Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00177/04.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Cristina da Nova
Descritores:SISTEMA VIES, PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE TRANSPORTE INTRACOMUNITÁRIO, DÉFICE INSTRUTÓRIO NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1-Não se pode dizer que a fundamentação não é compreensível, atendendo ao homem médio, normal e razoável, quando se faz apenas referência ao sistema VIES, no caso, da fundamentação ser dirigida a um operador de prestação de serviços de transporte intracomunitário de bens que necessariamente tem de saber, ainda que de forma genérica, o que é o sistema VIES;

2- A fundamentação não é totalmente assertiva quando se reconduz a dizer que o número de identificação fiscal e a denominação social não corresponde ao indicado no cadastro VIES quando se inscreve o número de contribuinte nele indicado, n.º 811 563 683, diligência esta empreendida pela AT em 2003 relativamente a uma operação de prestação de serviços a uma empresa sedeada na Alemanha, Colónia, no ano de 2001, concluindo que as faturas não cumprem os pressupostos essenciais para que as operações estejam isentas. [art. 6.º, n.º 12 do CIVA];

3- Considerando o tempo que medeia entre a data da consulta do sistema VIES e a data da operação económica impunha-se que a AT empreendesse as necessárias diligências informativas da situação da referida empresa, a razão de existir a tal falta de correspondência entre o n.º de identificação fiscal e a denominação social. O sistema VIES, em determinadas circunstâncias, nem sempre é capaz de fornecer dados fiáveis relativos às operações intracomunitárias.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

M., Lda. veio recorrer da sentença que julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional do IVA do ano de 2001.

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 143-155) as seguintes conclusões que se reproduzem:

«1.ª O Tribunal a quo deixou de fora da sua decisão relativa à matéria de facto, factos relevantes com base nos quais se fundamentava a impugnação das liquidações de IVA, e que assumem relevo capital para o acertado julgamento do mérito da pretensão da recorrente.
2.ª Atenta a prova documental produzida nos autos, o Tribunal devia ter dado como provados os seguintes factos:
a) A E. GmbH, era uma sociedade de responsabilidade limitada, com sede em Colónia (até 26 de Março de 2001) e em Frechen após essa data (fls. 48);
b) Essa sociedade era sujeito passivo de IVA registado na Alemanha e, de acordo com pesquisa efectuada ao VIES em 28 de Julho de 2010, estava-lhe atribuído o n.º de IVA 812833957, o qual cessou em 30 Abril de 2004 (fls. 81);
c) A AT não efectuou, antes da liquidação, qualquer diligência para apurar se a E. GmbH, era sujeito passivo de IVA na Alemanha e qual o seu NIF alemão.
d) A fls. 59, com data de 23 de Outubro de 2007, o Tribunal notificou o RFP para que se informasse “se o n.º de contribuinte DE 812833957, apontado no artigo 28.º da p.i., corresponde à E., GBMH/ E., GBMH e se esta liquidou IVA relativamente às facturas que suportavam as liquidações ora impugnadas;
e) A Fls. 80 o RFP, requer a junção aos autos do fax datado de 29/7/20101 cujo teor se dá como reproduzido.
f) De acordo com a informação de fls. 81, é, em 2010, impossível formular qualquer pedido às autoridades alemãs quanto ao facto a saber se a E. GmbH liquidou IVA quanto às facturas que suportavam as liquidações ora impugnadas.
Requerendo-se, consequentemente, a modificação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC;
3.ª A explicitação racional do acto tributário na parte em que selecciona a realidade “subsumível” às normas que refere “Da análise realizada à facturação da prestação intracomunitária do ano de 2001, foram detectadas situações de não liquidação do IVA, sem apoio legal em facturas emitidas ao cliente 21.1.002 – E., GBMH/Europol -, uma vez que o n.º de identificação fiscal e a denominação social não corresponde ao indicado no cadastro VIES, quando se inscreve o n.º de contribuinte nelas indicado DE-(…)” - não é inteligível tendo em conta a figura do destinatário normal, médio ou razoável, que, na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão.
4.ª A AT refere-se ao VIES sem esclarecer, no mínimo que fosse, o que tal sigla representa, tão pouco referindo por extenso a sua designação completa (“Vat Informations Exchange System”) ou a sua origem, estrutura, funcionamento e razão de ciência.
5.ª Quando aceita que o VIES é uma realidade inteligível por qualquer técnico de contas, o Tribunal afasta-se explicitamente da exigência de clareza e acessibilidade do discurso fundamentador. o qual deve ser claro e susceptível de ser compreendido não por qualquer técnico com formação altamente especializada, mas sim por qualquer pessoa medianamente capaz, quando colocada na posição do real destinatário. O que, in casu, é particularmente notório que a referência ao VIES, tão pouco será imediatamente compreendida por muitos profissionais com formação superior, quanto mais pelo padrão do “homem médio, normal e razoável”.
6.ª Por outro lado, contrariamente ao que transparece da decisão recorrida, a referência ao VIES não é, na economia da fundamentação administrativa, meramente instrumental dado que foi através do VIES que a AT aferiu dos pressupostos da prática do acto, porquanto quando desse sistema se retira uma consequência imediata para pressupor uma realidade subsumível pela AT a um dado regime legal, está-se perante um elemento nuclear da actividade administrativa abrangido pela esfera tutelar do direito á fundamentação desse tipo de actos, como a própria sentença, seis linhas volvidas, acaba por reconhecer ao afirmar que “em face da resposta negativa do VIES estão reunidos os pressupostos do acto do Fisco”.
7.ª Não sendo uma fundamentação acessível, a liquidação nela suportada padece, pois de ilegalidade, nos termos previamente defendidos na impugnação das liquidações, por violação do disposto no artigo 77.º da LGT e 268.º da CRP.
8.ª A não coincidência de um determinado NIF com o cadastro/registo do VIES não determina, só por si, a não aplicação do regime legal previsto no artigo 6.º, n.ºs 12 e 14 do CIVA.
9.ª Como sistema de informação multi-estadual comunitário, que em natureza é o VIES, vive do lançamento na base de dados dos elementos fiscais relevantes, por parte dos seus operadores, e, nessa medida, podem ocorrer lapsos ou erros de registo de dados.
10.ª A função vital do VIES é meramente informativa e não certificativa; donde ser inadmissível que unicamente com base nele se possa ter por existente ou inexistente uma dada situação material tributária: a informação do VIES apenas pode valer como ponto de partida da investigação da administração e não como prova documental tarifada de que os factos existem ou não existem.
11.ª Constata-se no presente caso que as facturas continham do ponto de vista formal todos os requisitos legalmente exigidos para a dispensa da liquidação de IVA ao adquirente dos serviços, sendo que, como bem salienta o ilustre representante do Ministério Público junto do TAF de Coimbra, os poderes do sujeito passivo estão limitados a uma prova prima facie, não lhe sendo exigível uma averiguação inquisitorial sobre a autenticidade dos documentos e a sua correspondência material com a realidade, o que, de resto, envolveria poderes que não estão nas suas atribuições, nem lhe são permitidos”.
12.ª Nessa medida, a recorrente, perante os elementos constantes das facturas, actuou dentro da legalidade, não liquidando IVA a um sujeito passivo alemão, registado para efeitos de IVA e que utilizou um número de identificação fiscal daquele país.
13.ª A AT limita-se a afirmar que o NIF não consta do VIES não tendo realizado qualquer diligência probatória complementar para apurar o “porquê” dessa situação, procurando saber, entre o mais, se efectivamente a “E.” era, ou não, sujeito passivo de IVA registado na Alemanha e, em caso afirmativo, qual o seu NIF actual e pretérito.
14.ª Ora, a falta de realização pela AT dessas diligências implica uma instrução deficiente do procedimento por violação das regras do inquisitório e do dever de imparcialidade pelos quais se devia nortear e ter norteado a sua actividade, o que, no caso, é tanto mais flagrante atenta a ulterior tramitação do procedimento às ordens do Tribunal, e de onde resultam os seguintes elementos: apura-se (1) que a E. Gmbh, é efectivamente sujeito passivo de IVA, com o NIF n.º (…), o qual foi cancelado em 2004 (cf. fls. 81 e 82); e que, (2) à data da inspecção (2003) teria sido possível saber se essa empresa tinha liquidado o IVA relativamente às facturas em causa, mas que, em 2010, não é sequer possível solicitar essa informação às autoridades alemãs, apesar da promoção ser de 2007.
15.ª Essa violação entra inclusivamente por dentro do julgamento, quando a AT demora 3 anos a responder a um despacho e, racione temporis, afirma não ser possível solicitar parte da informação requerida às autoridades alemãs, o que constitui uma manifesta violação dos deveres de colaboração das partes com o tribunal, nos antípodas pela descoberta da verdade material.
16.ª Tudo confluindo, pois, na conclusão de que estavam preenchidos os pressupostos para a não liquidação de IVA e que a liquidação adicional fica a dever-se à violação do princípio do inquisitório, da verdade material e da imparcialidade porquanto, no momento oportuno, a AT absteve-se de apurar a realidade pertinente para a correcta aplicação do regime legal.
TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.»
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A recorrida, F.P. não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso, na concordância com a sentença recorrida.
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Sem vistos, com a anuência dos Exmos. Juízes adjuntos, vai o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, a saber:
[i]Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, carecendo de aditamento em face dos documentos dos autos de fls. 48 e 81;
[ii]Se incorreu igualmente em erro de direito ao considerar o ato de liquidação estava fundamentado, fazendo uma leitura errada do documento emitido em 29-07-2010, não tendo a AT, também, empreendido as diligências instrutórias para substanciar a sua conclusão de inexistência de faturas nas trocas intracomunitárias.
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3. FUNDAMENTOS de FACTO
Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
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A impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção interna que incidiu sobre o ano de 2001, no âmbito do qual foi elaborado o relatório final de fls. 7 e sgs do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
ffl-2.3) — Facturas com identificação fiscal e denominação social — Não coincidentes no VIES
Da análise realizada à facturação da prestação de serviços intracomunitária do ano de 2001, foram detectadas situações de não liquidação de IVA, sem apoio legal, em facturas emitidas ao cliente 21.1.002 - E., GBMH / E., GBMH, uma vez que o número de identificação fiscal e a denominação social não corresponde ao indicado no cadastro do VIES, quando se inscreve o número de contribuinte nelas indicado - DE-(...).
Esta situação contraria a alínea a) do n.º 5 do art. 35.º do CIVA, onde é explicito que as facturas devem conter, a denominação social e a sede do prestador de serviços, bem o correspondente número de identificação fiscal.
As facturas em causa respeitam a operações isentas — q) n.º 1 art. 14º — e não tributáveis — nº 12 art. 6.º - ambos do CIVA., e consequentemente não há nelas qualquer liquidação de IVA, que nestes casos será efectuada pelo adquirente dos serviços sediado noutro pais comunitário, desde que esteja assegurado o preceituado naqueles artigos:
- n.º I alínea q) do art. 14.º - “Estão isentas de imposto: q) As prestações de serviços, com excepção das referidas no art. 9.º deste diploma, que se relacionem com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados-membros, quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo do imposto, dos referidos na alínea a) do nº 1 do art 2º, devidamente registado em imposto sobre o valor acrescentado e que tenha utilizado o respectivo número de Identificação para efectuar a aquisição.”
- nº 12 do Art. 6.º - “As prestações de serviços de transporte intracomunitário de bens não serão, contudo, tributáveis, ainda que se situe no território nacional o lugar de partida do transporte, quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, noutro estado membro e que tenha utilizado o respectivo número de identificação fiscal para efectuar a aquisição.”
Ora nas circunstâncias em que foram emitidas as facturas, não existe cumprimento dos pressupostos essenciais para que as operações estejam “isentas — q) n.º 1 -Art.14.º — “e “não sejam tributáveis — n.º 12 - Art.6.º- uma vez que aquele número de identificação fiscal, não permite verificar se o adquirente é sujeito passivo registado em IVA, e se utilizou tal número fiscal para efectuar as aquisições, pelo que vai proceder-se á liquidação do respectivo imposto. (Listagem em anexo 1)
2
Segue-se, no relatório, uma enunciação das facturas em tais circunstâncias e as operações de liquidação do IVA (cf. fs. 17).
2
Com base neste relatório, sancionado por despacho de 23/9/2003, foram emitidas e notificadas, para cobrança, à Impugnante as liquidações supra.»

Ao abrigo do art. 712.º, n.º1, al. a) do CPC, [atual art. 662.º] aditam-se os factos que emergem dos documentos referidos pela Recorrente, por se mostrarem relevantes para a economia da questão em dissídio, seguindo a mesma numeração da sentença:
3
A inspeção que consubstanciou o relatório foi realizada entre 11-04-2003 e 07-07-2003 (p.a. apenso)
4
Consta dos documentos de fls. 47 a 50 dos autos, traduzida legalmente do alemão para português que: na Alemanha encontrava-se inscrita e registada em 13-06-2001 a sociedade E. GmbH, com sede Colónia, constituída por contrato de sociedade em 8-12-1999, a sede foi alterada por deliberação em 26-03-2001, sendo o registo de 13-06-2001, em 07-10-2002 foi registada a denominação social de K., com sede em Frechen;
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Do fax junto pela Fazenda Pública, a fls. 81 dos autos consta que:
. de acordo com os dados do registo de operadores intracomunitários (cadastro VIES) confirma-se o n.º de identificação do IVA da Alemanha 812833957 está atribuído à empresa E., Gmbh
. o recurso aos mecanismos da cooperação administrativa intracomunitária prevista no Regulamento da (CE) n.º 1798/2003 tem subjacentes determinadas regras que devem ser respeitadas, nomeadamente, prazos que as administrações fiscais dispõem para poderem solicitar informações às empresas ou realizar ações de inspeção, em geral 4 ou 5 anos.
. Nestas circunstâncias e dado que as operações de que é pedida informação foram realizadas em 2001, torna-se impossível formular o pedido, tanto mais que de acordo com o cadastro VIES, o n.º de identificação IVA 812 833 957 foi cancelado à data de 30/04/2004.
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4. Apreciação jurídica do Recurso.

Estabilizado o acervo factual importa averiguar se a sentença incorreu em erro de julgamento que lhe vem imputado pelas conclusões, consistente na falta de fundamentação do ato de liquidação em virtude da explicação dada não ser acessível nem compreensível por referência ao “homem médio, normal e razoável” e por não ter empreendido as diligências necessárias para se confirmar se a sociedade era um sujeito registado em IVA na Alemanha, padecendo o procedimento de liquidação de défice instrutório.

Vejamos,

A liquidação do IVA esteou-se no seguinte:(…) foram detetadas situações de não liquidação de IVA, sem apoio legal, em faturas emitidas ao cliente 21.1.002 E., Gmbh, uma vez que o número de identificação fiscal e a denominação social não correspondem ao indicado no cadastro VIES quando se inscreve o número de contribuinte nele indicado DE (…);
(…) Ora, nas circunstâncias em que foram emitidas as faturas não existe cumprimento dos pressupostos essenciais para que as operações estejam isentas (al. q) do n.º1 do art. 14.º do CIVA e n.º 12 do art. 6.º do CIVA), uma vez que aquele número de identificação fiscal não permite verificar se o adquirente é sujeito passivo registado em IVA e se utilizou tal número fiscal para efetuar as aquisições. Contraria a al. a) do n. º5, do art. 35.º do CIVA, onde é explicito que as faturas devem conter, a denominação social e a sede do prestador de serviços, bem como o correspondente número de identificação fiscal.
Entende a recorrente que a fundamentação aduzida pela ATA não é inteligível em face de um destinatário normal e razoavelmente diligente.

Não se pode dizer que a fundamentação não é de fácil compreensão, pois, ela vai dirigida a um operador de prestação de serviços de transporte intracomunitário de bens que necessariamente tem de saber, ainda que de forma genérica, o que é o sistema VIES, pelo menos, que é um sistema de controle substitutivo do tradicional controle de fronteiras, ou seja, que se trata dum sistema de intercâmbio eletrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia, às administrações fiscais dos estados-membros envolvidas nas operações, no caso Portugal e Alemanha.

Não se pode deixar de concordar que parte da fundamentação não é totalmente assertiva porque se reconduz a dizer que o número de identificação fiscal e a denominação social não corresponde ao indicado no cadastro VIES, quando se inscreve o número de contribuinte nele indicado, n.º 811 563 683, diligência esta empreendida pela AT em 2003 relativamente a uma operação de prestação de serviços a uma empresa sedeada na Alemanha, Colónia, no ano de 2001.
Para de imediato se concluir, sem mais, que nas circunstâncias em que foram emitidas as faturas não existe cumprimento dos pressupostos essenciais para que as operações estejam isentas.

Percebe-se efetivamente que há alguma desconformidade entre a denominação social da empresa e o respetivo n.º de identificação fiscal, mas, considerando o tempo que medeia entre a data da consulta do sistema VIES e a data da operação económica impunha-se que a AT empreendesse as necessárias diligências informativas da situação da referida empresa, a razão de existir a tal falta de correspondência entre o n.º de identificação fiscal e a denominação social.

Com isto, se verifica que o sistema VIES poderá ser, em determinadas circunstâncias, incapaz de fornecer dados fiáveis relativos às operações intracomunitárias, permitindo-se, assim, concluir que as informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos junto das respetivas autoridades ao abrigo da cooperação administrativa intracomunitárias [aliás, como acaba por ser dito pela Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais].

Assim, a AT no exercício de fiscalização deve atuar com isenção e imparcialidade, empreendendo as diligências necessárias para averiguar a verdade material com vista à satisfação do interesse público que subjaz à sua atividade [arts. 55.º e 58.º da LGT].
No caso, impunha-se, inexoravelmente, o dever de diligenciar, atendendo à circunstância temporal dos factos, saber da razão de o sistema VIES naquele momento dar a informação de desconformidade entre o n.º de identificação fiscal e a denominação social da empresa alemã.

A AT como titular da ação procedimental de inspeção tem a seu cargo a respetiva instrução, com larga margem de iniciativa podendo (devendo), desse modo, proceder oficiosamente a diligências tendentes à verificação e comprovação dos factos essenciais ou determinantes para a sua decisão. Acórdãos deste Tribunal de 27-10-2016 e de 18-10-2018, nos processos n.ºs 00957/09 BEVIS e 00472/06 BEVIS.

Ora este défice instrutório ou de investigação levou a que partisse de pressupostos não verificados na realidade tornando o ato de liquidação ilegal.

Com efeito, como resulta do acervo factual a Empresa E., Gmbh, não só existia, como estava registada e para efeitos do IVA possuía n.º de identificação válido, tal como referenciado nas faturas.

Deste modo, a sentença que julgou de modo contrário não se pode manter na ordem jurídica importando, assim, a sua revogação, com a consequente procedência da impugnação.
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5. DECISÃO.

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e, em consequência, julgar procedente a impugnação, com anulação das liquidações do IVA de 2001 identificadas a fls.17 a 26 do processo.
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Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, sendo que nesta instância não há lugar a taxa de justiça por não ter havido contra-alegações.
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Notifique-se.
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Porto, 23 de junho de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) Acórdãos deste Tribunal de 27-10-2016 e de 18-10-2018, nos processos n.ºs 00957/09 BEVIS e 00472/06 BEVIS.