Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01663/13.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS DO ESTADO; REVOGAÇÃO DE ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS;
ARTIGO 40º DO DECRETO-LEI N.º155/92, DE 28.7; ARTIGO 141º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:1. O disposto no n° 1 o artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07, não é incompatível com o disposto no artigo 141° do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro.

2. Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado, nos termos do disposto no n° 1 o artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07.

3. Assim, como se compreende a restituição, a todo o tempo, ou no decurso de 5 anos após a declaração de nulidade, pois esta sanção só surge nos actos administrativos cuja validade é afectada de forma mais grave, nos termos do disposto no artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo.

4. Já se o acto administrativo que reconheceu o direito de um funcionário ou particular a receber do Estado uma determinada importância está afectado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar actos ao abrigo do disposto no artigo 28º, nº1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

5. Está aqui em jogo, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos actos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto), logrando-se o equilíbrio destes interesses na interpretação supra.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Educação e Ciência.
Recorrido 1:ECPB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério da Educação e Ciência veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 05.04.2016, que julgou procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, anulou o despacho proferido em 23 de Abril de 2013 pelo Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares que ordenou a reposição nos cofres do Estado das quantias recebidas pela Autora ECPB, a título de remuneração pelo índice 340.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto nas disposições dos artigos 3.º, 6.º, do Código de Procedimento Administrativo, bem como do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07 e que se lhe aplica o Código de Procedimento Administrativo de 2015.

A Autora contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- Com a presente acção pretende a Autora a impugnação da decisão proferida pelo Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares de 23.04.2013 que ordenou a “reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas…”.

2- Resulta assente nos autos que a Autora – aqui Recorrida – no momento da alteração do posicionamento remuneratório não cumpria o requisito “tempo de serviço” imposto pela lei, pelo que ocorreu um reposicionamento indevido.

3- O que está em causa é apurar se o acto impugnado pode ou não determinar a reposição das quantias auferidas, que excederam o montante devido, por força da mencionada progressão indevida.

4- A obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado imposta pelo artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28/07, não contende com o regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo então vigente, pelo que nessa medida não se mostra violado o disposto nesse preceito legal.

5- Com efeito, conforme se entendeu no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.06.2008, proferido no processo nº 01212/06, o alcance do nº 3 daquele preceito é o de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescrever 5 anos após o seu recebimento “não é prejudicada ou condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no artigo 141º do CPA [então vigente].

6- Entendimento reforçado pelo Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.01.2009, veio rectificar o Acórdão supra referido, uniformizando jurisprudência nos seguintes termos: «O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro de cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do CPA, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (…)»

7- A decisão recorrida fez um errado enquadramento da situação em análise, subsumindo o acto impugnado – que determinou a reposição de verbas – a um acto que não foi proferido, ou seja, a uma recolocação da recorrida num escalão remuneratório inferior ao que anteriormente lhe havia sido fixado.

8- O novo Código de Procedimento Administrativo denota uma preocupação em possibilitar a retirada do ordenamento de actos eivados de ilegalidades, permitindo assegurar o efectivo cumprimento e satisfação do interesse público.

9- A decisão recorrida fez errada interpretação do estabelecido nos artigos 3º, 6º e 141º do Código de Procedimento Administrativo, bem como do previsto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07.


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II – Matéria de facto.

São os seguintes os factos provados:

1. A Autora é docente profissionalizada e habilitada com a Licenciatura em ensino Português/Inglês (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial; acordo).

2. A Autora é professora do quadro do Conservatório de Música CG em Braga (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial; acordo).

3. Em Julho de 2010, a Autora progrediu do índice remuneratório 299 para o índice remuneratório 340 (9º escalão) (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial; acordo).

4. Por despacho de 26 de Fevereiro de 2012 do Director Regional de Educação do Norte, foi determinada a instauração de processo de inquérito ao Conservatório de Música CG em Braga (cfr. documento nº 3 e 4 junto com petição inicial).

5. Em 26 de Outubro de 2012, a instrutora nomeada para o processo de inquérito e laborou um “Relatório”, do qual se transcreve parte que aqui releva:

“(…)

7.5. ANO DE 2010 com efeitos remuneratórios em 2010: docentes que progrediram irregularmente.

7.5.1. Dos onze docentes que progrediram em 2010, com efeitos remuneratórios em 1010, existem dois docentes que não cumprem os requisitos referentes à “avaliação do desempenho” e um docente que não cumpre o requisito referente ao “tempo de serviço” a saber:

7.5.1.1. ECPB (professora, do Grupo de Recrutamento 330 (Inglês).

a) Em 01.07.2010, a docente ECPB (professora, do Grupo de Recrutamento 330 (Inglês), progrediu do índice remuneratório 299 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-Lei nº 312/99, de 10 de agosto), para o índice remuneratório 340 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-lei nº 75/2010, de 23 de junho), contrariando o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, sendo que em 1 de julho de 2010 a docente apenas possuía 4 anos e 151 dias, pelo que o ato de progressão para o referido índice é ilegal (fls. 105, 117 a 119, 141 a 147, 330 a 350, 704 a 708).

b) Em 01/07/2010, a docente ainda não tinha tempo de serviço necessário para poder progredir.

c) Esta docente apenas perfazia 6 anos no índice 299 em 31-01-2012, já pelo Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho (fls. 616 a 618).

d) No entanto, nessa data já se aplicava à docente o nº 1 do artigo 24º da Lei nº 55 –A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011), diploma que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2011 e que “veda a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos cargos e demais pessoal identificado no nº 9 do artigo 19”, pelo que a docente deveria manter-se no índice 299.

(…)

9.1.4. ANO DE 2010, com efeitos remuneratórios em 2010: docentes que progrediram irregularmente.

9.1.4.1. ECPB (professora, do Grupo de Recrutamento 330 (Inglês).

9.1.4.1.1. A docente ECPB progrediu, em julho de 2010, com efeitos remuneratórios a 01.07.2010, do índice remuneratório 299 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-Lei nº 312/99, de 10 de Agosto), para o índice remuneratório 320 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho).

9.1.4.1.2. A docente ECPB auferiu com efeitos remuneratórios a 01.07.2010, até à presente data, pelo índice remuneratório 340 (3.091,82€) da estrutura do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, quando deveria ter auferido pelo índice remuneratório 299 (2.718,99€) (Cfr. Quadro 37).

9.1.4.1.3. Em dezembro de 2010, o decente recebeu pelo novo índice, acrescido dos retroactivos num total de 4.955,97€, referentes aos meses de julho a novembro de 2010.

9.1.4.1.4. A docente ECPB apenas perfazia 6 anos no índice 299 em 31-01-2012, já pelo Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho.

9.1.4.1.5. No entanto nessa data já se aplicava à docente o nº 1 do artigo 24º da Lei nº 55- A/2010, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2011), diploma que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011 e que “veda a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos cargos e demais pessoal identificado no nº 9 do artigo 19”, pelo que a docente deveria manter-se no índice 299.

9.1.4.1.6. A diferença ente a remuneração total auferida pela docente ECPB e aquela que deveria auferir, entre o mês de julho de 2010 e o mês de setembro de 2012, ascende a 9.872,56€, com a aplicação da taxa de redução remuneratória verificada a partir de 2011 e prevista no artigo 19º, da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ou de 11.184,90€, sem aplicação da referida taxa.

(…)

Tendo em conta a prova produzida, relativamente aos factos que constituem o âmbito deste processo de inquérito, conclui-se o seguinte:

(…)

1.6.1. Em 01.07.2010, a docente ECPB (professora, do Grupo de Recrutamento 330 (Inglês), progrediu do índice remuneratório 299 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-Lei nº 312/99, de 10 de agosto), para o índice remuneratório 340 (Escalão 9º da estrutura do Decreto-lei nº 75/2010, de 23 de junho), com efeitos remuneratórios a 01.12.20110, sem preencher o requisito do tempo de serviço necessário, contrariando o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23 de junho, sendo que em 1 de julho de 2010 a docente apenas possuía 4 anos e 151 dias, pelo que o ato de progressão para o referido índice é ilegal.

1.6.2. Em consequência, esta docente auferiu pelo índice 340 (3.091,82€), a partir de 1/07/2010 e até à presente data, quando deveria ter auferido pelo índice 299 (2.718,99€).

1.6.3. A diferença entre a remuneração total auferida pela docente ECPB e aquela que ela deveria auferir, entre o mês de julho de 2010 e o mês de setembro de 2012, ascende a 9.872,56€, com a aplicação da taxa de redução remuneratória verificada a partir de 2011 e prevista no artigo 19º, da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ou de 11.184,90€, sem a aplicação da referida taxa (…)”

(cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial).

6. A Autora foi notificada do teor deste Relatório, bem como para se pronunciar sobre o mesmo, através ofício com a referência CSAE.2013.010/7.1.1.4 (Cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial).

7. A Autora apresentou resposta dirigida à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, recepcionada em 28.01.2013 (Cfr. documento nº 5 junto com petição inicial).

8. Em 4 de Abril de 2013, por técnica superior da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares foi subscrita “Informação-proposta” sob o assunto “Processo de inquérito n.º 1006/012/RN/12. Conservatório de Música CG. N/Proc. 12/125/GJ/EM”, no sentido que da “(…) reposição nos cofres do estado das quantias indevidamente recebidas e a receber pelos docentes (…)ECPB, do grupo de recrutamento 330 (Inglês) (…) na sequência do último reposicionamento na carreira docente de cada um deles, dentro dos cinco anos posteriores à data dos efeitos do seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, atento o disposto no seu n.º 3, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55- B/2004, de 30 de Dezembro, conforme uniformização da jurisprudência, acordada em conferência, no Pleno da 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão STA n.º 4/2009 -Processo n.º 1212/06” (Cfr. documento nº 1 junto com a petição).

9. Em 23 de Abril de 2013, o Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares proferiu despacho de concordância com o teor da informação acabada de referir (Cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial).

10. A Autora recorreu desta decisão para o Ministro da Educação e Ciência (Cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial).

11. A presente acção administrativa especial deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal através de email remetido em 15.10.2013 (Cfr. página electrónica 1).


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III - Enquadramento jurídico.

O prazo prescricional de cinco anos, estabelecido do art.º 40º do Decreto-Lei n.º155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos.

Como se defendeu nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.11.1998 (Pleno), recurso n.º 41.173, de 11.3.1999, recurso n.º 37.914, de 5.7.2005, recurso n.º 159/04, e de 23.5.2006, recurso n.º 01024/04: e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.3.2005, recurso n.º 00541/05, e de 11.5.2006, no recurso n.º 11946/03).

E não se diga que com este entendimento se esvazia de sentido útil o disposto no nº 3 do artigo 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho:

“ (…)

1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.

2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

3- O disposto no n° 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro ".

Está aqui em jogo, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos actos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto).

Ora o equilíbrio entre esses interesses consegue-se plenamente com a interpretação sufragada pelos Tribunais Superiores Administrativos em recentes acórdãos e com a qual se concorda inteiramente.

Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado.

Assim, como se compreende a restituição, a todo o tempo, ou no decurso de 5 anos após a declaração de nulidade, pois esta sanção só surge nos actos administrativos cuja validade é afectada de forma mais grave.

Já se o acto administrativo que reconheceu o direito de um funcionário ou particular a receber do Estado uma determinada importância está afectado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar actos ao abrigo do disposto no art.º 28º, nº1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como se decidiu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2006, no processo n.º 04933/00.

Posição que se desenvolveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.12.2013, processo n.º 09849/13):

“De facto, a decisão do R (anulada pela sentença por vícios formais) de exigir a reposição de verbas remuneratórias por parte dos AA resultou expressamente de o R ter mudado o seu entendimento jurídico sobre o concreto direito dos AA àquelas verbas/subsídios/compensações. Como vimos, não se tratou de corrigir um lapso ou erro meramente contabilístico ou material no ou do processamento dos pagamentos; nesse caso, não há acto constitutivo de direitos (vd. art. 140º/2 CPA(7); Ac.STA de 12.7.09, P. nº 139/07; Ac.STA de 5.7.05, P. nº 159/04).

Como é há muito pacífico para o STA, constitui acto administrativo revogatório de actos (constitutivos de direitos ou de interesses legítimos) de concessão e processamento de abonos o envio ao interessado de ordem de reposição de quantias recebidas anteriormente (vd. art. 140º CPA; Ac.STA de 17.3.2010, P. nº 413/09).

Lembremo-nos que esta natureza de acto administrativo atribuída pela quase totalidade da jurisprudência e da doutrina portuguesas ao acto de processamento de vencimentos também pode prejudicar o servidor público, atento o prazo de caducidade do direito de impugnar actos anuláveis.

É verdade que o despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro. Esta doutrina, como se sabe, surgiu por causa das subvenções ou apoios financeiros europeus, sujeitos a controlo posterior (cf. RAVI PEREIRA, O D. Comunitário posto ao serviço…, in BFDUC, 2005, esp. a pp. 702 ss; CARLA A. GOMES/R.LANCEIRO, A revogação…, in RMP 132, 2012, p. 46). Não surgiu por causa do processamento de vencimentos.

Tem-se, aliás, ampliado incorrectamente nalguma jurisprudência o alcance do cit. nº 3 do art. 40º cit. e do Ac. de U.J. do STA de 22-1-2009, P. nº 1212/06 (v. ainda o Ac.STA de 20-6-2008, no mesmo processo), às vezes até contrapondo o impossível, como por exemplo o princípio da justiça ao da tutela da confiança.

O que, efectivamente, resulta do art. 40º do DL 155/92 é que o art. 141º do CPA (“anulação administrativa”) não se aplica no caso de haver obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, a qual prescreve decorridos cinco anos após o recebimento das quantias. No mais, aplica-se, i.a., o art. 140º do CPA; afinal, o processamento de vencimentos e abonos aos servidores públicos é, para o STA e o TCAS, um acto administrativo que não depende de um controlo posterior.

E, por isto mesmo (vd. art. 140º/2/a) do CPA), o regime dos arts. 36º ss do DL 155/92, maxime o art. 40º, refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se o abono pago era ou não devido, tendo o mesmo sido pago pelo Estado na convicção então havida da sua correcção legal.

Caso contrário, estaria a violar-se o art. 140º do CPA, a segurança jurídica e a tutela da confiança dos particulares (cf. MARIO AROSO, Teoria Geral do D.A. …, pp. 282 ss; FILIPA CALVÃO, Revogação..., in CJA 54, pp. 36-37, e Os actos de concessão de pensões como actos administrativos verificativos ou declarativos com efeitos constitutivos …, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 3, 2005, pp. 229-230), num caso em que não faz sentido falar em o Estado indemnizar os interessados que reporiam as quantias (vd. ainda FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 479 ss e 486). Só não será assim, logicamente, nos casos em que a lei preveja o controlo posterior do direito ao pagamento das quantias.

Neste sentido vai, aliás, o projecto de 2013 de revisão do CPA (cf. ROBIN DE ANDRADE, O regime da revogação…, in CJA 100, pp. 75-77; ANDRE SALGADO DE MATOS, A invalidade do acto administrativo…, in CJA 100, pp. 68-69; VIEIRA DE ANDRADE, Lições…, 2ª ed., pp. 187 ss, e A “revisão” dos actos administrativos…, in Legislação-Cad.C.Leg., nº 9/10, 1994, nº 1.3, 3, 3.1 e 4.1).

Note-se que, mesmo quando o pagamento dos abonos tenha sido um erro de direito do Estado a que o destinatário é alheio (que não conferirá um direito subjectivo), fora das situações em que a lei preveja o controlo posterior da legitimidade jurídica do direito ao pagamento, há aí um acto constitutivo de um interesse legalmente protegido (do servidor público, aqui), interesse tutelado pelos arts. 6º-A e 140º/2/a) do CPA (cf. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 482-483; FILIPA CALVÃO, Os actos de concessão de pensões como actos administrativos verificativos ou declarativos com efeitos constitutivos …, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 3, 2005, pp. 229-230; CARLA A. GOMES/R.L., A revogação…, in RMP 132, 2012, pp. 26-29); também num caso em que não faz sentido falar em o Estado indemnizar os interessados que reporiam as quantias.

Pensemos, aliás, na redacção expressa do art. 48º/2 do C.P.A. alemão (VwVfG), que não temos entre nós (naturalmente, pois, ao contrário da Alemanha, o nosso regime regra é a anulabilidade e não a nulidade): «Em regra, a confiança é digna de protecção se o beneficiá­rio consumiu as prestações concedidas ou se delas celebrou um negócio dispositivo, negócio que já não pode anular ou apenas o pode fazer em condições demasiado gravosas». Normalmente, como nos diz o senso comum e as regras da experiência, é isto que ocorre nos casos de vida decorrentes do processamento de vencimentos, como o presente. Sobretudo em países como o nosso, em que as remunerações no sector público não são elevadas.

Pelo que, com motivo em erro de direito do Estado pagador ora réu (caso em que prevalece o art. 140º do CPA sobre os arts. 36º ss do DL 155/92), o réu não pode revogar os actos (administrativos) anteriores de processamento de vencimentos, ordenando a reposição das quantias antes pagas aos AA, que as receberam de boa-fé. A não ser, claro, que fossem actos nulos (cf. art. 133º do CPA) e sem prejuízo, note-se, do nº 3 do art. 134º do CPA.”

E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 25.09.2014, no processo 874/08.7 BEVIS:

“O DL nº 155/92, de 28/07, estabelece o «Regime de administração financeira do Estado», no desenvolvimento da «Lei de Bases da contabilidade pública» constante da Lei nº 8/90, de 20/02.

Estabeleceu-se então como novo paradigma a regra de competência dos dirigentes dos serviços e organismos, no âmbito da gestão corrente, para, com carácter definitivo e executório, praticarem os actos necessários à autorização de despesas (controlada a conformidade legal, regularidade financeira, e economia, eficiência e eficácia) seu pagamento (art.º 2º, nº 1, e art.º 3º das referidas Leis e DL).

Ficando a autorização de despesas sujeita à verificação dos seguintes requisitos: a) Conformidade legal; b) Regularidade financeira; c) Economia, eficiência e eficácia (art.º 22º, nº 1, do cit. DL).

Por conformidade legal entende-se a prévia existência de lei que autorize a despesa, dependendo a regularidade financeira da inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa (art.º 22º, nº2, do cit. DL) [nº 3 - Na autorização de despesas ter-se-á em vista a obtenção do máximo rendimento com o mínimo de dispêndio, tendo em conta a utilidade e prioridade da despesa e o acréscimo de produtividade daí decorrente.]

Ao ter tais actos como definitivos e executórios, a lei dotou-os de aptidão ao alcance e protecção de caso resolvido.

(Posto que se revistam de características próprias, tenham natureza capaz.)

É orientação jurisprudencial consolidada que os actos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros actos administrativos, e não meras operações materiais, susceptíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objecto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr., por todos, os Acórdãos do STA, de 10 de Abril de 2008, Pleno, recurso n.º 544/2006; de 19 de Dezembro de 2007, recurso n.º 899/07; de 28 de Novembro de 2007, recurso n.º 414/0; de 6 de Dezembro de 2005, Pleno recurso n.º 672/05; de 4 de Novembro de 2003, recurso n.º 48 050; de 3 de Dezembro de 2002, recurso n.º 42/02; de 19 de Março de 2002, recurso n.º 48065; de 7 de Março de 2002, recurso n.º 48 338; de 26 de Fevereiro de 2002, recurso n.º 48 281).

Assim, e na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, é que tais actos podem ser vistos como verdadeiros actos administrativos.

Necessário é que “o acto em causa se traduza numa decisão voluntária e unilateral da Administração, e não numa pura omissão definidora de uma situação concreta” – Ac. do TCAN, de 18/06/2009, proc. nº 01260/07.1BEPRT].

Logo, mesmo que ilegais, sob limite imposto pelo art.º 141º do CPTA para uma revogação anulatória.

O nº 3 inovatoriamente introduzido no art.º 40º sobre o qual discorremos foi expressamente consagrado como tendo natureza interpretativa (art.º 77º do OE 2005).

O próprio legislador veio, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.

Recordando uma vez mais Karl Larenz, “(…) o sentido de cada proposição jurídica só se infere, as mais da vezes, quando se a considera como parte da regulação a que pertence (…) o contexto significativo da lei desempenha, ainda, um amplo papel em ordem à sua interpretação, ao poder admitir-se uma concordância objectiva entre as disposições legais singulares (…) que possibilita a garantia de concordância material com outra disposição” (in ob. cit. pág. 391).

Da conjugação normativa que resulta do art.º 40º, nº 3, para o nº 1 do mesmo artigo que tem em consideração, resulta que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, não sendo esta previsão prejudicada pelo art.º 141º do CPA.

Assim subtraindo a estabilidade de tais actos ao geral prazo de revogação anulatória (estabelecido no art.º 141º do CPA).

Não diz a lei quando haja tal obrigatoriedade.

Mas infere-se da inserção em que decorre e da economia do diploma que ela é suposta em função da violação das regras que regem o regime de administração financeira que aí presidem. Dito de outra forma, e à luz das considerações doutrinais supra, o alcance que daqui emana é confinado à violação de tais regras, mormente em consideração do que seja de entender por conformidade legal e por regularidade financeira, em que a obrigação de reposição por sua violação não fica dependente do prazo para revogação anulatória consignado no art.º 141º do CPA.

No mais não atinge a condição estatutária.

Essa, e no que não seja o campo operativo de aplicação da norma de reposição prevista no art.º 40º, nºs 1 e 3, do DL nº 155/92, de 28/07, escapa aos pressupostos da sua tutela e, assim, permanece incólume à sua aplicação.

Assim, o autor, pese a ilegalidade que em hipótese se pudesse apontar à sua progressão – no caso, a que o recorrente imputa -, tem beneplácito de protecção do art.º 141º do CPA, e do princípio de segurança jurídica que o enforma. Ultrapassado o momento em que a Administração podia ainda usar do seu poder revogatório e deixou de o fazer - como é o caso -, a relação administrativa estabilizou-se e assumiu o seu desenho tendencialmente definitivo, devendo por isso ficar resguardado da interferência modificativa de alguma das partes. Ou seja, independentemente da legalidade/ilegalidade da progressão do recorrido para o 6º escalão, sendo certo que eventual desvalor mais se não reduziria que à consequência da anulabilidade, estabilizada essa progressão na ordem jurídica, não mais cabendo revogação por força do limite temporal estabelecido no art.º 141º do CPA, haveria ele de ver processado vencimento ancorado em tal posição estatutária, não estando em conformidade legal a actuação administrativa que revogou e condenou à reposição de quantias.”

Posição mantida no acórdão de 20.11.2014, no processo n.º 636/09.4 AVR e que aqui se reitera.

“O disposto no n° 1 (do art.º 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.6) não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro”, nesta interpretação que reputamos correcta, dado que o campo de aplicação de cada um dos preceitos é distinto.

No caso concreto, o acto impugnado, de 30.05.2013, que ordenou a “reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas” no pressuposto, declarado, de a Autora, ora Recorrida, dever estar posicionada no índice remuneratório 299 (facto provado sob o nº 5, ponto 9.1.4.1.5, constitui acto revogatório do acto que posicionou o autor, a partir de 01.07.2010, no índice 340 (facto provado sob o nº 5 ponto 9.1.4.1.1.).

Acto revogatório que foi praticado para além do prazo de um ano estabelecido no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo de 1991.

Sendo certo que não se aplica ao caso o disposto no artigo n° 1 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.6, a permitir a ordem de reposição no prazo de 5 anos, pois as quantias pagas à Autora pelo índice 340 não foram indevidamente recebidas mas antes recebidas devidamente, face à colocação da Autora, ora recorrida, à data, no índice 340, por acto agora insusceptível de revogação.

Cumpre determinar se o novo Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 07.01, em vigor a partir de 08.04.2015, de acordo com o teor do seu artigo 9º, se aplica ao acto administrativo em apreciação nos autos.

Determina o artigo 8º nº 1 do mesmo Decreto-Lei que o disposto nas partes I e II, no capítulo III e na parte IV do Código se aplica aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo as restantes disposições do Código aplicáveis apenas aos procedimentos administrativos que se iniciem após a entrada em vigor do presente decreto-lei.

O acto administrativo em apreciação nos autos é um acto de revogação de anterior acto administrativo.

A revogação de acto administrativo está prevista na parte IV do Código, pelo que o Código se lhe aplica se considerarmos estarmos perante procedimento administrativo em curso e não se lhe aplica se o procedimento administrativo já está extinto, na data em o novo Código entra em vigor – 08.04.2015.

Determina o artigo 106º do Código de Procedimento Administrativo de 1991 e o artigo 93º do Código de Procedimento Administrativo de 2015, que o procedimento extingue-se pela tomada da decisão final.

A decisão final em apreciação, revogação de acto administrativo, foi notificada à Autora em 2013, pelo que quando entrou em vigor o Código de Procedimento Administrativo de 2015, 08.04.2015, já o procedimento administrativo se encontrava extinto.

Assim sendo, não se lhe aplica o Código de Procedimento Administrativo de 2015, mas sim o Código de Procedimento Administrativo de 1991.

Pelo que, com o fundamento de que se aplica ao caso em apreciação o novo Código de Procedimento Administrativo invocado pelo recorrente, também não merece provimento o presente recurso.

Termos em que se impõe julgar improcedente o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas do recurso jurisdicional pelo recorrente.

Porto, 30.11.2016

Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro