Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00480/17.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:MEDIDA DE ESTIMULO AO EMPREGO- PORTARIA 149-A/2014 DE 24/07.
Sumário:I- Ao contrário do que previa a Portaria 106/2013, de 14/03, com a entrada em vigor da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, os trabalhadores que tenham cessado por iniciativa própria os contratos de trabalho não são contabilizados para efeitos de verificação da manutenção do número de trabalhadores.

II- A denúncia do contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador, é uma situação que não pode ser imputada a conduta da entidade empregadora.

III- Ao determinar que, para efeitos do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego, com o registo de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio “(...) não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa (...)”, a Portaria 149-A/2014, de 24.07, claramente dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1.AA---, Lda., com sede na Zona Industrial (…), moveu a presente ação administrativa contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, com sede na Rua de Xabregas, n.º 52., Lisboa, na sequência do despacho proferido pela Subdelegada Regional do Centro, de 24/02/2017, que determinou a revogação parcial da decisão de aprovação do apoio financeiro, de 01/06/2014, e a devolução da quantia de € 6.212,83, pedindo, em síntese, a sua anulação.
Para tanto, alega, em síntese, que o ato impugnado enferma de erro nos pressupostos, uma vez que o incumprimento do requisito da criação líquida de emprego, que fundamentou a decisão impugnada, resultou da denúncia do contrato de trabalho operada por um seu trabalhador, assim como, de vício decorrente da violação dos princípios da legalidade, da justiça e da razoabilidade.
1.2. Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando, em síntese, que pela contratação do trabalhador relativamente à qual foi concedido o apoio financeiro, a Autora atingiu um nível de emprego de 10 trabalhadores, sendo que no 2ª trimestre após a contratação, não cumpriu com o requisito da manutenção do nível de emprego, acrescentando que a cessação de relação contratual ocorrida, por iniciativa do trabalhador, não se enquadra em qualquer das situações previstas no n.º 8 do art.º 3º da Portaria n.º 106/2013, de 14.03.
1.3. Por despacho de 10.12.2018, foi indeferido o pedido de prestação de garantia formulado pela Autora.
1.4. Proferiu-se despacho, que indeferiu a produção de prova testemunhal por se considerar que o processo contém os elementos necessários para decidir do pedido formulado e dispensou-se a realização da audiência prévia.
1.5. Fixou-se o valor da ação em € 6.212,83, de acordo com o disposto nos artigos 31º, n.º 1 e 32º, n.º 2, do CPTA.
1.6. Proferiu-se sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga procedente a presente ação e, em consequência, anula o despacho da Subdelegada Regional do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, de 24.02.2017.
Condena-se o Réu em custas.
Registe e notifique.»
1.7. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes Conclusões:
«i. Por Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi julgada procedente a ação administrativa interposta por AA---, LDA e, em consequência, anulado o despacho da Subdelegada Regional do Centro, de 24.02.2017, que determinou a revogação parcial da decisão de aprovação do apoio financeiro, de 01.06.2014 e a devolução da quantia de € 6.212,83.
ii. A Recorrida apresentou uma candidatura à medida Estímulo 2013, instituída pela Portaria n.º 106/2013, de 14.03., aprovada por despacho do Delegado Regional do Centro em 28.05.2014.
iii. Resulta dos termos conjugados do artigo 3º, n.º 1, alínea b), n.º 5, n.º 6 e n.º 8 da Portaria n.º 106/2013, de 14.03. que o beneficiário do apoio previsto na Medida Estímulo 2013 terá que registar, a partir da contratação, com periodicidade trimestral, e durante o período de duração do apoio financeiro, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio e que para tal contabilização do nível de emprego não se tem em conta os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, falecimento, reforma por velhice ou de despedimento com justa causa.
iv. O ato administrativo que determinou o reembolso do apoio concedido teve por fundamento o facto da Recorrida ter apresentado, no segundo trimestre posterior à contratação, nove trabalhadores ao seu serviço, quando o nível de emprego a que se obrigou manter era de dez trabalhadores, em virtude da denuncia do contrato de trabalho efetuada pelo trabalhador CC..., em 13.06.2014.
v. Preceitua-se no artigo 8º, n.º 1, da aludida Portaria que o incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da presente portaria implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição, total ou parcial, dos montantes já recebidos, sem prejuízo do exercício do direito de queixa por eventuais indícios da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.
vi. A questão que deu origem ao presente pleito subsiste em saber se, para a contabilização do nível de emprego a que a Recorrida se obrigou a manter a partir da data da contratação apoiada, se deve atender o trabalhador que denunciou o respetivo contrato de trabalho.
vii. Relevou a Douta Sentença recorrida, que em 25.07.2014, entrou em vigor a Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, normativo que criou a Medida Estímulo Emprego, estipulando-se no seu n.º 5 do artigo 3º, a propósito do requisito da manutenção do nível de emprego previsto na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo que, para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 3, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa, por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice, de despedimento com justa causa promovido pelo empregador ou de caducidade de contratos a termo celebrados nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, desde que a empresa comprove esse facto.
viii. Chamando à colação o n.º 2 do artigo 12º do Código Civil, infere, erradamente, o Tribunal a quo, que a Portaria 149-A/2014, de 24.07 dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
ix. Para concluir que a ora Recorrida, à data da verificação do cumprimento do requisito da manutenção do nível de emprego, a mesma registava um número total de trabalhadores igual ao número de trabalhadores atingido por via do apoio, e que era de dez, donde, o ato impugnado incorre erro nos pressupostos, em violação do n.º 5 do art.º 3º da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, o que impõe a sua anulação.
x. Tal tese inculca em grave erro de julgamento, em detrimento da unidade sistema jurídico, da certeza e da segurança jurídicas e de decisões anteriores do Colendo Tribunal Central Administrativo Norte, que consideraram taxativa a enumeração das situações previstas no do n.º 8 do referido artigo 3º da Portaria 106/2013, de 14.03.
xi. A propósito do alcance do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil, decidiu-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-11-1999, nos autos do processo n.º 99B837 que, se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, tem ela, tão só, aplicação aos factos novos. Se a nova regulamentação se conexiona apenas ao direito, sem referência a facto que lhe deu origem, então, essa lei nova, aplicar-se-á às relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, aferindo-se a valoração e o entendimento de que a nova lei incorpora (ou não) nos seus pressupostos os factos geradores pela interpretação dos preceitos, particularmente, a sua ratio e os seus fins.
xii. Realizada esta interpretação, é indiscutível que a cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador não consta das exceções consagradas no nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 27 de agosto.
xiii. De acordo com os princípios gerais de interpretação da lei, quando se procede à interpretação do nº 8 do artigo 3º da Portaria 106/2013, deve atender-se, portanto, à metodologia se extrai do artigo 9.ºdo Código Civil, segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
xiv. No caso em apreço, deve-se entender que foi intenção do legislador deixar de fora do elenco, taxativo, das exceções consagradas no nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 27 de agosto, as situações de cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador, devendo o intérprete presumir que tal foi a intenção real do legislador, acompanha-se a fundamentação do Acórdão pelo Colendo Tribunal Central Administrativo Norte, em 14 de fevereiro de 2020, no âmbito do Proc. 00150/18.7BEVIS.
xv. Com efeito, o elenco do nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, tem carácter taxativo, sendo que a denuncia do contrato por iniciativa do trabalhador apenas veio a ser expressamente prevista, em data posterior, com a entrada em vigor do nº 5 do artigo 3º da Portaria nº 149-A/2014, de 24 de julho.
xvi. O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem, salvo melhor opinião, na lei, toda a correspondência verbal perfeitamente expressa. Atentando na letra da lei, antolha-se que ela expressa de forma inequívoca o pensamento que presidiu à sua elaboração, e que o seu sentido e conteúdo são, exatamente, o que as suas palavras significam.
xvii. Se o legislador quisesse abarcar a situação de denúncia do contrato, certamente que o teria dito, considerando que se deve presumir que o legislador expressou conveniente o seu pensamento; nem se verifica que o pensamento do legislador ficou aquém das situações que previu.
xviii. In casu, não estamos assim perante uma situação em que a letra do texto ficou aquém do seu espírito pois o elemento gramatical da norma ora em causa vai claramente ao encontro do pensamento legislativo.
xix. E tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conclui-se que, por força da alteração da situação económica e social ocorrida entre a vigência de ambas as Portarias, o legislador tenha optado por revogar a Portaria n.º 106/2013 de 14 de março, que regulava a Medida Estímulo 2013, e criado uma nova medida, a Medida Estímulo Emprego.
xx. Aliás, o preambulo da Portaria que instituiu a Medida Estímulo Emprego refere-se à mesma, por diversas vezes como “nova medida”, donde resulta, de forma inequívoca, tratar-se de medidas diferentes, criadas em contextos diversos.
xxi. Assim, a alteração da conjuntura social e económica levou a que o legislador da Medida Estímulo Emprego adotasse a opção legislativa de prever especificamente a denuncia do contrato pelo trabalhador como uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego, norma esta que não pode ser aplicada às candidaturas apoiadas durante a vigência da Medida Estímulo 2013.
xxii. Nesta senda, deveria o Tribunal a quo, chegar a uma interpretação oposta da efetuada sobre a aplicação do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil à questão decidenda.
Com efeito, conforme decidiu o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-11-1999, se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, tem ela, tão só, aplicação aos factos novos, situação esta que se verificou na questão ora em análise.
xxiii. Nestes termos, a Portaria da Medida Estímulo Emprego passou a contemplar a denuncia do contrato pelo trabalhador (facto produtor) como uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho que não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego (efeito), porquanto, a mesma só se aplica a factos novos, i.e., candidatura novas.
xxiv. Esta conclusão reforça-se pelo facto do legislador da Portaria da Medida Estímulo Emprego, optando por apenas abranger candidaturas novas, teve a necessidade de consagrar, expressamente, uma norma transitória – o artigo 12º – que, para o efeito jurídico especificamente nela consagrado, possibilita que os contratos de trabalho a termo certo apoiados no âmbito da Medida Estímulo 2013 pudessem beneficiar do prémio de conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos sem termo previsto na Portaria n.º 106/2013, de 14 de março.
xxv. Ad summam, impõe-se uma interpretação declarativa n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, pois que apenas comporta um sentido, consubstanciado na vontade do legislador que lhe subjaz, de não atender a denuncia ocorrida como uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho que não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego.
xxvi. Por todo o exposto, o ato impugnado, ao anular administrativamente o ato de concessão do apoio financeiro concedido e ao determinar a devolução do respetivo montante, apenas se limitou a lançar mão dos poderes vinculados que resultam, designadamente, dos n.os 1, 3 e 4, todos do artigo 8.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que, face a um incumprimento injustificado, conferem, desde logo, ao aqui Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à Recorrida a obrigação de devolução do apoio, sob pena da respetiva cobrança coerciva, como veio a ocorrer.
Termos em que, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com as legais consequências,
Assim se fazendo a costumada e imperiosa JUSTIÇA!

1.8. A Autora contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:
«1. O recurso a que se responde é absolutamente destituído de fundamento.
2. Deve manter-se integralmente a douta decisão ora recorrida, que consubstancia uma acertada, bem fundamentada e excecionalmente concisa interpretação e aplicação do Direito aos factos.
3. A circunstância que motivou a emanação do ato administrativo impugnado e determinou a revogação parcial do apoio concedido foi a denúncia do contrato de trabalho por um trabalhador ao serviço da Autora/Recorrida (factos 12 e 13).
4. Tal denúncia ocorreu em data posterior à da celebração do contrato de trabalho com o trabalhador BB..., que constituiu o objeto do apoio financeiro e esteve na génese da candidatura (factos 7., 8., 9., 10., 11.).
5. Tendo o contrato de trabalho sido celebrado em Março de 2013 (facto 2), a verificação trimestral da manutenção do nível de emprego que esteve na génese do ato impugnado ocorreria em 31/08/2014.
6. E em momento posterior à revogação da Portaria nº.106/2013 pela Portaria nº.214-A/2014, que entrou em vigor em 25/07/2014, e cujas normas jurídicas são de aplicar ao caso concreto por força do nº.2 do artigo 12º. do Código Civil.
7. Porque a medida criada pela Portaria nº.214-A/2014 constitui a continuidade e o aprimoramento da experiência prática de interpretação e aplicação da Portaria nº.106/2013, como resulta bem patente do respetivo preâmbulo e normas,
8. E porque dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas de apoio financeiro à celebração de contratos de trabalho, independentemente de a sua celebração ter ocorrido na sua vigência ou na vigência da Portaria nº.106/2013.
9. É de aplicar ao caso, no momento da verificação trimestral da manutenção do nível de emprego aqui relevante, 31/08/2014, a norma do nº.5 do artigo 3º. da Portaria nº.149-A/2014, de 24/07.
10. Norma nos termos da qual não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa, para o efeito da verificação trimestral da manutenção do nível de emprego.
11. Não pode ser contabilizado para esse efeito o trabalhador CC..., que fez cessar o contrato de trabalho que havia celebrado com a Autora e Recorrida por sua própria iniciativa, em concreto, na modalidade de denúncia.
12. A Autora/Recorrida mantinha o nível de emprego que se lhe impunha observar ao longo do período de concessão do apoio financeiro, que assim era de nove trabalhadores.
13. O ato impugnado padece de manifesto erro nos pressupostos, como muito bem se entendeu na douta sentença recorrida, que decidiu pela respetiva anulação, com as legais consequências.
***
14. Ainda que não fosse de sufragar o mui douto entendimento e enquadramento jurídico adotado na douta sentença recorrida – o que não se concede, sempre seria igualmente de concluir pela anulação do ato administrativo impugnado.
15. E assim por vício de violação de Lei, consistente em absoluta desconsideração de uma verdadeira lacuna; e por vício de violação dos princípios regentes da atividade administrativa, como sejam nomeadamente os da legalidade, justiça e razoabilidade, prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, consagrados nos artigos 3º., 4º. e 8º. do CPA.
16. Repete-se que a circunstância que motivou a emanação do ato administrativo impugnado e determinou a revogação parcial do apoio financeiro foi a denúncia do contrato de trabalho por trabalhador ao serviço da Autora (factos 12 e 13.
17. E que essa denúncia ocorreu em data posterior à da celebração do contrato de trabalho entre a Autora e o trabalhador BB..., que foi o objeto do apoio, esteve na génese da candidatura (factos 7., 8., 9., 10., 11.).
18. Só num raciocínio excessivamente formalista e numa interpretação e aplicação cega e mecânica da norma do nº.8 do artigo 3º. da Portaria 106/2013 poderia entender-se, que a denúncia do contrato de trabalho não tem ali enquadramento e/ou que o trabalhador que denuncia o respetivo contrato de trabalho deve ser contabilizado na verificação trimestral da manutenção do nível de emprego.
19. O que o legislador pretendeu com a alínea b) do n.º 5 da Portaria 106/2013, foi que não fossem contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho (i) por factos exclusivamente respeitantes à sua pessoa, derivem da sua vontade ou de vicissitudes respeitantes à sua vida (invalidez, falecimento e reforma por velhice); ou ainda (ii) circunstâncias imputáveis ao trabalhador e decorrentes do exercício do poder disciplinar pelo empregador, (caso do despedimento por justa causa promovida por este).
20. Até porque a Autora (como qualquer outro empregador colocado no seu lugar) nada poderia fazer em face da denúncia livremente operada pelo trabalhador, que corresponde ao exercício do direito fundamental à liberdade de trabalho, consagrado nos artigos 47º. e 58º. da Constituição.
21. A hipótese de cessação do contrato mediante denúncia configurava uma lacuna da Lei, cuja existência o legislador verificou com a experiência decorrente da aplicação prática da norma do nº.8 do artigo 3º. da Portaria 106/2013, de 14/03.
22. Lacuna que fez questão de integrar com a publicação da Portaria nº.149-A/2014, de 24/07, cuja vigência se iniciou em 25/07/2014, e cujo nº.5 do artigo 3º. consagrou expressamente a não contabilização de trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa.
23. Inexiste qualquer fundamento jurídico lógico e racional para exigir à Autora a devolução de qualquer montante pago a título de apoio, quando na Informação nº. 5632/C-EF/2016, de 14/12/2016 e na Informação nº.581/C-EF/2017, de 23/02/2017, que antecedem o ato impugnado, se conclui lapidarmente que o nível de emprego só não se manteve em consequência da saída do trabalhador CC... (factos 1 e 5).
24. O ato administrativo impugnado padece assim de erro nos pressupostos, e foi praticado com ofensa dos mais elementares princípios regentes da atividade administrativa.
25. Nomeadamente do princípio da legalidade, consagrado no artigo 3º. do CPA, que sujeita a atuação dos órgãos da Administração Pública à obediência à Lei e ao Direito.
26. E ao princípio da justiça e da razoabilidade consagrado no artigo 8º. do CPA, nos termos do qual a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação de normas jurídicas e valorações próprias do exercício da função administrativa.
27. Independentemente de o caminho a adotar ser a estrita obediência à norma do nº.8 do artigo 3º. da Portaria nº.106/2013, considerados todos e cada um os elementos interpretativos; ou ser antes a sua interpretação e aplicação conforme com os princípios que regem a atividade administrativa e a ideia de Direito, a verdade é que sempre se impunha concluir pela anulação do ato impugnado.
28. E manter o sentido da douta decisão proferida, ainda que com fundamentação distinta, consistente no explanado nos pontos precedentes, sempre sem prejuízo do mui douto suprimento do Mmo. Tribunal ad quem.
TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,
deve o recurso interposto pelo Recorrente Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. improceder, com as legais consequências.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada
J U S T I Ç A»

1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação deste TCAN resume-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito decorrente de ter considerado que para a contabilização do nível de emprego a que a apelada se obrigou a manter a partir da data da contratação apoiada, se deve atender ao trabalhador que denunciou o respetivo contrato de trabalho, por força do disposto no n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, normativo que criou a Medida Estímulo Emprego, cujo normativo considerou aplicável ao caso por força dos disposto no n.º2 do artigo 12.º do Código Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO

3.1.Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:
«1. Os serviços do Réu elaboraram, em 14.12.2016, a informação n.º 5632/2016, na qual propõem a revogação parcial da Decisão de Aprovação da candidatura da Autora ao programa Estímulo 2013, Processo n.º 624081, no montante de € 6.452,80 – cf. informação, a fls. 33 a 35 do processo físico;
2. Consta dos fundamentos da referida proposta, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. informação, a fls. 33 a 35 do processo físico;
3. Sobre a qual a Subdelegada Regional do Réu proferiu, em 14.12.2016, o seguinte despacho: “Visto. Atento o informado, autorizo nos termos e fundamentos propostos na presente informação” – cf. despacho, a fls. 33 do processo físico;
4. A Autora apresentou reclamação contra o despacho referido ponto anterior – cf. requerimento, a fls. 37 e segs. do processo físico;
5. Na sequência da qual foi elaborada informação, em 23.02.2017, na qual os serviços do Réu propõem a manutenção da revogação parcial da decisão de aprovação, determinada por despacho de 14.12.2016 e a alteração do valor a devolver de € 6.452,80 para € 6.212,83, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. informação, a fls. 50 a 52 do processo físico;
6. Pela Subdelegada Regional do Réu foi proferido, em 24.12.2017, foi proferido o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. despacho, a fls. 48 do processo físico;
7. A Autora celebrou, em 5.03.2014, contrato de trabalho por tempo indeterminado com o trabalhador BB...;
8. Para tal, a Autora apresentou junto do Réu candidatura à Medida Estímulo 2013, a que foi atribuído o processo n.º 624081;
9. Em 28.05.2014, por decisão do Delegado Regional do Réu foi aprovada a candidatura apresentada pela Autora e concedido o apoio financeiro no montante de € 9.809,75 – cf. decisão de aprovação, a fls. 143 do processo físico;
10. A média mais baixa dos trabalhadores registados pela Autora nos meses que precederam a contratação do referido trabalhador foi de 9 trabalhadores – cf. informação, a fls. 51 do processo físico;
11. Com a contratação do trabalhador em causa, a Autora passou a ter ao serviço 10 trabalhadores – cf. informação, a fls. 51 do processo físico;
12. Em 13.06.2014, o trabalhador CC... fez cessar, por sua iniciativa, o contrato de trabalho que havia celebrado com a Autora;
13. Nos meses de julho e de agosto de 2014 a Autora manteve 9 (nove) trabalhadores ao seu serviço – cf. informação, a fls. 51 do processo físico;
II.2 Factos não provados
Com relevo para a decisão, não subsistem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.»
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III. B.DE DIREITO
3.2. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que considerou procedente a ação movida pela Apelada, em que a mesma peticionou a anulação do despacho da Subdelegada do Réu, de 24/02/2017, que, indeferindo a reclamação apresentada, determinou a revogação parcial da decisão de aprovação da candidatura ao programa Medida Estímulo 2013, proferida em 28/05/2014 - de conversão do apoio financeiro concedido não reembolsável em reembolsável e a consequente devolução do montante de € 6.212,83.
Na ação que foi instaurada estava em causa saber se para efeitos da contabilização do nível de emprego que a Apelada se obrigou a manter a partir da data da contratação apoiada, se deve considerar o trabalhador que denunciou o respetivo contrato de trabalho por sua livre iniciativa.
Entendeu a 1.ª Instância que, tendo entrado em vigor, em 25/07/2014, a Portaria n.º 149-A/2014, de 24/07, normativo que criou a Medida Estímulo Emprego, em cujo n.º 5 do artigo 3º, se estabeleceu, a propósito do requisito da manutenção do nível de emprego previsto na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo que, para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 3, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa, por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice, de despedimento com justa causa promovido pelo empregador ou de caducidade de contratos a termo celebrados nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, desde que a empresa comprove esse facto, dispondo essa Portaria 149-A/2014, de 24.07 diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, a mesma, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
O Apelante considera que ao assim decidir o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, uma vez que, a referida Portaria 149-A/2014, de 24/07, não é aplicável à situação em análise, sendo-lhe antes aplicável a Portaria 106/2013, de 14/03, que não permite a consideração da cessação do contrato individual de trabalho por livre iniciativa do trabalhador para efeitos de contabilização do número de postos de trabalho.
Para tanto, argumenta que a Portaria 149-A/2104, de 24/07, tal como se refere no seu preâmbulo instituiu a Medida Estímulo Emprego referindo-se à mesma, por diversas vezes como “nova medida”, donde resulta, de forma inequívoca, tratar-se de medidas diferentes, criadas em contextos diversos, pelo que a opção legislativa de prever especificamente a denuncia do contrato pelo trabalhador como uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego, relativamente às candidaturas apoiadas durante a vigência da Medida Estímulo 2013. E nesta senda, deveria o Tribunal a quo, ter chegado a uma interpretação oposta da efetuada sobre a aplicação do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil à questão decidenda, tratando-se, como se trata, de uma medida que apenas tem aplicação aos factos novos, ou seja, a candidaturas novas.
Refere que essa conclusão é reforçada pelo facto de o legislador da Portaria da Medida Estímulo Emprego, optando por apenas abranger candidaturas novas, teve a necessidade de consagrar, expressamente, uma norma transitória – o artigo 12º – que, para o efeito jurídico especificamente nela consagrado, possibilita que os contratos de trabalho a termo certo apoiados no âmbito da Medida Estímulo 2013 pudessem beneficiar do prémio de conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos sem termo previsto na Portaria 106/2013, de 14 de março.
Acrescenta que de acordo com os princípios gerais de interpretação da lei, deve-se entender que foi intenção do legislador deixar de fora do elenco taxativo das exceções consagradas no nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 27 de agosto, as situações de cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador, devendo o intérprete presumir que tal foi a intenção real do legislador, tal como se decidiu no Acórdão deste TCAN, de 14/02/2020, no âmbito do Proc. 00150/18.7BEVIS.
O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem na lei, toda a correspondência verbal perfeitamente expressa. Se o legislador quisesse abarcar a situação de denúncia do contrato, certamente que o teria dito, considerando que se deve presumir que o legislador expressou convenientemente o seu pensamento; nem se verifica que o pensamento do legislador ficou aquém das situações que previu.
In casu, não estamos assim perante uma situação em que a letra do texto ficou aquém do seu espírito pois o elemento gramatical da norma ora em causa vai claramente ao encontro do pensamento legislativo.
E tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conclui-se que, por força da alteração da situação económica e social ocorrida entre a vigência de ambas as Portarias, o legislador tenha optado por revogar a Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que regulava a Medida Estímulo 2013, e criado uma nova medida, a Medida Estímulo Emprego.
Impõe-se uma interpretação declarativa do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, pois que apenas comporta um sentido, consubstanciado na vontade do legislador que lhe subjaz, de não atender à denuncia ocorrida como uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho que não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego.
Logo, o ato impugnado, ao anular administrativamente o ato de concessão do apoio financeiro concedido e ao determinar a devolução do respetivo montante, apenas se limitou a lançar mão dos poderes vinculados que resultam, designadamente, dos n.os 1, 3 e 4, todos do artigo 8.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que, face a um incumprimento injustificado, conferem, desde logo, ao aqui Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à Recorrida a obrigação de devolução do apoio, sob pena da respetiva cobrança coerciva, como veio a ocorrer.
O que dizer?
A Portaria n.º 106/2013, de 11 de março, que revogou a Portaria 45/2012, de 13/02, criou a medida de apoio ao emprego denominada «Estímulo 2013», que promove a contratação e a formação profissional de desempregados, através da concessão ao empregador, de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, com a obrigação de proporcionar formação profissional.
Nos termos do artigo 3.º da referida Portaria:
« 1 - São requisitos de atribuição do apoio financeiro: a) A celebração de contrato de trabalho, a tempo completo ou a tempo parcial, com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, de acordo com o previsto no número seguinte; b) A criação líquida de emprego.
2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, o contrato de trabalho deve ser celebrado com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional: a) Há pelo menos 6 meses consecutivos; b) Há pelo menos 3 meses consecutivos, desde que não tenha concluído o ensino básico ou que tenha 45 anos ou mais ou que seja responsável por família monoparental ou cujo cônjuge se encontre igualmente em situação de desemprego; c) Que não tenha estado inscrito na segurança social como trabalhador de determinada entidade ou como trabalhador independente nos 12 meses que precedem a data da candidatura à Medida, nem tenha estado a estudar durante esse mesmo período.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 2: a) São equiparadas a desempregado as pessoas inscritas no centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional como trabalhadores com contrato de trabalho suspenso com fundamento no não pagamento pontual da retribuição; b) O tempo de inscrição não é prejudicado pela frequência de estágio profissional, formação profissional ou outra medida ativa de emprego, com exceção das medidas de apoio direto à contratação ou que visem a criação do próprio emprego.
4 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1, o contrato de trabalho pode ser celebrado sem termo ou a termo certo, por prazo igual ou superior a seis meses, designadamente ao abrigo da parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho.
5 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, considera-se que há criação líquida de emprego quando: a) O empregador atingir por via do apoio um número total de trabalhadores superior à média mais baixa dos trabalhadores registados nos quatro, seis ou 12 meses que precedem a data da apresentação da candidatura; b) O empregador registar, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio.
6 - A obrigação referida na alínea b) do número anterior deve ser mantida pelo menos durante o período de duração do apoio financeiro.
7 - Os contratos de trabalho celebrados pelas empresas referidas no n.º 3 do artigo 2.º podem ser apoiados ao abrigo da Medida, mesmo não se verificando o disposto na alínea a) do n.º 5.
8 - Para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 5 e do n.º 6 do presente artigo, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto.
9 - Nos casos previstos no n.º 9 do artigo 5.º, durante a suspensão do apoio, suspende-se, também, a obrigação de manutenção do nível de emprego prevista na alínea b) do n.º 5 do presente artigo.
10 - O empregador tem direito a um prémio de conversão, estando obrigado a cumprir o disposto na alínea b) do n.º 5 e no n.º 6 do presente artigo, em caso de conversão de contrato de trabalho a termo certo, anteriormente abrangido pela Medida Estímulo 2012 ou pela presente Medida, em contrato de trabalho sem termo, por acordo celebrado entre empregador e trabalhador.
11 - O empregador não pode contratar, ao abrigo da Medida, mais de 25 trabalhadores através de contrato de trabalho a termo certo, em cada ano civil, não existindo limite ao número de contratações em caso de celebração de contrato de trabalho sem termo».
No artigo 5.º, sob a epígrafe “Apoio financeiro” dispõe-se que:
«1 - O empregador que celebre contrato de trabalho ao abrigo da Medida tem direito a um apoio financeiro durante o período máximo de seis meses, no caso de celebração de contrato de trabalho a termo certo, ou de dezoito meses, no caso de celebração de contrato de trabalho inicialmente sem termo.
2 - O apoio financeiro concedido ao abrigo da presente Medida corresponde a 50% da retribuição mensal do trabalhador.
3 - O apoio financeiro corresponde a 60% da retribuição mensal do trabalhador no caso de celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, que se encontre numa das seguintes situações: a) Inscrito como desempregado no centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional há pelo menos 12 meses consecutivos; b) Beneficiário do Rendimento Social de Inserção; c) Pessoa com deficiência ou incapacidade; d) Idade igual ou inferior a 25 anos; e) Idade igual ou superior a 50 anos; f) Trabalhadora com um nível de habilitações inferior ao 3.º ciclo do ensino básico; g) Trabalhador que seja do sexo menos representado em setores de atividade que tradicionalmente empregam uma maioria de pessoas do mesmo sexo. 4 - Para efeitos da presente Medida entende-se por retribuição mensal o valor pago pelo empregador ao trabalhador e relevante para efeitos de incidência da taxa contributiva devida à Segurança Social.
5 - Os apoios previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo não podem ultrapassar os montantes de uma vez o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) por mês, no caso de contratos a termo certo, e de 1,3 vezes o valor do IAS por mês, no caso de contratos celebrados inicialmente sem termo.
6 - No caso de celebração de contrato de trabalho a tempo parcial os apoios referidos no número anterior são reduzidos proporcionalmente, tendo por base um período normal de trabalho de 40 horas semanais.
7 - O prémio de conversão referido no n.º 10 do artigo 3.º corresponde a nove meses de apoio idêntico ao previsto no n.º 2 ou n.º 3, ao qual se aplica o limite máximo mensal de uma vez o valor do IAS.
8 - O empregador que beneficie do prémio de conversão está dispensado da obrigação prevista no artigo 4.º.
9 - O apoio previsto neste artigo suspende-se nos casos de suspensão do contrato de trabalho, designadamente por motivo de maternidade ou situação de doença, sendo retomado se o contrato ainda se mantiver em vigor após o período de suspensão.»
No artigo 8.º - “Incumprimento e restituição dos apoios”, prescreve-se que:
«1 - O incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da presente portaria implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição, total ou parcial, dos montantes já recebidos, sem prejuízo do exercício do direito de queixa por eventuais indícios da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.
2 - O apoio financeiro cessa, devendo o empregador restituir proporcionalmente o apoio financeiro recebido, quando se verifique alguma das seguintes situações: a) O trabalhador abrangido pela Medida promova a denúncia do contrato de trabalho; b) O empregador e o trabalhador abrangido pela Medida façam cessar o contrato de trabalho por acordo; c) Incumprimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do mesmo artigo;
3 - O empregador deve restituir a totalidade do apoio financeiro respeitante ao trabalhador em relação ao qual se verifique uma das seguintes situações: a) Despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, bem como despedimento por facto imputável ao trabalhador que seja declarado ilícito ou cessação do contrato de trabalho durante o período experimental por iniciativa do empregador, efetuados durante o período de duração do apoio; b) Resolução lícita de contrato de trabalho pelo trabalhador; c) Incumprimento das obrigações previstas no artigo 4.º, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 5.º.
4 - O IEFP, I.P. deve notificar o empregador da decisão que põe termo à atribuição do apoio financeiro, indicando a data em que deixa de existir fundamento para a respetiva atribuição, assim como o montante que deverá ser restituído.
5 - A restituição deve ser efetuada no prazo de 60 dias consecutivos, contados a partir da notificação referida no número anterior, sob pena de pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor. »

No artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, supra transcrito, fixam-se os requisitos de atribuição de apoios financeiros e definem-se as circunstâncias em que se considera existir criação líquida de emprego. Ainda nos termos do artigo 3.º n.º 5, alínea b) da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, considera-se que há criação líquida de emprego sempre que o empregador registe “com periodicidade trimestral, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio.
Nos termos do n.º 6 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março aquela obrigação “(…) deve ser mantida pelo menos durante o período de duração do apoio financeiro.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 8º da Portaria, o pagamento do apoio fica sujeito à verificação da manutenção dos requisitos necessários à sua atribuição.

De acordo com o definido no artigo 8º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, e ao abrigo do ponto 12.1.1 do correspondente Regulamento, o incumprimento, por parte da entidade empregadora, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da Medida considerada, pode implicar a imediata cessação de todos os apoios e a restituição do montante já recebido.
No caso em análise, conforme provado, em 13/06/2014, o trabalhador CC... fez cessar, por sua iniciativa, o contrato de trabalho que havia celebrado com a Autora, pelo que, nos meses de julho e de agosto de 2014 a Autora manteve 9 (nove) trabalhadores ao seu serviço, quando se tinha vinculado a manter um nível de emprego de 10 trabalhadores. Perante essa situação, a Apelante considerou que a Apelada incumpriu a referida obrigação, uma vez que as exceções previstas no n.º8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013 apenas contemplam as situações em que os trabalhadores cessem o contrato de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador, não abarcando as situações em que se verifique a denúncia do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.
Na situação em análise, a determinação do reembolso do apoio concedido teve precisamente por fundamento o facto da Autora ter apresentado no segundo trimestre posterior à contratação nove trabalhadores ao seu serviço, quando o nível de emprego que se obrigou a manter é de dez trabalhadores. E a questão que se colocou na ação era a de saber se não obstante o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013 não abarcar expressamente no elenco das exceções que consagra a denúncia do contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador, essa exceção deve considerar-se aplicável ao caso por força do disposto no art.º 3.º, n.º3, al. b), da Portaria n.º 149-A/2014, de 24/07, que entrou em vigor antes da cessação do referido contrato de trabalho mas já depois de contratualizado apoio financeiro em causa.
A sentença recorrida considerou aplicável ao caso o disposto na Portaria 149-A/2014, de 24/07, nos seguintes termos que consideramos útil transcrever:
«(…) ao contrário do que previa a Portaria 106/2013, de 14.03, com a entrada em vigor da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, os trabalhadores que tenham cessado por iniciativa própria os contratos de trabalho não são contabilizados para efeitos de verificação da manutenção do número de trabalhadores.
Acontece que a Portaria n.º 106/2013 de 14.03 foi revogada com a entrada em vigor da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, nos termos da prevista no respetivo art.º 11º, isto é, em 25.07.2014, sem prejuízo de os contratos de trabalho a termo certo apoiados no âmbito da Medida Estímulo 2013 poderem beneficiar do prémio de conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos sem termo previsto na Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, segundo a norma transitória do art.º 12º.
Segundo as regras de aplicação da lei no tempo previstas no art.º 12º do Código Civil, por aplicação do princípio da não retroatividade das leis, “A lei só dispõe para o futuro” (n.º 1), muito embora “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” (n.º 2).
Ao determinar que, para efeitos do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego – com o registo de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio -, “(...) não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa (...)”, - a Portaria 149-A/2014, de 24.07, claramente dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Em abono deste entendimento, atente-se à circunstância de a norma transitória prevista no art.º 12º da Portaria 149-A/2014, de 24.07, não obstante a revogação da Portaria n.º 106/2013 de 14.03, estipular que os apoios concedidos nos termos desta podem beneficiar do apoio de conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos sem certo.
Ora, como acima referido, o cumprimento do requisito da manutenção do nível de emprego é aferido numa base trimestral, após o mês da contratação, pelo que, tendo a contratação apoiada ocorrido no mês de março de 2014, aquele cumprimento teria que ser aferido em maio de 2014, agosto de 2014, novembro de 2014 e assim sucessivamente.
A revogação do apoio concedido fundou-se no incumprimento, por parte da Autora, do nível de emprego no 2ª trimestre posterior à contratação, isto é, em 31.08.2014 – uma vez que em julho e em agosto de 2014, a Autora teve ao seu serviço nove trabalhadores.
Significa que, à data de entrada em vigor da nova Portaria – 25.07.2014 – subsistia a relação jurídica em causa, tendo presente, nomeadamente, o trimestre relevante para a aferição do cumprimento do nível de emprego, findo em 31.08.2014.
Deste modo, por aplicação da norma do n.º 5 do artigo 3.º da Portaria n.º 149­A/2014, de 24.07, à situação em apreço, na verificação do cumprimento do nível de emprego por parte da Autora relativamente ao período do 2ª trimestre – 31.08.2014 –, não é contabilizado o trabalhador, uma vez que cessou o respetivo contrato de trabalho por sua iniciativa.
Por conseguinte, é de concluir que à data da verificação 31.08.2014, para os efeitos previstos na al. b) do n.º 5, do art.º 3º, da Portaria 106/2013, de 14.03, a Autora mantinha os nove trabalhadores que estavam à data ao seu serviço, assim como o trabalhador CC..., que cessou o contrato de trabalho no mesmo trimestre, num total de dez trabalhadores.
Assim sendo, cumpria a Autora o requisito de registar um número total de trabalhadores igual ao número de trabalhadores atingido por via do apoio, e que era de dez.
Ante o exposto, o ato impugnado incorre erro nos pressupostos, em violação do n.º 5 do art.º 3º da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, o que impõe a sua anulação.
No que respeita às questões que se prendem com a restante alegação da Autora, contendente com a interpretação do art.º 3º, n.º 8, da Portaria n.º 106/2013, de 14.03, em violação de diversos princípios, que enuncia, concluindo-se, como se conclui, que é aplicável à situação em apreço o disposto no n.º 5 do art.º 3º da Portaria n.º 149­A/2014, de 24.07 e não o disposto no n.º 8 do art.º 3º da Portaria n.º 106/2013, de 14.03, o seu conhecimento encontra-se prejudicado, nos termos do art.º 608º, n.º 2, do CPC.»
Concordamos com a sentença recorrida.
Em 25/07/2014, entrou efetivamente em vigor a Portaria n.º 149­-A/2014, de 24/07, passando a prever-se no seu art.º 3º, n.º 3, al. b), que “O empregador tem a obrigação de manutenção do nível de emprego, devendo registar um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio: i) Quanto a contratos com duração inicial inferior a 12 meses, no mês em que se completa a vigência do contrato; ii) Quanto a contratos com duração inicial igual ou superior a 12 meses ou a contratos sem termo, no mês em que se completa o décimo segundo mês de vigência do contrato.”.
Por seu turno, no n.º5 do mesmo normativo estabeleceu-se que “Para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 3, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por sua própria iniciativa, por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice, de despedimento com justa causa promovido pelo empregador ou de caducidade de contratos a termo celebrados nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, desde que a empresa comprove esse facto.”.
No caso em análise, tal como sustentado na decisão recorrida « Ao determinar que, para efeitos do cumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego – com o registo de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio -, “(...) não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa (...)”, - a Portaria 149-A/2014, de 24.07, claramente dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor».
Note-se que o princípio constitucional da irretroatividade da lei tem um âmbito de aplicação bem definido, apenas contemplando as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º3 da CRP).
Fora desse domínio, o princípio geral é o de que a lei apenas dispõe para o futuro ( n.º1, 1.ª parte, do artigo 12.º do Cód. Civil), mas sem que esteja excluído que o legislador ordinário atribua eficácia retroativa à nova lei ( 2.ª parte do referido preceito legal).
Precise-se que o princípio geral de que a lei só dispõe para futuro cede quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Em tais casos, como é a situação em análise, entender-se-á que o âmbito de aplicação da lei nova abrangerá as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor ( n.º2, 2.ª parte do mesmo dispositivo).
Referindo-se especificamente a situações de retrospetividade ou retroatividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90 afirma solenemente não haver «um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados.
(…)O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos um investimento de confiança na manutenção do regime legal».
Sob este prisma não se divisa que se mostrem lesados ou violados quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos de que o Apelante fosse titular, apenas passando a prever-se como exceção para efeitos de contabilização do número de trabalhadores, a par das demais já contempladas, a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, alteração que não corporiza uma restrição de direitos liberdades e garantias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3 da CRP, apenas condicionando o exercício do direito da Administração quanto à possibilidade de exigir a devolução dos apoios concedidos.
A Apelante invoca em sustentação da sua tese a jurisprudência firmada no Acórdão deste TCAN, de 14/02/2020, proferido no processo n.º 00150/18.7BEVIS, que não desconhecemos e em cujo sumário se escreveu o seguinte:
« -A quaestio iuris consiste em saber que modalidades da cessação do contrato de trabalho não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego;

I.1-as únicas modalidades apontadas, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto;

I.2-não se vislumbra como não será taxativa ou exaustiva esta enumeração; acrescentar outras causas de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
I.3-o objeto da interpretação da lei corresponde à tarefa de descoberta de entre os possíveis sentidos da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo;
I.4-é, pois, necessário proceder à interpretação da norma em causa, empreendimento cuja metodologia se extrai do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. »
Primacialmente, importa sublinhar que nesse acórdão não foi considerada a entrada em vigor da Portaria 149-A/2014, de 24.07, tendo apenas sido apreciada a questão à luz do disposto no n.º8 do art.º 3.º da Portaria 106/2013.
De qualquer modo, ainda que não se subscrevesse o entendimento expendido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, sempre se imporia, salvo melhor opinião, anular o ato impugnado, não se subscrevendo a linha jurisprudencial constante do citado aresto.
Vejamos.
Perante dúvidas sobre qual o sentido e o alcance com que uma determinada norma deve valer, o interprete deve socorrer-se dos cânones interpretativos previstos no artigo 9.º do CC, sem deixar de ter em consideração como adverte Manuel de Andrade In “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, Coimbra, 1978, pág. 26;, que interpretar “quando de leis se trata, significa algo diverso de interpretar em outras coisas: interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentre as várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (...) Os princípios da interpretação devem, por consequência, dar-nos não só a possibilidade de atrás das palavras encontrarmos os pensamentos possíveis, mas também a de entre os pensamentos possíveis descobrimos o verdadeiro”.
A metodologia interpretativa imposta pelo legislador parte, como não poderia deixar de ser, da própria letra da lei, pelo que o texto legal deve ser abordado nos termos hermenêuticos gerais das «regras da gramática». E uma vez fixado esse sentido textual, o mesmo servirá tanto de ponto de partida como de limite para as diversas interpretações possíveis (artigo 9º, nº2 do CC).
Assim, embora a
ratio da norma seja inquestionavelmente importante (artigo 9º, nº1 do CC), é pelo texto que se começa, pois só por absurdo nos poríamos a inquirir a ratio do texto sem antes o conhecer. O que não obsta a que a ratio, uma vez obtida, reflua depois para o aprimoramento do sentido do texto, de modo que de entre os seus sentidos possíveis se eleja o sentido prevalente, ou decisivo.
E na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador «consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9º, nº3 do CC).
Segundo a doutrina, o intérprete, socorrendo-se dos «elementos interpretativos legais» acabará por chegar a uma das seguintes modalidades interpretativas: - interpretação declarativa; - interpretação extensiva; - interpretação restritiva; - interpretação revogatória e interpretação enunciativa. Cfr. Baptista Machado, in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 4ª impressão, Coimbra, 1990, páginas 183 a 188].
Note-se que «o regime da interpretação da lei assenta na enunciação de tipos de argumentos (ou “elementos”), os quais devem ser relevantes na determinação do significado da lei. Não são, contudo, estabelecidos- pelo menos no art.º 9.º do Código Civil- critérios sobre o peso relativo desses argumentos, que determinem quais os elementos de interpretação que devem prevalecer, no caso de diferentes elementos, quando considerados em separado, apontarem no sentido de diferentes interpretações» Cfr. PAULA COSTA E SILVA e MIGUEL BRITO BATOS Cfr. CJA, N.º122, pág. 11 e segts.
É pacífico que o intérprete deve partir do teor literal da lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem.
Considerando o teor literal da norma do n.º8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013 nela não encontramos prevista a situação da denuncia do contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador. Logo, a consideração estrita do elemento literal da norma não nos fornece subsidio para que possamos afirmar como incluída no seu campo de previsão, a situação relativa à denúncia do contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador.
Porém, na interpretação da lei, como supra se expendeu, para além do teor verbal da lei, deve atender-se, à coerência interna do preceito, ao lugar em que se encontra e às suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática), bem como à ratio do preceito (interpretação teleológica).
Ora, no caso, parece-nos claro que a intenção do legislador com a previsão da alínea b) do n.º 5 da Portaria 106/2013, foi que não fossem contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho (i) por factos exclusivamente respeitantes à sua pessoa, derivem da sua vontade ou de vicissitudes respeitantes à sua vida (invalidez, falecimento e reforma por velhice); ou ainda (ii) circunstâncias imputáveis ao trabalhador e decorrentes do exercício do poder disciplinar pelo empregador, (caso do despedimento por justa causa promovida por este).
A denúncia do contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador, é uma situação que não pode ser imputada a conduta da entidade empregadora, tal como as demais situações previstas nesse normativo.
Não se encontra justificação racional para a relevância dada pelo legislador às situações expressamente previstas no n.º 8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013, de 14 de março e que não se atribua igual relevância quando se verifique que a alteração do número dos postos de trabalho a que a entidade empregadora se vinculou a manter no âmbito da medida de apoio financeiro regulada na Portaria 106/2013, resulta da cessação de um contrato de trabalho por livre iniciativa do trabalhador. A falta de expressa indicação dessa situação no elenco das modalidades de cessação do contrato de trabalho que não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego, previstas no n.º 8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013, de 14 de março, só pode dever-se a uma falta de previsibilidade do legislador.
Como tal, ainda que se rejeitasse a tese perfilhada na sentença recorrida sempre se vaticinaria pela consideração dessa situação como irrelevante para a verificação da criação líquida de emprego, nos mesmos termos das demais modalidades previstas no n.º8 do artigo 3.º da Portaria 106/213.
Assim sendo, sempre se imporia efetuar uma interpretação extensiva do referido preceito de modo a considerar-se como nele integrado a referida exceção.
Termos em que, soçobram os fundamentos de recurso aduzidos pelo Apelante, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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IV- DECISÃO

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, acordam em conferência
, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela apelante (Art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)
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Notifique
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Porto, 27 de maio de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães, em substituição