Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01290/14.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CASO JULGADO
Sumário:I - De acordo com o disposto no artigo 580.º do Código de Processo Civil (CPC), a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior.
II - O conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. E para se saber se existe ou não essa repetição, «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 581.º, mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 580.º, onde se afirma que a excepção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
III - Os artigos 580.º e 581.º do novo CPC mantêm o mesmo conceito de caso julgado e os mesmos requisitos para ocorrência de repetição da causa, continuando a reportar-se ao momento da propositura da acção e não ao momento decisório. Nem podia ser de outro modo, pois o tribunal, no julgamento de facto e de direito, está sujeito às questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo as de conhecimento oficioso – cfr. artigo 608.º do CPC.
IV - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
V - Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Casa..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

CASA…, LDA, contribuinte n.º 5…, com sede na Rua…, Espinho, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 29/02/2016, que julgou verificada a excepção de caso julgado, absolvendo a Fazenda Pública da presente instância de Impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidações de IVA de 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 610.668,65.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1.- A Recorrente foi objeto de uma ação inspetiva à sua escrita, abrangendo os exercícios de 2003 a 2005, que se dirigiu à análise da taxa de IVA aplicada quando está em causa o comércio de “sementes” para alimentação de aves ou, simples mistura das diversas espécies de sementes.
2.- Durante os anos de 2003, 2004, 2005, a Recorrente adquiriu “sementes” à taxa reduzida de IVA que depois revendeu aplicando igualmente a taxa reduzida.
3.- Da ação inspetiva resultaram liquidações adicionais de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, na sequência das quais foram efetuadas correções, por erro na aplicação da taxa.
4.- A Recorrente reclamou graciosamente das liquidações adicionais e impugnou contenciosamente essas liquidações, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, processo n.º 1171/10.3BEAVR e para o Supremo Tribunal Administrativo processo n.º 701/12.
5.- A reclamação graciosa e a impugnação contenciosa foram julgadas totalmente improcedentes.
6.- Essa reclamação administrativa e essa impugnação contenciosa limitavam-se a por em crise a liquidação de IVA à taxa normal referente às sementes transacionadas pela Recorrente destinadas à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia.
7.- O tribunal “a quo” julgou existir caso julgado material quanto às impugnações impugnadas, com identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir com referência ao processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR.
8.- A Recorrente contudo apenas impugnou parcialmente o ato tributário de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de 610.668,65€.
9.- Entende a Recorrente existir violação de lei, pois não existe identidade de causa de pedir senão vejamos:
a) O volume de vendas referente da alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia corresponde a 25% do total de vendas da Recorrente.
b) Enquanto 75% do volume de vendas refere-se a vendas de sementes destinadas à alimentação de pombos.
c) No processo n.º 1171/10.3BEAVR a Recorrente reclamou graciosamente das liquidações adicionais e impugnou contenciosamente essas liquidações, referente a vendas de sementes destinadas à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia que correspondem a 25% do seu volume de negócios.
d) No tribunal “a quo” a Recorrente impugnou contenciosamente liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de 610.668,65€.
10.- A Recorrente não impugnou no processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR, as vendas de sementes destinadas à alimentação de pombos, que correspondem a 75% do volume de vendas.
11.- Pelo que erra de direito a douta sentença do tribunal “a quo” quando considera verificada a exceção de caso julgado material sofrendo do vício de nulidade.
12.- Em consequência do processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR, verifica-se existir caso julgado material parcial no respeitante a 25% do total de vendas da Recorrente, vendas referentes à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia.
13.- A exceção de caso julgado material parcial no tocante a 25% da vendas, sendo que o IVA calculado nas liquidações adicionais, encontra-se já transitada em julgado sendo devido IVA à taxa normal conforme resulta da douta sentença n.º 1171/10.3BEAVR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e do douto acórdão proferido no processo n.º 701/12 do Supremo Tribunal Administrativo.
14.- Mas não se verifica a existência de caso julgado material referente a 75% das vendas, concretamente no IVA calculado nas referidas liquidações adicionais e referente às sementes e misturas vendidas para a alimentação de pombos.
15.- A causa de pedir no processo n.º 1171/10.3BEAVR não incluía a liquidação adicional de IVA na alimentação para pombos.
16.- A douta sentença do processo n.º 1171/10.3BEAVR apenas se pronuncia sobre as sementes e misturas (alimentação) para aves ornamentais, de coleção e até de competição, mas que não se destinam à alimentação humana.
17.- A douta sentença do tribunal “a quo” labora em erro de direito quando considera que os pombos se incluem na classe das aves ornamentais, de coleção ou de competição.
18.- A carne de pombo é utilizada para alimentação humana
19.- A redução de taxa será possível se os animais que a utilizam servirem para alimentação humana, (verba 3.3 da lista I do CIVA).
20.- A questão fulcral será apurar se a carne de pombo é utilizada para alimentação humana, e o “códex alimentarius”, (documento que tem por objetivo proteger a saúde dos consumidores e assegurar práticas justas relativamente ao comércio de alimentos), onde está relacionado o pombo como sendo utilizado para consumo humano.
21.- A verba 3.3 da lista I anexa ao Código do IVA, em vigor em 2015, por força da aprovação do Orçamento de Estado, tem a seguinte redação:
“Farinhas, cereais e sementes, incluindo misturas, resíduos e desperdícios das industrias alimentares, e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado, de aves e outros animais, referenciados no códex alimentarius, independentemente da raça e funcionalidade em vida, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana”.
22.- Com a nova redação da verba 3.3 da lista I anexa ao Código do IVA, podemos concluir que se duvidas interpretativas a existirem ficam dissipadas.
23.- Em termos europeus vigora a Diretiva Comunitária 77/388/CEE, também conhecida por sexta diretiva, (uniformidade de tratamento de situações idênticas dentro do espaço comunitário) comprometendo por isso o princípio da neutralidade do imposto.
24.- O Tribunal de Justiça da União Europeia tem proferido diversos acórdãos onde são julgadas situações de violação do princípio da neutralidade do imposto, concluindo-se assim pela jurisprudência existente que o sentido de decisão deverá apontar para a igualdade de atitudes dos países membros. (Acord. De 20 de Junho de 1996, Weelcome Trust, procº. C-155/94, colect.., P. I-3013, nº38; Acord. De 7 de Setembro de 1999, Gregg, procº . C-216/97, colect., P. I-4947, nº 20).
25.- Uma vez que nos outros países comunitários onde está criada a taxa reduzida, as sementes para a alimentação de pombos está sujeita à taxa reduzida de IVA.
26.- A aplicação da taxa normal de IVA viola o princípio da igualdade uma vez que os concorrentes da Recorrente ficam apenas sujeitos ao pagamento de IVA à taxa reduzida enquanto a Recorrente terá de pagar ao Estado IVA à taxa normal sem o ter recebido dos seus clientes.
27.- Traduzindo-se igualmente distorções de concorrência que o direito comunitário proíbe e concretamente a Sexta Diretiva (Acórdão do TJUE de 7 de Setembro de 1999, caso GREGG cit., nºs 19 e 20 de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, cit. , nº 29 de 28 de Junho de 2007).
28.- Ora, porque esta interpretação da verba 3.3 da lista I anexa ao código do IVA efetuada pela Autoridade Tributária apenas foi aplicada à Recorrente e a um dos concorrentes, o que origina violação do princípio Constitucional da Igualdade consagrado no art.º 13º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
29.- As verbas 3.3 e 3.5 da lista I anexas ao código do IVA são materialmente inconstitucionais por violarem o disposto no art.º 13º da CRP, face à interpretação que lhe é data pela Administração Tributária, como anteriormente foi explanado.
30.- Acresce, que o entendimento da Autoridade tributária viola o disposto no artigo 100º do Código de Procedimento e Processo Tributário, a “dúvida” sobre o “facto tributário”, deve ser resolvida a favor do contribuinte e a taxa de IVA a aplicar ser a taxa reduzida.
Nestes termos e nos mais de direito e com o mui douto suprimento de V.ª Exa., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta decisão do tribunal a quo, como é de JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar verificada a excepção de caso julgado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Foram suscitadas, em sede de contestação, a caducidade do direito de acção e o caso julgado, pelo que cumpre apreciar.
E para tal, fixa-se a seguinte factualidade relevante, extraída dos documentos constantes dos autos:
a) A Impugnante foi alvo de acção inspectiva, relativa aos anos de 2003, 2004 e 2005, constando do relatório da inspecção tributária o seguinte:
- imagens omissas -
Cfr. teor de fls. 196 a 221 dos autos (p.f.).
b) Foram emitidas então as respectivas liquidações de IVA, que foram impugnadas judicialmente no processo nº 1171/10.3BEAVR, que correu termos neste Tribunal, com o seguinte teor:
MERITÍSSIMO JUIZ DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO
PROCESSO Nº 1 417 595
Recurso Hierárquico
“CASA…, LDA, pessoa colectiva NIPC 5…, colectado no Serviço de Finanças de Espinho, com sede na Rua…, 4500-361 ESPINHO vem, ao abrigo do disposto no Artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário, apresentar
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Relativamente a liquidação de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005

A presente impugnação é interposta na sequência do despacho de “TOTALMENTE IMPROCEDENTE” que recaiu sobre o Recurso Hierárquico acima referenciado, transmitido pelo Ofício nº 201 354, emanado da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro e recebido em 23-08-2010. Anteriormente a este recurso tinha sido deduzida reclamação graciosa com igual desfecho, cuja decisão tinha sido transmitida pelo Ofício nº 202 061 de 2009-09-07.

MATÉRIA DE FACTO
Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200602731 de 15 de Novembro de 2006, fora o impugnante acima identificado objecto duma inspecção à sua escrita, abrangendo os exercícios de 2003 a 2005, que decorreu no período de 2007-03-14 a 2007-05-16;
Pelo ofício nº 8404866 emanado dos Serviços de Inspecção Tributária de Aveiro, recebera o “Projecto de Relatório da Inspecção Tributária” e aí notificado para o exercício do correspondente “DIREITO DE AUDIÇÃO”. Direito esse efectivamente exercido.
E pelo ofício nº 8405899 de 2007-06-20, emanado dos Serviços de Inspecção Tributária de Aveiro, o “Relatório da Final” (O ponto VIII alude ao direito de audição exercido atempadamente pelo contribuinte).
Entretanto, surgiram as liquidações do IVA, com data limite de pagamento reportado a 30 de Setembro do corrente ano, quanto às liquidações de 2003 e 2004; e 30 de Novembro quanto às liquidações do ano de 2005. No quadro seguinte consta os valores distribuídos por períodos mensais:

A inspecção efectuada dirigiu-se sobretudo á análise da taxa de IVA aplicada quando em causa o comércio de “sementes” para alimentação de aves ou, simples misturas das diversas espécies de sementes.
Na prática quotidiana o contribuinte julgara seguir de perto o entendimento veiculado pela própria AF através do Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA respeitando as limitações aí consignadas, pelo menos a partir de 23 de Abril de 2005, liquidando IVA à taxa normal em se tratando de “misturas para canários”, “misturas para periquitos”, “misturas para caturras”, “misturas para pássaros exóticos”, independentemente da dimensão da embalagem pois, anteriormente, só em embalagens inferiores a 1 000 gramas, tal acontecia – conforme, aliás, atesta o respectivo relatório da inspecção tributária. Quanto ao mais, mormente as destinadas a “pombos” – que representa mais de 75% do volume de vendas - liquida à taxa reduzida.
Recentemente, pelo ofício nº 114288 datado de 2007-11-15, da Direcção dos Serviços do IVA, recebera resposta da Direcção de Serviços do IVA à petição formulada, nos termos, aliás do artigo 68º da Lei Geral tributária, com demais comerciantes do ramo, questionando do acerto de seu ofício-circulado nº 168789 de 11.11.1991, da DSCA e, sobretudo, dos despachos avulsos que foram surgindo. Tal informação, não só se limita a confirmar o entendimento anteriormente firmado como vai mais longe, alargando seu âmbito de interpretação – como mais à frente especificámos.

MATÉRIA DE DIREITO
DIREITO DE AUDIÇÃO – DENEGAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
No exercício do seu “direito de audição” – antes da liquidação - o contribuinte suscitara duas ordens de questões, a saber:
- A interpretação da Lei;
- Tributação com recurso aos “mecanismos da presunção”
O contribuinte/reclamante ficara a conhecer, pela leitura do correspondente “Projecto de Relatório” da inspecção tributária, toda a doutrina produzida pela própria AF, quer sob a forma de ofício-circular ou simples despachos soltos versando o tema “sementes” e sua tributação em sede de IVA. Porém, a questão ultrapassava o próprio entendimento da AF plasmado no já aludido Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA pois este colocava-se já no plano exclusivo do direito e, concretamente, da interpretação da lei. Questão diversa do conhecimento do que entende a própria AF- em cada caso suscitado - é submetê-la à prova do contraditório pois, queríamos que essa mesma entidade se pronunciasse quanto aos argumentos aduzidos no que tange à interpretação do quesito “3.5 – Sementes, bolbos e propágulos” constante da Lista I anexa ao CIVA, segundo redacção dada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril. Ora, o “Relatório Final” limita-se a reproduzir a argumentação já anteriormente aduzida, olvidando por completo a respectiva contra argumentação, sobretudo a que tange à tal matéria de direito, não se logrando assim obter o desiderato do contraditório, pelo que entendemos que todo o processo de tributação incorreu num vício correspondente a “ausência ou deficiência de fundamentação” inquinando todo o processo de tributação que, ipso facto, deve ser declarado nulo. Com efeito, o nº 7 do artº 60º da Lei Geral Tributária, é explícito quando impõe:
Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. Mas, o Código de Procedimento e Processo Tributário – artigo 45º - impõe esse mesmo direito tal e qual o prevê o próprio artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, princípio esse, in casu, simplesmente esquecido.
Do mesmo modo – e com maior gravame - não se pronuncia sobre a Tributação com recurso aos “mecanismos da presunção”. Diz o relatório da inspecção a pag. 20:
Para efeitos de cálculo da correcção que vai ser efectuada nos termos do IVA, uma vez que o contribuinte liquidou IVA a uma taxa inferior à devida em algumas das suas vendas, considerámos o montante das vendas por artigo, constantes nas listagens mensais denominadas “Análise de Vendas”.
Ora, referindo-se a “algumas das suas vendas” retirado das “listagens mensais denominadas “Análise de Vendas””, seria sempre útil, imperioso mesmo, a discriminação exaustiva dos respectivos documentos pois, o CIVA impõe, como regra, a liquidação do tributo em factura ou documento equivalente e passado na forma legal sendo que tal se apresenta como condição para o exercício do respectivo direito de dedução visto que o imposto é de repercussão obrigatória – artigo 16º do CIVA.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 28º do CIVA, os sujeitos passivos são obrigados a:
Emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços...bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão...
Demais, a factura (ou documento equivalente), para lá da exigência legal, funciona como pressuposto da dedução do IVA, o que é atestado pela jurisprudência que transcrevemos (acórdão nº 487/07 - 10-10-2007) que transcrevemos:
I - A factura ou documento equivalente passado em forma legal exigida pelo artigo 19.º, n.º 2 do CIVA para a dedução do imposto é a que respeite todas as exigências do artigo 35.º, n.º 5 do mesmo Código.
II- A exigência desse formalismo constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do imposto.
O suporte da liquidação do imposto repousa na emissão de “factura ou documento equivalente” segundo os formalismos legais previstos no nº 5 do artigo 35º do CIVA – tanto para a liquidação do tributo como a respectiva dedução (só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas, documentos equivalentes e bilhetes de despacho passados em forma legal, na posse do sujeito passivo – assim reza o nº 2 do artigo 19º do CIVA) e mesmo no caso de rectificações da base tributável (artigo 71º do diploma legal que vimos citando). Fora tais casos, apenas é consentido a rectificação pela AT nos termos dos artigos 82º (presunções) e 83º do CIVA (liquidações oficiosas).
È finalidade do IVA a tributação do consumo final de bens e serviços. Pretende-se então que este imposto assuma um carácter neutral em relação à actividade económica de cada um dos sujeitos passivos que à face da lei têm a obrigação de liquidar o imposto por conta do Estado, facto que se consubstancia em não dever, em princípio, constituir a importância do imposto nem custo nem proveito de exploração – lê-se in Código do Valor Acrescentado – Núcleo do SIVA – pag. 150/151.
Por outro lado, e ainda correlacionado com a mesma problemática, é bom destacar que o IVA é de repercussão obrigatória segundo o que dispõe o artigo 16º do CIVA - repetimos.
Daí que, o contribuinte tenha interesse em conhecer, em concreto, qual ou quais as facturas (e seus destinatários) que sofreram correcções de liquidação de imposto, a fim de eventualmente o poder repercutir aos seus clientes. O que demanda a identificação das mesmas, tarefa que incumbe à própria administração fiscal pois, nos termos do nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária recai sobre ela, por inteiro, o respectivo ónus de prova, que passa, aqui, pela identificação precisa de tais documentos – tarefa não efectuada pela inspecção tributária.
Aliás, é vasta a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência sobre esta matéria – DIREITO DE AUDIÇÃO - conforme excertos que retirámos de um deles:
STA - 0496/06 de 06-12-2006 - A jurisprudência e a doutrina vêm dizendo, uniformemente, que o exercício do direito de audiência – previsto nos art.ºs 100.º do CPA e 60.º da LGT – constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e que o mesmo representa ”uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 8.º do CPA” ( Vd. S. Botelho, A. Esteves e C. Pinho in CPA, Anotado, 4.º ed., pags.378 e 383.), pois que, dessa forma, não só se possibilita ao Administrado o confronto dos seus pontos de vista com os pontos de vista da Administração como também se lhe permite argumentar ou requerer a produção de novas provas que invalidem, ou pelo menos ponham em causa, os caminhos que esta intenta traçar. As citadas disposições visam, pois, pôr em prática a directiva constitucional de "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito(art. 267.º/5 da CRP) constituindo, por isso, uma sólida garantia de defesa dos direitos do Administrado. O disposto nos art.ºs 100.º do CPA e 60.º da LGT constituiu, assim, um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz numa violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto (Neste sentido, e sem preocupação exaustiva, podem ver-se Acórdãos de 18/5/00 (rec.s 45.736 e 45.965), de 8/3/01 (rec. 47.134), de 17/5/01 (rec. 40.860), de 17/1/02 (rec. 46.482), de 20/11/02 (rec. 48.417), de 12/12/02 (rec. 854/02) de 1/7/03 (rec. 1.429/02), de 8/7(03 (rec. 1.609/03) de 25/9/03 (rec. 47.953) e de 18/2/04 (rec. 1.618/02).).
Para aqui concluir que a liquidação ( lacto sensu) enferma de vício de violação da lei – violação do nº 6 do artº 60º da LGT – que deverá conduzir o respectivo acto tributário á sua anulação. Solução essa que vem sendo dada, uma vez mais, pela própria jurisprudência - STA nº 047540 de 01-02-2007; STA- Nº 0496/06 de 06-12-2006
4º INTERPRETAÇÃO DA LEI
DO ABSURDO
Vamos admitir, como mera hipótese académica, que quer a doutrina veiculada pela administração fiscal - Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA, de carácter vinculativo para os funcionários – quer os sucessivos despachos que sobre a mesma matéria recaíram (não publicitados e, assim, não vinculativos), seguem uma interpretação correcta no sentido – caso limite - de que só as sementes destinados à sementeira estão sujeitos à taxa reduzida de 5%.
Mas então, como pode o comerciante controlar esse destino? - Um consumidor, dirigindo-se a um determinado estabelecimento comercial para adquirir “sementes” para pássaros (mormente, aves canoras ou de índole ornamental) que possui, ludibriando esse mesmo desiderato, solicita 20 kgs (ou 1 kg) dizendo destinar-se a semear na sua própria horta. Que démarches impõe o legislador a um tal comerciante tendo em vista a certificação exacta do fim proclamado (se é que o consumidor seja obrigado a fazê-lo) !?
Em casos semelhantes, o legislador encontrou uma fórmula mais ou menos expedita: lembrámo-nos do “gasóleo agrícola” em que a associação dum aditivo ao produto permite à respectiva fiscalização controlar o destino no terreno.
Demais, um tal controlo apenas teria efeito útil, na passagem da fase (do respectivo canal de comercialização) do “RETALHISTA” para o consumidor final. Mas eis que aqui estamos perante um “ARMAZENISTA” ...
DA INTERPRETAÇÃO LITERAL
A inspecção tributária entende que o procedimento adoptado pelo contribuinte é incorrecto no que á taxa aplicável diz respeito. E, independentemente da doutrina produzida pela própria AF, começa logo por “forçar” uma interpretação que não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da Lei. Com efeito, na sua redacção primitiva, no que concerne ao produto comercializado ora em discussão, a Lei dispunha:
“3.5 – Sementes, bolbos e alporques destinados á agricultura, horticultura e floricultura” – segundo redacção dada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril, passou a dispor:
“3.5 – Sementes, bolbos e propágulos”
Retira-se do acórdão 035/05 STA
...Por outro lado, e como é sabido, na actividade interpretativa, a letra da lei constitui o primeiro passo da interpretação, constituindo simultaneamente seu ponto de partida e seu limite – cfr. art. 9º do CC.
Ora, não se vislumbra aqui o necessário “elemento literal” através do qual se enxerga uma qualquer restrição ao “destino”. E qualquer outra interpretação que fuja deste critério, “seria ilegal por abusiva de desvirtuação da norma e seria inconstitucional por violação do disposto …no artº 103º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio da separação dos poderes, haveria a Administração Fiscal usurpado as funções do legislador” – na feliz síntese retirada do sumário do acórdão nº 01456/06 de .05-02-2007 do TCAS.

DA INCERTERZA E CONFUSÃO INTERPRETATIVA DA AF
É perceptível que, entre as duas redacções se operou uma espécie de “apócope”, suprimindo-se, inequivocamente, o destino (consumo ou produção). Mas eis que a AF vem recuperar aquilo que o legislador quis verdadeiramente fazer sumir: primeiro, com Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA já antes aludido – que já conhecíamos; depois – conhecemo-lo agora – duas informações sobre a mesma situação e fundamentos diversos:
- A informação (Anexo 30 do relatório da inspecção tributária), reportada a Setembro de 2004, socorrendo-se do ofício acima identificado limita-se a estender a excepção neste contido a “canários, periquitos, pombos e outras aves”;
- A informação (Anexo 31 do relatório da inspecção tributária) - produzida em finais de 2006 – começando por reafirma que “sendo todas as sementes bens de produção da agricultura, independentemente de seu destino têm as mesmas enquadramento na verba 3.5 da Lista I ao CIVA”, em contramão, porém e esforçando-se por fundamentar o conteúdo do ofício, fá-lo nos seguintes termos:
Assim sendo, dado tratar-se de aglomerados de sementes e cereais, ou seja uma mistura de sementes e cereais, porque lhe retira a característica de semente una, susceptível de ser semeada, dando origem a nova planta, os aglomerados de sementes serão tributados à taxa normal de 21%”
Esta última informação, mais do que esclarecer, vem lançar mais uma “acha para a fogueira” na interpretação dada à Lei. Fica-se sem saber, p.e., se é o facto de se tratar de “ aglomerados de sementes e cereais” ou “mistura de sementes e cereais” que faz com que o “pacote” derivado do “aglomerado” ou “mistura” que, por sua vez, faz com que, de per se, o produto daí resultante, porque imbuída de nova “característica” deixa de integrar a verba 3.5 da Lista I ao CIVA; ou, ao invés, o facto de não se tornar “susceptível de ser semeada, dando origem a nova planta” a levam a excluir da citada lista. Mas, em todo o caso, como compatibilizar com a afirmação constante do Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA, independentemente do seu destino”?
Afinal o DESTINO releva ou não para o enquadramento do produto na verba 3.5 da Lista I ao CIVA ?
Noutra perspectiva: o Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA excepciona do CONSUMO as “aves canoras ou ornamentais”. Já a informação de Setembro de 2004, estende a excepção a “canários, periquitos, pombos e outras aves”. Depreende-se, desta última que, em se tratando de AVES, todo o consumo de sementes fica sujeito à taxa normal. E se o consumo se dirigir a “BATRÁQUIOS”, já se aplica a taxa reduzida? – Manifestamente, está-se perante uma interpretação extensiva do próprio ofício-circular o torna no mínimo bizarro que, perante um instrumento que visa o esclarecimento dos contribuintes em geral, o mesmo careça, ele próprio, de ser interpretada…

DO VALOR DAS CIRCULARES
Retira-se do acórdão do STA Nº 01023/09 de 20-10-2010:
Como explica CASALTA NABAIS In “Direito Fiscal”, 5.ª edição, pág. 201., as circulares constituem «regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de actuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da administração tributária deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto.».
Neste contexto, não tendo as circulares valor normativo, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, era essencial que a questão colocada fosse analisada, antes de mais, à luz do quadro normativo vigente desenhado pelo Código de Sisa, particularmente da norma constante do artigo 33.º, até porque o princípio constitucional da legalidade exige que sejam definidos por lei os elementos essenciais dos impostos (incidência, isenções e taxas), não podendo essa matéria ficar à mercê da definição que a Administração Tributária lhe dê através das suas circulares.

POSIÇÕES DIVERGENTES da DGI e ALFÂNDEGA
A DGI e os serviços aduaneiros da ALFÂNDEGA, são entidades com competência para liquidação de IVA. Porém, neste item actuam com interpretações diversas e contraditórias: a DGI entende que as sementes são tributadas à taxa normal; já a ALFÂNDEGA – conforme documentos juntos à reclamação graciosa e que integra o processo individual do contribuinte – vem aplicando a taxa reduzida de 5%. As dúvidas adensam-se...

PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Em reunião de cerca de 50% dos comerciantes do país de “sementes”, face a sucessivas inspecções efectuadas ao sector específico, decidiram em conjunto apresentar uma petição versando o tema dirigida ao Director Geral dos Impostos e, simultaneamente, com conhecimento da Direcção de Finanças de Aveiro. Parece-nos, a bem da Justiça e, sobretudo, em atenção ao princípio da IGUALDADE que se deveria aguardar pela resposta ao peticionado, ao invés de prosseguir com a prolação definitiva do acto de liquidação colocando, os contribuintes fiscalizados em desvantagem relativamente aos que não o foram, ou ainda não o foram (beneficiando aqui, no mínimo, de um segmento de caducidade do imposto), em todo o caso, sempre uma desigualdade. Ao fim e ao resto, em causa estão aqui princípios mestres próprios da tributação como “Fins da tributação” de que fala o artigo 5º da Lei Geral Tributária bem como os próprios “Objectivos e limites da tributação” (nº 3 do artº 7º do mesmo diploma) pois, a todo um sector de actividade, adstrito ao comércio de sementes, é-lhe imposto um ónus insuportável pela imposição, de forma não legalmente prevista, da responsabilidade de controlar os destinos do produto quando tributado à taxa reduzida...

PRINCÍPIO DA CONFIANÇA E DA BOA FÉ
Entretanto, pelo ofício nº 114288 datado de 2007-11-15, a Direcção dos Serviços do IVA, produziu uma nova informação em resposta à acima aludida petição. Esta ignora por completo todas as questões suscitadas pelo peticionário denegando o direito do contraditório que assiste ao cidadão/contribuinte. E, em contraponto, pisa e repisa – qual catarse – os argumentos aduzidos em despachos avulsos de que já demos conta sendo que, apenas de novo, uma maior extensão do âmbito de aplicação do Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA anteriormente evocado. Assim:
- “Bens de produção da agricultura – pressupõe que todas as sementes são susceptíveis de ser semeadas com vista à produção de novas sementes”. A natureza (no caso, a terra) é bem mais pródiga (sustentámos nós) pois, não se limita a devolver o que se “entregou”, antes opera uma multiplicação em ordem a proporcionar uma abundância de bens que no caso não se limita a “sementes” mas se estende sobretudo a bens com fins diversos (consumo, fins industriais, etc. ). À parte esta achega, não nos merece credibilidade esta mesma asserção, substituindo-a como segue: “Bens de produção da agricultura – BENS DIRECTAMENTE CONECTIONADOS COM A AGRICULTURA”, ou porque resultam da agricultura e para lá não voltam mais ( p.e. 3.8 - bagaço de azeitona, e de outras sementes oleaginosas, graínha e folhelho de uvas ); ou porque de lá não saíram mas aí são depositadas, mormente porque originárias da actividade mineira ( 3.1 – adubos, fertilizantes e correctivos de solos ); ou porque actuam como meros factores produtivos ( 3.2 – animais vivos, exclusiva ou principalmente destinados ao trabalho agrícola... ); etc. etc.. O “bagaço da azeitona” não volta, em princípio, para a terra, seguindo em frente no seu “ciclo de vida” nomeadamente para a produção de óleo, tal como, aliás, as demais sementes oleaginosas e, inclusive hoje, conhecem uma nova aplicação – verdadeiro desvio da sua tradicional função – na produção de biodiesel.
- Tentando integrar o teor do ofício nº 168789 de 11.11.1991, da DSCA, na lei, acertadamente, conclui: “sendo todas as sementes bens da agricultura, independentemente do seu destino, têm as mesmas enquadramento na verba 3.5 da Lista I anexa ao CIVA”. Excepcionando, de seguida e de forma inexplicável as destinadas a “alimentação de aves canoras ou ornamentais”. Mas, se “excepciona” é porque (em bom português e acertada lógica), admite uma regra: cuja finalidade seja... aalimentação de aves;
- A frase “independentemente do seu destino (agricultura, horticultura e floricultura)” é, simplesmente, castradora. Se bem entendemos a aquela compressão interpretativa conexionada com a “independência do destino” afere-se dentre do sector económico denominado em economia de “sector primário”. Mas se assim fosse, porquê o legislador suprimiu as expressões “destinados à agricultura, horticultura e floricultura” que tão bem perceptível estava redigido na sua primitiva redacção embora com o senão das dificuldades práticas no tal controle do destino !? - E não se ignore – doutrinalmente bem difundido e nº 3 do artº 9º do Código Civil – que o intérprete, no seu labor interpretativo, deve pressupor sempre que o legislador, para lá de não empregar expressões inúteis, soube escolher a melhor solução que ao caso deva corresponder;
- Por fim – the last one but not the least– eis que “parece” admitir uma excepção: “Caso se trate de matérias-primas para alimentação animal, definidas pelo Decreto-Lei nº 161/2003, de 22 de Julho, como é o caso das sementes de girassol (Lista 2 do ponto 2.24 do referido Decreto-Lei), serão as mesmas passíveis da taxa reduzida de 5%, por enquadramento na lista 3.3 da Lista I ao CIVA” .
Porquê “3.3” (Farinhas, resíduos e desperdícios da indústria alimentar e quais quer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais) e, especificamente, “sementes de girassol”, e já não “3.5”(Sementes, bolbos e alporques) !?. - É que em tal lista 2 figuram, entre outros, as próprias “sementes” (soja, algodão, linho, etc), e todos os bens aí mencionados (nas 12 listas e ainda assim de carácter “não exaustiva” e sem correspondência directa com as listas do CIVA) são consideradas “matérias-primas” definidas no artº 3º como segue:
Matérias-primas para alimentação animalos diversos produtos de origem vegetal ou animal, no seu estado natural, frescos ou conservados, bem como os produtos derivados da sua transformação industrial, e as substâncias orgânicas e inorgânicas, com ou sem aditivos, destinados a ser utilizados na alimentação animal, por via oral, quer directamente, sem transformação, na preparação de alimentos compostos para animais ou como suportes em pré-misturas”. Mas trata-se de um diploma legal que nada tem a ver directamente com problemática em questão na medida em que “Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 200/16/CE, do parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril, na parte em que altera a Directiva nº 96/25/CE, do Conselho, de 29 de Abril, relativa à circulação de matérias-primas para alimentação animal no interior da Comunidade” – Bold nosso. Assim, não sobejando razões para uma tal individualização, é caso para perguntar que “fetiche” está associado a “sementes de girassol”... !?
“destinados a ser utilizados na alimentação animal” – eis a definição aí contemplada bem diversa do que pretende insinuar a referida informação que se ter abstraído da mesma , quedando-se por um conceito tout court (ou, técnico-contabilística; ou, mesmo económico) da expressão “MATÉRIAS_PRIMAS”. A excepção – que, afinal, parece não ser – resulta dum implícito equívoco que leva a colocar as “sementes de
girassol” no item 3.3 da lista I anexa ao CIVA, ou seja: as “sementes de girassol” – enquanto exemplo - abusivamente colocadas no item 3.3 da lista I anexa ao CIVA, seriam tributadas à taxa reduzida porque se tratariam de “Matérias-primas” no conceito corrente da expressão e já não no conceito atribuído pela própria lei que, como vimos acima, são “destinados a ser utilizados na alimentação animal”, logo, destinados aves em geral, porque de “animais” se tratam.
Simplesmente, uma confusão babilónica...
10º
QUESTÕES FINAIS
Continuámos a sustentar - segundo argumentos já abundantemente aduzidos - que as “sementes” são, desde a publicação do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril, objecto de tributação à taxa reduzida de 5% qualquer que seja o destino dado ao produto, seja para sementeira; para consumo humano, consumo de animais em geral ou outro tipo de consumo; enquanto matéria-prima para a indústria, mormente a novel “indústria energética” ou mesmo utilizado como matéria-prima nos termos da redacção anterior. Aliás, As circulares são actos do poder de direcção típico das relações de hierarquia administrativa, concretizando instruções gerais, vinculativas para os órgãos, funcionários e agentes a quem se dirige, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar Cfr. o Parecer da Procuradoria-Geral da República, in Diário da República – II Série, de 24 de Outubro de 1998 e o recente acórdão do STA, de 31 de Maio de 2006, recurso n.º 26.622. Mas que não vinculam o contribuinte pois que não têm valor normativo - respigado do STA Nº 0192/07 de 16-05-2007. Não obstante, Paralelamente á Lei que nos parece clara e congruente, no sentido de não impor quaisquer restrições ao destino dado às “sementes”, a AF, nas informações conhecidas, lança mais dúvidas que certezas. Compreendendo que o funcionário público está adstrito ao cumprimento das orientações doutrinárias superiormente aprovadas e divulgadas, por essa mesma razão reclamávamos que o inspector tributário explicitasse o sentido preciso destas posições de modo a responder directamente ás dúvidas acima suscitadas e, concretamente: QUE TIPO DE CONSUMO de sementes beneficia da taxa reduzida. Consumo no sentido contraposto a “FACTORES DE PRODUÇÃO”, conceito que integra as próprias matérias-primas quando destinadas à produção, mormente as “sementes” destinadas a lançar na terra ( de sementeira ) ?
E questionámos a AF nos seguintes termos: E se o consumidor adquire as sementes, as lança na terra, recolhe a respectiva seara – sementes – e, de seguida, as destinar ao consumo de pássaros seus ? – Não seria melhor, então, submeter a tributação do item “3.5 – Sementes, bolbos e propágulos” à taxa normal ?
Tenha-se em atenção que o presente contribuinte/impugnante se situa, no respectivo canal de comercialização, entre o produtor e o retalhista, ou seja, fundamentalmente ocupa a posição de grossista/armazenista. Tendo em conta, por um lado, a própria mecânica do IVA – liquidado em todas as fases do respectivo canal – e, por outro, o facto de estarmos perante um imposto a ser suportado pelo “consumidor final”, então, o IVA apresenta-se, nesta fase, como NEUTRO pelo que, em consonância, não deveria ser procurado, neste patamar, uma possível forma de evasão fiscal, que de todo inexiste.
Mesmo que se tenha como acertada a interpretação fornecida pela AF, como controlar o destino dado ao produto na hipótese normal – e isto é uma repetição – em que é o próprio consumidor que o ludibria ?
Mas o que ressalta desde o próprio ofício-circulado, passando pelos diversos despachos avulsos citados, até à recente informação vinculativa, é, em síntese, que o “princípio da legalidade” fora afrontado e substituído pelo “princípio económico da maximização do lucro”, sacrificando-se um pequeno grupo de contribuintes ( ou, talvez, o contribuinte em geral ), qual imolação em salvação do tão propalado “deficit orçamental”...
Por último, a “descoberta” do tipo de “sementes” comercializada pela empresa comercial, ora fiscalizada, fora conseguida mediante inquéritos efectuados a seus clientes através dos quais terá sido possível não só determinar o “destino” dado como, concomitantemente, o tipo de “rações” (leia-se: misturas) correlacionadas. Dito de outro modo, a inspecção tributária socorre-se dos mecanismos da presunção, o que não nos parece legalmente adequado, sendo por isso mesmo ilegal.
DÚVIDA DO FACTO TRIBUTÁRIO
As dúvidas e tergiversações expostas são suficientes, de per se, para fulminar o acto tributário consubstanciado na liquidação de IVA, de nulidade à luz do que preceitua o artº 100º CPPT.
EM CONCLUSÃO
A) O ora impugnante, comerciante (entre outros produtos), de “sementes” fora objecto, na sequência de inspecção externa, de tributação em sede de IVA – liquidações adicionais – relativamente aos anos de 2003, 2004 e 2005;
B) Em causa, a tributação daquela mencionada espécie de produto – sementes – por suposto errado enquadramento na lista I anexa ao CIVA: o impugnante vinha enquadrando-o no respectivo item “3.5”, liquidando IVA à taxa reduzida, excepto quando destinado, em embalagens de pequenas quantidades (até 1 000 gramas) direccionadas ao consumo de aves “canoras e ornamentais”. Porém, a inspecção tributária entendeu caber-lhe a taxa normal sempre que seu destino fosse a alimentação de aves;
C) Com tal procedimento julgava – como a maioria dos comerciantes do sector – não só estar a cumprir a Lei, enquadrável no item “3.5 – Sementes, bolbos e propágulos” constante da Lista I anexa ao CIVA, segundo redacção dada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril, como respeitar o entendimento sancionado administrativamente pelo Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA;
D) Considera, em todo o caso, que aquela doutrina administrativa não é conforme à lei - e, como tal, ilegal o entendimento da AF - pois, qualquer que seja o destino das “sementes” cabe-lhe, em sede de tributação em IVA, a taxa reduzida porquanto é assim, singelamente, sem qualquer restrição, que está na lei segundo redacção dada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril que, aliás, modificara a redacção inicial de tal item aqui, sim, restringido ao escopo “...destinados á agricultura, horticultura e floricultura”;
E) Na sequência da já aludida inspecção externa, recebe um “Projecto de Relatório” e, concomitantemente, é notificado para o exercício do “Direito de Audição” - o que fez - levantando então questões pertinentes, não só de índole interpretativa como de procedimento cingido ao método de tributação. Porém, o “Relatório final”, persistindo na veiculação de doutrina veiculada pela própria AF, acrescido de diversos despachos administrativos que recaíram quanto à sua própria interpretação, recusa enfrentar as questões suscitadas em tal sede, omitindo-as;
F) Pelo que ocorre, já aqui, no vício de forma e de violação da lei, não só por falta de fundamentação – ou mera insuficiência – como pela escusa em discutir “elementos novos” ainda que alguns de natureza interpretativa da lei, em manifesta transgressão do preceituado no nº 7 do artigo 60º da LGT;
G) O tributo adicionalmente liquidado, segue o figurino legal previsto no artigo 82º do IVA – presunções – ao invés de efectuar correcções relativamente às facturas emitidas seguindo o estipulado nos artigos 7º, 8º e 28º do Código do IVA e com o formalismo imposto pelo nº 5 do artigo 35º do mesmo diploma legal;
H) Olvidando que o IVA é um imposto de “repercussão obrigatória" (artigo 16º do CIVA), é liquidado em factura ou documento equivalente (artigo 26º e nº 5 do artigo 35º do CIVA) sendo que a mesma é condição do “direito à dedução” (nº 2 do artigo 19º do CIVA), e necessário seria conhecer-se, factura a factura, o valor corrigido. Aliás, a simples emissão da factura (ou documento equivalente), independentemente da regra geral conexionada com o momento da exigibilidade do imposto – artigo 7º do CIVA – releva para a sua exigibilidade – artigo 8º do CIVA. E a relevância de um tal documento é ainda atestado pelo facto de, quando aí se menciona indevidamente IVA enquanto facto, isoladamente considerado, converte, quem o emite, em sujeito passivo – alínea c do nº 1 do CIVA;
I) Porém, ao presumir novos valores tributários, deveria submeter o quantum do respectivo valor ao procedimento de revisão previsto no artº 91º da LGT. Não proporcionando tal procedimento ao contribuinte, infringida fora essa mesma disposição legal pelo que, em consequência, o acto posterior de liquidação se encontra eivado de vício de violação da lei;
J) Por outro lado, os serviços da ALFÂNDEGA, em entendimento diverso da D.G.I. liquidam o IVA à taxa reduzida quando se tratam de “sementes” – quaisquer que sejam - pelo que a “dúvida” sobre o “facto tributário” se adensa, devendo ser resolvida a favor do contribuinte – atento artigo 100º do Código de Procedimento e
Processo Tributário;
K) Mesmo que outro seja o entendimento correcto, era plausível e razoável que, face ao entendimento da AF, desde 1991 sustentado no aludido Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA os contribuintes procedessem à liquidação em geral pela taxa reduzida e não, conforme as inspecções tributárias recentes e a do aqui impugnante, em particular, procederam. Pelo que violaram foram os princípios da confiança e da boa fé, previsto no nº 2 do artº 266º da C.R.P. e artigo 6º - A, nº 2, alínea a) do C.P.A.
TERMOS EM QUE REQUER QUE SEJAM TIDOS EM CONSIDERAÇÃO OS FUNDAMENTOS ADUZIDOS, CONSIDERAR-SE TEMPESTIVA A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, RECONHECER DA RAZÃO QUE ASSISTE AO CONTRIBUINTE, ORA IMPUGNANTE E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULAR-SE O IMPOSTO LIQUIDADO, POR ILEGAL, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.
VALOR: € 814 227, 87 – IVA liquidado (inclui juros compensatórios).
JUNTA:
- Cópia de pagamento de taxa de justiça inicial;
- Procuração.
O ADVOGADO
Cfr. SITAF.
c) Tal Impugnação foi objecto da seguinte sentença:
SENTENÇA
Relatório:
Casa… Lda, pessoa colectiva nº 5…, com sede na Rua…, Espinho, deduziu a presente Impugnação Judicial visando as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003, 2004 e 2005 e juros compensatórios, no valor total de €814 227, 87.
Alega, por um lado verificar-se o vício de ausência ou deficiência de fundamentação pelo facto de, no Relatório Final de Inspecção, não ter sido levada em conta a argumentação dispendida pelo Sujeito Passivo em sede de direito de audição.
Por outro lado, alega comercializar sementes para alimentação animal, sendo que as vendas de tais produtos devem ser tributadas à taxa de IVA de 5%, conforme ponto 3.5, da lista I anexa ao CIVA, uma vez que se trata de bens de produção de agricultura
Contestou o Representante da Fazenda Pública, alegando que as sementes exclusivamente destinadas à alimentação de aves canoras ou ornamentais são totalmente alheias à actividade agrícola, pelo que não podem beneficiar da taxa reduzida, prevista para os produtos envolvidos na produção agrícola.
Foi dada vista ao Ministério Público.
Cumpre decidir:
* * *
Face ao pedido formulado e aos argumentos explanados, a questão a decidir, nos presentes autos, é a de saber, primeiro, se existe ausência ou deficiência de fundamentação, e a que taxa de IVA estão sujeitas as vendas de sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais.
* * *
Saneamento
O tribunal é absolutamente competente.
Inexistem nulidades que afectem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, têm legitimidade para a presente acção e estão devidamente patrocinadas.
Não há outras excepções dilatórias, nulidades processuais nem questões prévias que importe conhecer.
* * *
Fundamentação:
Factos Provados:
1. A impugnante tem como objecto social o fabrico de alimentos simples e compostos para animais e animais de companhia, fabricação de outros produtos alimentares diversos, não especificados, importação e exportação, comercialização de cereais, leguminosas e oleaginosas por grosso e a retalho, comércio em geral e gamas completas de acessórios para toda a espécie de animais, artigos agrícolas e agro-pecuária, venda de aves, peixes e animais vivos, suplementos e vitaminas para toda a espécie de animais de companhia, produtos de higiene e limpeza de animais e outros artigos não especificados, enquadrando-se no CAE 15893 – cfr. fls. 4 do Relatório Final, constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
2. A empresa, no exercício do seu objecto social, adquire cereais, designadamente milho, girassol, painço, alpista, milho japonês, etc, no mercado interno, externo e comunitário, tributados à taxa de 5% (reduzida) de IVA.
3. Posteriormente, produz e embala misturas, a partir das sementes, constituindo estas misturas o seu produto acabado, as quais constituem rações para alimentação de aves e outros animais.
4. De entre os produtos comercializados pela impugnante, constam os seguintes produtos:

- ração aves de aviário extra 21 (mistura para canários);
- ração aves de aviário extra 22 (mistura para periquitos);
- ração aves de aviário extra 28 (mistura para caturras);
- ração aves de aviário extra 29 (mistura para pássaros exóticos);
- vários lotes (ração aves de viário SP001, MU010 DP004 e SR018) de diferentes tipos de ração para pombos – cfr. Relatório Final, fls. 15 do Processo Administrativo apenso aos autos;
5. Durante os anos de 2003 e 2004 e 2005, os lotes de sementes referidos em 4., foram vendidos e tributados à taxa de IVA de 5% - cfr. fls. 23 e seguintes do Relatório Final constante do Processo Administrativo apenso aos autos;

6. Com base na ordem de serviço n° OI200602731 de 15 de Novembro de 2006, foi determinado o procedimento de inspecção à impugnante, na sequência do qual foram efectuadas correcções em sede de IVA de 2003, 2004 e 2005, por erro na aplicação da taxa de IVA;

7. Por ofício datado de 16.05.2007 foi o Impugnante, Casa…, Lda. – do projecto de relatório de inspecção tributária para, querendo, exercer o direito de audição – cfr. fls. 204 do Processo Administrativo apenso aos autos;

8. Em 31.05.2007 o Sujeito Passivo exerceu o seu direito de audição – cfr. fls. 176 do Processo Administrativo apenso aos autos;

9. O Relatório Final, depois de considerar os argumentos veiculados pelo Sujeito Passivo em sede de direito de audição, conclui que “O Sujeito Passivo exerceu o direito de audição, não apresentando argumentos susceptíveis de serem aceites fiscalmente, de molde a alterar os valores propostos no projecto de relatório” – cfr. fls. 1 e 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

10. Em 10.12.2007 o Sujeito Passivo reclamou graciosamente – cfr. fls. 393 do Processo Administrativo apenso aos autos;

11. Em 14.12.2007 deu entrada no Serviço de Finanças de Espinho Recurso Hierárquico interposto pelo Sujeito Passivo – cfr. fls. 407 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

12. O Recurso Hierárquico veio a ser indeferido por ser entendimento da Administração Tributária “que as transmissões de sementes ou misturas de sementes embaladas para venda ao consumidor, cuja finalidade seja a alimentação de aves canoras ou ornamentais, estão sujeitas a tributação à taxa normal de IVA, entendimento este preconizado pelo ofício-circulado n.º168789 de 1991/11/11, e mais recentemente pela emissão do parecer vinculativo agora recorrido” – cfr. decisão da Direcção dos Serviço de IVA de fls. 415 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
13. O despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificado ao Sujeito Passivo em 23.08.2010 – cfr. fls. 490 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

14. Em 18.11.2010 foi instaurada a presente Impugnação – cfr. fls. 1 dos autos.

Factos não Provados:
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.
***
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como nos documentos apresentados pela impugnante, analisados criticamente à luz das regras da experiência e que se encontram especificados junto a cada um dos factos dados como provados.
***
Do Direito:
Da falta de fundamentação
Alega o Impugnante que, tendo exercido o direito de audição, os novos elementos por si ali suscitados, (designadamente no que respeita ao ponto 3.5 daquela peça processual, relativo a sementes, bolbos e propálogos), não foram levados em conta na fundamentação da decisão que veio a ser tomada pela Administração Tributária.
Dispõe o art. 60º da Lei Geral Tributária, quando consagra o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito:
1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea e) do nº 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5- Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6- O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Considerando a norma contida no n.º7 do preceito vindo de transcrever, caso os argumentos por si esgrimidos, em sede de direito de audição, não fossem levados em conta na decisão tomada a final, sempre teríamos de considerar estar verificado o alegado vício de ausência ou deficiência de fundamentação.
Contudo, da análise do relatório final, ponto VIII, Direito de Audição – Fundamentação, verifica-se que todos os argumentos alegados pelo Contribuinte foram delapidados pelos Serviços de Inspecção, que de forma fundamentada e perceptível os afastaram especificadamente, razão pela qual sempre seremos levados a concluir não se verificar o alegado vício de preterição de formalidades legais soçobrando assim o primeiros dos fundamentos que servem de base à presente Impugnação.
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Da taxa aplicável
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aprovado pelo Decreto-Lei n° 394-B/84, de 26 de Dezembro, previa, na redacção aplicável ao caso presente, a taxa do IVA de 19% (“taxa normal”), sendo, porém, de 5% (“taxa reduzida”) para as transmissões de bens constantes da lista I anexa ao CIVA, e de 12% (“taxa intermédia”) para as de bens constantes da lista II anexa ao mesmo diploma.
Rezava o artigo 18°, n° 1, alínea a), do CIVA:
1- As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da Lista I anexa a este diploma, aplica-se a taxa de 5%”.
A referida lista I, ao enumerar os bens e serviços que são objecto de uma taxa de tributação reduzida de 5%, inclui, nomeadamente:
3.5 – Sementes, bolbos e propágulos.”
No labor de interpretação das normas jurídicas, rege o art. 9º, do Código Civil, que dispõe:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da leium mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Começa o aludido preceito por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. A letra é, assim, o ponto de partida, mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da leium mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.1
1 Machado, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1990, pp. 188 e 189.
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
O nº 1, do art. 9º, refere mais três factores de interpretação: a “unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Assentes que estão estas ideias, delas partimos para a busca do melhor sentido a imprimir à norma que determina a tributação em imposto sobre o valor acrescentado dos bens em causa nestes autos.
O imposto sobre o valor acrescentado baseia-se no direito comunitário, sendo a sua introdução uma exigência decorrente da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE).
O IVA, imposto que sucedeu ao imposto de transacções, é regulado por várias directivas do Conselho, entre as quais a chamada “sexta directiva” (77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977), que procedeu à uniformização da base tributável do imposto a aplicar em todos os Estados membros.
Refere o art. 12º, nº 3, al. a), 3º parágrafo, da Directiva “Os Estados membros podem igualmente aplicar uma ou duas taxas reduzidas. Essas taxas serão fixadas sob a forma de uma percentagem da matéria colectável que não pode ser inferior a 5 % e serão aplicáveis apenas ao fornecimento de bens e à prestação de serviços das categorias referidas no anexo H.”
Vemos, assim, que a possibilidade de aplicação de taxas reduzidas está na disponibilidade dos Estados membros, que internamente, podem optar por aliviar a tributação de certos bens (fixando taxas mais baixas) de entre os que constam do anexo à directiva, não tendo, necessariamente, de abranger todos os que ali estão elencados.
Deste modo, o anexo a que a directiva faz referência, contém apenas o rol de todos os bens susceptíveis de tributação à taxa reduzida, não estando os Estados membros obrigados a sujeitar todos eles à taxa reduzida.
Por outro lado, no preâmbulo do CIVA, aprovado pelo DL nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, explica-se que se tentou que a passagem do imposto de transacções ao IVA se fizesse com o mínimo possível de perturbações, preocupação que justificou várias soluções adoptadas pelo legislador português.
Assim, visou-se evitar o «salto demasiado brusco» que constituiria a passagem de uma situação de «isenção completa para uma tributação por taxa normal», relativamente a certas «categorias de bens, particularmente de bens alimentares, que, isentos de IT, não beneficiarão de isenção em IVA», pelo que foi criada uma lista de bens sujeitos à taxa reduzida.
O ponto 3., da lista I consagra a tributação à taxa de 5% dos bens de produção da agricultura, especificando, nas diversas subalíneas, quais os produtos agrícolas sujeitos a taxa reduzida.
Analisando o ponto 3.5, da lista I, vemos que ali são incluídas sementes, bolbos e propágulos. Estes três produtos visam a reprodução de plantas, tendo em comum o facto de permitirem, através do seu cultivo, germinar novas plantas, dando origem a produtos agrícolas para consumo.
Ora, as sementes comercializadas pela impugnante, cuja tributação aqui se discute, não se destinam a ser lançadas à terra a fim de germinarem e gerarem novas plantas, mas sim à alimentação de animais.
Assim, conforme decorre da materialidade assente, as sementes comercializadas pela impugnante, são sementes de vários cereais, devidamente misturadas, de forma a comporem a alimentação de aves. E como são misturadas, não podem ser utilizadas nas sementeiras de searas.
Tendo em conta a sistematização do ponto 3., da lista I, as sementes de cereais destinados à alimentação de animais poderiam integrar o ponto 3.3: “farinhas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana”.
Porém, as aves a que se destinam tais misturas são canários, periquitos, aves exóticas, caturras, papagaios, pombos e rolas. Estas aves são ornamentais, de colecção e até de competição, mas não se destinam à alimentação humana.
Ora, não se destinando à alimentação humana, não se integram na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3, da lista I, anexa ao CIVA.
Assim, as sementes transformadas e comercializadas pela impugnante, que visam a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, o que implica que também este argumento há-de improceder.
Pelo exposto, improcede inteiramente a impugnação.
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III – Decisão:
Nos termos de tudo quanto acaba de se expender, julgo a presente impugnação improcedente.
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Custas pela impugnante.
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Cfr. teor de fls. 316 a 320 dos autos (p.f.).
d) Tendo a sentença proferida neste tribunal sido objecto de recurso, foi o mesmo decidido por Acórdão proferido pelo STA, em 19-02-2014, com o seguinte teor:
Recurso nº 701/12-30
Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
Casa…, Lda., pessoa colectiva n° 5…, com sede na Rua…, 4500-361 Espinho, deduziu Impugnação Judicial visando as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003, 2004 e 2005 e juros compensatórios, no valor total de € 814 227,87.
Por sentença de 12 de Setembro de 2011, o TAF de Aveiro, julgou a impugnação improcedente. Reagiu a ora recorrente, interpondo o presente recurso para o TCA Norte que, por acórdão de 18 de Abril de 2012, se declarou incompetente em razão da hierarquia, entendendo ser competente este Supremo Tribunal, para onde os autos foram remetidos, as alegações integram as seguintes conclusões:
a) Errado julgamento da questão de direito correlacionado com a interpretação da verba 3.5 da lista I anexa ao Código do IVA segundo redacção atribuída pelo artigo 5° do Decreto-Lei n° 122/88, de 20 de Abril porquanto o destino dos bens deixou de possuir relevância ao contrário do que sucedia com a redacção inicial desse mesmo item do referido Código;
b) Erro de julgamento no que tange ao “Direito de Audição, Fundamentação”. Ao contrário do sentenciado, não é mais verdade a afirmação de que “...da análise do relatório final, ponto VII, Direito de Audição — Fundamentação, verifica-se que todos os argumentos foram delapidados pelos Serviços de Inspecção, que de forma fundamentada e perceptível os afastaram especificamente...”. A inspecção tributária limitara-se a dar ênfase às excepções referidas no Oficio Circulado N.° 168 789-SIVA e, entrando mesmo em contradição pois, acaba por pugnar que “estas misturas de sementes não se destinam a ser semeadas” — o que contraria o aludido ofício. Esta é, aliás, a posição vertida na sentença: “não se destinam a ser lançadas à terra a fim de germinarem novas plantas, mas sim à alimentação de animais”.
c) OMISSÃO DE PRONÚNCIA quanto à interpretação do Ofício-Circulado N.° 168 789-SIVA. E este instrumento administrativo, quanto ao seu teor e, independentemente da correcta interpretação da lei, vinculando os próprios funcionários públicos, geram simultaneamente expectativas aos contribuintes em geral — da conjugação do art° 55° do CPPT com o art° 64°, n° 4, alínea b) da LGT. Da expressão “independentemente de seu destino” aí contida só se pode inferir que as “sementes, bolbos e propágulos” são enquadráveis e tributados à taxa reduzida. Mesmo que outro seja o entendimento correcto, era plausível e razoável que, face ao entendimento da AF, desde 1991 sustentado no aludido Ofício-Circulado N.° 168 789-SIVA os contribuintes procedessem à liquidação em geral pela taxa reduzida e não, conforme as inspecções tributárias recentes e a do aqui recorrente\, em particular, procederam. Pelo que violaram foram os princípios da confiança e da boa fé, previsto no n° 2 do art° 266° da C.R.P. e artigo 6° - A, n° 2, alínea a) do C.P.A.
d) OMISSÃO DE PRONÚNCIA quanto à liquidação adicional do IVA por repousar em simples listagens e não — como determina a lei — em “factura ou documento equivalente”. O tributo adicionalmente liquidado, segue o figurino legal previsto no artigo 82° do IVA — presunções — ao invés de efectuar correcções relativamente às facturas emitidas seguindo o estipulado nos artigos 7°, 8° e 28° do Código do IVA e com o formalismo imposto pelo n° 5 do artigo 35° do mesmo diploma legal. Olvidando que o IVA é um imposto de “repercussão obrigatória” (artigo 16° do CIVA), é liquidado em factura ou documento equivalente (artigo 26° e n° 5 do artigo 35° do CIVA) sendo que a mesma é condição do “direito à dedução” (n° 2 do artigo 19° do CIVA), e necessário seria conhecer-se, factura a factura, o valor corrigido. Aliás, a simples emissão da factura (ou documento equivalente), independentemente da regra geral conexionada com o momento da exigibilidade do imposto — artigo 7° do CIVA — releva para a sua exigibilidade — artigo 8° do CIVA. E a relevância de um tal documento é ainda atestado pelo facto de, quando aí se menciona indevidamente IVA enquanto facto, isoladamente considerado, converte, quem o emite, em sujeito passivo — alínea c do n° 1 do CIVA. Porém, ao presumir novos valores tributários, deveria submeter o quantum do respectivo valor ao procedimento de revisão previsto no art° 91° da LGT. Não proporcionando tal procedimento ao contribuinte, infringida fora essa mesma disposição legal pelo que, em consequência, o acto posterior de liquidação se encontra eivado de vício de violação da lei. Por outro lado, os serviços da ALFÂNDEGA, em entendimento diverso da D.G.I. liquidam o IVA à taxa reduzida quando se tratam de “sementes” — quaisquer que sejam - pelo que a “dúvida” sobre o “facto tributário” se adensa, devendo ser resolvida a favor do contribuinte — atento artigo 100° do Código de Procedimento e Processo Tributário;
TERMOS EM QUE REQUER QUE SEJAM TIDOS EM CONSIDERAÇÃO OS FUNDAMENTOS ADUZIDOS, RECONHECER DA RAZÃO QUE ASSISTE AO CONTRIBUINTE, ORA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO O IMPOSTO LIQUIDADO, POR ILEGAL, OU, DETERMINAR-SE A DEVOLUÇÃO AO TRIBUNAL A QUO A FIM DE SE PRONUNCIAR.
Não houve contra-alegações.
O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
Recurso interposto por Casa…, Lda.:
1. Matéria controvertida.
-- se quanto à verba 3.5 da Lista I anexa ao C.I.V.A., na redacção dada pelo art. 5º do DL 122/88, deixou de relevar o destino dos bens e se é proceder à tributação como sementes, bolbos e propágulos à referida taxa reduzida;
- se existe erro de julgamento quanto ao “direito de audição, Fundamentação” por terem sido dados por apreciados todos os argumentos que tinham sido invocados quando tal não ocorreu;
- se existe omissão de pronúncia quanto à interpretação do of. circulado n.º 168 789-S.I.V.A., em face das disposições conjugadas dos arts. 55º do C.P.P.T. e 68.º n.º 4 al. b) da L.G.T., bem como se por isso foram violados os princípios da boa fé e da confiança previsto no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P. e 6.º-A n.º 2 al. a) do C.P.T.A.;
- se existe omissão de pronúncia quanto à liquidação efectuada com base em listagens que não em facturas ou documentos equivalentes, como resulta conjugadamente dos arts. 7º, 8.º, 16.º, 19º, n.º 2, 38º e 35º n.º 5 do C.I.V.A
A referência feita na segunda questão ao art. 68.º é a que está de acordo com o constante da motivação de recurso e da LGT quanto às informações vinculativas, razão porque assim é sem mais de considerar.
Defende-se que a utilização dos valores apurados segundo o referido na 3.ª questão procedimento de revisão ocorre violação do art. 91.º da L.G.T., o que não se alcança da motivação de recurso, razão pela qual tal foi considerado.
Finalmente, também não é de considerar autonomamente à primeira questão a referência que é efectuada quanto a, havendo fundada dúvida, ser resolver a favor do contribuinte, atento o art. 100.º do C.P.P.T..
2. Posição que se defende:
a. Fundamentação
Quanto às 2 primeiras questões já se pronunciou o S.T.A. em seu acórdão de 16-11-2011 no processo 0526/11, em termos de não ser de acolher nem o entendimento que se defende de ocorrer a tributação à taxa reduzida, nem ocorrer o dito vício, ainda que não tenham sido mencionados os invocados e da contextualização efectuada resulte ter os mesmos sido afastados, de acordo com a jurisprudência do S.T.A..
Refere-se especificamente no dito acórdão:
O CIVA previa, na redacção aplicável ao caso, além da taxa normal de 19% uma taxa reduzida de 5% para as transmissões de bens constantes da lista I anexa, entre os quais se inclui no ponto 3.5 nomeadamente “sementes, bolbos e propágulos”.
Para o Mmo. Juiz a quo as sementes transformadas e comercializadas pela ora recorrente para fins de alimentação animal, designadamente para a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%.
Já para a recorrente a letra da lei não permite tal interpretação, sendo que o que dela se extrai é que todas as sementes, sem qualquer excepção, têm enquadramento naquela verba 3.5 da lista I anexa ao CIVA.
Vindo a decidir que “as sementes referidas no ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA beneficiam da redução de taxa de IVA apenas e na medida em que sejam consideradas bens de produção da agricultura” acrescentou-se: “Como se ressalta na decisão recorrida, transcrevendo parte do preâmbulo do diploma que aprovou o CIVA, houve da parte do legislador português a preocupação de evitar o «salto demasiado brusco» que constituiria a passagem de uma situação de «isenção completa para uma tributação por taxa normal» relativamente a certas «categorias de bens, particularmente de bens alimentares, que, isentos de IT, não beneficiarão de isenção em IVA», pelo que foi criada uma lista de bens sujeitos à taxa reduzida.
E, nessa medida, se consagrou no ponto 3 da lista I a tributação à taxa de 5% dos bens de produção da agricultura, especificando, nas diversas subalíneas, quais os produtos agrícolas sujeitos a essa taxa reduzida.
Ora, analisando o ponto 3.5 dessa lista I, vemos que ali são incluídas sementes, bolbos e propágulos, produtos que visam a reprodução de plantas e que têm em comum o facto de permitirem, através do seu cultivo, darem origem a produtos agrícolas para consumo.”
“Por outro lado, para que tais sementes pudessem integrar o ponto 3.3 da lista I anexa ao CIVA — no qual se incluem farinhas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana — era necessário que as mesmas se destinassem à alimentação de animais que, por sua vez, se destinassem à alimentação humana, o que também não é o caso, pois trata-se de aves canoras e ornamentais.”
A tal entendimento não obsta o que ficou a constar do of. circulado nº 168 789-S.I.V.A, em que, de acordo com o seu n.º2, foram ainda exceptuadas da dita taxa reduzida as transmissões de sementes ou misturas embaladas cuja finalidade seja a alimentação de aves canoras ou ornamentais.
Finalmente, o disposto nos arts. 7º, 8º, 16.º, 19º, n.º 2, 38.º e 35.º n.º 5 do C.I.V.A não inviabiliza que se tenha procedido de outra forma que não através de facturas ou documentos equivalentes ao I.V.A que incidiu sobre os ditos produtos que ficaram a constar ter sido comercializados.
b. Síntese conclusiva.
- As misturas comercializadas pela recorrente a partir de sementes, tendo visado a alimentação de aves canoras e ornamentais, e que não sendo destinadas à alimentação humana, não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, por não se integrarem na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA;
- tal não é inviabilizado pelo entendimento veiculado pelo of. circulado n.º 168 789-S.I.V.A, em cujo nº 2 foi excepcionada precisamente as transmissões de sementes ou misturas embaladas cuja finalidade seja a alimentação de aves canoras ou ornamentais, não resultando violados os princípios constitucionais que com esse fundamento se invocam;
- o disposto nos arts. 7.º, 8.º, 16.º, 19º, n.º 2, 38.º e 35.º n.º 5 do C.I.V.A. não inviabiliza que se tenha procedido de outra forma que não através de facturas ou documentos equivalentes ao I.V.A que incidiu sobre os ditos produtos que ficaram a constar ter sido comercializados.
Parece que, ainda que seja de confirmar com novos e acrescidos fundamentos a sentença recorrida, o recurso é de improceder.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
1. A impugnante tem como objecto social o fabrico de alimentos simples e compostos para animais e animais de companhia, fabricação de outros produtos alimentares diversos, não especificados, importação e exportação, comercialização de cereais, leguminosas e oleaginosas por grosso e a retalho, comércio em geral e gamas completas de acessórios para toda a espécie de animais, artigos agrícolas e agro-pecuária, venda de aves, peixes e animais vivos, suplementos e vitaminas para toda a espécie de animais de companhia, produtos de higiene e limpeza de animais e outros artigos não especificados, enquadrando-se no CAE 15893— cfr. fls. 4 do Relatório Final, constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
2. A empresa, no exercício do seu objecto social, adquire cereais, designadamente milho, girassol, painço, alpista, milho japonês, etc, no mercado interno, externo e comunitário, tributados à taxa de 5% (reduzida) de IVA.
3. Posteriormente, produz e embala misturas, a partir das sementes, constituindo estas misturas o seu produto acabado, as quais constituem rações para alimentação de aves e outros animais.
4. De entre os produtos comercializados pela impugnante, constam os seguintes produtos:
- ração aves de aviário extra 21 (mistura para canários);
- ração aves de aviário extra 22 (mistura para periquitos);
- ração aves de aviário extra 28 (mistura para caturras);
- ração aves de aviário extra 29 (mistura para pássaros exóticos);
- vários lotes (ração aves de viário SP001, MU010 DP004 e SR018) de diferentes tipos de ração para pombos — cfr, Relatório Final, fls. 15 do Processo Administrativo apenso aos autos;
5. Durante os anos de 2003 e 2004 e 2005, os lotes de sementes referidos em 4., foram vendidos e tributados à taxa de IVA de 5% - cfr fls. 23 e seguintes do Relatório Final constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
6. Com base na ordem de serviço n° OI200602731 de 15 de Novembro de 2006, foi determinado o procedimento de inspecção à impugnante, na sequência do qual foram efectuadas correcções em sede de IVA de 2003, 2004 e 2005, por erro na aplicação da taxa de IVA;
7. Por oficio datado de 16.05.2007 foi o impugnante, Casa…, Lda., — do projecto de relatório de inspecção tributária para, querendo, exercer o direito de audição — cfr. fls. 204 do Processo Administrativo apenso aos autos;
8. Em 31.05.2007 o Sujeito Passivo exerceu o seu direito de audição — cfr. fls. 176 do Processo Administrativo apenso aos autos;
9. O Relatório Final, depois de considerar os argumentos veiculados pelo Sujeito Passivo em sede de direito de audição, conclui que “O Sujeito Passivo exerceu o direito de audição, não apresentando argumentos susceptíveis de serem aceites fiscalmente, de molde a alterar os valores propostos no projecto de relatório” — cfr. fls. 1 e 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
10. Em 10.12.2007 o Sujeito Passivo reclamou graciosamente — cfr. fls. 393 do Processo Administrativo apenso aos autos;
11. Em 14.12.2007 deu entrada no Serviço de Finanças de Espinho Recurso Hierárquico interposto pelo Sujeito Passivo — cfr. fls. 407 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
12. O Recurso Hierárquico veio a ser indeferido por ser entendimento da Administração Tributária “que as transmissões de sementes ou misturas de sementes embaladas para venda ao consumidor, cuja finalidade seja a alimentação de aves canoras ou ornamentais, estão sujeitas a tributação à taxa normal de IVA, entendimento este preconizado pelo ofício-circulado n°168789 de 1991/11/11, e mais recentemente pela emissão do parecer vinculativo agora recorrido” — cfr. decisão da Direcção dos Serviço de IVA de fls. 415 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
13. O despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificado ao Sujeito Passivo em 23.08.2010 — cfr. fls. 490 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
14. Em 18.11.2010 foi instaurada a presente Impugnação — cfr. fls. 1 dos autos.
3 – DO DIREITO
A meritíssima juíza do TAF de Aveiro, julgou a impugnação improcedente por entender que: (destacam-se s trechos mais significativos com relevância para o presente recurso)
Casa…, Lda., pessoa colectiva n° 5…, com sede na Rua…, 4500-361, Espinho, deduziu a presente Impugnação Judicial visando as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003, 2004 e 2005 e juros compensatórios, no valor total de € 814 227, 87.
Alega, por um lado verificar-se o vício de ausência ou deficiência de fundamentação pelo facto de, no Relatório Final de Inspecção, não ter sido levada em conta a argumentação dispendida pelo Sujeito Passivo em sede de direito de audição.
Por outro lado, alega comercializar sementes para alimentação animal, sendo que as vendas de tais produtos devem ser tributadas à taxa de IVA de 5%, conforme ponto 3.5, da lista 1 anexa ao CIVA, uma vez que se trata de bens de produção de agricultura
Contestou o Representante da Fazenda Pública, alegando que as sementes exclusivamente destinadas à alimentação de aves canoras ou ornamentais são totalmente alheias à actividade agrícola, pelo que não podem beneficiar da taxa reduzida, prevista para os produtos envolvidos na produção agrícola.
Foi dada vista ao Ministério Público,
Cumpre decidir:
Face ao pedido formulado e aos argumentos explanados, a questão a decidir, nos presentes autos, é a de saber, primeiro, se existe ausência ou deficiência de fundamentação, e a que taxa de IVA estão sujeitas as vendas de sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais.
Saneamento
(…)
Fundamentação:
Factos Provados:
(…)
Do Direito:
Da falta de fundamentação
Alega o Impugnante que, tendo exercido o direito de audição, os novos elementos por si ali suscitados, (designadamente no que respeita ao ponto 3.5 daquela peça processual, relativo a sementes, bolbos e propálogos), não foram levados em conta na fundamentação da decisão que veio a ser tomada pela Administração Tributária.
Dispõe o art. 60° da Lei Geral Tributária, quando consagra o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito:

1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea e) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte,
5- Em qualquer das circunstâncias referidas no n° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6- O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superiora 15 dias,
7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Considerando a norma contida no n°7 do preceito vindo de transcrever, caso os argumentos por si esgrimidos, em sede de direito de audição, não fossem levados em conta na decisão tomada a final, sempre teríamos de considerar estar verificado o alegado vicio de ausência ou deficiência de fundamentação.
Contudo, da análise do relatório final, ponto VIII, Direito de Audição — Fundamentação, verifica-se que todos os argumentos alegados pelo Contribuinte foram delapidados pelos Serviços de Inspecção, que de forma fundamentada e perceptível os afastaram especificadamente, razão pela qual sempre seremos levados a concluir não se verificar o alegado vício de preterição de formalidades legais soçobrando assim o primeiro dos fundamentos que servem de base à presente Impugnação.
Da taxa aplicável
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aprovado pelo Decreto-Lei n° 394-B/84, de 26 de Dezembro, previa, na redacção aplicável ao caso presente, a taxa do IVA de 19% (‘taxa normal”), sendo, porém, de 5% (“taxa reduzida”) para as transmissões de bens constantes da lista I anexa ao CIVA, e de 12% (‘taxa intermédia”) para as de bens constantes da lista II anexa ao mesmo diploma.
Rezava o artigo 18°, n°1, alínea a), do CIVA:
1- As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da Lista I anexa a este diploma, aplica-se a taxa de 5%”.
A referida lista I, ao enumerar os bens e serviços que são objecto de uma taxa de tributação reduzida de 5%, inclui, nomeadamente;
3.5 — Sementes, bolbos e propágulos.”
No labor de interpretação das normas jurídicas, rege o art. 9°, do Código Civil, que dispõe;
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da leium mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Começa o aludido preceito por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. A letra é, assim, o ponto de partida, mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9°, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da leium mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. ¹ (Machado, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1990, pp. 188 e 189.). Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (
ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
O n° 1, do art. 9°, refere mais três factores de interpretação: a “unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Assentes que estão estas ideias, delas partimos para a busca do melhor sentido a imprimir à norma que determina a tributação em imposto sobre o valor acrescentado dos bens em causa nestes autos.
O imposto sobre o valor acrescentado baseia-se no direito comunitário, sendo a sua introdução uma exigência decorrente da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE).
O IVA, imposto que sucedeu ao imposto de transacções, é regulado por várias directivas do Conselho, entre as quais a chamada “sexta directiva” (77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977), que procedeu à uniformização da base tributável do imposto a aplicar em todos os Estados membros.
Refere o art. 12°, n° 3, al. a), 3° parágrafo, da Directiva “Os Estados membros podem igualmente aplicar uma ou duas taxas reduzidas. Essas taxas serão fixadas sob a forma de uma percentagem da matéria colectável que não pode ser inferior a 5% e serão aplicáveis apenas ao fornecimento de bens e à prestação de serviços das categorias referidas no anexo H,”
Vemos, assim, que a possibilidade de aplicação de taxas reduzidas está na disponibilidade dos Estados membros, que internamente, podem optar por aliviar a tributação de certos bens (fixando taxas mais baixas) de entre os que constam do anexo à directiva, não tendo, necessariamente, de abranger todos os que ali estão elencados.
Deste modo, o anexo a que a directiva faz referência, contém apenas o rol de todos os bens susceptíveis de tributação à taxa reduzida, não estando os Estados membros obrigados a sujeitar todos eles à taxa reduzida.

Por outro lado, no preâmbulo do CIVA, aprovado pelo DL n° 394-B/84, de 26 de Dezembro, explica-se que se tentou que a passagem do imposto de transacções ao IVA se fizesse com o mínimo possível de perturbações, preocupação que justificou várias soluções adoptadas pelo legislador português. Assim, visou-se evitar o «salto demasiado brusco» que constituiria a passagem de uma situação de «isenção completa para uma tributação por taxa normal», relativamente a certas «categorias de bens, particularmente de bens alimentares, que, isentos de IT, não beneficiarão de isenção em IVA», pelo que foi criada uma lista de bens sujeitos à taxa reduzida.
O ponto 3., da lista I consagra a tributação à taxa de 5% dos bens de produção da agricultura, especificando, nas diversas subalíneas, quais os produtos agrícolas sujeitos a taxa reduzida. Analisando o ponto 3.5, da lista I, vemos que ali são incluídas sementes, bolbos e propágulos. Estes três produtos visam a reprodução de plantas, tendo em comum o facto de permitirem, através do seu cultivo, germinar novas plantas, dando origem a produtos agrícolas para consumo.
Ora, as sementes comercializadas pela impugnante, cuja tributação aqui se discute, não se destinam a ser lançadas à terra a fim de germinarem e gerarem novas plantas, mas sim à alimentação de animais.
Assim, conforme decorre da materialidade assente, as sementes comercializadas pela impugnante, são sementes de vários cereais, devidamente misturadas, de forma a comporem a alimentação de aves. E como são misturadas, não podem ser utilizadas nas sementeiras de searas.
Tendo em conta a sistematização do ponto 3., da lista I, as sementes de cereais destinados à alimentação de animais poderiam integrar o ponto 3.3: “farinhas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana”.
Porém, as aves a que se destinam tais misturas são canários, periquitos, aves exóticas, caturras, papagaios, pombos e rolas. Estas aves são ornamentais, de colecção e até de competição, mas não se destinam à alimentação humana.
Ora, não se destinando à alimentação humana, não se integram na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3, da lista I, anexa ao CIVA.
Assim,
as sementes transformadas e comercializadas pela impugnante, que visam a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, o que implica que também este argumento há-de improceder.
Pelo exposto, improcede inteiramente a impugnação.
III — Decisão:
Nos termos de tudo quanto acaba de se expender, julgo a presente impugnação improcedente.”
DECIDINDO NESTE STA:
Suscita a recorrente a omissão de pronúncia da sentença recorrida à qual imputa também erro de julgamento.
Vejamos, em primeiro lugar, da verificação ou não da alegada omissão de pronúncia.
Desde já se refere que só há omissão de pronúncia quando o tribunal, pura e simplesmente, não toma posição sobre qualquer questão de que devesse conhecer e da decisão também não decorra, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado pela solução dada às questões de que conheceu.
A recorrente assaca o vício de OMISSÃO DE PRONÚNCIA da sentença recorrida quanto à interpretação do Ofício-Circulado N.° 168 789-SIVA. Porém, a nosso ver, não era essencial que se pronunciasse sobre tal ofício circulado o qual, como se sabe, só vincula quanto à interpretação efectuada de uma determinada lei os elementos da própria administração. Ora, o Mº Juiz analisou o teor dos pontos 3 e 3.5 da lista I anexa ao CIVA e fez deles a interpretação que justificou devidamente. Pronunciar-se sobre a interpretação da lei contida no referido ofício seria a consignação de uma argumentação, não absolutamente essencial, uma vez que afirmou a sua própria interpretação de forma fundamentada. Este labor interpretativo foi efectuado por atenção aos concretos ditames legais e a falta de referência ao referido ofício circulado também não pode constituir violação dos princípios da boa fé e da confiança previsto no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P. e 6.º-A n.º 2 al. a) do C.P.T.A.
Não ocorre pois neste aspecto omissão de pronúncia produtora de efeitos anulatórios da decisão.
Suscita também a questão da omissão de pronúncia quanto à liquidação efectuada com base em listagens que não em facturas ou documentos equivalentes, como resulta conjugadamente dos arts. 7º, 8.º, 16.º, 19º, n.º 2, 38º e 35º n.º 5 do C.I.V.A. Ou seja, segundo entendemos, com a ajuda da leitura da petição inicial conclusões G) a I) questiona o facto de na sentença recorrida não se ter abordado a questão da necessidade de a administração tributária ter enveredado, no seu dizer, pelo recurso a “presunções” em vez de ter utilizado meras correcções aritméticas factura a factura. E, na referida conclusão I refere que: “ Porém, ao presumir novos valores tributários, deveria submeter o quantum do respectivo valor ao procedimento de revisão previsto no artº 91º da LGT…” . Refere ainda o direito à dedução do IVA (conclusão H) e daí a necessidade de conhecer factura a factura o valor corrigido.
Vejamos:
Mas, trata-se de uma questão deslocada pois não só as correcções efectuadas não constituem quaisquer presunções ou avaliação indirecta, como refere a recorrente, uma vez que foram efectuadas por referência às listagens de vendas fornecidas pela própria impugnante como não é exacto que compita à Administração tributária requerer a revisão prevista no artº 91º da LGT. Concordamos com o Mº Pº, neste STA, quando refere no seu parecer que o critério utilizado para efectuar as correcções aritméticas efectuadas se mostra adequado, ao referir: “Finalmente, o disposto nos arts. 7º, 8º, 16.º, 19º, n.º 2, 38.º e 35.º n.º 5 do C.I.V.A não inviabiliza que se tenha procedido de outra forma que não através de facturas ou documentos equivalentes ao I.V.A que incidiu sobre os ditos produtos que ficaram a constar ter sido comercializados”.
De facto, constata-se do processo administrativo apenso fls. 482 que o imposto em falta foi apurado com base em correcções técnicas sustentadas nas listagens mensais de vendas fornecidas pelo contribuinte de que é exemplo a constante de fls. 140 do processo administrativo. Estas correcções ao considerarem um IVA à taxa normal confeririam não à impugnante, mas aos seus clientes o direito à dedução do correspondente IVA.
Estando em causa, portanto, avaliação directa consistente em “ Correcções em sede de IVA de 2003, 2004 e 2005 por erro na aplicação da taxa de IVA” que O Mº juiz considerou devidamente, ficou prejudicado o conhecimento sobre outras alegadas formas de avaliação não fazendo sentido que o mesmo se pronunciasse sobre afirmações não exactas até porque não lhe é imposto que rebata todos os argumentos e muito menos os que são patentemente imprecisos e inconsistentes e concentrou-se (bem) na única e verdadeira questão que subsistia para resolver, a de saber em que verba se incluíam os bens comercializados pela impugnante.
Improcede pois a invocada omissão de pronúncia.
Resta, assim, apreciar, então, a questão de fundo que constitui o objecto essencial do presente recurso e que se prende com a taxa de tributação, em sede de IVA, das sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais, ou seja, a interpretação do ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA.
Seguiremos de perto o acórdão deste STA de 16/11/2011 tirado no rec. 526/11 que se debruçou sobre a mesma questão.
O CIVA previa, na redacção aplicável ao caso, além da taxa normal de 19% uma taxa reduzida de 5% para as transmissões de bens constantes da lista I anexa, entre os quais se inclui no ponto 3.5 nomeadamente “sementes, bolbos e propágulos”.
Para o Mmo. Juiz a quo as sementes transformadas e comercializadas pela ora recorrente para fins de alimentação animal, designadamente para a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%.
Já para a recorrente a letra da lei não permite tal interpretação, sendo que o que dela se extrai é que todas as sementes, sem qualquer excepção, têm enquadramento naquela verba 3.5 da lista I anexa ao CIVA.
Além de que, destinando-se as sementes transaccionadas pela recorrente à criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia, também esta actividade deve ser considerada uma actividade de produção agrícola e, como tal, tais bens devem também considerar-se incluídos na lista de bens designados como bens de produção da agricultura.
Todavia, também neste aspecto, carece a recorrente de razão, pois a interpretação do ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA feita na decisão recorrida pelo Mmo. Juiz a quo não merece qualquer censura.
De facto, as sementes referidas no ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA beneficiam da redução de taxa de IVA apenas e na medida em que sejam consideradas bens de produção da agricultura.
Como se ressalta na decisão recorrida, transcrevendo parte do preâmbulo do diploma que aprovou o CIVA, houve da parte do legislador português a preocupação de evitar o «salto demasiado brusco» que constituiria a passagem de uma situação de «isenção completa para uma tributação por taxa normal» relativamente a certas «categorias de bens, particularmente de bens alimentares, que, isentos de IT, não beneficiarão de isenção em IVA», pelo que foi criada uma lista de bens sujeitos à taxa reduzida.
E, nessa medida, se consagrou no ponto 3 da lista I a tributação à taxa de 5% dos bens de produção da agricultura, especificando, nas diversas subalíneas, quais os produtos agrícolas sujeitos a essa taxa reduzida.
Ora, analisando o ponto 3.5 dessa lista I, vemos que ali são incluídas sementes, bolbos e propágulos, produtos que visam a reprodução de plantas e que têm em comum o facto de permitirem, através do seu cultivo, darem origem a produtos agrícolas para consumo.
O que não sucede com as sementes comercializadas pela ora recorrente que visam, como vimos, a alimentação de aves canoras e ornamentais, sendo totalmente alheias à actividade agrícola.
Por outro lado, para que tais sementes pudessem integrar o ponto 3.3 da lista I anexa ao CIVA – no qual se incluem farinhas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana – era necessário que as mesmas se destinassem à alimentação de animais que, por sua vez, se destinassem à alimentação humana, o que também não é o caso, pois trata-se de aves canoras e ornamentais.
Razão por que se entenda, por isso, do mesmo modo que o fez na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo, que as sementes comercializadas pela recorrente, que visam a alimentação de aves canoras e ornamentais, que não se destinam à alimentação humana, não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, por não se integrarem na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA, não ocorrendo qualquer dúvida sobre o “facto tributário”.
A decisão recorrida deve, por isso, ser confirmada.
Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
I – Não ocorre omissão de pronúncia relevante se Juiz analisou o teor dos pontos 3 e 3.5 da lista I anexa ao CIVA e fez deles a interpretação que justificou devidamente.
Pronunciar-se sobre questões deslocadas (falsas) ou sobre a interpretação da lei contida em ofício circulado da Administração Fiscal seria a consignação de uma argumentação não absolutamente essencial uma vez que afirmou a sua própria interpretação de forma fundamentada. Este labor interpretativo foi efectuado por atenção aos concretos ditames legais e a falta de referência ao referido ofício circulado também não pode constituir violação dos princípios da boa fé e da confiança previsto no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P. e 6.º-A n.º 2 al. a) do C.P.T.A.
II – As sementes comercializadas pela recorrente, que visam a alimentação de aves canoras e ornamentais, que não se destinam à alimentação humana, sendo totalmente alheias à actividade agrícola, não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, por não se integrarem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014

Cfr. teor de fls. 327 a 334 dos autos (p.f.).
e) Em 28-08-2014 a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas em b), com o teor que consta de fls. 2 a 21 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, de onde consta o seguinte:

f) A presente impugnação deu entrada neste Tribunal em 30-12-2014, cfr. teor de fls. 2 dos autos (p.f.).

*
2. O Direito

Apreciemos o acerto da decisão recorrida que passamos a transcrever parcialmente para melhor análise:
«(…) Transpondo, agora, a jurisprudência supra citada para o caso dos autos, diga-se que, ao contrário do defendido pela Impugnante, o pedido e a causa de pedir das duas Impugnações Judiciais é o mesmo.
Note-se que na Impugnação Judicial nº 1171/10.3BEAVR a Impugnante pediu o seguinte:
“TERMOS EM QUE REQUER QUE SEJAM TIDOS EM CONSIDERAÇÃO OS FUNDAMENTOS ADUZIDOS, CONSIDERAR-SE TEMPESTIVA A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, RECONHECER DA RAZÃO QUE ASSISTE AO CONTRIBUINTE, ORA IMPUGNANTE E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULAR-SE O IMPOSTO LIQUIDADO, POR ILEGAL, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”
Indicou como valor da causa o montante de € 814.227,87.
Na Petição Inicial identifica o acto impugnado da seguinte forma:
“Entretanto, surgiram as liquidações do IVA, com data limite de pagamento reportado a 30 de Setembro do corrente ano, quanto às liquidações de 2003 e 2004; e 30 de Novembro quanto às liquidações do ano de 2005. No quadro seguinte consta os valores distribuídos por períodos mensais:
(…)
A inspecção efectuada dirigiu-se sobretudo à análise da taxa de IVA aplicada quando em causa o comércio de “sementes” para alimentação de aves ou, simples misturas das diversas espécies de sementes.”
Seguidamente, alega o seguinte:
“Na prática quotidiana o contribuinte julgara seguir de perto o entendimento veiculado pela própria AF através do Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA respeitando as limitações aí consignadas, pelo menos a partir de 23 de Abril de 2005, liquidando IVA à taxa normal em se tratando de “misturas para canários”, “misturas para periquitos”, “misturas para caturras”, “misturas para pássaros exóticos”, independentemente da dimensão da embalagem pois, anteriormente, só em embalagens inferiores a 1 000 gramas, tal acontecia – conforme, aliás, atesta o respectivo relatório da inspecção tributária. Quanto ao mais, mormente as destinadas a “pombos” – que representa mais de 75% do volume de vendas - liquida à taxa reduzida.
(…)
DIREITO DE AUDIÇÃO – DENEGAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
(…)
Do mesmo modo – e com maior gravame - não se pronuncia sobre a Tributação comRecurso aos “mecanismos da presunção”. Diz o relatório da inspecção a pag. 20:
Para efeitos de cálculo da correcção que vai ser efectuada nos termos do IVA, uma vez que o contribuinte liquidou IVA a uma taxa inferior à devida em algumas das suas vendas, considerámos o montante das vendas por artigo, constantes nas listagens mensais denominadas “Análise de Vendas”. Ora, referindo-se a “algumas das suas vendas” retirado das “listagens mensais denominadas “Análise de vendas””, seria sempre útil, imperioso mesmo, a discriminação exaustiva dos respectivos documentos pois, o CIVA impõe, como regra, a liquidação do tributo em factura ou documento equivalente e passado na forma legal sendo que tal se apresenta como condição para o exercício do respectivo direito de dedução visto que o imposto é de repercussão obrigatória – artigo 16º do CIVA.
(…)
Para aqui concluir que a liquidação ( lactosensu ) enferma de vício de violação da lei – violação do nº 6 do artº 60º da LGT – que deverá conduzir o respectivo acto tributário à sua anulação. Solução essa que vem sendo dada, uma vez mais, pela própria jurisprudência - STA nº 047540 de 01-02-2007; STA- Nº 0496/06 de 06-12-2006 (…)
Noutra perspectiva: o Ofício-Circulado N.º 168 789-SIVA excepciona do CONSUMO as “aves canoras ou ornamentais”. Já a informação de Setembro de 2004, estende a excepção a “canários, periquitos, pombos e outras aves”. Depreende-se, desta última que, em se tratando de AVES, todo o consumo de sementes fica sujeito à taxa normal. E se o consumo se dirigir a “BATRÁQUIOS”, já se aplica a taxa reduzida? – Manifestamente, está-se perante uma interpretação extensiva do próprio ofício-circular o torna no mínimo bizarro que, perante um instrumento que visa o esclarecimento dos contribuintes em geral, o mesmo careça, elepróprio, de ser interpretada…
(…)
PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Em reunião de cerca de 50% dos comerciantes do país de “sementes”, face a sucessivas inspecções efectuadas ao sector específico, decidiram em conjunto apresentar uma petição versando o tema dirigida ao Director Geral dos Impostos e, simultaneamente, com conhecimento da Direcção de Finanças de Aveiro. Parece-nos, a bem da Justiça e, sobretudo, em atenção ao princípio da IGUALDADE que se deveria aguardar pela resposta ao peticionado, ao invés de prosseguir com a prolação definitiva do acto de liquidação colocando, os contribuintes fiscalizados em desvantagem relativamente aos que não o foram, ou ainda não o foram (beneficiando aqui, no mínimo, de um segmento de caducidade do imposto), em todo o caso, sempre uma desigualdade. Ao fim e ao resto, em causa estão aqui princípios mestres próprios da tributação como “Fins da tributação” de que fala o artigo 5º da LeiGeral Tributária bem como os próprios “Objectivos e limites da tributação” (nº 3 do artº 7º do mesmo diploma) pois, a todo um sector de actividade, adstrito ao comércio de sementes, é-lhe imposto um ónus insuportável pela imposição, de forma não legalmente prevista, da responsabilidade de controlar os destinos do produto quando tributado à taxa reduzida...
(…)
- Por fim – the last one but not the least – eis que “parece” admitir uma excepção: “Caso se trate de matérias-primas para alimentação animal, definidas pelo Decreto-Lei nº 161/2003, de 22 de Julho, como é o caso das sementes de girassol (Lista 2 do ponto 2.24 do referido Decreto-Lei), serão as mesmas passíveis da taxa reduzida de 5%, por enquadramento na lista 3.3 da Lista I ao CIVA” . Porquê “3.3” (Farinhas, resíduos e desperdícios da indústria alimentar e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais) e, especificamente, “sementes de girassol”, e já não “3.5”(Sementes, bolbos e alporques) !?. - É que em tal lista 2 figuram, entre outros, as próprias “sementes” (soja, algodão, linho, etc), e todos os bens aí mencionados (nas 12 listas e ainda assim de carácter “não exaustiva” e sem correspondência directa com as listas do CIVA) são consideradas “matérias-primas” definidas no artº 3º como segue:
“Matérias-primas para alimentação animal” os diversos produtos de origem vegetal ou animal, no seu estado natural, frescos ou conservados, bem como os produtos derivados da sua transformação industrial, e as substâncias orgânicas e inorgânicas, com ou sem aditivos, destinados a ser utilizados na alimentação animal, por via oral, quer directamente, sem transformação, na preparação de alimentos compostos para animais ou como suportes em pré-misturas”. Mas trata-se de um diploma legal que nada tem a ver directamente com problemática em questão na medida em que “Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 200/16/CE, do parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril, na parte em que altera a Directiva nº 96/25/CE, do Conselho, de 29 de Abril, relativa à circulação de matérias-primas para alimentação animal no interior da Comunidade” – Bold nosso. Assim, não sobejando razões para uma tal individualização, é caso para perguntar que “fetiche” está associado a “sementes de girassol”... !?
(…)
Continuámos a sustentar - segundo argumentos já abundantemente aduzidos - que as “sementes” são, desde a publicação do Decreto-Lei nº 122/88, de 20 de Abril, objecto de tributação à taxa reduzida de 5% qualquer que seja o destino dado ao produto, seja para sementeira; para consumo humano, consumo de animais em geral ou outro tipo de consumo; enquanto matéria-prima para a indústria, mormente a novel “indústria energética” ou mesmo utilizado como matéria-prima nos termos da redacção anterior”.
Como se constata do supra citado, a Impugnante pretendeu, na Impugnação Judicial nº 1170/10.3BEAVR a anulação da totalidade das liquidações de IVA que haviam sido emitidas na sequência de inspecção tributária. Tal afere-se não só pelo pedido e pelo valor indicado para a acção como pela causa de pedir, que integra vícios que afetariam a totalidade da liquidação. Portanto, o pedido deduzido na presente Impugnação, embora seja de anulação parcial das liquidações, tem de ser considerado igual ao pedido deduzido na primeira Impugnação, na qual foi pedida a anulação total das liquidações e não apenas, como parece querer fazer crer a Impugnante, apenas a parte das liquidações que respeitam a rações para aves canoras e ornamentais.
Acresce que também a causa de pedir das duas Impugnações é a mesma, não se podendo confundir a causa de pedir com os factos alegados em concreto.
Como refere Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2013, pág. 86: “todas as possíveis causas de invalidade de que padeça o acto impugnado integram a mesma causa de pedir, que se reporta ao acto impugnado na globalidade das causas de invalidade que contra ele possam ser deduzidas, sem que a identificação em juízo de qualquer delas envolva, por isso, uma ampliação do objecto do processo.
(…) E se o processo impugnatório vier a ser julgado improcedente, o caso julgado constitui um obstáculo de natureza substantiva a que o interessado volte a impugnar de novo o mesmo acto, ainda que porventura esteja em prazo para o fazer, invocando causas de invalidade que devia ter invocado mas não invocou da primeira vez.”
Em sentido não completamente coincidente, tem decidido a jurisprudência dos tribunais superiores, afirmando que “no que concerne a vícios imputados ao acto impugnado, a eficácia do caso julgado limita-se aos vícios que foram apreciados na decisão judicial, tanto os que determinaram a anulação, como os que foram julgados improcedentes …”.
Vejamos, no caso dos autos, o que foi decidido na sentença proferida neste Tribunal e no posterior Acórdão do STA:
“Porém, as aves a que se destinam tais misturas são canários, periquitos, aves exóticas, caturras, papagaios, pombos e rolas. Estas aves são ornamentais, de colecção e até de competição, mas não se destinam à alimentação humana.
Ora, não se destinando à alimentação humana, não se integram na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3, da lista I, anexa ao CIVA.
Assim, as sementes transformadas e comercializadas pela impugnante, que visam a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, o que implica que também este argumento há-de improceder.
Pelo exposto, improcede inteiramente a impugnação.”
Como se percebe pelo supra exposto, a sentença proferida na 1ª instância pronunciou-se sobre a possibilidade de ser aplicada a taxa reduzida de IVA prevista no ponto 3.3. da Lista I anexa ao CIVA, no sentido negativo, quanto a “canários, periquitos, aves exóticas, caturras, papagaios, pombos e rolas”.
E portanto, não tendo sido aquela sentença revogada em sede de recurso, a mesma tem força de caso julgado quanto à (não) aplicação da taxa reduzida de IVA na venda de misturas de sementes destinadas à alimentação de pombos, independentemente das questões apreciadas, em concreto, pelo STA.
Mesmo que assim não fosse, diga-se ainda que sendo esta uma Impugnação Judicial sequencial de um pedido de revisão oficiosa, que potencialmente concedeu à Impugnante prazo para, na sequência do indeferimento tácito, deduzir Impugnação, na mesma não poderia nunca a Impugnante modificar o acto a impugnar, em relação ao que havia pedido na revisão oficiosa. E o que se verifica no caso dos autos é que a Impugnante, em sede de revisão oficiosa, pediu a anulação das liquidações adicionais na sua totalidade e não a sua anulação parcial como fez na presente acção, só o fazendo a título subsidiário. Por último, diga-se que mesmo que se admitisse aqui a anulação parcial das liquidações, na senda da jurisprudência dos tribunais superiores, que a vem defendendo, quando seja possível aferir a divisibilidade das mesmas, as liquidações impugnadas não seriam cindíveis nos termos desejados pela Impugnante, que “estima” que o valor correspondente à alimentação de pombos seja de 75% do volume de negócios, mas tal divisibilidade não é possível de aferir do teor do relatório da inspecção tributária, quanto mais não seja, porque se deduziu no imposto devido a final, o valor isento de IVA relativo a transmissões intracomunitárias, cujo valor se desconhece se era referente a vendas de alimento para pombos ou para outras aves.
Não poderá, pois, deixar-se de concluir por outra hipótese que não seja a de que se verifica, nos presentes autos, caso julgado material quanto às liquidações impugnadas, com identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir, relativamente ao processo nº 1170/10.3BEAVR.
O caso julgado constitui uma excepção de conhecimento oficioso que obsta ao prosseguimento do processo e, nessa medida, determina a absolvição da entidade demandada da instância (artigo 89º, nº1, alínea i) do CPTA e artigos 278º, nº1, alínea e), 576º, nº 2, 577º, alínea i) e 578º do CPC, ex vi artº 2º, alínea c) e e) do CPPT), a que se procederá a final. (…)»

A Recorrente interpôs recurso desta decisão que, no âmbito de processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidações adicionais de IVA de 2003, 2004 e 2005 e juros compensatórios no montante de €610.668,65, julgou verificada a excepção de caso julgado material, por referência ao processo n.º 1171/10.3BEAVR.
Sustenta que esta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por não se mostrar impugnado no processo n.º 1171/10.3BEAVR a venda de sementes destinadas à alimentação de pombos, a que corresponde 75% do volume de vendas, mas antes a venda de sementes destinadas à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia, a que corresponde 25% do volume de vendas.

O caso julgado é um pressuposto processual de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça não só do mérito da causa como ainda dos restantes pressupostos processuais.
De acordo com o disposto no artigo 580.º do Código de Processo Civil (CPC), a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior. Razão por que o conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. E para se saber se existe ou não essa repetição, «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 581.º, mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 580.º, onde se afirma que a excepção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 302.).
Ora, o artigo 581.º do CPC, sob a epígrafe «Requisitos da litispendência e do caso julgado», estabelece, no seu n.º 1, que a causa se repete «quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», esclarecendo, no n.º 2, que «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», e no n.º 3, que «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», esclarecendo no n.º 4, que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.»
O que significa que o caso julgado só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em questão intervierem as mesmas partes sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter o mesmo efeito jurídico, e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.
No caso vertente, é fora de dúvida que os intervenientes nas duas impugnações são os mesmos sob o ponto de vista jurídico, o que, de resto, não vem questionado neste recurso. Contudo, como decorre da presente petição inicial, aqui é impugnado parcialmente o acto tributário de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de €610.668,65, na sequência de pedido de revisão, por se ter formado acto tácito de indeferimento sobre o mesmo. No processo n.º 1171/10.3BEAVR foi impugnado o acto tributário de liquidação adicional de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de €814.227,87 (IVA liquidado, incluindo juros compensatórios), na sequência de reclamação graciosa e recurso hierárquico, sobre o qual recaiu despacho de total improcedência. No entanto, nesta impugnação peticiona-se a anulação parcial das liquidações em causa, enquanto na impugnação n.º 1171/10.3BEAVR se peticiona a anulação da totalidade do imposto liquidado. Acresce que nopedido de revisão do acto tributário subjacente à presente impugnação, subsidiariamente, solicita-se a revisão do acto tributário no sentido de ser anulado o imposto adicionalmente liquidado, na parte correspondente às rações destinadas a pombos (75% do volume de negócios).
Os artigos 580.º e 581.º do novo CPC mantêm o mesmo conceito de caso julgado e os mesmos requisitos para ocorrência de repetição da causa, continuando a reportar-se ao momento da propositura da acção e não ao momento decisório. Nem podia ser de outro modo, pois o tribunal, no julgamento de facto e de direito, está sujeito às questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo as de conhecimento oficioso – cfr. artigo 608.º do CPC.
Ora, em rigor, não existe total identidade das causas, pois, parcialmente, as impugnações judiciais em crise partem de actos administrativos distintos, no que tange à fase graciosa prévia. Por outro lado, a presente impugnação tem por base precisamente o segmento decisório do Acórdão do STA, de 21/02/2014, proferido no recurso n.º 701/12-30, relativo ao processo n.º 1171/10.3BEAVR, vertendo-se nos presentes autos (que só foram deduzidos em 29/12/2014) que o STA terá decidido que só as rações destinadas a aves canoras e ornamentais são passíveis de taxação à taxa normal, pelo que deveria ser apurada a importância correspondente à venda de rações para pombos, que deveria ser anulada, ficando por pagar o imposto correspondente à diferença (adiantando, contudo, que o volume de vendas das rações para pombos corresponde a 75% do volume total de negócios) – daí a impugnação parcial dos actos de liquidação de IVA.
Ao lado da excepção do caso julgado, propriamente dita, costuma falar-se da figura da autoridade do caso julgado.
Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
Importa jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artigo 621.º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
A sentença proferida no âmbito do processo n.º 1171/10.3BEAVR pelo TAF de Aveiro decidiu expressamente “(…) as aves a que se destinam tais misturas são canários, periquitos, aves exóticas, caturras, papagaios, pombos e rolas. Estas aves são ornamentais, de colecção e até de competição, mas não se destinam à alimentação humana. Ora, não se destinando à alimentação humana, não se integram na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3, da lista I, anexa ao CIVA (…)”
Esta decisão foi sindicada pelo STA, tendo sido o respectivo recurso objecto de Acórdão em 19/02/2014, no âmbito do já referido recurso n.º 701/12-30, que negou provimento ao mesmo.
Não obstante este Acórdão do STA seguir de perto outro Acórdão do mesmo tribunal superior, de 16/11/2011, tirado no recurso n.º 526/11, o certo é que o STA afirma expressamente que a interpretação do ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA feita na decisão recorrida não merece qualquer censura e que se entende, do mesmo modo que o fez na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo, que as sementes comercializadas pela recorrente, que visam a alimentação de aves canoras e ornamentais, que não se destinam à alimentação humana, não beneficiam da tributação em IVA a taxa reduzida de 5%, por não se integrarem na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA, não ocorrendo qualquer dúvida sobre o facto tributário”.Concluindo, ainda, que a decisão recorrida deve, por isso, ser confirmada.
Não residem dúvidas que o tribunal “a quo” considerou os pombos e o STA refere-se genericamente às sementes comercializadas pela recorrente (todas). Permitir a pronúncia sobre o peticionado nos presentes autos significaria sempre decidir sobre os mesmos actos de liquidação, quanto a uma parte que já se mostrava julgada em acção anterior, ou seja, o objecto do processo n.º 1171/10.3BEAVR insere-se no objecto da presente impugnação judicial. Logo, a permitir-se a apreciação da presente acção poderia colocar-se em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais, dado que existe o risco de a decisão que vier a ser proferida poder dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto (ainda que parcial) da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes - vide também os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, o acórdão deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG.
Relativamente à conduta processual das partes, verificada a totalidade da tramitação dos autos, observa-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido.
Quanto à complexidade do caso, importa pois, à míngua de critérios constantes no RCP, objectivar o grau de complexidade dos autos recorrendo, desde logo, aos critérios indiciários constantes do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe considerarem-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Ora, considerando que os presentes autos terminaram somente com uma decisão de absolvição da instância, por verificação de excepção que obstou à prossecução dos mesmos para conhecimento do objecto da causa, existem condições para considerar a acção de menor complexidade.
Não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP; tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça, na medida em que a situação concreta se nos afigura de complexidade inferior à comum, apesar de a conduta processual das partes se ter limitado ao que lhes é exigível e legalmente devido.

Conclusões/Sumário

I - De acordo com o disposto no artigo 580.º do Código de Processo Civil (CPC), a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, estando a primeira causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão anterior.
II - O conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. E para se saber se existe ou não essa repetição, «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 581.º, mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 580.º, onde se afirma que a excepção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
III - Os artigos 580.º e 581.º do novo CPC mantêm o mesmo conceito de caso julgado e os mesmos requisitos para ocorrência de repetição da causa, continuando a reportar-se ao momento da propositura da acção e não ao momento decisório. Nem podia ser de outro modo, pois o tribunal, no julgamento de facto e de direito, está sujeito às questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo as de conhecimento oficioso – cfr. artigo 608.º do CPC.
IV - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
V - Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, com dispensa no processo do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
Porto, 29 de Setembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo