Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01292/13.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:ARRESTO; NULIDADE; FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS;
FUNDADO RECEIO; REPERCUSSÃO DO IMPOSTO
Sumário:1. Na decisão do arresto sem audiência do requerido, o juiz não tem que discriminar os fundamentos de facto da decisão nos termos do artigo 607.º do Código de Processo Civil;
2. Pelo que não padece da nulidade a que aludem os artigos 123.º, n.º 2, e 125.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 615.º, n.º 1, alínea b) a decisão de arresto que não procede a tal discriminação.
3. O requerente do arresto que pretenda beneficiar da presunção legal estipulada no n.º 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve invocar os factos de que deriva a obrigação de retenção ou repercussão do imposto;
4. Não beneficia da presunção a que alude o n.º anterior o requerente que se limita a invocar que estão em causa dívidas de IVA e a disposição legal que consagra essa presunção.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Serralharia..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. A Fazenda Pública recorreu da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que indeferiu o arresto de bens de Serralharia ..., Lda., n.i.f. 5…, com domicílio indicado no Lugar…, concelho de Vila Nova de Cerveira.

Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«II – Conclusões:

1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente improcedente, por não provado, o requerido Arresto.

2. Douta sentença que, a nosso ver, e salvaguardando o devido respeito, ao não especificar “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, é nula, por força do disposto nos artigos 123º, nº 2, e 125º do CPPT; bem como por força do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º, e no artigo 615º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/01, aqui aplicáveis por força do disposto na alínea e) do artigo 2º do CPPT.

3. Sem prescindir do antes alegado, afigura-se-nos, salvaguardado o devido respeito, que a douta sentença ora em crise, no que respeita à dívida de IVA, padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a causa e à interpretação e aplicação das correspondentes normas jurídicas.

4. Ao que se depreende da leitura da douta sentença ora em crise, foi entendido (e bem, a nosso ver) verificar-se, in casu, o pressuposto a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 136º do CPPT – “Existência (ou probabilidade) de um crédito de imposto (imposto este que, tanto pode estar já liquidado como em fase de liquidação)”.

5. Diversamente do que foi entendido relativamente ao pressupostos a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 136º do CPPT, foi entendido na douta sentença ora em crise (e mal, a nosso ver), não ter ficado suficientemente provado, no que respeita à dívida de IVA, “que haja um fundado receio de dissipação e delapidação do património do recorrido (garantia da cobrança do crédito tributário), por parte do sujeito passivo em causa”.

6. Tem-se por assente, atento, nomeadamente, o teor do item 1.3.2 da informação a que se refere o nº 2do artigo 31º do RCPIT, a qual constitui o documento nº 1 do requerimento de Arresto, que a recorrida é devedora à Fazenda Pública de IVA, em fase de liquidação, nos montantes de €9.557,75 (ano de 2009); €5.153,95 (ano de 2010) e €1.376,60 (ano de 2011).

7. A Administração Fiscal beneficia da presunção legal consignada no nº 5 do artigo 138º do CPPT, pelo que não necessita de provar os factos consubstanciadores do “fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis” – circunstância prevista na alínea a) do nº 1do mesmo artigo – por via do disposto nos artigos 344º, nº 1 e 350º do Código Civil.

8. Ao decidir como decidiu, no que respeita à dívida de IVA, a M.ma Juiz do Tribunal “a quo”, por inadequada interpretação e valoração dos factos assentes e relevantes e por violação do disposto no n.º 5 do artigo 136º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como do disposto nos artigos 344º, nº 1, e 350º do Código Civil, terá incorrido em erro de julgamento.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve a douta sentença ora em crise ser declarada nula, com todas as legais consequências ou caso assim não seja entendido, deve anular-se a douta decisão em apreço, no que respeita à dívida de IVA, com todas as legais consequências.

1.2. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A fls. 92, a M.mª Juiz a quo lavrou douto despacho de sustentação.

Neste tribunal, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão e que, com tal fundamento, deve ser dado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. Do objeto do recurso

São questões a decidir a de saber se a decisão recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto ou se, assim não se entendendo, a M.mª Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação das regras do ónus probatório ao concluir que não ficou suficientemente provado o fundado receio de dissipação e delapidação do património do recorrido.

3. Da nulidade da decisão recorrida

Alega a Recorrente que a douta sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, por força do disposto nos artigos 123.º, n.º 2, e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como por força dos números 3 e 4 do artigo 607.º e do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/01.

O que é corroborado pela Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta (quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto), dizendo que «Na realidade a sentença não fundamenta a matéria de facto e não aprecia criticamente os documentos juntos aos autos com relevância para a decisão», citando os artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 653.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º alínea b) do Código de Processo Civil, apelando à jurisprudência firmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2002/05/29 (recurso n.º 228/02) e de 2003/02/12 (recurso n.º 1850/02) e invocando na doutrina JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2006, pág. 906, nota 5.

E, na verdade, a questão só se coloca quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto, visto que, como decorre instantaneamente de fls. 74, a M.mª Juiz a quo não deixa de indicar as normas legais em que se baseia e os termos em que as interpreta.

Está em causa a decisão proferida em providência cautelar de arresto, sendo que o artigo 139.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário manda aplicar ao arresto o disposto no Código de Processo Civil em tudo o que não for especialmente regulado naquela secção. E como naquela secção nada se dispõe sobre os requisitos da decisão do arresto, importa atender ao que neste último Código se dispõe sobre a matéria.

Todavia, as disposições do Código de Processo Civil que regulam o processamento das providências cautelares também não contêm nenhum normativo que incida sobre os requisitos da decisão do arresto, pelo que importa apelar às normas que regem sobre a decisão dos incidentes da instância – artigo 365.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Dispõe, então, o artigo 295.º deste Código que às decisões respetivas se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no seu artigo 607.º. Ou seja, às decisões das providências cautelares aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições que regem sobre a elaboração na sentença, o que significa que nelas deve o juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…).

Temos como certo, no entanto, que a decisão da providência cautelar só deve elaborada nestes termos quando deva constituir uma sentença, isto é, quando a decisão da providência tenha a estrutura de uma causa – artigo 152.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. E a decisão só pode ter a estrutura de uma causa depois da audição da parte contrária, visto que, até lá, não existe uma causa constituída entre as partes mas a pretensão de uma delas.

E o arresto é decidido sem audição da parte contrária. A oposição ao arresto é que é decidida com as posições de ambas as partes. Razão porque se entende que é por despacho que o juiz decide o arresto e é por sentença que decide a oposição ao arresto (neste sentido, vd. Alberto dos Reis, in «Comentário ao Código de Processo Civil», volume 2.º, pág. 58).

Aliás, na interpretação que julgamos adequada dos preceitos em análise, o juiz que defere a providência cautelar do arresto não julga provados os factos em que assenta a conclusão de que a existência do crédito é provável: limita-se a julgar sumariamente indiciados esses factos. Porque a apreciação dos elementos probatórios em que se apoia é necessariamente provisória e assenta em meros juízos de verosimilhança.

Não se concede, por isso, que a douta decisão recorrida padeça do vício que lhe é imputado. Pelo que o recurso não pode merecer provimento por aqui.

4. Do erro de julgamento

A outra razão pela qual a Recorrente não se conforma com a douta decisão recorrida é o facto de se ter ali considerado que não ficou suficientemente provado, pelos elementos carreados pela Fazenda Pública que existisse fundado receio de perda da garantia patrimonial.

E a Recorrente não se conforma com esse entendimento por uma razão fundamental: porque beneficia da presunção legal consignada no n.º 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Sendo que quem beneficia de uma presunção não tem que fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Em bom rigor, quem beneficia de uma presunção legal não tem que fazer a prova dos factos constitutivos, mas não fica por isso dispensada da sua alegação. Deve entender-se, porém, que o requerente do arresto fica dispensado da prova e da alegação dos factos que consubstanciem o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários se alegar e demonstrar perfunctoriamente que estão em causa dívidas referentes a impostos que o requerido estivesse obrigado a reter ou a repercutir a terceiros. Ou seja, deve entender-se que das circunstâncias que indiciem a obrigação de retenção ou repercussão de imposto deriva a presunção legal do fundado receio a que alude a alínea a), do n.º 1 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por isso, quando esteja em causa imposto que o requerido deva reter ou repercutir a terceiros, o requerente do arresto fica dispensado de alegar e demonstrar o fundado receio. Em vez disso, alega e demonstra a probabilidade de existirem as circunstâncias de que deriva a obrigação de retenção ou repercussão.

Sucede que a Recorrente não só não alegou as circunstâncias de que deriva a obrigação de retenção ou repercussão, com nem sequer invocou que o sujeito passivo estivesse obrigado a reter ou a repercutir o imposto em causa. Limitou-se a invocar a norma em que se sustenta a presunção (cfr. o artigo 6.º da douta petição inicial).

É certo que na informação que instrui o requerimento inicial e à qual alude o artigo 31.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, se conclui «pela existência de fortes indícios de que a empresa terá subtraído valores à sua faturação». E é verdade que, no imposto sobre o valor acrescentado, a repercussão é concretizada pela exigência de adição do imposto ao preço mencionado nas faturas referentes à alienação de bens ou prestação de serviços sujeita.

Mas também é verdade que não é ali dado nenhum indicador sobre as operações em causa e que a repercussão do imposto não é obrigatória em todas as operações sujeitas, como decorre do artigo 36.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Pelo que o recurso não pode ter provimento.

5. Conclusões

5.1. Na decisão do arresto sem audiência do requerido, o juiz não tem que discriminar os fundamentos de facto da decisão nos termos do artigo 607.º do Código de Processo Civil;

5.2. Pelo que não padece da nulidade a que aludem os artigos 123.º, n.º 2, e 125.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 615.º, n.º 1, alínea b) a decisão de arresto que não procede a tal discriminação.

5.3. O requerente do arresto que pretenda beneficiar da presunção legal estipulada no n.º 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve invocar os factos de que deriva a obrigação de retenção ou repercussão do imposto;

5.4. Não beneficia da presunção a que alude o n.º anterior o requerente que se limita a invocar que estão em causa dívidas de IVA e a disposição legal que consagra essa presunção.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 27 de Fevereiro de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Paula Ribeiro