Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00260/18.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PRESCRIÇÃO; PEDIDO DE PROTECÇÃO JURÍDICA; ÓNUS DE PROVA.
Sumário:
Não tendo a autora alegado no seu articulado inicial ou sequer em resposta à excepção de prescrição do seu direito, em data deu entrada na Segurança Social o seu requerimento de protecção jurídica, incluindo a nomeação de patrono, não cumpriu o seu ónus de alegação e prova de matéria de excepção à excepção, pelo que tais factos não são atendíveis em sede de recurso jurisdicional, sendo, neste caso, de confirmar a decisão recorrida que jugou procedente a excepção de prescrição. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ACOP
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

ACOP veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 18.10.2018, pelo qual foi declarada procedente a invocada excepção de prescrição do direito da Autora e, em consequência, foi absolvido o Réu Estado Português do pedido formulado na presente acção administrativa intentada pela Recorrente contra o Estado Português, onde se pede seja decretada a responsabilidade civil extracontratual deste por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e a condenação do mesmo a pagar à Autora, ora Recorrente. a quantia de 1.225,50€ a título de danos patrimoniais e a quantia de 10.000,00 € a título de danos morais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento.
*
Invocou para tanto, em síntese, que o prazo de três anos da prescrição do direito à indemnização da Autora só se iniciou a partir do momento em que esta tomou conhecimento da produção efetiva do dano, isto é, com a decisão final, transitada em julgado e que a mesma peticionou apoio judiciário, junto do Instituto da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, pelo que atendendo ao disposto no artigo 33.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 19.07, a acção deverá considerar-se proposta na data em que o pedido de nomeação junto do Instituto da Segurança Social tiver sido apresentado, o que interrompe a prescrição do direito da Autora.
O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.
*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1) Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não fez uma correcta subsunção dos factos ao Direito aplicável, nem tão pouco, fez uma interpretação e aplicação corretas das normas jurídicas, acabando, até por violar normativos legais, aquando da apreciação da exceção da prescrição do direito da Autora.
2) Ao abrigo do artigo 306.º, n.º1, do Código Civil,
“O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.
3) Sendo que para a Autora poder peticionar uma indemnização contra o Réu pela demora na aplicação da justiça no processo judicial, 792/10.9GDVFR, sempre seria necessário aguardar pelo trânsito em julgado, da decisão final, proferida em 30.05.2016.
4) Portanto, só nesse momento se formou na esfera jurídica da Autora, o direito à indemnização peticionada, nestes autos – vd. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27.01.2012, processo n.º 00284/08.6 PNF-A.
5) Pelo que, o prazo de três anos só se iniciou a partir do momento, em que a recorrente, tomou conhecimento da produção efetiva desse dano, isto é, com a decisão final, transitada em julgado.
Sem prescindir,
6) Previamente, à apresentação da presente ação administrativa, a Autora, peticionou apoio judiciário, junto do Instituto da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
7) Nesse sentido, no momento da propositura da petição inicial, mais especificamente no ponto I da mesma, foi devidamente alegado e juntos documentos comprovativos, do pedido de apoio judiciário e da nomeação da patrona.
8) O que sucedeu, por requerimento apresentado em 08.03.2018, com a referência processual n.º 145536.
9) Assim sendo, na petição inicial e no posterior requerimento, a Autora alegou e comprovou o benefício de apoio judiciário.
10) Tendo em conta que, uma das modalidades de apoio judiciário requerido, para propor a presente ação administrativa foi o de nomeação de patrono.
11) Por conseguinte, atendendo ao disposto no artigo 33.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 19.07, a ação deverá considerar-se proposta na data em que o pedido de nomeação junto do Instituto da Segurança Social tiver sido apresentado.
12) Uma vez que, “o pedido de nomeação de patrono para propositura da ação não interrompe a prescrição m curso, mas a ação considera-se proposta na data em que tal pedido tiver sido formulado, considerando-se a prescrição interrompida decorrido que sejam cinco dias sobre aquela data” – citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.10.2003, processo n.º 0314298.
13) Neste sentido, com igual entendimento e a título meramente exemplificativo, veja-se a seguinte jurisprudência: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.04-2013, processo n.º 36/12.9TTPRT.S1, e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.07.2016, processo n.º 1708/15.4T8VRL.G1, entre muitos outros.
14) Em face do que, admitindo, o que por mera hipótese académica se faz, que os factos que fundamentam o direito da Autora no pedido indemnizatório, por responsabilidade civil extracontratual do Réu, ocorreram em 23.04.2014, e tendo em conta, que a ação deverá considerar-se proposta na data, em que o pedido de nomeação patrono junto do Instituto da Segurança Social tiver sido apresentado, e que seguramente, foi em data anterior, à da decisão por parte da segurança social que aconteceu em 21.02.2017, o prazo de 3 anos, na data da propositura da ação, por conseguinte, ainda não tinha decorrido.
15) Acresce que, o “(..) Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, conforme o previsto no artigo 5.º n.º 3 Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. No entanto, o Juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes e dos documentos não impugnados.
16) Portanto, os Tribunais encontram-se vedados à matéria de facto alegada, mas não quanto à matéria de direito, gozando de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito.
17) Destarte, não restam dúvida, que o Tribunal a quo não teve em consideração o exposto na petição inicial, e subsequente requerimento, apresentado em 08.03.2018, com a referência processual n.º 145536 para apreciar a matéria de exceção de prescrição deduzida pelo Réu.
18) Termos em que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 33.º, n.º 4, da LADT.
19) Tanto é assim, que da matéria dada como provada nada consta a este propósito, o que deverá ser alterado de modo a dar-se como provado o seguinte: “A Autora requereu apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, em data anterior a 21/02/2017”.
20) Por tudo o exposto, deveria o Tribunal a quo ter aplicado e interpretado os normativos supra mencionados, tendo, igualmente em conta, o exposto relativo ao apoio judiciário, bem como, os entendimentos jurisprudências e julgar improcedente a exceção da prescrição e por conseguinte, prosseguir com a ação administrativa e decidir sobre os factos alegados pelas partes.
*
II –Matéria de facto.
Pede a Autora que se acrescente à matéria factual dada como provada em 1ª Instância o seguinte facto:
“A Autora requereu apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, em data anterior a 21/02/2017.”
Fundamenta tal pedido alegando que tal facto é necessário para julgar improcedente a excepção da prescrição do direito da Autora à acção com vista à indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.
Como fundamento de direito desse pedido invoca o artigo 33º, nº 4, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, que refere ter sido violado pela decisão recorrida.
Esta invocação constitui uma excepção à excepção, a interrupção da prescrição, cuja invocação e prova recai sobre a Autora, nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil.
Ora, a Autora não invoca essa excepção na resposta que apresenta à contestação, pelo que não pode agora, em sede de recurso, suscitar tal questão.
Trata-se de questão nova que não pode ser admitida em sede de recurso, já que não foi invocada na 1ª instância e, por isso, não foi tratada no despacho saneador proferido pela 1ª instância.
Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.
Neste sentido, uniforme, se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254/09.7 BEMDL e de 08-07-2011, no processo 00215/98 – Porto.
Em particular, realça-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no proc. nº 01660/06, em 03.05.2007, com o seguinte sumário:

“1. Mediante a interposição de recurso a decisão judicial é submetida a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objecto quer a ilegalidade da decisão quer a sua nulidade, sendo que o conteúdo do recurso deflui do contexto da alegação e respectivas conclusões - art°s. 676 e 668° CPC, ex vi artº 140º CPTA.
2. Nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida; nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida, - artº 690° CPC, ex vi artº 140º CPTA.
3. O conceito adjectivo de questão envolve tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.
4. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).
5. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 715º nºs 1, 2 e 3 CPC.
6. É admissível a interposição de recurso subordinado quanto a decisões distintas, quando entre estas se verifique uma relação de prejudicialidade.
7. Para além dos casos de caducidade por decaimento nos pressupostos de recurso, expressa no artº 682º nº 3 CPC, a insubsistência do recurso principal implica o não conhecimento de mérito sobre o objecto do recurso subordinado, como é o caso;”
Tratando-se de uma questão nova, não se pode agora dela conhecer, pelo que não merece provimento o presente recurso, com fundamento nessa questão e, como tal, desnecessário se torna acrescentar o facto que a Autora pretende ver adicionado à matéria factual dada como provada na 1ª Instância.
Em todo o caso, sempre se dirá o seguinte:
É certo que a Autora alegou na petição inicial que: solicitou proteção jurídica nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como a nomeação e pagamento da compensação de patrono; nessa sequência, em 03.08.2017, a Advogada signatária da petição inicial foi nomeada como patrona da Autora (documento nº 2); em 04.09.2017 requereu, ao abrigo do disposto no artigo 33º, nº 2, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, junto da Ordem dos Advogados, a prorrogação do prazo da propositura da acção, tendo tal sido deferido em 09.10.2017 (documentos nºs 3 e 4); em 07.11.2017 a signatária requereu, novamente, ao abrigo do disposto no artigo 33º, nº 2, daquela Lei, junto da Ordem dos Advogados, a prorrogação do prazo da propositura da acção, tendo tal sido deferido em 17.01.2018 (documentos nºs 5 e 4 juntos).
Por estes factos se verifica que o requerimento de nomeação de patrono deu entrada antes de 03.08.2017, não tendo a Autora alegado em que data o mesmo deu entrada na Segurança Social, pelo que a data a considerar face ao alegado pela Autora - a indicada – 03.08.2017.
Determina o artigo 33º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais:
1- O patrono nomeado para propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentado justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo.
2- O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.
3- Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.
4- A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
A Autora alegou tais factos na petição inicial para justificar ser a signatária da petição inicial, nunca aludindo ao facto impeditivo da prescrição, ou seja, ao requerimento de nomeação de patrono formulado pela Autora.
Sem sabermos em que data tal requerimento entrou na Segurança Social, desconhecemos o percurso que ele seguiu entre a data da sua entrada e a data em que a Ilustre Patrona foi nomeada para representação da Autora nos presentes autos.
Ora, à luz do entendimento jurídico perfilhado pela Autora em sede de recurso, tal factualidade seria absolutamente essencial para aferir da tempestividade do seu direito de acção, pelo que teria a Autora que o invocar e provar, o que não fez.
Sem tal alegação e prova, desconhecemos se a acção deu entrada nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação ou das prorrogações, como o exigem os nºs 1 e 2 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, pois que de concreto apenas sabemos que a Ilustre Patrona foi nomeada em 03.08.2017 e que o pedido de nomeação de Patrono foi deferido em 21.02.2017, conhecendo o que aconteceu depois de 03.08.2014, mas desconhecendo o que aconteceu entre a data da apresentação do pedido, que desconhecemos e a data de 21.02.2017, bem como o que aconteceu entre a data do deferimento do pedido de nomeação de Patrono e 03.08.2017.
Se a Autora pretendia invocar a excepção à excepção, ou seja, a interrupção da prescrição, como supra sustentado, teria que preencher todas estas lacunas factuais, por tal ónus recair sobre ela.
A ausência de alegação de tais factos tem de ser decidida contra si.
Conclui-se, como tal, que a Autora não invocou tal excepção à excepção e por isso a data da instauração da acção a considerar não é a da instauração do pedido de nomeação de Patrono, que desconhecemos, mas sim a data em que a acção deu entrada em Tribunal – 16.02.2018.
Cumpre acrescentar, que em todo o caso a mera interposição da acção não interrompe a prescrição e a lei não prevê a equiparação do pedido de nomeação de patrono à citação.
Conforme defendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.04.2013, no proc. nº 36/12.9TTPRT.S1:
“Efectivamente, o regime geral da interrupção da prescrição está regulado no artigo 323º, nº 1 do Código Civil, que é bem claro ao consagrar que não basta a instauração da acção pelo credor para se interromper a prescrição.
E assim sendo, embora se tenha de considerar que a presente acção foi intentada na data em que a trabalhadora requereu a concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, conforme consagrou o nº 4 do artigo 33º da Lei 34/2004, temos, no entanto, de conjugar este regime com o da interrupção da prescrição, que só ocorre com citação do Réu para a acção, ou com a notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, conforme já se disse.
Daí que, e mesmo equiparando o pedido de nomeação de patrono ao requerimento de citação do R, tenhamos de considerar que a prescrição se tem por interrompida decorridos cinco dias depois daquele pedido, conforme consagra o nº 2 do referido artigo 323°do Código Civil.
Na verdade, não resulta do nº 4 do artigo 33º da Lei 34/2004 que o legislador visasse instituir um regime especial de interrupção da prescrição, diferente do regime geral previsto naquele preceito do Código Civil, pois uma coisa é a data da propositura da acção e outra bem diversa a interrupção dos prazos prescricionais.
E nem se diga que este regime afronta o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, pois estando consagrado em termos gerais na lei civil, o que era do conhecimento do legislador, nenhuma razão vemos para o afastar no caso presente, e para proceder à equiparação da propositura da acção à citação do devedor, conforme pretende a recorrente.
Efectivamente, a lei já salvaguarda suficientemente a posição do requerente do apoio judiciário nesta modalidade ao considerar que a acção se tem por intentada na data em que a trabalhadora requereu a sua concessão, conforme consagrou o nº 4 do artigo 33º da Lei 34/2004, evitando assim que as delongas resultantes das diligências para a designação de patrono venham prejudicar o exercício tempestivo do direito.
Por isso, é de concluir que o interessado que requeira a nomeação de patrono o tem de fazer com a antecedência de cinco dias em relação ao termo do prazo da prescrição, conforme exige o artigo 323º, nº 2 do CC, pois os demais credores também têm que se conformar com este regime.
Por outro lado, também não vemos que esta interpretação ponha em causa o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que consagra que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo os cidadãos que carecem de meios económicos ser afectados na defesa jurisdicional dos seus direitos.
Na verdade, tal direito já fica salvaguardado com o regime resultante do nº 4 do artigo 33º da Lei 34/2004, que considera proposta a acção na data em que a trabalhadora requereu a concessão do apoio judiciário, ficando assim imune aos atrasos normais do procedimento para a sua concessão, e com a consequente consagração da total irrelevância do período de tempo que decorra entre aquele momento e a data da instauração da acção.”
No caso sub judice não tendo a Autora alegado nenhum dos dois factos que configuram a interrupção da prescrição, data da instauração do pedido de nomeação de patrono e que respeitou os cinco dias anteriores ao termo do prazo da prescrição, não pode beneficiar da interrupção da prescrição consubstanciada na consideração de data da apresentação do pedido de nomeação de patrono como data de instauração da acção.
Assim sendo, não cumpre aditar nenhum novo facto àqueles que foram dados como provados na 1ª Instância.
Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:
1. Com data de 03.09.2010, foram autuados junto dos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, os autos de Inquérito C, a que coube o processo n.º 792/10.9 GDVFR, por denúncia apresentada pela Autora nos presentes autos, ACOLF, em 23.08.2010, pela prática de crime de violência doméstica – cfr. volume I do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
2. Com data de 19.12.2012, o Ministério Público de Santa Maria da Feira, proferiu Despacho de arquivamento do Inquérito identificado no ponto anterior – cfr. folhas 218 e seguintes do volume II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
3. Com data de 23.01.2013, a Autora requereu a abertura de instrução por efeito da decisão de arquivamento identificada no ponto 2 – cfr. folhas 238 e seguintes do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
4. Por decisão de 02.05.2013, o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 2º Juízo Criminal, não pronunciou o arguido naqueles autos SMTR – cfr. folhas 309 e seguintes do volume II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
5. Em 31.05.2013, a Autora apresentou recurso da decisão de não pronuncia para o Tribunal da Relação do Porto – cfr. folhas 321 e seguintes, do volume II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
6. Em 18.06.2013, foi notificado o Magistrado do Ministério Público da interposição do recurso indicado no ponto anterior, n.º 5 – cfr. folhas 368 e seguintes, do volume II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
7. Em 04.02.2014, o Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, emitiu resposta ao recurso interposto e identificado no ponto 5 deste probatório – cfr. folhas 370 e seguintes, do volume II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
8. Em 03.03.2014, o Procurador-Geral Adjunto, junto do Tribunal da Relação do Porto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso a que alude o ponto 5 do probatório – cfr. folhas 319 e seguintes, do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
9. Em 17.03.2014, a Autora nos presentes autos, apresentou resposta ao parecer do Ministério Público – cfr. folhas 385 e seguintes, do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
10. Em 23.04.2014, o Tribunal da Relação do Porto, proferiu acórdão pelo qual concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela Autora nos presentes autos e recorrente no processo n.º 792/10.9 GDVFR – cfr. folhas 398 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
11. Em 18.06.2014 e em cumprimento do decidido no acórdão do Tribunal da relação do Porto, acabado de referir, os Serviços do Ministério Público notificaram a Autora para deduzir acusação particular, com a informação de que ¯face à prova coligida no autos na ótica do Estado, bastante mais provável a absolvição do arguido pela prática de crime de injúria e difamação, do que na sua condenação – cfr. folhas 417 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
12. Em 03.07.2014, a Autora remeteu aos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, acusação particular – cfr. folhas 421 e seguintes, do Vol. III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
13. Em 07.07.2014, o Ministério Público de Santa Maria da Feira emitiu Despacho pelo qual não acompanhou a acusação particular – cfr. folhas 439 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
14. Em 11.09.2014, a Autora apresentou junto dos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, requerimento de abertura de instrução – cfr. folhas 449 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
15. Por despacho de 21.10.2014, o Juiz do 3º Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, declarou nulo o requerimento de abertura de instrução – cfr. folhas 472 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
16. Em 05.11.2014, a Autora apresentou recurso da decisão identificada no ponto 15 deste probatório para o Tribunal da Relação de Coimbra – cfr. fls. 476 e ss. do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
17. Em 13.01.2015, o Ministério Público de Santa Maria da Feira respondeu ao recurso acabado de referir - cfr. folhas 498 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
18. Em 03.03.2015, o Procurador-Geral Adjunto, junto do Tribunal da Relação do Porto, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso acabado de referir – cfr. fls. 515 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
19. Em 22.04.2015, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão dando provimento ao recurso identificado no ponto 16 deste probatório – cfr. fls. 526 e seguintes do volume III do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
20. Por Despacho de 03.06.2015, o Juiz junto do 3º Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, declarou aberta a instrução requerida pela aqui Autora – cfr. folhas 557 e seguintes do volume IV do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
21. Com data de 04.11.2015, foi proferida decisão pelo Juiz do 3º Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, pelo qual pronunciou o arguido SMTR, pela prática de crime de ofensa à integridade física simples e seis crimes de ameaça agravada – cfr. folhas 633 e seguintes do volume IV do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
22. Com data de 25.11.2015, e na sequência do despacho de pronúncia que antecede, a aqui Autora deduziu pedido de indemnização cível – cfr. folhas 659 e seguintes do volume IV do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o processo administrativo anexo aos presentes autos.
23. A Autora apresentou a petição inicial dos presentes autos em 16.02.2018 – cfr. folhas 1 dos presentes autos.
*
III - Enquadramento jurídico.
1. O recurso da Autora; a excepção da prescrição do direito da Autora a indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado, por atraso na justiça.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto na Lei nº 67/2007, de 31.12, em vigor a partir de 30.01.2008.
O artigo 12º desse mesmo diploma determina que, salvo o disposto nos artigos seguintes, que respeitam ao erro judiciário, que não é objecto destes autos, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.
Esta última responsabilidade está prevista nos artigos 7º a 10º do diploma a que se vem aludindo.
Determina o artigo 2º, nº1, Lei nº 67/2007, de 31.12, que:
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
O artigo 9º, nº 2, considera que existe também ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º.
Por sua vez o artigo 10º, nº 2, preceitua que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
O artigo 5º do mesmo diploma legal prescreve que o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado (…) prescreve nos termos do artigo 498º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.
O artigo 498º nº 1 do referido Código estabelece que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar o facto danoso.
A decisão recorrida expõe sobre esta tema, além do mais que adiante se citará, o seguinte:
(…)
Alega a Autora que o seu direito indemnizatório exercido nos autos decorre de responsabilidade civil extracontratual do estado por facto ilícito derivado da violação do direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do processo criminal, resultante de uma sua queixa por prática de crime por violência doméstica e que, em termos práticos só com a declaração da prescrição do crime, teve conhecimento do seu direito.
Mas como bem afirma a Autora, para a ocorrência da prescrição declarada, terá contribuído o tempo que medeia a data da apresentação da queixa e a data da prolação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em 23/04/2014 e, naturalmente, seria expetável que tal morosidade poderia constituir fator determinante para que, a final pudesse ocorrer a prescrição declarada.
Daí que, tal factualidade envolva a formulação de um juízo sobre os factos que não assente exclusivamente na interpretação das regras jurídicas, antes implicando a aplicação de regras de vida e da experiência comum mediante a qual seria expectável poder ocorrer o desfecho que ocorreu no processo criminal em causa.
Estabelece o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”, sendo pois, excecional o prazo de cinco anos previsto no seu nº 3, que depende do pressuposto de os factos constituírem crime, tendo o lesado que queira usufruir do direito à utilização deste prazo de cinco anos o ónus de alegar e provar que se verificam os pressupostos da sua admissibilidade, como resulta da regra basilar do ónus da prova que consta do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.
O prazo prescricional previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil só é aplicável quando a Autora fundamenta o pedido indemnizatório em prática de crime, o que não resulta dos autos.
Veja-se neste sentido o Acórdão do TCA Norte de 07/10/2016, processo n.º 00524/13.0BEAVR, que com a devida vénia anteriormente transcrevemos parcialmente.
Com efeito, a Autora na sua petição inicial, artigos 59.º e 60.º centra o efeito da violação do direito na obtenção de decisão judicial em prazo razoável na demora de decisão do inquérito criminal e na demora na prolação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que ocorreu em 23 de abril de 2014.
A Autora intentou a presente ação em 16/02/2018, ponto 23 do probatório.
Ou seja, os factos dos quais a autora deveria ter retirado a consequência ou causa de pedir que pelos presentes autos fundamenta o pedido indemnizatório, ocorreram em 23 de abril de 2014 e tendo proposto a presente ação em 16/02/2018, pelo que á data da propositura da presente ação, já haviam decorrido os três anos para o efeito.
Pelo exposto, verifica-se existir a invocada exceção de prescrição do direito da Autora.
Nos termos do artigo 576.º, n.º 3 do CPC, ex vi artigo 1,º do CPTA, “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extingam o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.
A prescrição constitui uma exceção perentória de tipo preclusivo, ou seja, a sua verificação preclude a indagação sobre a situação jurídica controvertida apresentada pelo autor, in casu sobre o facto constitutivo do direito prescrito. É certo que logicamente se pressupõe a ocorrência daquele facto, mas trata-se de uma operação intelectual cujo desenlace não carece da prova desse facto (neste sentido, vide Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 106, nota 60, pág. 113, nota 78 e “A Confissão no Direito Probatório”, 2.ª edição, Coimbra Editora, páginas 457 a 459).
Nesta conformidade, declaro procedente da invocada exceção de prescrição do direito da Autora e em consequência absolvo o Réu Estado Português do pedido.
(…)”
Com acerto.
A Autora tomou conhecimento do seu direito a ser indemnizada em 23.02.2014, pelo que a acção tinha que ser instaurada cinco dias antes do decurso do prazo de três anos, ou seja, até 18.02.2017.
Sabemos que só foi instaurada em 16.02.2018, quase um ano depois de ter ocorrido a sua prescrição.
Contrapõe a Autora que nos termos do artigo 306º nº 1 do Código Civil o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
Acrescenta ainda que:
“Sendo que, para a Autora poder peticionar uma indemnização contra o Réu pela demora na aplicação da justiça no processo judicial, 792/10.9GDVFR, sempre seria necessário aguardar pelo final do processo, o qual apenas ocorreu com o trânsito em julgado, da decisão final, por sentença proferida em 30/05/2016 (conforme, artigo 39º da p.i.).
Portanto, com a decisão final, na qual o arguido foi absolvido, atendendo ao decurso do prazo prescrição criminal, só nesse, momento se formou na esfera jurídica da Autora, o direito à indemnização peticionada, nestes autos, e consequentemente se iniciou o prazo prescricional para accionar o Réu, pela demora na aplicação da justiça no âmbito do processo 792/10.9GDVFR. – Vd. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00284/08.6BEPNF-A, de 27-01-2012, disponível em www.dgsi.pt.
Pelo que, o prazo de três anos só se iniciou a partir do momento, em que a recorrente, tomou conhecimento da produção efetiva desse dano, isto é, com a decisão final, transitada em julgado.”
Todavia, conforme já foi por nós sustentado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 05.02.2016, no processo nº 00949/14.3 PRT:
“1. O prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (artigo 306º, nº1, do Código Civil), sendo que, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos (artigo 498º, nº1, do Código Civil).
2. Este conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito; tal conhecimento do direito não terá de coincidir, nem exige, qualquer reconhecimento judicial de algum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos.”
Ora, esse conhecimento ocorreu com o último atraso processual invocado na petição inicial, a notificação à Autora da resposta do Ministério Público ao primeiro recurso interposto pela mesma e esta presume-se efectuada em 23.02.2014.
Toda a fundamentação doutrinária e jurisprudencial invocada na decisão recorrida inculca aquela conclusão, conforme se passa a transcrever:
“Defende-se na doutrina e na jurisprudência que o momento do conhecimento pelo lesado do direito de indemnização se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo assim apelo a um mínimo de objetividade no qual se alicerce a contagem do respetivo prazo “— cfr. v.g. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, volume I, págs. 620 e ss; Vaz Serra: Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 106, pág. 199; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, volume I, página 503; Entre outros, Acórdãos do STA, de 27-04-2006, processo nº 0304/05, e de 01-06-2006, processo nº 0257/06; Acórdão do TCAN, de 19-06-2015, processo nº 00436/09.1BEMDL.
Tal como referido neste último acórdão, a questão de saber em que momento o lesado teve conhecimento do direito de indemnização, envolve a formulação de um juízo sobre os factos que não assente exclusivamente na interpretação das regras jurídicas, antes implicando a aplicação de regras de vida e da experiência comum.
Seguindo-o de perto, considera-se aqui, como ali, o seguinte:
«Por “conhecimento do direito” deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, pois que não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos – cfr. Acórdão do STA de 27.01.2010, Proc. 0513/09.
Está em causa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não a consciência da possibilidade do seu ressarcimento, sendo de salientar que não se trata de um conhecimento jurídico relativo ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, mas antes um conhecimento empírico que permita a um lesado razoável formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma atuação de terceiro – cfr. Acórdãos do STA de 04.11.2009, Proc. 01076/07, de 07.03.2006, Proc. 889/05 e de 21.01.2003, Proc. 1233/02.
O dies a quo do prazo prescricional coincide, portanto, com a constatação por parte do lesado da «ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo» – in Carlos Alberto Fernandes Cadilha – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 96.
Assim, o prazo de prescrição de 3 anos começará a correr na data em que o lesado tomar conhecimento do facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica.
Em termos temporais, o facto danoso tanto se pode traduzir na prática de um simples ato que se esgota temporalmente num único momento, havendo coincidência entre a conduta violadora realizada ou executada e a produção do dano (infração instantânea), como pode traduzir-se numa série de atos suscetíveis de configurar uma infração de natureza continuada ou permanente na qual os danos se vão produzindo em vários momentos temporais sucessivos (infração continuada).
A propósito do dies a quo do prazo prescricional em relação a condutas que pela sua natureza prolongam no tempo o surgimento de danos, o STA refere o seguinte no acórdão de 04.12.2002, Proc. 01203/02: Como refere o Prof. ANTUNES VARELA, reportando-se ao art. 498.º, do Código Civil, «a solução estabelecida não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores» (Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, página 598.).
Esta possibilidade justifica-se por, relativamente a esses danos, só posteriormente o lesado conhecer a sua existência, pelo que só então ficará em condições de exercer o direito de indemnização correspondente. (Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19-3-1998, proferido no recurso n.º 41682, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 2188.).
No entanto, se os danos são uma mera consequência ou desenvolvimento normal dos danos iniciais, eles podem ser invocados desde início, pois o n.º 1 do art. 498.º permite o exercício do direito independentemente do conhecimento da extensão integral dos danos.
Por isso, «os danos têm de apresentar novidade no sentido de não serem a consequência ou o desenvolvimento normal e objectivamente previsível da lesão inicial. Tem de ser uma outra consequência do acto lesivo não conhecida nem cognoscível para o homem médio suposto pela ordem jurídica (segundo um critério de razoabilidade), não a simples extensão das consequências lesivas já conhecidas inerente à sua natureza duradoura», pois, «a lei tornou o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da extensão integral dos danos, equilibrando a situação do lesado com a possibilidade de formulação de pedidos genéricos». (Acórdão citado.)
E a propósito da mesma matéria, o TCA Norte refere o seguinte no acórdão de 03.05.2013, Proc. 00905/12.6BEPRT: A nossa mais alta jurisprudência tem sublinhado que o prazo de prescrição é um só, e será dentro dele que tem de ser exercido o direito de indemnização relativamente à «extensão integral» dos danos, o que se percebe, e se louva nas razões de certeza e segurança que justificam o instituto em causa [entre outros, o AC STA 01.06.2006, Rº0257/06].
Assim, uma conduta lesiva, mesmo sendo de natureza «continuada», não é suscetível de afetar o «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo.
Todavia, se assim é, pela perspetiva da ação lesiva, já assim não terá de ser, necessariamente, pela perspetiva do dano, já que é este que, constatado pelo prejudicado, despoleta o fluxo cognitivo e volitivo que o leva a conhecer o seu direito e a reagir, ou não, contra o responsável pela agressão da sua esfera jurídica.
Destarte, se um determinado dano, porque leve ou tolerado, pode não desencadear qualquer reação do respetivo prejudicado, tal não pode obstar a que novo dano, causado pela ação lesiva continuada, possa pôr termo a essa tolerância inicial, sendo certo que o «início do prazo de prescrição» relativo ao direito de indemnização por este «novo dano» não poderá, cremos, ficar refém do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe competia relativamente aos «danos iniciais».
Tudo depende, assim, de estarmos perante «novo dano», ou seja, perante um dano que não se traduza em mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos anteriores, iniciais. E neste sentido restritivo deverá, a nosso ver, ser interpretada a expressão «extensão integral dos danos» presente no nº1 do artigo 498º do CC.
Da fundamentação dos acórdãos transcritos resulta a seguinte interpretação, essencial para a decisão do caso concreto: para que seja admitida a invocação de danos para além do prazo de três anos em que o facto danoso foi conhecido (danos novos) não é suficiente a demonstração de que os danos se produziram em momento posterior; os novos danos são apenas aqueles que constituem uma consequência do ato lesivo não conhecida ou cognoscível por um homem médio (pessoa razoável e diligente).
Se os danos, embora ocorrentes em momento posterior ao ato lesivo, constituírem um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial não estaremos perante danos novos.».”
Vertendo agora estas considerações ao caso concreto.
Alega a Autora que o seu direito indemnizatório exercido nos autos decorre de responsabilidade civil extracontratual do estado por facto ilícito derivado da violação do direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do processo criminal, resultante de dois atrasos na marcha do processo-crime por violência doméstica, a duração excessiva do inquérito e a demora na resposta do Ministério Publico ao 1º recurso interposto pela Autora, de que a Autora teve conhecimento em 23.02.2014.
Daí que, tal factualidade envolva a formulação de um juízo sobre os factos que não assente exclusivamente na interpretação das regras jurídicas, antes implicando a aplicação de regras de vida e da experiência comum mediante a qual seria expectável poder ocorrer o desfecho que ocorreu no processo criminal em causa.
A Autora intentou a presente ação em 16.02.2018 - ponto 23 do probatório.
Ou seja, os factos dos quais a Autora deveria ter retirado a consequência ou causa de pedir que pelos presentes autos fundamenta o pedido indemnizatório, ocorreram até 23.02.2014 e tendo proposto a presente acção em 16.02.2018, à data da propositura da presente ação já haviam decorrido os três anos para o efeito.
Pelo exposto, verifica-se existir a invocada exceção de prescrição do direito da Autora.
Nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1,º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “as exceções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extingam o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.
A prescrição constitui uma excepção peremptória de tipo preclusivo, ou seja, a sua verificação preclude a indagação sobre a situação jurídica controvertida apresentada pelo autor, in casu sobre o facto constitutivo do direito prescrito. É certo que logicamente se pressupõe a ocorrência daquele facto, mas trata-se de uma operação intelectual cujo desenlace não carece da prova desse facto (neste sentido, vide Lebre de Freitas, “A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, página 106, nota 60, página 113, nota 78 e “A Confissão no Direito Probatório”, 2.ª edição, Coimbra Editora, páginas 457 a 459).
Não merece, pois, provimento o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
2. O recurso subordinado do Ministério Público.
A improcedência do recurso interposto pela Autora prejudica a apreciação e decisão do recurso subordinado apresentado pelo Réu Estado Português.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pela Autora, enquanto parte vencida.
Porto, 15.03.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre