Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02985/15.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA. EVIDÊNCIA.
Sumário:I) – Se, ao invés do sustentado, a pretensão cautelar de suspensão de eficácia não recolhe favor do critério de evidência plasmado no art.º 120º, nº 1, a), do CPTA, então nele não pode assentar o deferimento.
Recorrente:JFMMA e Outr(s)...
Recorrido 1:Município de Fafe
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer de não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte Secção do Contencioso Administrativo:
JFMMA e esposa IOCMA (Rua…), interpõem recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou improcedente providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo interposta contra Município de Fafe (Av.ª…), tendo por objecto despacho de 19.06.2015 do vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo da Câmara Municipal de Fafe, pelo qual foi ordenado o embargo imediato da obra de construção de um muro de suporte.
Concluem os recorrentes:
1º- Os aqui recorrentes intentaram o presente procedimento cautelar para suspensão de eficácia do despacho proferido em 19/06/2015 [de embargo das obras de muro de suporte no interior do seu identificado prédio, sem comunicação prévia], contra a requerida, invocando, além do mais, que no caso se mostrava verificado o pressuposto consagrado no artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, porquanto se afigura manifesta a ilegalidade do ato sindicado e evidente a procedência da pretensão dos autos.

2º- Com efeito, no entender dos recorrentes aquele despacho que determina o embargo incorre nos vícios de violação de lei, porquanto a operação urbanística levada a cabo pelos recorrentes não está sujeita a comunicação prévia ao município; falta da audiência dos interessados; falta de fundamentação; e violação dos princípios da boa fé e da confiança jurídica.

3º- Para o efeito, alegam em síntese, que são proprietários de um prédio no interior do qual sempre existiu um muro de pedra, de suporte de terras, que por falta de manutenção ameaçava ruir, pondo em causa a segurança das pessoas e bens; que resolveram reconstruir o muro, com o comprimento de cerca de 15 metros por cerca de dois metros de altura; que iniciaram os trabalhos sem qualquer comunicação à entidade requerida; e que em 19 de Julho d e 2015 a obra foi embargada por falta de comunicação prévia, tendo suspendido os trabalhos.

4º- Consideram, portanto, que a obra em causa não estava sujeita a comunicação prévia e pugnam pela ilegalidade do Ato, por violação do disposto nos artigos 4º, nº 1, 6º, al. c) e 6º-A, nº 1 al. b) RJUE.

5º- Por mera cautela, para a eventualidade de se entender que o caso não tinha enquadramento na al. a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA, alegaram os recorrentes ter-se por verificado o fumus menos exigente estabelecido na alínea b) do mesmo preceito legal para a tutela conservatória, designadamente o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os recorrentes visavam assegurar no processo principal e não era manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nesse processo.

6º- Produzida a prova e subsumindo os factos ao direito, entendeu o Tribunal julgar improcedente o pedido formulado na presente ação e, em consequência, recusar a adoção da providência requerida.

7º- Para decidir como decidiu, a douta sentença proferida refere, por um lado, que se mostra afastada a submissão do caso em análise ao critério excepcional previsto na al. a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA, uma vez que considera que “Para que a providência pudesse ser deferida, ao abrigo da alínea a), a pretensão dos requerentes teria de estar suportada numa ilegalidade patente da actuação administrativa. Uma ilegalidade tal que, mesmo numa sumaria cognitio, se revelasse indiscutível a viabilidade total da pretensão formulada”, o que não é o caso em apreço;

8º- Por outro lado, recorrendo ao regime regra para averiguar da ocorrência dos três requisitos cumulativos para o decretamento da providência, considera o Tribunal que os requerentes não lograram demonstrar o alegado, o que dispensa o tribunal de qualquer juízo acerca da situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação.

9º- Ora, no modesto entender dos recorrentes, o Tribunal errou na apreciação que fez sobre a questão apresentada e fez errado julgamento de direito já que no caso não têm aplicação as disposições do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município, por contrariar o RJUE.

Vejamos:

10º- A razão de ser do presente procedimento prende-se com o embargo que determinou a suspensão dos trabalhos de reconstrução de um muro de suporte de terras, no interior do prédio dos requerentes, por falta de comunicação prévia ao Município.

11º- Segundo os recorrentes, a mencionada obra – de escassa relevância urbanística - face ao RJUE, concretamente ao preceituado nos artigos 4º, nº 1, 6º, al. c) e 6º-A, nº 1 al. b), em vigor à data dos factos, não esta sujeita a comunicação prévia.

12º- Na oposição oportunamente deduzida, a recorrida aceita que se trata de uma obra de escassa relevância urbanística. Contudo, considera que em face do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município, a obra está sujeita a comunicação prévia.

13º- Perante esta diferente interpretação, analisando o parecer do Digno Magistrado do Ministério Publico junto aos autos principais, o Tribunal recorrido considera que se mostra afastada a submissão do caso em análise ao critério excepcional previsto na al. a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA, ou seja, considera que a pretensão dos requerentes não se mostra suportada numa ilegalidade patente da atuação administrativa.

14º- Ora, aqui reside a primeira das razões de discordância dos recorrentes com a douta sentença proferida.

Com efeito,

15º- O Tribunal a quo desconsiderou o facto de o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de Fafe, ter sido aprovado antes da entrada em vigor das alterações ao RJEU.

Assim,

16º- De acordo com o douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Publico, que a sentença recorrida acolheu, justifica-se que a “ a edificação de muros de suporte de terras com 2m de altura, não obstante ser qualificada como obra de escassa relevância urbanística, não está isenta de controlo municipal porquanto o artº 15, nº 6 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de Fafe (publicado no DR de 29/10/2010 – II série) não dispensa a comunicação prévia à Camara Municipal das obras e escassa relevância urbanística descritas nesse artigo e no artigo 6º-A do RJUE”.

17º- Porém, nem o Digno Magistrado do Ministério Publico nem o Tribunal recorrido tiveram em atenção que o Regulamento Municipal das Edificações e Urbanização do Município de Fafe foi aprovado em reunião de Camara de 18 de Fevereiro de 2010 e publicado no DR de 29/10/2010 – II série, isto é, em momento anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de Março e Lei 28/2010, de 2 de setembro, que introduziram, nomeadamente alterações no sentido de aprofundar o processo de simplificação dos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas.

18º- Entretanto, o Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, que procedeu à décima terceira alteração do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, RJUE, procurou “obter o necessário equilíbrio entre a diminuição da intensidade do controlo prévio e o aumento da responsabilidade do particular, adotando um novo padrão de controlo prévio das atividades, assente no princípio da confiança nos intervenientes e limitando as situações que devem ser objeto de análise e controlo pela Administração”.

Assim,

19º- Por via das alterações introduzidas ao mencionado Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, RJUE, alguns dos conceitos e preceitos constantes do Regulamento Municipal da Edificação e da Urbanização do Município de Fafe careciam de ser revistos ou atualizados à luz da legislação em vigor e não foram.

20º- Admite-se que os municípios têm competência para aprovação de regulamentos com eficácia externa, dispondo as autarquias de poder regulamentar próprio nos limites das leis que visam regulamentar.

21º- Contudo, como se ensina no Manual de Direito Administrativo do Prof. Marcello Caetano, a propósito do instituto do regulamento, “(...) o Direito criado pelo regulamento não possui o mesmo valor do estatuído por lei . E assim:

d) O regulamento estatui na medida em que a lei lho consinta – dentro dos limites por ela marcados, ou por execução das suas normas, ou sobre as matérias por ela abandonadas;

e) Os regulamentos existentes ficam revogados pelo aparecimento de uma lei que estatua contrariamente às suas disposições; e

f) O regulamento não vale em tudo o que contrariar o disposto na lei que executa, ou a cuja sombra nasce.”

22º- No caso em apreço, como se deixou dito, o Regulamento Municipal da Edificação e da Urbanização do Município de Fafe, foi aprovado em Reunião de Camara de 18 de Fevereiro de 2010 e publicado no DR de 29/10/2010 – II série, isto é, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de Março e do Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro.

23º- Vale isto por dizer que o Regulamento Municipal da Edificação e da Urbanização do Município de Fafe, além de não ter sido revisto e atualizado à luz da legislação em vigor, não podia nem pode dispor para além dos limites da lei, contrariando-a, ou, sequer excedendo-a.

24º- Assim sendo, considerando o que a respeito do regime de isenção determina o atual artigo 6º do RJEU, a obra levada a cabo pelos recorrentes está isenta de controle prévio, sendo que tal isenção decorre imediatamente da lei, sendo ope legis.

25º- De facto, as operações urbanísticas isentas de qualquer controlo municipal preventivo foram clarificadas com o Decreto-Lei nº 26/2010, uma vez que na versão anterior o artigo 6º reunia tanto situações de isenção de licença (mas de sujeição a comunicação previa) como as situações de controlo municipal. (cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, em anotação ao mencionado artigo 6º, in Regime Juridico da Urbanização e Edificação,3ª Ed. pag. 118)

26º- Em conformidade, não havia fundamento legal para ordenar o embargo, devendo subsumir-se o caso em apreço ao critério excepcional previsto na al. a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA, ou seja, considerar que a pretensão dos requerentes se mostra suportada numa ilegalidade patente da atuação administrativa.

27º- Assim sendo, como nos parece que é, ao contrário do que foi decidido na douta sentença recorrida, estamos perante uma situação em que se mostra evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal, infundado e não fundamentado, que viola o principio da audiência dos interessados, como ficou demonstrado e os princípios da boa fé e da confiança jurídica.

28º- Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou: i) o disposto nos artigos 4º, nº 1, 6º, nº 1, 6º-A, do RJUE, porquanto estas disposições legais se sobrepõe ao Regulamento Municipal das Edificações e Urbanização do Município de Fafe; e ii) os artigos 2º e 120º, nº 1, al. a) do CPTA, uma vez que é por demais evidente que a pretensão dos requerentes venha a proceder em sede de processo principal.

29º- Portanto, deve a decisão recorrida que julgou não ser subsumível à previsão normativa da alínea a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA ser revogada, considerando-se verificada e preenchida aquela previsão normativa em face dos factos provados e das disposições legais aplicáveis, decidindo-se pela suspensão da decisão de embargo da obra.

Sem prescindir:

30º- Recorrendo ao regime regra, a douta sentença proferida, averigua se no caso em apreço se verificam os três requisitos cumulativos para o decretamento da providência, ou seja, o fumus boni iuris; o periculum in mora; e a ponderação de interesses.

31º- Debruçando-se sobre o caso, esclarece o tribunal que o “raciocínio que nos serviu para afastar a aplicação da alínea a) do nº 1, do art. 120 do CPTA, serve igualmente para considerarmos preenchido o requisito fumus boni iuris, isto é, a aparência do bom direito, tendo-se, porém, na medida em que não é também manifesta a improcedência ou inviabilidade da pretensão dos requerentes”.

32º- Ora, lendo e relendo a douta decisão proferida, os recorrentes não entendem a conclusão a que o tribunal chegou. Por um lado, considera que não se mostra preenchido o requisito do requisito fumus boni iuris, isto é, a aparência do bom direito, para afastar a aplicação da alínea a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA; mas, por outro, já o considera verificado quando analisa o regime regra contido na alínea b) do nº 1 do mesmo preceito legal.

33º- Assim, em face do que se deixou dito, os recorrentes consideram que se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão, o que gera a nulidade desta, face ao disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.

O recorrido apresentou contra-alegações, finalizando:

I - Na bem fundamentada sentença recorrida, começa por se afastar a submissão do caso em análise ao critério excepcional previsto na alínea a) do número 1 do artigo 120º do CPTA, porquanto, mediante uma sumaria cognitio, não é evidente a procedência da ilegalidade alegada pelos requerentes.

II - A questão essencial que os recorrentes continuam a discutir é a da aplicabilidade ao caso dos autos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de Fafe, publicado na II Série do Diário da República, de 29 de Outubro de 2010, nos termos do qual as obras de escassa relevância urbanística, bem como as obras isentas de qualquer procedimento de controlo prévio, nomeadamente as previstas nas alíneas a) e b) do número 1 do artigo 6º do RJUE, devem ser objecto de comunicação à Camara Municipal, nos termos e prazos previstos nos seus artigos 15º, nº 6, e 48º.

III - A pretensão dos recorrentes funda-se na violação do disposto nos artigos 6º, nº 1, alínea c), em conjugação com o artigo 6º A, número 1, ambos do RJUE, no pressuposto errado de que o RMUE do Município de Fafe não se aplica.

V - Os recorrentes atacam a legalidade e consequente aplicação do RMUE do Município de Fafe, pela circunstância de o mesmo ser anterior à décima terceira alteração ao Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, operada pelo Decreto-Lei nº 136/2014, de 9 de Setembro.

V - O RMUE do Município de Fafe, em vigor, foi assim aprovado para concretização e execução das alterações essenciais introduzidas pelo referido DL nº 26/2010, designadamente no que se refere às obras de escassa relevância urbanística.

VI - Entendemos que as alterações operadas ao DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, pelo DL nº 136/2014, de 9 de Setembro, não colidem no caso dos autos com o disposto no RMUE de Fafe, no que concerne à comunicação e informação à Câmara Municipal de Fafe, nos termos regulamentares, das obras de escassa relevância urbanística, na decorrência do disposto no artigo 6º A, que consubstancia a alteração relevante introduzida pelo Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de Março.

VII - Afastada que se mostra a submissão do caso em análise ao critério previsto na alínea a) do número 1 do artigo 120º do CPTA, na base de não ser evidente que a pretensão dos recorrentes proceda no processo principal, indiciando-se antes a sua improcedência, como conclui a douta sentença recorrida, haverá que recorrer ao regime regra e averiguar da verificação cumulativa dos requisitos necessários (fumus boni iuris, o periculum in mora e a ponderação de interesses) para que a requerida providência fosse concedida.

VIII - Não obstante a douta sentença recorrida, no domínio de uma providência conservatória, entender haver fumus boni iuris, na medida em que não é manifesta a improcedência ou inviabilidade da pretensão dos requerentes, mesmo que indiciada, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 120º do CPTA (o que se compagina com não ser evidente que a pretensão venha a proceder no processo principal, critério a adoptar nos termos da alínea a) dos referidos número e artigo), o certo é que falece redondamente o periculum in mora, não provada que se mostra a matéria alegada sob os artigos 69º, 70º, 71º e 72º do requerimento inicial, ao mesmo atinentes.

IX - Pelo que, faltando um dos requisitos cumulativos para que a providência fosse requerida, bem andou a sentença recorrida ao não a conceder, com base no regime-regra.

X - A douta sentença recorrida, não concedendo a providência, por não se verificar o critério da decisão da alínea a) do número 1 do artigo 120º do CPTA, nem o da alínea b) e o do número 2 do mesmo artigo, mostra-se bem fundamentada, de facto e de direito, sendo assim uma sentença justa.

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O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de não provimento do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
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Os factos, considerados pela 1ª instância como indiciariamente provados:
1- Por escritura pública, lavrada em 19.02.2015, os Requerentes adquiriram, por compra, o prédio urbano, situado na Travessa Dr. MM, na freguesia, cidade e concelho de Fafe, composto por uma parcela de terreno para construção, com a área de 717,30 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº 4.../20...2 e inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 7... – cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2- O referido prédio encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe a favor dos Requerentes - cfr. doc. 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3- Prédio esse do qual foi destacada uma parcela de terreno com a área de 364 m2 - cfr. doc. 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4- O supra referido destaque teve por base o despacho de 03.12.2014 do Vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo - cfr. doc. 5 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5- No interior do prédio dos Autores sempre existiu um muro de pedra, de suporte de terras, que, por falta de manutenção, ameaçava ruir, pondo em causa a segurança das pessoas e bens.
6- Por isso, os Requerentes resolveram reconstruir, no interior daquele prédio, o muro de suporte, com o comprimento de quinze metros por dois metros de altura, de forma a evitar o desmoronamento do muro e o deslize das pedras e terras – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7- Em 18.06.2015, os Requerentes iniciaram os trabalhos de execução do muro de suporte de terras, sem que tivessem feito qualquer comunicação à entidade requerida.
8- Nesse dia, por volta das 16.00 horas, dois elementos da Policia Municipal de Fafe deslocaram-se ao local da obra onde tomaram conta da ocorrência, tendo sido elaborada a participação nº 7041 - cfr. docs. 10 e 11 juntos com a p.i. e fls. 1 e 2 do PA (processo de embargo) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9- Consta da referida participação que o Requerente “está a efectuar a construção de um muro de suporte de terras em alvenaria de pedra com cerca de 17.00mt de comprimento e uma altura variável de 1.00m, apesar de se tratar de uma obra de escassa relevância urbanística não efectuou a devida comunicação prévia junto da câmara municipal.”
10- Por despacho, de 19.06.2015, do vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo da Câmara Municipal de Fafe, foi ordenado o embargo imediato da obra em face da informação da polícia municipal – cfr. fls. 3 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11- Nesse mesmo dia, pelas 15.00 horas, dois elementos da Policia Municipal de Fafe deslocaram-se ao local em questão para proceder ao embargo da obra, tendo sido elaborado o respectivo auto - cfr. doc. 17 junto com a p.i. e fls. 6 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12- Foi comunicado ao Requerente marido para suspender os seus trabalhos e não continuar a obra e caso a continuasse poderia incorrer na prática de uma coima e na prática de crime de desobediência.
13- Embora indignado e inconformado com a decisão, o Requerente marido deu instruções ao empreiteiro para não continuar os trabalhos de execução do muro.
14- Na mesma data, o Requerente deu entrada nos serviços administrativos da entidade requerida uma “comunicação de início de obras isentas de controlo prévio” - cfr. docs. 12, 13, 14 e 15 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15- Em 22.06.2015, o Vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo proferiu despacho nos seguintes termos: “(…) Quanto à legalização, parece-me que a mesma não é admissível, no quadro actual em que está a ser executada, uma vez que parte do pressuposto que tem acesso à Travessa Dr. MM e não tem”.
16- Através do ofício nº 3251/2015, de 23.06.2015, da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística, foi o Requerente marido notificado de que se procedeu ao embargo da construção do muro de suporte de acordo com o despacho proferido em 19.06.2015 pelo Vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo e foi enviada cópia do auto de embargo - cfr. doc. 16 junto com a p.i. e fls. 9 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17- Através do referido ofício foi ainda o Requerente marido notificado de que, por despacho de 22.06.2015, o Vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo indeferiu o pedido formulado pelo Requerente a 19.06.2015 “dado que a obra está embargada e a sua legalização não é admissível no quadro actual em que está a ser executada uma vez que parte do pressuposto que tem acesso à Travessa Dr. MM e não tem”.
18- Mais foi notificado para proceder à apresentação de projecto com vista a eventual legalização da obra, no prazo de 30 dias, sob pena de se ordenar a demolição do ilegalmente executado.
19- Por ofício nº 3707/2015, de 07.07.2015, do Serviço Jurídico e Contencioso, foi o Requerente marido notificado da pendência de processo de contra-ordenação - cfr. doc. 9 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20- No dia 14/07/2015, o Requerente marido deu entrada a um requerimento nos serviços administrativos da entidade requerida no sentido de ser ordenado o levantamento do embargo - cfr. docs. 18 e 19 juntos com a p.i. e fls. 10 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21- Por ofício nº 4138/2015, de 04.08.2015, foi o Requerente marido informado do indeferimento do solicitado - cfr. doc. 20 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22- O requerimento inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentado, via Sitaf, em 08.09.2015.
23- Por despacho de 14.09.2015, do Vereador dos Pelouros do Ordenamento e Urbanismo, foi declarado nulo o despacho de 03.12.2014 referido no item 4 - cfr. fls. 92 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24- Por ofício datado de 14.09.2015 foi o Requerente marido notificado do referido despacho.
25- Em 18.09.2015, os aqui Requerentes instauraram acção administrativa especial, que corre termos, por apenso, com o nº 3072/15.0BEBRG, contra a aqui entidade requerida pedindo a anulação do despacho, de 19.06.2015, que determinou o embargo das obras do muro de suporte.
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O mérito da apelação:
De harmonia com o disposto no art. 112.º, n.º 1, do CPTA, «quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo».
A decisão recorrida recusou a adopção da providência, expressando subsunção dos factos ao direito da seguinte forma:
«(…)
Nos presentes autos, cabe aferir da viabilidade do pedido formulado pelos Autores, isto é, analisar se se verificam os pressupostos previstos no art.º 120.º do CPTA, necessários para a concessão da providência cautelar peticionada.
Prevê o nº 1 do art. 112º do CPTA que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”
As providências cautelares são mecanismos não autónomos de tutela de pretensões jurídicas que se desenvolvem na dependência de uma acção principal. São mecanismos acessíveis ao administrado para tutela efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Os processos cautelares caracterizam-se pela sua provisoriedade e instrumentalidade em relação ao processo principal, características que se revelam com clareza no facto dos mesmos não se destinarem a ditar em definitivo o direito mas, apenas e tão só, a possibilitar que o direito que irá ser estabelecido no processo principal ainda possa ter utilidade e na circunstância do Juiz não poder conceder nesses processos o que se consegue obter nos autos de que dependem.
O art. 120º do CPTA estabelece os critérios de atribuição das providências cautelares.
A al. a) do nº 1 daquela norma estipula que “Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.”
Nos termos do artº 120º, nº1 b) do CPTA, as providências cautelares são adoptadas «Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito».
Nos termos do artº 120º, nº1 c) do CPTA, as providências cautelares são adoptadas
“Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo preceito legal, que «Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
São, assim, três os requisitos de que depende a concessão da providência, cuja verificação é cumulativa:
- o fumus boni iuris;
- o periculum in mora;
- a ponderação de interesses.
Exige-se a aparência do bom direito, tendo-se, porém, por satisfeito este requisito, com a inexistência de elementos que tornem manifesta a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do requerente.
Tratando-se de uma providência conservatória, a mesma destina-se a manter o status quo, pelo que se justifica uma menor exigência quanto à aparência do bom direito do que nas providências antecipatórias previstas na alínea c) do nº 1 do mesmo preceito e que visam alterar o status quo. Nestas últimas, o fumus boni iuris intervém na sua formulação positiva, ou seja, só podem ser concedidas quando seja de admitir «que a pretensão formulada ou a formular (no processo principal) pode vir a ser julgada procedente». Nas primeiras, exige-se a aparência do bom direito, tendo-se, porém, por satisfeito este requisito, com a inexistência de elementos que tornem manifesta a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do requerente.
O requisito do periculum in mora encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque, essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (Cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina – 2ª edição, 2007, p. 703).
A este propósito, diz Vieira de Andrade in A Justiça Administrativa (Lições), 5ª ed, 308, “o juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
Na hipótese de se concluir pelo preenchimento dos requisitos exigidos pelo artº 120º, nº 1 do CPTA, impõe-se apreciar se os danos que resultam da sua concessão, para o interesse público, são superiores aos que podem resultar da sua recusa, para o requerente, sem que possam ser atenuados ou evitados pela adopção de outras providências, ou seja, há que fazer um juízo de prognose valorativo, ponderando os interesses público e privado em presença, segundo critérios de proporcionalidade e adequação, como exige o nº 2 do mesmo preceito legal.
Cumpre agora subsumir o explanado supra ao caso em análise.
E começaremos por afastar a submissão do caso em análise ao critério excepcional previsto na al. a), nº 1 do art. 120º do CPTA.
Para que a providência requerida pudesse ser deferida, ao abrigo da alínea a), a pretensão dos Requerentes teria que estar suportada numa ilegalidade patente da actuação administrativa. Uma ilegalidade tal que, mesmo numa sumaria cognitio, se revelasse indiscutível a viabilidade total da pretensão formulada.
Desde já se adianta que não é esse manifestamente o caso dos presentes autos.
Sustentam os Requerentes que o acto em crise incorre em vício de violação de lei, mais concretamente dos artigos 4º, nº 1, 6º, al. c) e 6º-A, nº 1, al. b) do RJUE, na medida em que estamos perante uma operação urbanística que não se encontra sujeita a qualquer procedimento de controlo preventivo; vício de violação do princípio da audiência de interessados; vício de violação do dever de fundamentação; e vício de violação dos princípios da boa-fé e da confiança jurídica.
A Entidade Requerida deduziu oposição argumentando que, nos termos conjugados do art. 15º, nº 6 e 48º, ambos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de Fafe, a obra em causa – obra de escassa relevância urbanística estava sujeita a comunicação prévia. E acrescenta que o Regulamento não contraria antes concretiza a execução do RJUE.
Argumentou ainda que o embargo não pressupõe a audição prévia dos interessados e informou que na pendência da presente acção foi declarado nulo o despacho proferido em 03.12.2014, ao abrigo do qual ocorreu a operação de destaque do prédio urbano.
A Requerida rejeita pois que a sua actuação viole as normas legais invocadas pelos Requerentes, apresentando diferente interpretação das mesmas e ainda motivando a razão de ser da sua actuação.
Não é pois evidente que a pretensão dos Requerente venha a proceder em sede de processo principal e, como tal, não é subsumível à previsão normativa da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Assinale-se que, na acção principal, foi já proferido parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência da acção, o que não sendo definitivo é indiciador.
Assim sendo, cumpre recorrer ao regime regra e averiguar da ocorrência dos três requisitos cumulativos acima enunciados.
E o raciocínio que nos serviu para afastar a aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, serve igualmente para considerarmos preenchido o requisito fumus boni iuris, isto é, a aparência do bom direito, tendo-se, porém, na medida em que não é também manifesta a improcedência ou a inviabilidade da pretensão dos requerentes.
Sucede que a presente acção terá de soçobrar porquanto, atenta a factualidade apurada, não se mostra satisfeito o requisito do periculum in mora.
Impõe o legislador que haja, no caso concreto, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de um prejuízo de difícil reparação, cabendo ao requerente o ónus de alegação e prova.
Tendo os Requerentes alegado, neste tocante e no essencial, que, mantendo-se o embargo, se colocariam em crise as condições de segurança pública de pessoas e bens bem como ficariam os mesmos impossibilitados de aproveitar todas as potencialidades que poderiam advir do prédio em causa, nomeadamente o cultivo de plantas, flores arbustos e usufruir de um espaço agradável e aprazível no centro de Fafe, certo é que não lograram demonstrar o alegado, o que dispensa qualquer juízo sobre saber se constituem ou não situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação
Assim sendo, a presente providência cautelar é insusceptível de ser concedida, atenta a natureza cumulativa dos seus pressupostos.
(…)».


I) - Nulidade
Os recorrentes consideram que se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão, o que gera a nulidade desta, face ao disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
Mas não existe uma tal contradição, quando a decisão de recusa é concordante com a análise que é feita à luz dos critérios legais orientadores, considerando que a situação não recolhe favor das hipóteses previstas no art.º 120º, nº 1, a), e 120º, nº 1, b), do CPTA, para que seja concedida a providência.

Será mais quanto a uma ambiguidade, ou incongruência, que os recorrentes se quererão referir, ao apontar que o tribunal «Por um lado, considera que não se mostra preenchido o requisito do requisito fumus boni iuris, isto é, a aparência do bom direito, para afastar a aplicação da alínea a) do nº 1, do artigo 120º do CPTA; mas, por outro, já o considera verificado quando analisa o regime regra contido na alínea b) do nº 1 do mesmo preceito legal.».
Isto quando se exarou que “o raciocínio que nos serviu para afastar a aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, serve igualmente para considerarmos preenchido o requisito fumus boni iuris, isto é, a aparência do bom direito, tendo-se, porém, na medida em que não é também manifesta a improcedência ou a inviabilidade da pretensão dos requerentes.”.
Mas com tal afirmação nenhuma dissonância ocorre, quando se percebe que se pretendeu transmitir ideia de que a ponderação da controvérsia “na medida em que legitime o juízo de inexistência do requisito do fumus boni iuris, referido na alínea a), do número 1, do artigo 120, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, por não ser evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal (…), postula também o reconhecimento de que não é manifesta a falta de fundamento dessa pretensão do interessado e, por consequência, de que se verifica esse requisito, na respectiva formulação negativa, em conformidade com a previsão da alínea b) daquele mesmo 1.” (Ac. do STA, de 25-09-2012, proc. nº 0675/12).
[A alínea b) do nº1 do artº120º do CPTA satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa – Ac. do STA, de 12-01-2012, proc. nº 0857/11].
II) – De fundo
Os recorrentes entendem que existe um fumus boni iuris qualificado, justificando, por evidência, a procedência nos termos do art.º 120º, nº 1, a), do CPTA.
“A doutrina e a jurisprudência tendem a caracterizar as situações que podem justificar o enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA como sendo de natureza excepcional” – Ac. do TCAS, de 06-12-2014, proc. nº 10620/13.
Cfr. Ac. do STA, de 21-01-2016, proc. nº 01038/15:
I - O juízo de «evidência» exigido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações nele previstas [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal].
II - O mesmo consubstancia critério excecional que abrange apenas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.
III - O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.
«As situações a enquadrar no artº 120º, nº 1, a) do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida» - Ac. do STA, de 22-10-2008, proc. nº 0396/08.
O recurso acentua que o acto em crise incorre em vício de violação de lei, mais concretamente dos artigos 4º, nº 1, 6º, al. c) e 6º-A, nº 1, al. b) do RJUE, na medida em que estaremos perante uma operação urbanística que não se encontrará sujeita a qualquer procedimento de controlo preventivo, regime de lei que se sobrepõe ao “desactualizado” (a expressão é nossa) Regulamento Municipal das Edificações e Urbanização do Município de Fafe (aprovado em reunião de Câmara de 18 de Fevereiro de 2010 e publicado no DR de 29/10/2010 – II série).
«Note-se, porém, que o critério legal é o do caráter evidente da procedência da ação - e não, por exemplo, no caso dos meios impugnatórios, o da evidência do vício …” [in: “A Justiça Administrativa (Lições), 12.ª edição, pág. 311; realce nosso]».
Como dá conta a decisão recorrida – e no que no ponto poderá interessar - refuta o requerido que assim se possa entender, pois o Regulamento não contrariará antes concretizará a execução do RJUE.
De que forma?
Como vem em oposição, o requerido faz defesa de que nos termos do aludido Regulamento mesmo obra como a que está em questão exigirá comunicação prévia, sendo que o RJUE, não contrariado, prevê (art.º 3º) que “no exercício do seu poder regulamentar próprio, os municípios aprovam regulamentos municipais de urbanização”.
[De algum modo, termos mais explícitos e claros em contra-alegações.
Merecendo acolhimento no parecer dado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, assim:
«Os recorrentes atacam a legalidade e consequente aplicação do RMUE do Município de Fafe, pela circunstância de o mesmo ser anterior à décima terceira alteração ao Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, operada pelo Decreto-Lei n° 136/2014, de 9 de Setembro.
Todavia, como bem refere o recorrido, o n° 1 do artigo 3° do referido Decreto-Lei mantém o teor que tinha anteriormente à décima alteração, operada pelo Decreto-Lei n° 26/2010, de 30 de Março, quanto ao poder regulamentar do próprio Município, alterando apenas o seu n° 2, que passou a dispor que "os regulamentos previstos no número anterior devem ter como objectivo a concretização e execução do presente diploma, não podendo contrariar o nele disposto, designadamente quanto ao procedimento de controlo prévio que as operações urbanísticas estão submetidas...".
O RMUE do Município de Fafe foi aprovado para dar concretização e execução às alterações essenciais introduzidas pelo DL n° 26/2010, designadamente no que se refere às obras de escassa relevância urbanística.
Deste modo, entendemos, tal como o recorrido, que as alterações operadas ao DL n° 555/99, de 16 de Dezembro, pelo DL n° 136/2014, de 9 de Setembro, não colidem no caso dos autos com o disposto no RMUE de Fafe, no que concerne à comunicação e informação à Câmara Municipal de Fafe, nos termos regulamentares, das obras de escassa relevância urbanística, na decorrência do disposto no artigo 6° A, que consubstancia a alteração relevante introduzida pelo Decreto-Lei 26/2010 de 30 de Março.»]
Bem assim como convoca interferência de ter sido declarado nulo o despacho proferido em 03.12.2014, ao abrigo do qual ocorreu a operação de destaque do prédio urbano.
Como se sumaria no Ac. deste TCAN, de 31-08-2015, proc. nº 00355/14.0BEBRG-A, “2- Não cabe no âmbito do processo cautelar avaliar se os atos objetos de impugnação na ação principal são ilegais, antecipando deste modo para um processo sumário e urgente, a decisão sobre a questão de mérito do processo principal, mas tão só avaliar se a alegada invalidade é tão manifesta que não deixe dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na ação principal. 3 - A evidência tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato, não ocorrendo a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato é controversa.”.
Assim, «para que a suspensão de eficácia possa ser decretada com base no critério de evidência vertido no artigo 120.º/1-a) do CPTA, mostra-se necessário que esteja demonstrada nos autos cautelares uma dupla evidência: por um lado, uma evidência de facto, no sentido de se verificarem as circunstâncias que consubstanciam o(s) vício(s) em causa; e, por outro, uma evidência de direito, por não ser questionado ou não o ser, em termos minimamente atendíveis, o direito aplicável àqueles factos» (Ac. deste TCAN, de 11-09-2015, proc. nº 00218/15.1BEAVR).
Existindo margem de discussão – como aqui acontece - o juízo de evidência soçobra.
Afastada a solução do caso segundo critério de evidência do art.º 120º, nº 1, a), do CPTA, enunciou a sentença porque não lograria êxito a peticionada suspensão de eficácia à luz do art.º 120º, nº 1, b), do CPTA.
Alinhou no que é comum jurisprudência (cfr., p. ex., Ac. do STA, de 12-01-2012, proc. nº 0857/11: «I - Os requisitos para o decretamento da suspensão de eficácia de um acto administrativo (artº120º do CPTA) são os seguintes: (i) que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); (iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência). II - E tal como no sistema anterior (regime consagrado na LPTA) a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa.»).
O que vem sem crítica.

*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelos recorrentes.
Porto, 8 de Abril de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins