nestas circunstâncias, se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à modificação da decisão, (…).”
E só quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é afastado o princípio da livre apreciação. (cfr.artº.371, do CC)

Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, também já o Tribunal Constitucional se pronunciou(...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
É pois de concluir do expendido que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

Tendo presente o agora exposto, compreende-se que a conjugação do nº 1 do artigo 685ºB, actual n.º 1 art.º 640.º e n.º1 do art.º 712º, actual 662.º do CPC afaste a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento. Consequentemente, tais normativos fazem recair sobre o/a recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto - artº 685º-B do CPC, actual 640.
Analisando o formulado pela recorrente, conclui-se que a impugnação da matéria de facto fixada com base na prova testemunhal produzida não respeita o ínsito no dito artigo 685º-B do Código de Processo Civil que dispõe o seguinte: “1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.”

Sobre esta questão e neste sentido se pronunciou o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no douto acórdão de 13.03.2012, lavrado no proc. n.º 5275/12, que parcialmente transcrevemos: “(…) o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC - na redacção anterior ao DL n.º 303/07, de 24.08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690.º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.(…)”.

No caso de não serem observados os requisitos mencionados nos artigos 685º-B e 712º, pela recorrente, o recurso no que tange à impugnação da matéria de facto, será imediatamente rejeitado, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria. (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 134 e seg).
Assim, cabendo ao Recorrente demonstrar o alegado desacerto da valoração da prova efectuada, antecipando, para tanto, os concretos motivos susceptíveis de fundar a sua divergência, não tendo cumprido ónus que sobre si recaía, nomeadamente identificando a prova documental e delimitando as passagens do depoimento em que baseava a sua discordância, de acordo com o preceituado no artigo 685-B.º, do CPC rejeita-se o recurso na parte correspondente à impugnação da matéria de facto.


II.2.3 Invectivou ainda o Recorrente contra a sentença recorrida, alegando a falta de fundamentação do despacho de reversão, pois não foi verificada a inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária, nem onde assenta a gerência de facto do Recorrente, a proveniência dos montantes imputados e os elementos em que a AT se baseia para aferir a culpa do recorrente para efeitos de reversão das coima. (Conclusões VII a XX)

Todavia, sublinhe-se que em sede de p.i. o agora Recorrente alegou sim a nulidade de citação por esta não conter a fundamentação das liquidações. Leia-se o que ali se invocou:
Tal notificação vem desacompanhada no que respeita às liquidações de qualquer fundamentação, não sendo perceptível a origem das mesmas, contendo apenas o período da tributação e o tipo de tributo, não podendo o oponente perceber a origem das mesmas.
Ou seja, se estarão em causa liquidações oficiosas, adicionais ou emitidas com base nos elementos declarados pela própria devedora originária. (…)
(…)
12º
A citação da reversão não contém os elementos essenciais da liquidação não permitindo que o opoente possa impugnar aqueles actos de liquidação.
16º
Em suma, a citação tem de conter todos os elementos que permitam ao responsável subsidiário não só deduzir oposição, como poder usar todas as faculdades de intervenção permitidas ao devedor originário.
17º
A falta dos elementos referentes à forma de apuramento da dívida exequenda não permite que o responsável subsidiário impugnar tal liquidação, pelo que, objectivamente a sua defesa fica irremediavelmente afectada.
18º
Termos em que, face ao exposto, deverá a citação efectuada ao opoente ser declarada nula, por não conter os elementos legalmente exigidos, devendo a citação ser repetida com observância das formalidades legais no que respeita à fundamentação das liquidações.(…)

Ora, como resulta da norma do artigo 627º, nº 1 do CPC, anterior 676º, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Volume II, 2007, pág. 786.

Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.

Também a jurisprudência é pacífica nesse sentido. Vejam-se, entre outros, os seguintes Acordãos: do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013, proc nº 0836/12; de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Razão pela qual, neste segmento não se conhece do presente recurso no que respeita à falta de fundamentação do despacho de reversão.

II.2.4 Por último, nas conclusões XXIX e XXX, o agora recorrente invectiva contra a sentença recorrida, por considerar que ficou provada a sua falta de culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas.
Relembre-se que as dívidas se reportam aos anos de 2008 a 2011.
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade, pelo é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão e também pela sentença recorrida.
Como referido supra, na sentença recorrida, o artigo 24º, nº 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…) ”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício - alínea a) - ou vencidas no período do seu mandato - alínea b).
Sendo a situação enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT para que o oponente, agora recorrente afastasse a sua responsabilidade subsidiária teria que demonstrar que a falta de entrega da prestação tributária não lhe era imputável.
Como se plasmou na sentença recorrida:
”No exercício das suas funções os gerentes têm o dever de administrar a sociedade que gerem, de forma, a que esta subsista e cresça, devendo cumprir os contratos celebrados, as suas obrigações declarativas, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos.
Ao ora oponente competia provar que a falta de cumprimento da obrigação de pagamento da dívida exequenda foi de todo alheia à sua vontade, demonstrando e provando que tomou todas as diligências que um gerente prudente e responsável teria tomado nas mesmas circunstâncias para cumprir tais obrigações.

Ora de tudo o que se foi dizendo e, tendo como suporte a prova carreada para os autos, nomeadamente o depoimento prestado pela testemunha em sede de audiência contraditória de inquirição de testemunhas, conclui-se que, o comportamento omissivo do oponente enquanto gerente da executada originária, deu origem às dívidas em causa no presente processo, não se podendo justificar que o dano se verificou em virtude das circunstâncias excecionais ou anómalas da conjuntura, pois, as mesmas não interferiram no processo de causalidade, pois, bastava o oponente, no exercício das suas funções de gerência da sociedade executada, ter cumprido com as suas obrigações declarativas, como sejam a apresentação das declarações periódicas do IVA ou então, a apresentação da cessação da atividade da empresa, pelo menos, no que diz respeito ao IVA, para que, (pelo menos), parte das dívidas serem inexistentes.
Em suma, embora a testemunha tenha alegado que, por motivos de doença o seu avô, ora oponente, se manteve afastado da gerência da sociedade executada nos anos a que respeitam a dívida exequenda, o certo é que as dívidas tributárias em execução tiveram o termo do seu prazo de pagamento no período de exercício de cargo de gerência pelo oponente e, este não fez a prova, como lhe competia de que não teve qualquer responsabilidade ou culpa no não pagamento desses tributos e, a AT comprovou nos autos que, na devedora originária, não existiam outros bens penhoráveis suficientes para dar pagamento às importâncias em dívida (cf. teor da Informação do OEF a fls.21 dos autos).
Pelo que, terá de improceder a presente oposição. “
E com ela concordamos. A factualidade levada ao probatório, por si só, não tem a virtualidade de elidir a presunção de culpa que sobre o oponente impende à luz do nº 1 da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT. Tratando-se de uma presunção legal juris tantum que só é susceptível de ser ilidida por prova em contrário, o oponente tinha de conseguir convencer o Tribunal, através de prova positiva e directa, da não verificação do facto presumido (culpa). Ou seja, através de factos que permitissem demonstrar que que o exercício da sua gerência havia sido prudente e adequada às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.
Dito de outra forma, a factualidade não se afigura, assim, susceptível de criar no espírito do julgador a convicção (certeza subjectiva) de que a actuação do gerente não teve qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas, sendo certo que não basta a contraprova, ou seja, a criação de dúvidas a esse propósito (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC).

Improcedendo as conclusões de recurso, é de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

III. Decisão

Termos em, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente em ambas as instâncias.
Porto, 2 de Fevereiro de 2017
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo