Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02743/10.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, ARTIGO 24.º, N.º 1, ALÍNEAS A) OU B) DA LGT, CULPA, ÓNUS DA PROVA
Sumário:
Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na alínea b) do preceito, o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:MCM, Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença na parte recorrida
Julgar a Oposição parcialmente improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso, no tocante às dívidas de IVA do ano de 2006.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 28/02/2014, que julgou procedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1821200601102532, instaurada contra “MCM, Lda.”, para cobrança de dívidas respeitantes a IVA do ano de 2006 e de coimas aplicadas em sede de processos de contra-ordenação referentes ao ano de 2008, no montante global de €4.642,64, revertida contra MCMC, NIF 15xxx41, com domicílio fiscal na Rua M…, Leça da Palmeira, na qualidade de gerente e responsável subsidiária.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efectuada contra a aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 1821200601102532 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças de Matosinhos 1 para cobrança de dívidas de IVA do ano de 2006 e Coimas do ano de 2008, em que é executada a devedora originária MCM Lda., NIPC 50xxx30.
B. A oponente foi subsidiariamente responsabilizada pelas dívidas, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, conforme consta no despacho de reversão, a fls. 61 dos autos.
C. Decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade da oponente para a execução, decorrente do facto de a AT não ter logrado fazer a prova da culpa desta na inexistência de bens da devedora originária, cujo ónus da prova sobre a AT, alegadamente, recairia.
D. Contudo, não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, porquanto, tendo a oponente exercido a gerência de facto da sociedade aquando do fim do prazo de pagamento de parte das dívidas de IVA aqui em causa, é sobre ela que recai o ónus da prova de que a falta de pagamento das mesmas não lhe é imputável, conforme dispõe a al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
E. Falta de culpa que a oponente não provou, nem sequer alegou.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido parcial provimento ao recurso, no tocante às dívidas de IVA do ano de 2006.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se em analisar o invocado erro de julgamento de facto e de direito na apreciação da ilegitimidade da Oponente.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados:
1. No Processo de Execução Fiscal 1821200601102532 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de Matosinhos - 1, em que é devedora original "MCM, Lda.". NIPC 50xxx30 visa-se a cobrança coerciva dívidas referentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado do exercício de 2006 e de coimas aplicadas em 2008 acrescidas de juros no montante global de €4.642,64 cfr documentos juntos a fls. 17 e seguintes dos autos;
2. A Oponente, MCMC, consta como gerente da sociedade, devedora originária desde a sua constituição, em 15.11.2004. juntamente com JMMFS — Cfr. Certidão da Conservatória do Registo Comercial constante de fls. 7 e seguintes dos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. A sociedade, devedora originária, obrigava-se com a assinatura de apenas um dos dois gerentes - cfr. Certidão da Conservatória do Registo Comercial constante de fls. 7 e seguintes dos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. A Oponente e JS (outro gerente), tomaram à exploração um restaurante - facto que resulta dos depoimentos prestados;
5. Os dois dividiram entre si a organização e funcionamento do restaurante que exploravam, estando a Oponente responsável pela cozinha e JS, pela sala - facto que resulta dos depoimentos prestados;
6. A Oponente estava sempre no restaurante, que era o seu local de trabalho, assumindo todas as compras necessárias ao funcionamento da cozinha, tanto no que respeita a que produtos deviam ser comprados e em que quantidades - facto que resulta dos depoimentos prestados;
7. Efectuava os pagamentos dos frescos que ela própria adquiria - facto que resulta dos depoimentos prestados;
8. As decisões relativas ao funcionamento do restaurante eram tomadas pelos dois gerentes, conjuntamente - facto que resulta dos depoimentos prestados;
9. A Oponente estava a par de todas as decisões relativas ao restaurante;
10. A sociedade trabalhava com uma "conta caucionada" da qual a Oponente era fiadora - facto que resulta dos depoimentos prestados,
11. Em 12.10.2006 a Oponente renunciou à gerência da sociedade identificada em 1 – cfr. Certidão da Conservatória do Registo Comercial constante de fls 7 e seguintes dos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais,
12. Quem veio a assumir a cota da Oponente naquela sociedade, aquando da sua renúncia, foi AMS, com quem vive em união de facto - cfr. Certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 7 e seguintes dos autos e dos depoimentos prestados;
13. No âmbito do Processo de Execução Fiscal identificado em 1. foi apurado, em 14.07.2008, que à devedora originária não são conhecidos quaisquer bens penhoráveis - cfr. auto de diligência de fls.25 dos para cujo teor se remete e o qual se dá por inteiramente reproduzido para os efeitos legais;
14. No exercício do direito de audição a Oponente alegou nunca ter exercido, de facto, a gerência da sociedade, devedora originária, sendo que a gerência e condução de todos os negócios estava atribuída a JMMFS pelo que requer que a execução não prossiga os seus termos contra si extinguindo os seus termos quanto a si - cfr. fls. 29 e seguintes dos autos, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
15. Foi proferido o despacho de Reversão da execução contra a Oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. fls. 61 e seguintes do Processo administrativo apenso aos autos, constando de relevante o seguinte:
Relativamente à demonstração de que a Oponente exerceu a gerência de facto:
"(...) informação da Conservatória do Registo Comercial (...)
Na mesma informação e pela Ap. 02/2006.10.12, foi efectuada a cessação de funções de gerência por renúncia de MCMC, data de renúncia 2006.10.12; Pelo ofício do Instituto de Solidariedade e Segurança Social — CRSS do Porto. verifica-se a sua renúncia à gerência em 11.10.2006.
Consultados os elementos informáticos existentes neste Serviço de Finanças (…) verifica-se que a mesma auferiu rendimentos de trabalho dependente (categoria A) durante os anos de 2006 e 2007 provenientes da entidade pagadora "MCM, Lda” NIPC 507 103 530, aqui devedora originária.
Nestes termos. estando concretizada a audição da responsável subsidiária e tendo em consideração que, face aos documentos que antecedem, está comprovada a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário e o exercício da gerência de facto pela responsável subsidiária nos períodos em causa, e não tendo sido carreados factos novos que impeçam a concretização da reversão, determino o prosseguimento da reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária MCMC.
Com a seguinte fundamentação:
· Inexistência de bens penhoráveis o devedor originário (art 153° n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário);
· O contribuinte em questão exerceu funções de administrador nos períodos em causa — art. 24° n. °1 b) da Lei Geral Tributária.
(...)
16. A 03.03.2010 a Oponente foi citada para a Execução na qualidade de Revertida — cfr. fls. 62 e 63 dos autos;
17. A 26.03.2010, deu entrada a presente Oposição, cfr. carimbo aposto no rosto da da Petição Inicial constante de fls. 3 e seguintes dos autos.
Factos não provados:
Não existem outros factos com pertinência para a decisão. As demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto / direito, meras considerações pessoais do oponente ou são inócuas para a boa decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou se com base nos documentos e informações constantes do processo referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados. os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Foram ainda ponderados os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a saber: DAGP, AMS e JMMFS.
A primeira das testemunhas a ser inquirida, que era, simultaneamente, cliente e fornecedor do restaurante, esclareceu que a Oponente trabalhava no restaurante onde assumia a cozinha, nunca foi ela quem lhe fez alguma encomenda, vendia toalhas e guardanapos, nem interferia relativamente às quantidades ou qualidade dos produtos que lhe eram encomendadoss, refere contudo em episódio em que as tolhas vieram com uma medida mais pequena, em que a Oponente lhe disse "atenção que eu quero as toalhas…”, chamando a atenção para os tamanhos das mesmas.
AMS, que vive em união de facto com a Oponente, esclareceu que JS convidou MC para entrar numa sociedade uma vez que já a conhecia e sabia que ela cozinhava muito bem; sabe que ela fazia as encomendas da parte da cozinha e que até fazia alguns pagamentos, pelo menos dos produtos frescos que ia buscar directamente ao mercado;
JMMFS, esclareceu que a Oponente como era cozinheira contactava com essa parte dos fornecedores, no que respeita a contratar pessoal, ela contratava as pessoas para a cozinha e ele para a sala, no que respeita à parte bancária apesar de ser ele quem tratava de tudo, a Oponente estava a par de todos os pagamentos e decisões, o restaurante trabalhava com uma conta caucionada onde figurava como fiadora a Oponente, referiu até que esta conta "foi feita através dela". Apesar da sociedade se obrigar apenas um uma assinatura o banco exigia que os cheques fossem assinados pelos dois. Quando a Oponente resolveu sair da sociedade - para poder obter reforma o que não conseguia como sócia-gerente - quem assumiu o seu lugar na sociedade foi o seu companheiro, AMS.”
Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil, com base na prova documental ínsita nos autos, adita-se ao probatório o seguinte:
16. Parte das dívidas referidas em 1. respeitam a IVA do primeiro trimestre do ano de 2006, no montante de €1.669,43, cuja data limite de pagamento terminou em 15/05/2006 – cfr. certidão de dívida a fls. 18 do processo físico.
17. As dívidas referidas em 1. incluem IVA do segundo trimestre do ano de 2006, no montante de €3.191,06, cuja data limite de pagamento terminou em 16/08/2006 – cfr. certidão de dívida a fls. 49 do processo físico.
18. As dívidas referidas em 1. incluem, também, IVA do terceiro trimestre do ano de 2006, no montante de €404,52, cuja data limite de pagamento terminou em 15/11/2006 – cfr. certidão de dívida a fls. 51 do processo físico.
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2. O Direito
Mostrando-se assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise do objecto do recurso jurisdicional, que envolve indagação acerca da ilegitimidade da Recorrida no âmbito da presente execução. Contudo, a Recorrente somente não se conforma com o julgamento de total procedência da oposição, dado que apenas é objecto do recurso parte das dívidas de IVA. Na verdade, a Fazenda Pública não concorda com o entendimento de que a Oponente é parte ilegítima para a totalidade da execução, decorrente do facto de a AT não ter logrado fazer a prova da culpa desta na inexistência de bens da devedora originária, cujo ónus da prova sobre a AT, alegadamente, recairia, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, porquanto, tendo a Oponente exercido a gerência de facto da sociedade aquando do fim do prazo de pagamento de parte das dívidas de IVA aqui em causa, é sobre ela que recai o ónus da prova de que a falta de pagamento das mesmas não lhe é imputável, conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT.
Nestes termos, está excluída do objecto do recurso a parte das dívidas referentes ao IVA do terceiro trimestre de 2006 e as coimas relativas a 2008.
Para conceder abrigo à pretensão da ora Recorrida, a decisão recorrida ponderou a prova da culpa da Oponente na situação de facto verificada, de incapacidade da sociedade solver as suas dívidas fiscais, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
No que concerne às dívidas de IVA de 2006, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT, o qual estabelece que:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Quanto ao âmbito de aplicação das referidas alíneas contidas no citado artigo 24.º da LGT, o Acórdão do STA, de 14-02-2013, Proc. n.º 642/12, refere que:
“[a] alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.) (…)”
Na situação dos autos, o despacho de reversão efectua o enquadramento jurídico no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, referindo que o contribuinte em questão exerceu funções de administrador nos períodos em causa. Tal enquadramento permite concluir que a gerência da executada e devedora originária, ao tempo da ocorrência dos factos geradores da dívida, bem como do seu pagamento, era exercida pela aqui Recorrida.
No entanto, o probatório inculca a ilação de que a Oponente foi gerente de direito e gerente de facto até 12/10/2006, conclusão que não se mostra questionada no presente recurso.
Nesta medida, cremos que a análise desta matéria terá de ser efectuada com outro rigor e, quanto ao objecto do presente recurso, com outro rumo relativamente ao exposto na decisão recorrida, onde, genericamente, se enquadra toda a situação na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, sem extrair quaisquer consequências do que ficou definido no probatório e sem considerar os factos que somente agora foram aditados ao mesmo.
Pois bem, in casu, temos dívidas tributárias cujo facto constitutivo ocorreu no período do exercício do cargo de gerente (IVA de 2006) e o prazo legal de pagamento ou entrega terminou durante esse exercício para as dívidas do IVA do primeiro e do segundo trimestres (15/05/2006 e 16/08/2006), ou seja, a gerente ainda exercia funções à data em que parte das dívidas foi posta à cobrança (exerceu a gerência de facto e de direito até 12/10/2006). No que tange às dívidas do IVA do terceiro trimestre, o prazo legal de pagamento ou entrega terminou depois (15/11/2006) de a gerente ter renunciado à gerência em 12/10/2006 e é por este motivo que a Recorrente aceita que, nesta parte, bem como quanto às coimas de 2008, se mantenha o julgamento efectuado na sentença recorrida.
Ora, ao contrário do decidido no tribunal recorrido, no concernente às dívidas de IVA do primeiro e segundo trimestres, caberá à aqui Recorrida provar que não lhe é imputável a falta de pagamento ou entrega desse IVA.
Quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, perante a aludida norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, ultrapassada que está a questão da gerência (que era a única questão colocada na petição de oposição, mas que não é objecto do presente recurso, estando, por isso, decidida), é ponto assente que a Recorrida não logrou provar, como lhe competia, que não foi por culpa sua que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para solver tais dívidas, sendo que, não provando esta falta de culpa na diminuição do património, como lhe cabia, não poderia também, por este fundamento, a oposição, nessa parte, deixar de improceder.
Neste ponto, cumpre notar que a lei estabelece aqui uma presunção de culpa do gerente pelo não pagamento do imposto e para ilidir esta culpa o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo, ou seja, terá de alegar e provar factos dos quais resultem a impossibilidade do pagamento - porque não está em causa o acto do não pagamento, mas a impossibilidade de efectuar tal pagamento.
Ora, a posição da ora Recorrida estava condenada ao insucesso ab initio, pois que não são alegados quaisquer factos que demonstrem que não foi por culpa sua que o património da executada originária se tornou insuficiente para satisfação dos créditos fiscais.
Com efeito, na sua petição inicial, a aqui Recorrida limitou-se a afirmar ser parte ilegítima, porquanto não é responsável pelo pagamento da dívida, uma vez que não lhe é imputável a falta de pagamento. Contudo, neste âmbito, quedou-se por defender que não se apropriou ou teve intenção de se apropriar de tais quantias, reconduzindo a ausência de responsabilidade à constatação de nunca ter exercido, de facto, o cargo de gerente – cfr. os primeiros artigos da petição de oposição.
Pois bem, perante esta alegação, claramente conclusiva e circunscrita ao não exercício efectivo da gerência (já se mostrando decidida, como vimos, a questão da gerência de facto), sendo que estão em causa, em parte, dívidas relativas ao período de exercício do seu cargo, não constitui surpresa o facto de a pretensão da Oponente, quanto às dívidas de IVA do primeiro e segundo trimestres, estar condenada ao insucesso.
Na verdade, aquilo que se retira do exposto é que a Oponente deveria ter alegado factos concretos em sede de petição inicial (o que não fez), restando apenas constatar que a factualidade apurada nos autos é insuficiente para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que a Recorrida não é responsável pela falta de pagamento das liquidações de IVA do primeiro e segundo trimestres que constituem a dívida exequenda; até porque trata-se de matéria que teria de ser explicitada e desenvolvida no sentido de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus administradores, nomeadamente a ora Recorrida, o que implicava a descrição da evolução da actividade da sociedade durante o período em que surgiram as dívidas exequendas, para traduzir de forma cabal as condições e de que forma se desenvolveu a actividade da sociedade e a situação da mesma na altura em que deixou a referida sociedade, em 12/10/2006, para, com este enquadramento, se poder evidenciar a ausência de culpa da Recorrida pela falta de pagamentos das referidas liquidações que constituem a dívida exequenda, o que significa que tem de concluir-se no sentido de que a Oponente não fez prova de tal matéria, pois que no regime do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, a AT não tem que provar essa culpa.
Nesta sequência, resulta claro que os elementos presentes nos autos não fornecem qualquer contributo no sentido de se poder dizer que a Oponente, aqui Recorrida, alegou e/ou invocou a sua falta de culpa, o que equivale a dizer que não foi ilidida a referida presunção de culpa, o que significa que tem de proceder a alegação da Recorrente nesta sede, não podendo manter-se a decisão na parte recorrida, concretamente no que concerne às dívidas apontadas de IVA do primeiro e segundo trimestres.
Assim, na procedência das conclusões do recurso, impõe-se conceder provimento ao mesmo e revogar a sentença na parte recorrida.
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Conclusão/Sumário
Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na alínea b) do preceito, o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
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IV. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a Oposição parcialmente improcedente, não devendo extinguir-se a execução fiscal quanto à Oponente no que tange às dívidas de IVA, referentes ao primeiro e segundo trimestres de 2006.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, na proporção do decaimento; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Devendo, ainda, considerar-se o benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Custas a cargo da Recorrente, somente em primeira instância, na proporção do decaimento.
Porto, 11 de Julho de 2019
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães