Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01273/10.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2011
Relator:José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS LEGAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário:I- O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização – Cfr. artº 63º-1 da LGT;
II- A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado (Cfr. artº 63º-B-1 da LGT);
III- Perante suspeita de aplicação em offshore de valores superiores a um milhão de libras, em confronto com a declaração de rendimentos sujeitos a IRS em valores da ordem de €15 000, resulta a concretização dos necessários e suficientes pressupostos da derrogação do sigilo bancário.
IV- O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir – Cfr. artº 63º-3 da LGT;
V- As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária – Cfr. artº 7º do RCIPT;
V- É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – Cfr. artº 334ºdo CC.
VI- Embora importe apenas apurar a situação tributária do contribuinte no que concerne aos anos de 2006 e 2007, não se vislumbra que a investigação bancária dirigida ao apuramento de eventuais aplicações de fundos em OFF SHORE, não possa ser alargada quer a anos anteriores quer a anos posteriores ao período abrangido pela acção inspectiva tributária, porquanto, por um lado, a aplicação de fundos no mencionado OFF SHORE teve lugar desde o ano de 2005 e, por outro lado, porque é absolutamente plausível que possa haver, designadamente, cheques ou outros títulos de crédito bancários, recebidos pelo contribuinte durante ao anos de 2006 e 2007, mas que tenham sido transferidos para o OFFSHORE em datas posteriores;
VII- A admitir-se tal hipótese, apesar da transferência de fundos para o OFFSHORE ter tido lugar em datas posteriores ao período entre 2006 e 2007, podem tais fundos constituir rendimentos realizados pelo contribuinte durante o período temporal correspondente à acção inspectiva tributária, ou seja 2006 e 2007.
VII- Em tais termos, não se afigura que o despacho administrativo impugnado, apesar de estender o levantamento do sigilo bancário para além do período temporal a que respectiva a investigação tributária, viole o princípio da proporcionalidade tutelado pelos artºs 63°-3 da LGT e 7º do RCIPT, nem constitua abuso de direito, antes se configurando a actuação da Administração Fiscal, no caso a acção tributária inspectiva ao colidir com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrente/Contribuintes como uma afectação dos mesmos em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar e tendo presente os objectivos a realizar, quais sejam a da tributação real dos rendimentos auferidos e a repressão da fraude fiscal e do branqueamento de capitais.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I- RELATÓRIO
A…, devidamente id. nos autos, inconformado com a decisão do TAF do Porto, datada de 05.NOV.10, que julgou improcedente o RECURSO DA DECISÃO DO DIRECTOR GERAL DE DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO, por si interposto, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
I - O levantamento do sigilo bancário deve ser limitado aos períodos abrangidos pelos actos inspectivos que estão na sua origem.
II - Isto porque, para se analisar a situação tributária de um contribuinte relativa a um determinado período de tempo não é necessário poder aceder às contas bancárias do mesmo em períodos distintos desse.
III - Para aferir da situação tributária de um contribuinte nos anos de 2006 e 2007, não é necessário aceder às contas bancárias do mesmo nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, sendo suficiente o acesso às contas bancárias nos anos de 2006 e 2007.
IV - Ao não entender assim, violou a douta decisão recorrida o disposto nos art°s. 63°, n°3 da LGT e 7° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, a qual permite igualmente a verificação de um claro e manifesto Abuso do Direito por parte da Administração Tributária.
Termos em que, deve o presente o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via disso, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
O Recorrido não apresentou contra alegações.
O Mº Pº emitiu parecer nesta instância, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa dos vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
O erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto nos art°s 63°-3 da LGT e 7° do RCPIT e do princípio jurídico do abuso de direito, invocados como tendo sido violados pela decisão administrativa, objecto de recurso judicial.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, que se dá por reproduzida:
“DA MATÉRIA DE FACTO
Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão:
1. Foi determinada por despacho datado de 05.08.2009 acção inspectiva externa parcial a A…, ao abrigo da Ordem de Serviço no 01200904274, concernente a IRS relativo ao exercício de 2006 e 2007 (cfr. fls. 1 do Processo Administrativo);
2. Por ofício 62796/0510, datado de 15.09.2010 foi o recorrente notificado mediante carta - aviso da Ordem de serviço n° 01200904274 (cfr. fls. 92 e 93 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido);
3. O recorrente / sujeito passivo da inspecção tomou conhecimento do conteúdo da Ordem de Serviço nº 01200904274 em 19.11.2009 (cfr, fls. 1 do Processo Administrativo);
4. No âmbito daquela acção inspectiva foi o recorrente notificado por ofício datado de 10.01.2010 (na pessoa do Dr. R…) para autorizar “os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças dos Porto, a ter livre acesso a todas as suas contas bancárias, extractos, fichas de assinatura e documentos dos movimentos a débito e a crédito, de que é titular...” (cfr. 1 e 4 do Processo Administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e bem assim de que, na falta de autorização, seria encetados os procedimentos previstos no artigo 63º - B da LGT para derrogação do sigilo bancário
5. O recorrente nada disse;
6. Dá-se aqui por reproduzida a Informação de serviço elaborada pelo Departamento da Polícia Judiciária fls. 87 e 88 dos autos;
7. Por ofício datado de 17.05.2010 o recorrente foi notificado da ampliação do prazo para a conclusão do procedimento de inspecção tributária (cfr. fls. 89 a 91 dos autos);
8. Os motivos que estiveram na origem das acções inspectivas foram a suspeição de fraude fiscal, através de informações obtidas pela Policia Judiciária no âmbito da cooperação de intercâmbio de dados entre agências internacionais;
9. O Recorrente A… tem aplicado desde 2005, no offshore de Guernsey, valores superiores a um milhão de libras, sendo que o mesmo tem auferido baixos rendimentos (pensionista de valor inferior a treze mil euros e de rendimentos prediais inferior a dois mil euros, é sócio/administrador de três empresas, a saber A…, Ldª, P…, Ldª, T…, que aparentemente estarão inactivas (segundo informação efectuada pela LJIF da polícia judiciária e diligências inspectivas levadas a efeito ponto 5. e 6 da informação constante de fls. 8 a 11 do Processo Administrativo);
10. Conforme informação datada de 05 de Março de 2010, constante do Processo Administrativo a fls. 7 a 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, considerando que em face de todas as diligência encetadas e ali descritas, inexiste outra alternativa para prosseguir com acção inspectiva por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capital ao sujeito passivo A…, senão a conferência e verificação dos movimentos bancários por si efectuados, situação enquadrável na al. a) e b) do n.° 1 do art. 63º da LGT, solicitando consequentemente ao Ex.mo Director Geral dos Impostos, a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do disposto no n.° 4 do art. 63°- A da LGT;
11. Em 22 de Março de 2010 foi proferida a seguinte Decisão pelo Director Geral dos Impostos: “1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspecção tributária - V, da Direcção de Finanças do Porto, bem como com o parecer e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do art. 63º B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me á atribuída pelo n.° 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular o sujeito passivo A…, com o NIF …, relativamente aos anos de 2005 e seguintes.
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças do Porto para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.”(cfr. fls. 5 do Processo Administrativo);
12. Em 2010.04.16, Pelo ofício n°24083/Oslo, foi o recorrente notificado da decisão de derrogação do sigilo bancário proferida em 2010.03.22 pelo Exmo. Senhor Director Geral dos Impostos e da informação referida em 10. (cfr. fls. 8 a 11 do Processo Administrativo);
13. Em 2010.04.27 a Recorrente apresentou o presente recurso, nos termos do artigo 146°-B, n°4 do C.P.P.T. (cfr. fls.2 dos presentes autos).
14. Dá-se aqui por reproduzido o teor das certidões da Conservatória do Registo Comercial e Predial juntas aos autos pelo recorrente e constantes de fls. 32 a 38 e 69 a 77 dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos para além dos supra mencionados. As demais asserções da douta petição integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais da recorrente.
Alicerçou a convicção do Tribunal a consideração dos factos provados no teor dos documentos supra identificados que não foram impugnados.”.
III-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, determinar se a sentença recorrida enferma do imputado erro de julgamento de direito, por errada apreciação das normas e princípios jurídicos, que apontou como tendo sido objecto de violação por parte da decisão objecto de recurso judicial, no caso a decisão do Director Geral dos Impostos de derrogação do sigilo bancário, ou dito de outra forma, que determinou o acesso directo a todas as contas e documentos bancários da titularidade do Recorrente, estendendo o levantamento do sigilo bancário relativamente às contas bancárias correspondentes a anos posteriores àqueles sobre que incidiu a acção inspectiva.
Alega o Recorrente que, o levantamento do sigilo bancário deve ser limitado aos períodos abrangidos pelos actos inspectivos que estão na sua origem, isto porque, para se analisar a situação tributária de um contribuinte relativa a um determinado período de tempo não é necessário poder aceder às contas bancárias do mesmo em períodos distintos desse.
Assim, para aferir da situação tributária de um contribuinte nos anos de 2006 e 2007, não é necessário aceder às contas bancárias do mesmo nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, sendo suficiente o acesso às contas bancárias nos anos de 2006 e 2007, pelo que, ao não entender assim, violou a sentença recorrida o disposto nos art°s 63°, n°3 da LGT e 7° do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária), a qual permite igualmente a verificação de um claro e manifesto Abuso do Direito por parte da Administração Tributária.
Vejamos se lhe assiste razão.
No caso dos autos, no âmbito de uma acção inspectiva, relativa a IRS dos anos de 2006 e 2007, o Recorrente foi notificado para autorizar os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças dos Porto, a ter livre acesso a todas as suas contas bancárias, extractos, fichas de assinatura e documentos dos movimentos a débito e a crédito, de que é titular.
Os motivos que estiveram na origem das acções inspectivas foram a suspeição de fraude fiscal, através de informações obtidas pela Policia Judiciária no âmbito da cooperação de intercâmbio de dados entre agências internacionais, porquanto, tal como resulta da matéria de facto, o Recorrente A… tem aplicado desde 2005, no offshore de Guernsey, valores superiores a um milhão de libras, sendo que o mesmo tem auferido baixos rendimentos (pensionista de valor inferior a treze mil euros e de rendimentos prediais inferior a dois mil euros, é sócio/administrador de três empresas, a saber A…, Ldª, P…, Ldª, T…, que aparentemente estarão inactivas, tudo isto, segundo informação efectuada pela LJIF da polícia judiciária e de diligências inspectivas levadas a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças dos Porto, tendo declarado para efeitos de IRS, nos anos de 2006 e 2007, valores desta ordem.
Em função desta suspeita, estes serviços foram do entendimento da inexistência de alternativa em ordem ao prosseguimento da acção inspectiva por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capital ao Recorrente senão a conferência e verificação dos movimentos bancários por si efectuados, pelo que solicitaram ao Director Geral dos Impostos, a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do disposto no n° 4 do art. 63°- A da LGT, tendo este, por despacho de 22.MAR.10, considerado verificarem-se os condicionalismos previstos nas alíneas a) e b) do n° 2 do art. 63º B da Lai Geral Tributária, ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelo n° 4 do mesmo normativo legal, autorizado “que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular o sujeito passivo A…, com o NIF …, relativamente aos anos de 2005 e seguintes”.
Desta decisão, interpôs o Recorrente recurso judicial, invocando, entre outros fundamentos a violação do disposto nos artºs art°s 63°-3 da LGT e 7° do RCPIT, por desproporção da actuação da Administração tributária com os fins visados, e do princípio jurídico do abuso de direito, recurso judicial esse que foi julgado improcedente pela sentença recorrida, vindo agora o Recorrente insurgir-se contra a bondade desse julgado invocando errada apreciação dessas normas e princípios jurídicos.
A matéria do acesso à informação protegida pelo sigilo profissional e os termos como o mesmo se processa encontra-se regulada pelos artºs 63º e segs. da LGT.
Nesse âmbito dispõem os artºs 63º e 63º-B desse diploma legal, do modo seguinte:
Artº 63.º
(Inspecção)
1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.
2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.
3 - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.
4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
a) O acesso à habitação do contribuinte;
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos;
c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;
d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.
5 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.
(…).
(Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12. 2005)
Artº 63.º-B
(Acesso a informações e documentos bancários)
1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;
b) Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e apenas para esse efeito.
3 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;
b) Quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 87.º ou os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 89.º-A;
c) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios públicos de qualquer natureza.
4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e são da competência do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
(…).
(Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12.2005)
Neste domínio do acesso à informação protegida pelo sigilo bancário, a regra é, pois, de o mesmo depender de autorização judicial (cfr. art. 63°-2 da LGT), pelo que a derrogação do dever do sigilo bancário pela Administração Tributária constitui excepção, que tem como pressupostos os enunciados nas alíneas dos n°s 1, 2 e 3 do art. 63°-B da LGT.
Com efeito, resulta deste normativo legal, que a Administração Tributária tem o poder de aceder directamente a informações ou documentos bancários nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária, bem como nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.
Estamos perante, um procedimento da Administração Tributária no âmbito dos seus poderes inspectivos e em que recai sobre o contribuinte o dever de cooperação.
Ora, se em regra o acesso à informação protegida pelo segredo bancário depende de autorização judicial - n° 2 do artigo 63° da LGT -, tal não ocorre quando a lei admite a derrogação do dever do sigilo bancário pela Administração Tributária, o que acontece nos casos expressamente previstos no artigo 63°-B da LGT, e, nestes casos, a falta de cooperação não é legítima, como resulta da alínea b) do n° 4 do artigo 63° da LGT, sendo certo que a conduta do contribuinte no sentido de negar a autorização para a consulta da documentação bancária só ganha relevância, se esta recusa está relacionada com a discussão sobre os pressupostos em que pode haver lugar a derrogação do sigilo bancário.
No caso sub judice, da matéria de facto assente nos autos, resulta claramente a existência de factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
Com efeito, através de informações obtidas pela Policia Judiciária no âmbito da cooperação de intercâmbio de dados entre agências internacionais, pode concluir-se ter o Recorrente A… aplicado desde 2005, no offshore de Guernsey, valores superiores a um milhão de libras, sendo que o mesmo tem auferido baixos rendimentos (pensionista de valor inferior a treze mil euros e de rendimentos prediais inferior a dois mil euros, é sócio/administrador de três empresas, a saber A…, Ldª, P…, Ldª, T…, que aparentemente estarão inactivas, tendo declarado para efeitos de IRS, nos anos de 2006 e 2007, valores desta ordem.
Assim sendo, somos do entendimento que dos elementos carreados para os autos pela Administração Tributária, resulta a concretização dos necessários e suficientes pressupostos da derrogação do sigilo bancário.
Mostram-se assim verificados, no caso vertente, os pressupostos legais da derrogação do dever do sigilo bancário pela Administração Fiscal, contemplados no artº 63º-B da LGT, o que, aliás, não é posto em causa pelo Recorrente no presente recurso jurisdicional.
No recurso judicial o Recorrente insurgiu-se quanto ao alargamento do acesso a contas e elementos bancários do ano de 2005 a 2010, quando acção inspectiva se circunscreveu aos anos de 2006 e 2007, com o que terá, na sua perspectiva, a decisão administrativa violado o princípio da proporcionalidade consagrado nos artºs 7° do RCPIT (Aprovado pelo DL 413/98, de 31.DEZ) e 63° n° 3 da LGT bem como o princípio do abuso de direito.
E neste recurso jurisdicional, o Recorrente impugna a errada interpretação, na sua opinião, que a sentença recorrida terá feito quanto à apreciação daquelas normas e princípios s jurídicos.
Vejamos, então.
Estabelecem os artºs 63º-3 da LGT e 7º do RCPIT, o seguinte:
“Artº 63.º
(Inspecção)
1 – (…)
2 – (…)
3 - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.
(…).

Artº 7.º

(Princípio da proporcionalidade)
As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária.
(Redacção dada pela Lei 53-A/06, de 29.DEZ)
Por seu lado, dispõe o artº 334º do CC que:
Artº 334º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
Os artºs 63º-3 da LGT e 7º do RCPIT, consagram em matéria de procedimento de inspecção tributária o princípio legal da proporcionalidade.
Tal como decorre, desde logo, da CRP nos seus artºs 2º e 266º-2, também em matéria tributária e especificamente no âmbito daquele procedimento administrativo os órgãos da Administração Pública, e no caso particular da Administração Fiscal, devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos, devendo entender-se que tal como todas as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, as acções tributárias inspectivas só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
Na actividade administrativa deverá sempre existir uma adequada proporção entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir.
Decorre da observância de tal princípio o dever da Administração Fiscal se abster de impor aos contribuintes obrigações desnecessárias à satisfação dos fins que visa prosseguir.
Por outro lado, em sede de caracterização da figura jurídica do abuso de direito, escreveu-se no Ac. do TCAN de 06.DEZ.07, in Rec. nº 351/05.8BEPNF:
“(…)
O abuso do direito pressupõe a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), constituindo o seu carácter típico no facto de o seu titular na utilização que faz de tal poder contido na estrutura do direito realiza a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in: "Código Civil Anotado", 4.ª edição revista e actualizada, vol. I, pág. 300, nota 7). Nas palavras de Vaz Serra constitui o mesmo uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante" (in: BMJ n.º 85, pág. 253).
Nessa medida, trata-se duma cláusula geral, duma válvula de segurança, para obviar ou obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que redundaria o exercício de um direito.
Daí que existirá abuso de direito quando, admitido em tese geral o mesmo como válido, todavia em concreto surge exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
O instituto mais claro deste abuso é a chamada conduta contraditória (“venire contra factum proprium”) em combinação com o princípio da tutela da confiança, mas existem duas figuras próximas: a renúncia e a "neutralização do direito".
Segundo Batista Machado esta última figura é considerada como uma modalidade especial da proibição do “venire contra factum proprium”, embora exista quem acentue mais ou menos a sua posição autónoma no quadro do abuso do direito.
Para que esta “neutralização” se verifique é necessária a combinação das seguintes circunstâncias: que o titular de um direito deixe passar longo tempo sem o exercer; que com base neste decurso de tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convicção justificada de que o direito já não será exercido; e que movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas e adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.
(...)”.
E no Ac. deste TCAN de 22.NOV.07, in Rec. nº 347/05.0BEPNF:
“O abuso do direito pressupõe que o sujeito ultrapasse de forma evidente e inequívoca os limites referidos no artº 334º do Cód. Civil.
Só há abuso de direito se o excesso aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social do direito for manifesto.
(...)”
E, finalmente, refere-se no Ac., ainda deste TCAN de 08.NOV.07, in Rec. nº 349/05.6BEPNF, o seguinte:
O instituto do abuso do direito traduz e concretiza a ideia de que cada direito subjectivo deve ser exercido com correcção e equilíbrio e de acordo com as exigências da ideia de direito bem como de harmonia com a finalidade que justifica a sua atribuição ou reconhecimento (art.º 334º do CC). Constitui uma síntese dos valores da justiça e da segurança.
Na modalidade de venire contra factum proprium impõe a fidelidade ao comportamento anterior, a conformação do comportamento actual ao sentido ou direcção do comportamento anterior, em nome da lisura de processos e da lealdade nas relações jurídicas, proscrevendo o comportamento sinuoso ou contraditório – em suma o comportamento traiçoeiro ou imprevisível. É uma regra de conduta no exercício de direitos que visa garantir a segurança nas relações jurídicas.
(...)”.
No caso dos autos o Recorrente é do entendimento que tal princípio foi posto em causa perante a derrogação do sigilo bancário em elementos que extravasam o período inspectivo.
Ora, acontece que, no caso sob apreciação, a decisão do levantamento do sigilo bancário fundamentou-se na necessidade de apurar a situação tributária do Recorrente em sede de IRS, relativamente aos anos de 2006 e 2007, em relação ao qual havia indícios concretos de ter sonegado rendimentos sujeitos a tributação, transferindo-os para o “OFFSHORE" de Guernsey.
Essa aplicação de fundos, de acordo com a fundamentação constante do despacho impugnado, tem vindo a ocorrer desde 2005 e ascende a um valor superior a um milhão de Libras.
Ora, perante tal circunstancialismo fáctico, fundamentado em elementos concretos carreados para o procedimento inspectivo, resultam claros indícios da falta de veracidade das declarações de IRS apresentadas pelo contribuinte, traduzida na sonegação de rendimentos aplicados no citado " OFF SHORE ".
Assim sendo, ainda que importe apenas apurar a situação tributária do contribuinte no que concerne aos anos de 2006 e 2007, não se vislumbra que a investigação bancária dirigida ao apuramento de eventuais aplicações de fundos em OFF SHORE, não possa ser alargada quer a anos anteriores quer a anos posteriores ao período abrangido pela acção inspectiva tributária, porquanto, por um lado, a aplicação de fundos no mencionado OFF SHORE teve lugar desde o ano de 2005 e, por outro lado, porque é absolutamente plausível que possa haver, designadamente, cheques ou outros títulos de crédito bancários, recebidos pelo contribuinte durante ao anos de 2006 e 2007, mas que tenham sido transferidos para o OFFSHORE em datas posteriores, sendo certo que, a admitir-se tal hipótese, apesar da transferência de fundos para o OFFSHORE ter tido lugar em datas posteriores ao período entre 2006 e 2007, podem tais fundos constituir rendimentos realizados pelo contribuinte durante o período temporal correspondente à acção inspectiva tributária, ou seja 2006 e 2007.
Em tais termos, não se afigura que o despacho administrativo impugnado, apesar de estender o levantamento do sigilo bancário para além do período temporal a que respectiva a investigação tributária, viole o princípio da proporcionalidade tutelado pelos artºs 63°-3 da LGT e 7º do RCIPT, nem constitua abuso de direito, antes se configurando a actuação da Administração Fiscal, no caso a acção tributária inspectiva ao colidir com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrente/Contribuintes como uma afectação dos mesmos em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar e tendo presente os objectivos a realizar, quais sejam a da tributação real dos rendimentos auferidos e a repressão da fraude fiscal e do branqueamento de capitais.
Nestes termos, improcedem as conclusões de recurso.
E improcedendo as conclusões de recurso, impõe-se a manutenção da sentença.
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN, em julgar improcedente o recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 03.FEV.11
José Luís Paulo Escudeiro
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro