Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01130/19.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Margarida Reis
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; NULIDADE; ANULABILIDADE;
ART. 161.º DO CPA
Sumário:Tal como expressamente decorre do disposto no art. 161.º do CPA, e decorria já do art. 133.º do mesmo diploma, na sua redação anterior, apenas são nulos os atos constantes do elenco do n.º 2 daquela norma, ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

Tal como vem sendo sublinhado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, os atos que apliquem normas inconstitucionais estão sujeitos ao regime geral das invalidades contante do art. 161.º do CPA, e só serão nulos se tal decorrer de expressa previsão legal, maxime, se ferirem o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Não estando em causa qualquer nulidade, a impugnação judicial em causa, tendo sido apresentada mais de um mês após o decurso do prazo de três meses previsto no n.º 1 do art. 102.º do CPPT, era manifestamente intempestiva, nada havendo a censurar à decisão proferida pelo Tribunal a quo que, por esse motivo, indeferiu liminarmente a respetiva PI.*
* Sumário elaborado pela relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. RElatório

M., inconformada com a decisão proferida em 2020-09-16 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que indeferiu liminarmente a petição inicial da impugnação judicial por si interposta tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA n.ºs 27028102590, 27028102846, 27028103103, 27028103233, 27028103402, 27028103450, 27028103468, 27028103504, respeitantes a IVA dos anos de 2015 e de 2016, por considerar verificada a caducidade do direito de ação, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

Nestes termos e em conclusão:
1. A recorrente deduziu impugnação judicial das “liquidações de IRS e de IVA” de que foi alvo pela autoridade tributária, relativamente aos anos de 2015 e de 2016, alegando, resumidamente e com interesse o seguinte: Que foi realizada uma ação inspectiva que culminou com elaboração de relatório, onde se concluiu pela correção dos rendimentos da ora recorrente, em sede de IRS e consequente atualização das liquidações do IVA correspondente, relativos aos anos de 2015 e de 2016.
2. Esta fixação foi impugnada pela ora recorrente, que pôs em causa quer a admissibilidade da aplicação de métodos indiretos, quer a falta de fixação dos critérios usados na determinação da matéria coletável.
3. A petição de impugnação deu entrada nos Serviço de Finanças de Vale de Cambra em 12/12/2019.
4. Os fundamentos da impugnação levados aos presentes autos na petição apresentada, foram a “nulidade” da correção/fixação da matéria tributável por recurso a “métodos indiretos”, nos termos que expôs na referida petição– artigos 9º e segs da sua petição inicial.
5. Nulidade que se consubstancia na inadmissibilidade daqueles procedimentos, por violação dos princípios constitucionais consignados nos artigos 104º e 105º da Constituição da República Portuguesa.
6. Violação que deveria impedir o recurso ao preceito legal do artº 87º da LGT, o que não foi o caso dos autos.
7. O que, tendo em consideração o disposto no artº 102º, nº 3 do CPPT, altera direito de impugnar o ato:
8. “Quando o fundamento da impugnação for, porém, a nulidade do procedimento, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.”
9. Pelo que a impugnante estava em tempo, para apresentar a impugnação, em 12/12/2019, sendo a nulidade invocável a todo o tempo – artº 286º do Cód. Civil.”

Termina pedindo:
“NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser provido o recurso e revogada a douta sentença de que se recorre, substituindo-a por douto acórdão que julgando tempestiva a petição apresentada, ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, como é de direito e Justiça.”
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é assacado pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na decisão prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
“Com relevância para a apreciação da eventual caducidade do direito de ação, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 18.06.2019, foram emitidas em nome da Impugnante as seguintes liquidações de IVA:

– cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 18 a 32 do sitaf;
2. Para comunicação das liquidações e notas de pagamento mencionadas no ponto anterior, foram remetidos para a caixa postal eletrónica da Impugnante os respetivos documentos, todos com entrega no dia 22.06.2019 – cfr. documentos que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 39 a 78 do sitaf;
3. Os montantes a pagar mencionados no ponto 1 tinham todos como prazo limite o dia 31.07.2019 – cfr. documentos de fls. 18, 21 a 23, 25, 27, 29 e 31 do sitaf;
4. Em 12.12.2019, a Impugnante remeteu ao serviço de finanças de Vale de Cambra a petição inicial da presente impugnação – cfr. comprovativo a fls. 1 do sitaf.
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Não foram dados como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
A prova dos factos baseou-se no teor dos documentos constantes dos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria.
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II.2. Fundamentação de Direito

Importa, assim, apreciar se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente.

Não pondo em causa que, tal como decidido na decisão recorrida, “a petição inicial da presente impugnação foi apresentada mais de um mês após o decurso do prazo para o efeito, ou seja, em 12.12.2019”, quando o “prazo de três meses para propor a impugnação (iniciado em 31.07.2019) terminou em 31.10.2019”, a Recorrente entende que, atento o disposto no n.º 3 do art. 102.º do CPPT, a ação podia ter sido interposta a todo o tempo, pois considera que nela invocou fundamentos de nulidade dos atos impugnados.

Não tem, no entanto, razão.
De facto, e compulsada a respetiva PI, o que se constata é que a Recorrente elege como causa de pedir fundamentos de anulabilidade, e não de nulidade dos atos impugnados, tendo ali invocado, como a própria refere, nas respetivas alegações de recurso, “… quer a admissibilidade da aplicação de métodos indiretos, quer a falta de fixação dos critérios usados na determinação da matéria coletável”.

Nem a invocação da alegada violação de disposições constantes na Constituição, a que alude no ponto 5 das suas conclusões de recurso, tem a consequência pretendida, uma vez que o vício em questão não se encontra incluído no catálogo de nulidades previstas no n.º 2 do art. 161.º do CPA, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT, ou de qualquer outra expressa previsão legal (cf. n.º 1 do art. 161.º do CPA).

Refira-se aliás, a este propósito, que há muito que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sublinhando que “Os actos que aplicam normas inconstitucionais estão sujeitos ao regime geral das invalidades e só serão nulos na medida em que enquadráveis numas das situações previstas no art.º 133º, actualmente 161.º do Código de Procedimento Administrativo” (cf. Acórdão do STA proferido em 22-11-2017, no proc. 0165/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt), circunstância que apenas ocorrerá caso se verifique que o ato impugnado fere o conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como resulta do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 161.º do CPA, e como já resultava da alínea d) do n.º 2 do art. 133.º da versão anterior do diploma (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão do STA proferido em 06-04-2016, no proc. 07/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt), o que não é aqui, manifestamente, o caso.

Assim sendo, nada há a censurar à decisão recorrida, que assim fez uma correta interpretação do direito aplicável ao caso, devendo por isso o presente recurso ser julgado improcedente.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrente, atendendo ao seu decaimento no presente recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Tal como expressamente decorre do disposto no art. 161.º do CPA, e decorria já do art. 133.º do mesmo diploma, na sua redação anterior, apenas são nulos os atos constantes do elenco do n.º 2 daquela norma, ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

Tal como vem sendo sublinhado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, os atos que apliquem normas inconstitucionais estão sujeitos ao regime geral das invalidades contante do art. 161.º do CPA, e só serão nulos se tal decorrer de expressa previsão legal, maxime, se ferirem o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Não estando em causa qualquer nulidade, a impugnação judicial em causa, tendo sido apresentada mais de um mês após o decurso do prazo de três meses previsto no n.º 1 do art. 102.º do CPPT, era manifestamente intempestiva, nada havendo a censurar à decisão proferida pelo Tribunal a quo que, por esse motivo, indeferiu liminarmente a respetiva PI.

III. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 15 de abril de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.