Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00437/04.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS VS FORNECIMENTO DE MATERIAIS
COEFICIENTE APLICÁVEL
JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A lei prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (artigo 3.º do CIRS), com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade (artigo 28.º, n.º 1, do CIRS).
II - No regime simplificado de tributação, o rendimento líquido é determinado pela aplicação do coeficiente de 0,20 à venda de bens materiais e de 0,65 aos restantes rendimentos da categoria B [rendimentos empresariais e profissionais] (artigo 31.º, n.º 2, do CIRS).
III - Sendo de qualificar como prestação de serviços com fornecimento de materiais (artigo 1207.º e 1210.º, n.º 1, do Código Civil) as operações económicas praticadas pelo sujeito passivo, o rendimento líquido resultante da actividade assente nessas operações determina-se pela aplicação do coeficiente de 0,65 ao valor global das operações, ainda quando o sujeito passivo orçamente e facture separadamente ao cliente o fornecimento dos materiais e da mão-de-obra.
IV - A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem e, não o fazendo, aquele acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:G...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 05/05/2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G..., NIF 1…, com domicílio fiscal em …, 3600 Castro Daire, contra a liquidação de IRS n.º 5132821580, relativa ao ano de 2002, com imposto a pagar de €28.632,77 e juros compensatórios de €238,48.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos, com a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2002, apurada em ação inspetiva e com base na qual foram detetadas irregularidades que determinaram a realização de correções de natureza meramente aritmética da matéria tributável;
b) O julgador alicerça a procedência da presente impugnação no facto das correções efetuadas pela AT terem considerado a totalidade das receitas declaradas pelo impugnante como prestação de serviços, e em face disso lhe ser aplicável o coeficiente de 0,65 e não de 0,20, independentemente do rendimento do impugnante contemplar ou não a venda de mercadorias e de produtos, sendo que, na óptica do Tribunal «a quo» “o facto de o sujeito passivo apenas se encontrar coletado para o exercício da atividade de “Construção de Edifícios” não o impede de realizar vendas de mercadorias”;
c) No caso em apreço o impugnante encontrava-se coletado apenas pela atividade de “Construção de Edifícios” (CAE 45211), que consiste na prestação de serviços (construção civil) com aplicação de materiais, encontrando-se enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento coletável;
d) No ano de 2002 o impugnante emitiu faturas e registou-as no montante global de € 130.534,05, sendo que as mesmas foram registadas na rubrica de vendas de mercadorias e produtos no montante de € 106.820,05 e a título de prestações de serviços e outros rendimentos no valor de € 23.714,00;
e) As correções meramente aritméticas levadas a efeito pela AT prendem-se com a consideração de que, consistindo a atividade desenvolvida pelo impugnante na prestação de serviços (construção civil) com aplicação de materiais, os rendimentos auferidos constituem, na sua globalidade, rendimentos de prestações de serviços, a que se aplica o coeficiente de 0,65;
f) No âmbito da ação inspetiva o impugnante entregou declaração de substituição em que considerou como prestação de serviços o montante de € 130.534,05 (ponto 3 do probatório), tendo, posteriormente, apresentado nova declaração de IRS em que indicou no Anexo B como vendas de mercadorias e produtos o montante de € 106.820,05 (cujo coeficiente aplicável seria 0,20) e como prestações de serviços e outros rendimentos o valor de € 23.714,00 (cujo coeficiente aplicável seria 0,65), declaração que foi convolada em reclamação graciosa, cujo indeferimento constitui o objeto dos presentes autos (pontos 7 a 12 do probatório);
g) Ora, a atividade para a qual o impugnante se encontra coletado consubstancia a prestação de serviços de construção civil (CAE 45211) com aplicação de materiais, nunca tendo procedido à alteração da atividade exercida no sentido de se registar para o exercício de uma atividade de venda de material, nem tão pouco estava registado, em simultâneo, para a realização de duas atividades - uma de prestação de serviços e outra de venda de material;
h) No caso dos autos, não estamos claramente perante atividade de transmissão de bens, mas prestação de serviços, embora com incorporação de material, o que em nada retira o caráter de prestação de serviços à atividade exercida, conforme decorre do CIVA, art.º 4º, nº. 2, c) e nº. 6 e art.º 3º, nº. 1;
i) A incorporação de material não pode ser encarada de forma autónoma para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado e do desempenho da atividade do impugnante, uma vez que esses materiais apenas são acessórios em relação à obra a executar;
j) A douta decisão judicial, no modesto entender da Fazenda Pública, labora em erro, pois que, para poder operar-se a tributação nos termos aí definidos, era pressuposto que o impugnante estivesse inscrito/coletado por duas atividades – uma de prestação de serviços e outra de venda de material a terceiros, o que não sucede no caso dos autos;
k) Não se pode descurar que o impugnante estava coletado no exercício em questão por uma atividade de prestação de serviços (construção civil), uma vez que apenas realiza obras (prestação de serviços), para as quais compra material para nelas ser utilizado, mas sem que tal facto transforme esses materiais em vendas de mercadorias, até porque tal qualificação não tem suporte legal, considerando que o impugnante não desempenhava uma qualquer atividade de venda de materiais;
l) O que redunda na conclusão de que, desempenhando o impugnante uma atividade de prestação de serviços, embora com incorporação de material estritamente necessário á execução das obras, todas as faturas emitidas e proveitos obtidos têm de qualificar-se como prestação de serviços;
m) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.º 31º do CIRS e art.º 3º e 4º, ambos do CIVA;
n) Por se ter considerado verificado tal vício de violação de lei – no raciocínio seguido pelo Tribunal “a quo” a Administração Fiscal considerou aplicável o coeficiente da prestação de serviços [0,65] à alegada transmissão de bens e produtos – o Mmo Juiz determinou a procedência total da impugnação, anulando, nessa conformidade, a liquidação objeto dos autos;
o) Todavia, do corpo da douta decisão recorrida, resulta que “analisadas as faturas emitidas e registadas pelo impugnante, verifica-se que nelas se encontra especificado o montante global dos serviços prestados, bem como dos materiais aplicados e que as mesmas se fazem acompanhar de mapas de apuramento nos quais se encontram discriminados os materiais aplicados.
Também, a perícia realizada à contabilidade do sujeito passivo permitiu concluir que os valores constantes das faturas emitidas foram devidamente discriminados no que respeita ao material e à mão-de-obra, perfazendo a venda de material o montante de 76.820,05€ e a mão-de-obra o valor de 53.714,00€, correspondendo a venda de material a 58,85% dos proveitos” – o que, aliás, encontra substrato factual nos pontos 19 e 20 do probatório;
p) Por conseguinte, e de forma a consequenciar a factualidade considerada provada com a fundamentação de direito vertida na douta sentença recorrida deveria o Mmo Juiz anular parcialmente a liquidação na medida da diferença entre a liquidação submetida pelo impugnante (em que declarou como vendas de mercadorias e produtos o montante de € 106.820,05 e como prestações de serviços e outros rendimentos o valor de € 23.714,00, cfr. ponto 7 do probatório) e o resultante da análise e instrução dos presentes autos de impugnação – o Mmo Juiz considerou, aliás, em conformidade com a perícia realizada, que dos € 130.534,05 declarados pelo sujeito passivo 76.820,05€ correspondiam a venda de mercadorias e produtos e 53.714,00€ correspondiam a prestação de serviços;
q) Com efeito, constituindo o objeto dos presentes autos a liquidação submetida pelo sujeito passivo em que declarou tais valores, que, aliás, foi convolada em reclamação graciosa de cujo indeferimento foi interposta a impugnação judicial dos autos, não tendo o Tribunal concluído pela correção ou veracidade dos elementos declarados em tal declaração, antes decidindo por valores divergentes, nunca poderia ter decidido pela procedência total da presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada;
r) Entendia, portanto, o sujeito passivo, em conformidade com a declaração que submeteu, que do total das receitas declaradas de € 130.534,05, €106.820,05 respeitavam a vendas de mercadorias e produtos (sujeitos ao coeficiente de 0,20) e €23.714,00 eram referentes a prestações de serviços e outros rendimentos (sujeitos ao coeficiente de 0,65);
s) Por seu turno, era entendimento da inspeção que sendo a atividade exercida pelo impugnante uma atividade de prestação de serviços (construção civil) deveria, a totalidade das receitas (€ 130.534,05) ser declarada como prestação de serviços, sujeita ao coeficiente de 0,65;
t) Finalmente, considerou o Mmo Juiz, em conformidade com a perícia realizada, que do total de receitas de € 130.534,05 declarados pelo sujeito passivo 76.820,05€ correspondiam a venda de mercadorias e produtos (e, como tal, sujeitos ao coeficiente de 0,20) e 53.714,00€ correspondiam a prestação de serviços (sujeitos ao coeficiente de 0,65);
u) Nestes termos, nunca poderia o Mmo Juiz concluir pela procedência total da impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada, antes se impondo decisão conforme à fundamentação, de facto e de direito, vertida nos autos – tributação de acordo com os valores aí discriminados;
v) No caso dos autos, a matéria coletável é constituída pelo valor das receitas declaradas pelo sujeito passivo, sendo a taxa aplicável fixa (aplicação do coeficiente de 0,65 ás prestações de serviços e outros rendimentos e de 0,20 à venda de mercadorias e produtos), daí que a anulação parcial da liquidação consubstancia-se numa operação meramente aritmética de aplicação do respetivos coeficientes aos valores apurados;
w) Em suma, para proceder totalmente a impugnação dos autos deveriam ter sido confirmados os valores declarados pelo sujeito passivo na reclamação graciosa cujo indeferimento constitui o objeto dos presentes autos – 106.820,05€ a título de venda de mercadorias e 23.714,00 € a título de prestação de serviços;
x) Não tendo sido confirmados tais valores, porque não o foram – o Tribunal considerou como vendas de mercadorias o valor de 76.820,05€ e como prestação de serviços o montante de 53.714,00€ – deveria o segmento decisório da douta sentença recorrida ser limitado à anulação parcial da liquidação de IRS do exercício de 2002, na parte correspondente;
y) Pelo que também nesta parte a douta decisão recorrida terá que ser revogada.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de, JUSTIÇA!
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, devendo a impugnação ser julgada improcedente ou, quando muito, parcialmente procedente, limitando-se à anulação parcial da liquidação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no artigo 31.º do CIRS e nos artigos 3.º e 4.º, ambos do CIVA.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 2002, o Impugnante encontrava-se coletado pelo exercício da atividade de “Construção de Edifícios” [CAE 45211] e enquadrado, para efeitos de IRS, no regime simplificado de tributação. – cfr. fls. 11 do processo de reclamação graciosa apenso.
2. Em 23.04.2003, o Impugnante apresentou a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2002, indicando no anexo B valores de vendas de mercadorias e produtos no montante de 106.820,05 € e prestações de serviços e outros rendimentos no valor de 23.714,00 €. – cfr. fls. 28 do processo de reclamação graciosa apenso.
3. O Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu. – cfr. fls. 11 do processo de reclamação graciosa apenso.
4. No âmbito da referida ação inspetiva, a Administração Tributária concluiu que a atividade efetivamente exercida pelo Impugnante era prestação de serviços e não transmissão de bens e/ou produtos, pelo que a totalidade das receitas deveria ter sido inscrita como prestação de serviços.
5. Em 15.07.2003, o Impugnante apresentou uma declaração de substituição declarando como prestações de serviços e outros rendimentos a quantia de 130.534,05 €.
6. Pela Administração Tributária foi emitida a liquidação de IRS n.º 5132821580, relativa ao ano de 2002, com valor a pagar de 28.871,25 €, com o seguinte teor:
- imagem omissa -
[cfr. doc. 1 junto com a petição inicial].
7. Em 23.09.2003, o Impugnante apresentou nova declaração de IRS, indicando no anexo B valores de vendas de mercadorias e produtos no montante de 106.820,05 € e prestações de serviços e outros rendimentos no valor de 23.714,00 €. – cfr. fls. 3/8 do processo de reclamação graciosa apenso.
8. A declaração referida no ponto anterior não foi liquidada, tendo sido convolada em reclamação graciosa. – cfr. fls. 24 do processo de reclamação graciosa apenso.
9. Em 23.12.2003, dá entrada no Serviço de Finanças de Castro Daire a exposição escrita constante de fls. 2 do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
10. Em 10.02.2004, pela Divisão da Justiça Tributária foi elaborada a informação de fls. 28/29 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
11. A informação referida no ponto anterior foi sancionada pelo Diretor de Finanças de Viseu, por delegação. – cfr. fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso,
12. Por despacho datado de 15.03.2004, foi indeferida a reclamação graciosa. – cfr. fls. 32 do processo de reclamação graciosa apenso.
13. Constam do processo de reclamação graciosa apenso, mais concretamente, de fls. 13 a 22 cópias das faturas e documentos conexos emitidas pelo Impugnante no ano de 2002, cujo teor se tem por reproduzido.
14. Não tendo o Impugnante procedido ao pagamento da liquidação no prazo de pagamento voluntário, foi extraída certidão de dívida e instaurado o processo de execução fiscal n.º 2526200301000562, em 31.12.2003. – cfr. informação de fls. 52 dos autos.
15. No âmbito do referido processo foi efetuada a penhora de dois imóveis, para garantia do pagamento da dívida. – cfr. informação de fls. 52 dos autos.
16. Os autos de execução fiscal encontram-se suspensos desde 18.04.2004. – cfr. informação de fls. 52 dos autos.
Mais se provou que,
17. O Impugnante, à data dos factos, era titular do alvará emitido pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário, doravante I.M.O.P.P.I. – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.
18. Os valores constantes das faturas emitidas no ano de 2002 foram devidamente discriminados no que respeita ao material e à mão-de-obra.
19. No ano de 2002 a venda de material perfez o montante de 76.820,05 € e a mão-de-obra o valor de 53.714,00 €.
20. A venda de material corresponde a 58,85% dos proveitos.
21. As compras de material encontram-se devidamente escrituradas, ascendendo a 86.801,54 €.
3.2. Factos não provados:
Para além dos factos elencados supra, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra discriminado em cada um dos pontos do probatório.
A prova dos factos elencados sob os pontos 18 a 21 resultou do teor do relatório pericial a fls. 74/78 dos autos, considerando o Tribunal não existir motivo para não aderir à posição do perito.”

2. O Direito

A questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a Administração Fiscal, errou nos pressupostos de facto e de direito ao considerar a totalidade dos rendimentos declarados do Impugnante/Recorrido, enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, como rendimentos de prestações de serviços, para efeitos de determinação do coeficiente aplicável, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS.
Alega a Recorrente que o impugnante se encontra unicamente colectado pela actividade de construção de edifícios (CAE 045211) e não por duas actividades (a de transmissão de bens e a de prestação de serviços), enquadrando-se no regime simplificado de determinação do rendimento colectável. E que, no caso dos autos, estamos apenas perante a actividade de prestação de serviços com incorporação de material, pois tal incorporação não pode ser encarada como uma forma autónoma para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado e do desempenho da actividade do impugnante, uma vez que esses materiais apenas são acessórios em relação à obra a executar. E que o próprio impugnante, no decurso da acção de fiscalização que lhe foi realizada, apresentou uma declaração de substituição onde declarou a totalidade de rendimentos como prestações de serviços, sendo a liquidação efectuada com base em tal declaração. [cfr. conclusões a) a m) das alegações de recurso]
A sentença considerou que a Administração Fiscal errou nos pressupostos de facto e de direito ao considerar a totalidade dos rendimentos declarados do Impugnante/Recorrido, enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, como rendimentos de prestações de serviços, para efeitos de determinação do coeficiente aplicável nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS, tendo concluído que o facto de o sujeito passivo apenas se encontrar colectado para o exercício da actividade de “Construção de Edifícios” não o impede de realizar vendas de mercadorias. E sendo certo que a sua actividade consiste na prestação de serviços de construção civil com aplicação de material, nada obsta a que, tendo o material sido adquirido e pago pelos clientes, encontrando-se devidamente discriminado nas facturas emitidas e dispondo o Impugnante de documentos de aquisição de materiais, que seja aplicado o coeficiente correspondente à venda de mercadorias, pelo que, nessa medida e por se tratar de um sujeito passivo enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor facturado e declarado das vendas de mercadorias e do coeficiente de 0,65 ao valor facturado e declarado da prestação de serviços, no exercício fiscal de 2002.
O Código do IRS prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B, sendo um com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou outro com base na contabilidade (artigo 28.º, n.º 1, do CIRS).
Dispõe o n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27.12, que, “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: 30 000 00$00 (€149.739,37);
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20 000 000$00 (€99.759,58)”.
Assim, verificados os pressupostos, o regime regra de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos é o regime simplificado. Porém a aplicação automática (ex lege) pode ser afastada por opção do sujeito passivo titular dos rendimentos, exercida nos termos previstos no n.º 4 do artigo 28.º, do CIRS.
Preceitua o n.º 1 do art.º 31.º do CIRS que“[a] determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica”.
E o n.º 2 do mesmo artigo preceitua: “Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a metade do valor anual do salário mínimo nacional mais elevado”.
Os rendimentos provenientes da categoria B – “Rendimentos empresariais e profissionais” – estão previstos no artigo 3.º, nºs 1 e 2, do CIRS.
Por seu turno, no n.º 2 do artigo 89.º da Lei Geral Tributária prevê-se que sejam anualmente definidos indicadores objectivos de base técnico-científica da rentabilidade ou margens de lucro da actividade económica.
No entanto, até a presente data, tais indicadores objectivos não foram aprovados, aplicando-se na sua falta, à determinação dos rendimentos tributáveis no regime simplificado, os coeficientes indicados naquele n.º 2 do artigo 31.º do CIRS (ou 53.º, n.º 4, do CIRC).
O Impugnante/Recorrido pretende que, ao valor facturado das vendas de mercadorias e produtos (ou venda de materiais), deve ser aplicado o coeficiente de 0,20 e ao valor facturado separadamente das prestações de serviço (restantes rendimentos da categoria), o coeficiente de 0,65, nos termos daquele n.º 2 do artigo 31.º do CIRS.
Relembramos que a Recorrente entende que o impugnante se encontra unicamente colectado pela actividade de construção de edifícios (CAE 045211), não se estando perante uma actividade de transmissão de bens, mas de prestação de serviços com incorporação de materiais.
A Recorrente entende que actividade para a qual o impugnante se encontra colectado consubstancia a prestação de serviços de construção civil (CAE 045211), nunca tendo procedido à alteração da actividade exercida, no sentido de se registar para o exercício de uma actividade de venda de material, nem tão pouco estava registado, em simultâneo, para a realização de duas actividades - uma de prestação de serviços e outra de venda de material – cfr. conclusão g) das alegações de recurso.
E que, no caso dos autos, não estamos claramente perante actividade de transmissão de bens, mas prestação de serviços, embora com incorporação de material, o que em nada retira o carácter de prestação de serviços à actividade exercida, conforme decorre do CIVA, artigo 4.º, n.º 2, c) e n.º 6 e artigo 3.º, n.º 1 – cfr. conclusão h).
A questão principal é a de saber se do ponto de vista jurídico, ou da substância económica, se podem caracterizar as operações económicas que o impugnante factura como “fornecimentos de materiais”, como de verdadeira venda de mercadorias e de produtos se tratassem, devendo ser aplicado ao respectivo valor o coeficiente de 0,20 na determinação do rendimento tributável em IRS.
O Impugnante/Recorrido alega na petição inicial que no desenvolvimento da sua actividade de construção civil, na modalidade de empreitadas, aplica materiais e mão-de-obra e que, quando efectua uma determinada obra, aplica materiais previamente adquiridos e discrimina nas facturas que emite ao cliente o montante dos serviços prestados e o dos materiais aplicados.
A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica sobre tal questão. Vejam-se os Acórdãos do STA, de 16/11/2016 e de 15/02/2017, proferidos no âmbito dos processos n.º 0379/16 e n.º 01238/16, respectivamente. Esta questão já foi apreciada e decidida por este tribunal em situações em tudo idênticas à presente, como por exemplo, nos Acórdãos do TCAN, de 14/07/2016, de 10/11/2016, de 16/03/2017, de 20/04/2017, de 04/05/2017 e de 11/10/2017, proferidos no âmbito dos processos n.º 01505/04.0BEVIS, n.º 1215/07.6 Viseu, n.º 1097/04.0 Viseu, n.º 1351/04.0BEVIS, n.º 1349/04.9BEVIS e n.º 864/05.1BEVIS, respectivamente.
Apoiamo-nos no Acórdão deste TCAN, de 14/07/2016, processo n.º 01505/04.0BEVIS, cuja fundamentação sufragamos, e, por isso, transcrevemos, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise:
“(…) Ora, isso não consubstancia uma operação típica de compra e venda que tem como objecto essencial a transmissão de bens, ou seja, a transferência da propriedade das mercadorias e produtos para o comprador cujo principal, se não único interesse, é o da sua aquisição, embora podendo implicar por parte do fornecedor uma qualquer actividade acessória com relação ao bem fornecido, nomeadamente de instalação ou montagem – cf. art.º874.º, do Código Civil.
Como está bem de ver, se alguém contrata a pintura geral de uma moradia com fornecimento das tintas, não é pelo facto de o pintor facturar separadamente a execução do serviço de pintura e a tinta empregue nessa execução que pode dizer-se que ele praticou uma operação de venda de tintas ao cliente e uma outra de prestação de serviços de pintura.
Em situações como essa, a que se reconduz a dos autos, está-se perante uma típica prestação de serviços com fornecimento dos materiais necessários à sua execução.
De acordo com o disposto no art.º1154.º do Código Civil, «Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
O contrato de prestação de serviços pode apresentar diferentes modalidades, sendo uma delas o contrato de empreitada, «…pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço» – art.º1207.º do Código Civil.
Dispõe o n.º1 do art.º1210.º do Código Civil que no contrato de empreitada «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção em contrário».
Assim, o contrato de empreitada, diferentemente do de compra e venda, tem como elemento essencial a realização de uma obra, mediante um preço.
As operações que os autos revelam são de qualificar como típicas prestações de serviços em que o impugnante no desenvolvimento da sua actividade ajusta com o cliente trabalhos de acabamentos ou outros de construção civil, aceitando realizá-los com aplicação de materiais e mão-de-obra por si fornecidos, que factura separadamente. Mas o facto de o fazer não descaracteriza juridicamente as operações, nem a sua substância económica da actividade assente em tais operações, como verdadeiras prestações de serviços e não vendas de bens materiais.
É certo que a presunção implícita de que os custos da actividade de prestação de serviços representam apenas 35% (e não 80% como no caso da venda de mercadorias e de produtos) dos proveitos ou da receita, pode não ter aderência à realidade, nem reflectir a capacidade contributiva do sujeito passivo.
No entanto, é bom lembrar que no regime simplificado de tributação a AT preocupa-se unicamente com as operações activas (geradoras dos proveitos da actividade – cf. art.º20.º do CIRC e 3.º e 32.º do CIRS), já que os custos imputáveis a tais operações são presumidos nas percentagens de 80% para a actividade de venda de mercadorias e de produtos e de 35% para a actividade de prestação de serviços.
Nem venha o impugnante esgrimir com razões de ordem constitucional decorrentes da violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (art.º104.º da CRP).
Na verdade, o regime simplificado não é legalmente imposto ao sujeito passivo com determinado volume de receita (art.º28.º, n.º2, do CIRS), apenas se aplica automaticamente a esses contribuintes, mas pode ser afastado por opção expressa desses contribuintes pelo regime de contabilidade organizada (art.º28.º, n.º4 do CIRS).
E isso é assim exactamente porque o coeficiente aplicável à actividade de prestação de serviços pode conduzir, em concreto, a distorções muito significativas nos resultados, a recomendar a opção pelo regime de contabilidade organizada (como alegadamente será o caso do impugnante em que o valor relativo dos materiais fornecidos para a execução das obras é muito significativo), embora com perda das vantagens associadas ao regime simplificado ao nível das obrigações acessórias (cf. artigos 31.º, n.º2 da LGT, 32.º do CIRS e 115.º e 116.º do CIRC).(…)”.
Transpondo para o caso sub judice a jurisprudência supra citada, a sentença incorreu em erro de julgamento ao qualificar como venda de bens os materiais fornecidos pelo Recorrido aos clientes para realização das obras que efectua e por ele facturados a esses clientes separadamente do fornecimento de mão-de-obra, uma vez que em causa estão típicas prestações de serviços com fornecimento dos materiais necessários a realização da obra (artigos 1207.º e 1210.º, n.º 1 do Código Civil).
Assim, o rendimento líquido resultante da actividade assente nessas operações económicas determinar-se-á pela aplicação do coeficiente 0,65 ao valor global das operações, ainda quando o sujeito passivo orçamente e facture separadamente ao cliente o fornecimento dos materiais e da mão-de-obra, tendo implícita uma presunção de que os custos associados a essas operações representam 35% da receita (e não 80% como no caso das vendas de bens materiais).
A sentença incorreu, por isso, em erro de julgamento ao decidir noutro sentido, não podendo manter-se na ordem jurídica.
Encontra-se, ainda, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pela Recorrente.

Na sentença foi considerado prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada pelo impugnante na sua petição inicial, quanto à liquidação de juros compensatórios.
Revogada a sentença, importa conhecer de tal questão.
Defende o impugnante que da liquidação impugnada não se apura a taxa de tributação efectiva, nem os dias da contagem dos juros compensatórios, o que constitui vício de forma por ausência ou falta de fundamentação, conducente à anulação da liquidação na parte dos juros compensatórios.
Ora, sobre esta factualidade a Fazenda Pública omitiu pronúncia na sua contestação.
Não podemos esquecer que o juiz aprecia livremente a falta de impugnação especificada de factos – cfr. artigo 110.º, n.º 7 do CPPT.
Efectivamente, na impugnação judicial, a falta de impugnação especificada dos factos é apreciada livremente pelo juiz, pelo que não poderíamos, sem mais, considerar que tais factos se mostram admitidos por acordo, por não terem sido impugnados. Mesmo porque sobre eles é susceptível a produção de prova documental.
Mas, por outro lado, salientamos que somente se encontra junto aos autos o processo de reclamação graciosa e que, por esse motivo, foi expressamente notificada a Fazenda Pública para remeter o processo administrativo – cfr. fls. 107 a 109 do processo físico.
Contudo, a Fazenda Pública não o efectuou, com o argumento, em 19/02/2015, de que não procedeu à organização do mesmo, a que alude o artigo 111.º do CPPT, porquanto os elementos relevantes para a apreciação da impugnação constavam já do procedimento de reclamação graciosa, junto aos autos com a contestação. O certo é que dos autos nem sequer consta o procedimento inspectivo realizado ao impugnante, credenciado pela OI 33290, mas também o respectivo processo não foi junto por não ter sido possível a sua localização – cfr. fls. 110 do processo físico.
Assim, ainda que existisse algum documento contemporâneo da liquidação contendo a fundamentação da liquidação dos juros compensatórios (distinto da notificação), a verdade é que o órgão periférico local da liquidação não organizou o processo administrativo, nem o remeteu ao representante da Fazenda Pública, em incumprimento do disposto no artigo 111.º do CPPT e, aparentemente, não o terá efectuado, mesmo posteriormente, por impossibilidade de localização dos elementos que deveriam integrar o processo administrativo – cfr. artigo 111.º, n.º 2 do CPPT.
Ora, estas circunstâncias obviam a que se proceda a qualquer instrução acrescida (e contraditório), dado que a falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade (como é o caso) – cfr. artigo 84.º, n.º 6 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT; Esta aplicação subsidiária justifica-se, uma vez que não se prevê no CPPT um regime especial para o não acatamento da ordem de envio do processo administrativo.
Desde já se diga, portanto, que a matéria de facto apurada é tão-só a que consta da decisão da matéria de facto, fundada, além do mais, no teor dos documentos juntos aos autos, que não foi colocada em causa e, por isso, se mostra estabilizada.
Nesta conformidade, releva unicamente, para a decisão da questão colocada acerca dos juros compensatórios, a factualidade vertida no ponto 6 do probatório, consubstanciada no teor da liquidação reproduzida por imagem.
É inquestionável que a liquidação de juros compensatórios, como acto tributário que é, está sujeita a fundamentação.
Como é sabido, as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de acto, a não participação do interessado no procedimento anterior ao acto ou, no caso da participação, a extensão desta. No que respeita aos juros compensatórios, admitimos que as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo. Eventualmente, ainda que com algumas reservas, admitimos que nem sequer se exija a referência à norma legal ao abrigo da qual os juros foram liquidados, pois é do conhecimento geral que se o atraso na liquidação do imposto devido for imputável ao contribuinte há lugar à liquidação de juros compensatórios.
Admitimos, ainda, que se considere que a fundamentação do “atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte” se baste com a mera referência ao acto omitido que o originou, concedendo-se que o vertido no ponto 5 do probatório fosse suficiente; de todo o modo, nessa parte, não vem posta em causa a fundamentação.
Também no que se refere à culpa, aceitamos que a fundamentação se baste com a descrição da conduta quando, como no caso, esta assuma a natureza de ilícito. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária – cfr. a este propósito, o Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 16/12/2010, proferido no processo com o n.º 578/10.
No entanto, há ainda uma declaração mínima que se nos afigura indispensável para que se cumpram as exigências legais de fundamentação que visam, afinal, que o contribuinte possa optar conscientemente entre conformar-se com o acto, aceitando a sua legalidade, ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente. Nesse conteúdo mínimo da declaração fundamentadora deverá conter-se a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis – cfr., neste sentido, o Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 11/02/2009, proferido no processo com o n.º 1002/08.
Só perante esses elementos o contribuinte poderá verificar se a liquidação foi ou não efectuada de acordo com a lei e o tribunal, se tal lhe for solicitado, poderá desempenhar a sua tarefa de sindicância dessa legalidade. Ora, no caso sub judice não há indicação de qualquer desses elementos: não há qualquer indicação do montante do imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios; não há referência à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos juros; não há qualquer menção das datas que terão sido consideradas como sendo as do início e do termo do prazo de contagem desses juros.
Nem se diga que estamos perante mera operação aritmética e que, por isso, não se requeria maior detalhe na sua fundamentação, pois, antes da aplicação da taxa ao montante de imposto, essa sim mera operação aritmética, haverá que determinar qual o imposto sobre o qual devem ser liquidados os juros, qual a taxa ou taxas aplicáveis e qual o período sobre o qual devem ser contados –cfr. Acórdão do STA, de 30/11/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0619/11.
No caso, a Administração Tributária, atento o teor da liquidação emitida, conforme consta do ponto 6 do probatório, não faz qualquer referência a esses elementos e, assim, não podemos ter a fundamentação como suficiente.
Nesta conformidade, não obstante a liquidação, como vimos, se mantenha parcialmente na ordem jurídica, não pode o acto deixar de ser anulado na parte referente à liquidação dos juros compensatórios, por vício de falta de fundamentação; impondo-se, por isso, julgar a impugnação parcialmente procedente.

Conclusões/Sumário

I - A lei prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (artigo 3.º do CIRS), com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade (artigo 28.º, n.º 1, do CIRS).
II - No regime simplificado de tributação, o rendimento líquido é determinado pela aplicação do coeficiente de 0,20 à venda de bens materiais e de 0,65 aos restantes rendimentos da categoria B [rendimentos empresariais e profissionais] (artigo 31.º, n.º 2, do CIRS).
III - Sendo de qualificar como prestação de serviços com fornecimento de materiais (artigo 1207.º e 1210.º, n.º 1, do Código Civil) as operações económicas praticadas pelo sujeito passivo, o rendimento líquido resultante da actividade assente nessas operações determina-se pela aplicação do coeficiente de 0,65 ao valor global das operações, ainda quando o sujeito passivo orçamente e facture separadamente ao cliente o fornecimento dos materiais e da mão-de-obra.
IV - A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem e, não o fazendo, aquele acto enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação parcialmente procedente, anulando somente a liquidação na parte respeitante aos juros compensatórios.
Custas a cargo das partes em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 1% a cargo da Fazenda Pública e 99% a cargo do Recorrido; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que o Recorrido não contra-alegou.
Porto, 12 de Abril de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro