Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00842/12.4BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/24/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:REDUÇÃO REMUNERATÓRIA NOS CONTRATOS DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS
ARTIGOS 22.º E 19.º DA LEI N.º 55-A/2010 (LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2011)
Sumário:I. Inserem-se no âmbito de aplicação do disposto nos artigos 22.º e 19.º, n.ºs 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 (LOE 2011) – os quais determinam a redução remuneratória dos valores pagos pelos contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte por órgãos, serviço ou entidade previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 3º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro – os contratos de aquisição de serviços de limpeza celebrados entre serviço integrado na administração directa do Estado e a Recorrente, por ajuste directo, na sequência de celebração de contrato de prestação dos serviços de limpeza com a mesma contraparte, adjudicado no ano de 2007, no âmbito de concurso público internacional.
II. A entidade contratante, ao aplicar o regime da “redução remuneratório” previsto na LOE 2011 a novos contratos de aquisição de serviços celebrados em 2011 com a mesma contraparte, cumpriu estritamente os pressupostos de facto e de direito das normas em causa, não violando o princípio da boa-fé.
III. As normas ínsitas nos artigos 22.º e 19.º, n.ºs 1, da LOE 2011 consagraram medidas estaduais destinadas à contenção do défice orçamental dentro de determinados limites, pela via da redução da despesa pública, face ao excesso de dívida e de défice que exigiu ajuda externa, incidindo o artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010 excepcional e transitoriamente sobre a generalidade dos cidadãos e empresas que tinham vínculos contratuais com o Estado ou que o viessem a ter no ano de 2011, não consubstanciando tal regime um tratamento desigual, sem fundamento ou justificação razoável, “face aos demais cidadãos”.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A - Limpeza e Conservação, Lda.
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
A..., Limpeza e Conservação, Lda, com sede na …, Aveiro, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinária, que propôs contra o Estado Português, julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido de pagamento da quantia de 110.092,96 € acrescida de juros de mora já vencidos e vincendos.
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A Recorrente nas respectivas alegações formula as seguintes conclusões:
i. As normas constantes dos arts. 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, vulgo Orçamento de Estado para 2012, não podem ter aplicação aos entes privados;
ii. O predito normativo, tal como este especificamente indica, só tem aplicação prática no que respeita às remunerações dos funcionários da administração pública, atento o art. 19º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro;
iii. O disposto no art. 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, ao pretender alargar a redução remuneratória a todas as entidades que se relacionem com a administração pública, ainda que na modesta opinião da Autora, seja, manifestamente injusta e porque não dizer ilegal, só tem aplicação a todos os contratos que tenham início no ano de 2012 ou nas suas renovações;
iv. Ora, o contrato que a Autora celebrou com a administração pública - Polícia de Segurança Pública - foi celebrado no ano de 2007, tendo sido posteriormente sujeito a ajuste directo, porquanto, o ente público não logrou lançar um outro procedimento concursal; Face á predita prática que a administração pública lançou mão, não pode a ora Autora vir a ser penalizada;
v. Atente-se que, o procedimento concursal levado a cabo em 2007, teve por imposição da alínea b) do n.º 1 do Art. 74º do Código dos Contratos Públicos aprovado pela Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro como factor determinante de adjudicação o "preço mais baixo", logo, qualquer alteração unilateral como a que se pretendeu com a aplicação da "redução remuneratória" constante da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, viola os princípios da "boa-fé";
vi. Mais, no entender da Autora, a aplicação dos arts. 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, viola claramente o n.º 1 do art. 13º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a aplicação da mesma deve ser considerada inconstitucional.”.
Termina, requerendo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1. O Tribunal "a quo" fez uma correcta apreciação da prova documental constante dos autos;
2. Como correcta foi a aplicação do direito, ao decidir-se pela improcedência da presente acção.
3. Com efeito, a PSP é uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa (cfr. Art. 1 n.º 1 da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto).
4. Sendo, pois, um serviço da administração directa do Estado.
5. Ora, nos termos do art. 22º da Lei n.º 55-A/2010, a redução remuneratória prevista no art. 19º, dessa mesma Lei, aplica-se aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte.
6. Após o decurso do prazo previsto no concurso público internacional que adjudicou à Autora a prestação dos serviços de limpeza, tais serviços continuaram a ser prestados por ajuste directo.
7. Em causa nos autos estão contratos de aquisição de serviços celebrados em 2011, por ajuste directo pelo que a PSP estava obrigada ao regime de redução remuneratória, previsto nos arts. 19° e 22°, n.º 1 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro conjugado com o disposto no n.º 1, do art. 3° da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
8. A aplicação dos arts. 19º e 22º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro não viola o art. 13º, 1, da Constituição da República Portuguesa.
9. Com efeito, o acórdão n.º 396/2011 do Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral das normas constantes dos artigos 19, 20.º e 21º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aplicando-se a sua fundamentação à norma constante do art. 22º da mesma Lei.”.
Requer que seja negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença proferida na 1.ª instância.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do CPTA.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II – DEFINIÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Questões a Apreciar e a Decidir
Nos termos dos artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do Código do Processo Civil (CPC) ex vi artigos 1.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), as questões a apreciar e a decidir nos recursos jurisdicionais encontram-se delimitadas pelas conclusões das inerentes alegações.
As conclusões das alegações do recurso apresentadas pela Recorrente a partir da respectiva motivação definem assim o objecto do presente recurso jurisdicional e, em consequência, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem – ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso que encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código do Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, p. 41; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, p. 89 e ss.) E o disposto no artigo 149.º do CPTA, atenta a natureza “substitutiva” e não meramente “cassatória” dos recursos jurisdicionais (cfr., J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 7ª edição, pp. 435 e ss; M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, p. 737, nota 1).
As questões suscitadas e a decidir importam, em síntese, determinar se a decisão recorrida, ao julgar improcedente a subjacente acção administrativa, padece de erros de julgamento decorrentes do tribunal a quo:
(i) ter violado, por errada interpretação, o disposto nos artigos 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, na medida em que tais normativos “não se aplicam aos entes privados”;
(ii) ter violado, por errada aplicação, o disposto no artigo 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, cujo âmbito de aplicação entende a Recorrente como abrangendo apenas os contratos que tenham início no ano de 2012 ou nas suas renovações [em sede da 1ª instância reporta-se ao ano de 2011], não se verificando tais pressupostos no caso dos autos por o contrato que celebrou com Polícia de Segurança Pública ter ocorrido no ano de 2007, o qual foi posteriormente sujeito a ajustes directos (não configuráveis como renovações, mas antes como “contratos novos não sujeitos a concurso público”); sublinhando ainda, nesta sede, a violação do princípio da “boa-fé” por a aplicabilidade normativa da “redução remuneratória” ínsita na Lei n.º 55-A/2010 significar uma alteração unilateral do procedimento concursal levado a cabo em 2007 que teve por como factor determinante de adjudicação o “preço mais baixo” (alínea b) do n.º 1 do artigo 74º do Código dos Contratos Públicos aprovado pela Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).
(iii) ter aplicado normativos inconstitucionais – os arts. 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro – os quais, na sua tese, violam “claramente o n.º 1 do art. 13º da Constituição da República Portuguesa”.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes, com relevância para a decisão proferida, os seguintes factos, que agora também se tomam em consideração:
A) Na sequência de concurso público internacional nº 05/RCAP/2007, foi adjudicado à A. A prestação de serviços de limpeza nas instalações da P.S.P. em diversos comandos do continente – cfr. Doc. 1 junto com a p.i..
B) Após o decurso do prazo previsto no referido concurso, a A. Continuou a prestar serviços à Polícia de Segurança Pública, por mais algum tempo, por ajuste directo – facto admitido por acordo.
C) No âmbito da execução dos serviços prestados a A. Emitiu as facturas descriminadas no item 15º) da p.i. – cfr. Docs. 17 a 160 da p.i. Que se dão por reproduzidas.
D) A P.S.P. não procedeu ao pagamento da quantia de 110.092,96 € relativa a 10% do valor total das facturas referidas em C) – facto admitido por acordo.
E) A P.S.P., através de ofº com a refª DL/4029/2011 comunicou à A. A adjudicação dos serviços de limpeza nos Comandos Distritais de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Santarém para o primeiro trimestre de 2011, referindo que o valor aceite pelo Ministério das Finanças corresponde ao valor facturado no ano de 2010, reduzido em 10% – cfr. Doc. 1 junto com a contestação.
F) A P.S.P., através de ofº com a refª DL/5281/2011, comunicou à A. A adjudicação dos serviços de limpeza para os referidos comandos para o segundo trimestre de 2011, referindo que o valor aceite pelo Ministério das Finanças corresponde ao valor facturado no ano de 2010, reduzido em 10% – cfr. Doc. 2 junto com a p.i..
G) A P.S.P. através de ofº com a refª DL/6311/2011, comunicou à A. A adjudicação dos serviços de limpeza para aqueles Comandos para o terceiro trimestre de 2011, referindo que o valor aceite pelo Ministério das Finanças corresponde ao valor facturado no ano de 2010, reduzido em 10% – cfr. Doc. 3 junto com a p.i..
H) A P.S.P. através de ofºs com as refª DL/3880/2011, de 02 de Agosto de 2012, DL 5287/2011, de 3 de Novembro de 2012 e DL 6305/2011, de 29 de Dezembro de 2011 comunicou à A. A adjudicação dos serviços de limpeza relativamente aos primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2011 para o Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna referindo que o valor aceite pelo Ministério das Finanças corresponde ao valor facturado no ano de 2010, reduzido em 10% - cfr. Docs. 4, 5 e 6 juntos com a p.i..
I) A P.S.P. através de ofº com a refª DL/3552/2011, de 12 de Julho de 2011 comunicou à A. A adjudicação dos serviços de limpeza relativamente ao primeiro trimestre de 2011 para o Comando Distrital de Bragança referindo que o valor aceite pelo Ministério das Finanças corresponde ao valor facturado no ano de 2010, reduzido em 10% - cfr. Doc. 7 junto com a p.i..”.
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DE DIREITO
Perante a factualidade supra transcrita e a normação convocada, o tribunal a quo interpretou os artigos 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento de Estado para 2011 – no sentido de serem aplicáveis aos contratos de prestação de serviço identificados nos autos, celebrados entre a Autora e a Polícia de Segurança Pública (PSP), considerando, em síntese, o teor de tais normativos, designadamente o n.º 1 do artigo 22.º que expressamente estabelece que o disposto no artigo 19º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte.
Discorda a Recorrente do decidido nos termos supra delimitados.
Vejamos.
A decisão recorrida, de molde a fundamentar o juízo factológico-jurídico a que chegou, delimitou os normativos legais aplicáveis, transcrevendo os preceitos em causa, bem como, e de modo a completar o quadro normativo relevante subjacente aos factos assentes – como o exige, desde logo, a unidade do sistema jurídico – o preceituado no artigo 69º do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março – diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento de Estado para 2011, bem como o n.º 1 do artigo 26º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, nos seguintes termos:

Artigo 19.º
Redução remuneratória
1. A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:
A) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores € 2000;
B) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;
C) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
(...).
Por sua vez prescreve o artº 22º da mesma Lei:
Artigo 22º
Contratos de aquisição de serviços
1 – O disposto no artigo 19º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte celebrados por:
A) Órgãos, serviços e entidades previstos nos nº 1 a 4º do artigo 3º, da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis nºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, incluindo institutos de regime especial e pessoas colectivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia ou de independência, decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;
Por seu turno preceitua o artº 69º do D.L. nº 29-A/2011, de 1 de Março, diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento de Estado para 2011:
Artigo 69.º
Contratos de aquisição de serviços
1 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, é considerado o valor total a pagar pelo contrato de aquisição de serviços, excepto no caso das avenças, previstas no n.º 7 do artigo 35.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, 3 -B/20010, de 24 de Abril, 34/2010, de 2 de Setembro, e 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, em que a redução incide sobre o valor a pagar mensalmente.
2 - Não estão sujeitas ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro:
A) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços essenciais previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada pelas Leis n.ºs 12/2008, de 26 de Fevereiro, e 24/2008, de 2 de Junho, ou de contratos mistos cujo tipo contratual preponderante não seja o da aquisição de serviços ou em que o serviço assuma um carácter acessório da disponibilização de um bem;
B) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos ou serviços adjudicantes ao abrigo de acordo quadro;
C) A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos ou serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, 3 -B/20010, de 24 de Abril, 34/2010, de 2 de Setembro, e 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, com entidades públicas empresariais;
D) As renovações de contratos de aquisição de serviços, nos casos em que tal seja permitido, quando os contratos tenham sido celebrados ao abrigo de concurso público em que o critério de adjudicação tenha sido o mais baixo preço.
3 - Compete ao membro do Governo responsável pela área da segurança social a emissão do parecer previsto no n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, nos casos em que aquele membro do governo concede a autorização prévia a que se refere o n.º 3 do artigo 35.º do presente decreto-lei.”.
A redução prevista no supra transcrito artº 22º foi mantida em vigor pelo nº 1 do artº 26º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, prevendo o nº 1 do referido preceito que “o disposto no artigo 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis nº 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que, em 2012, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objecto e, ou, contraparte de contrato vigente em 2011, celebrados por”, de acordo, com a alínea a), “órgãos, serviços e entidades previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 3º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (…), incluindo institutos públicos de regime especial e pessoas colectivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia ou de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo.”.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance das normas legais, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, reconstituindo a partir da letra da lei (elemento literal de interpretação), o pensamento legislativo, tendo em conta, entre outros elementos, o espírito da lei (elemento racional) e a unidade do sistema jurídico (elemento sistemático).
Tais elementos de interpretação auxiliam o intérprete, em caso de dúvida, na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais: o texto da norma é o ponto de partida, permitindo ao intérprete eliminar os sentidos que nele não tenham qualquer amparo (função negativa) e saber se o mesmo admite apenas um sentido, sendo esse, na hipótese afirmativa, o sentido a dar à norma, ou se comporta vários sentidos, situação em que cabe averiguar o sentido mais natural (função positiva); o elemento racional e o sistemático auxiliam o intérprete a descobrir a razão de ser da norma a interpretar (ratio legis) ou seja, o fim visado pelo legislador ao elaborar tal norma face às circunstâncias políticas, sociais, económicas, financeiras, entre outras e tendo em conta a unidade da ordem jurídica (cfr., entre outros, Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1985, p. 181).
Destarte, e no que releva para os autos, resulta inequívoco do próprio texto dos artigos 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 que os mesmos se aplicam a órgão, serviço ou entidade previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 3º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que regula o respectivo âmbito de aplicação objectivo, prevendo o n.º 1 que a “redução remuneratória” é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como aos contratos de aquisição de serviços que venham a celebrar-se ou a renovar-se por aqueles órgãos, serviço ou entidade em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte.
Pelo que, tendo a sentença recorrida enquadrado, ao abrigo da lei, a Polícia de Segurança Pública na administração directa do Estado enquanto “força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa – cfr. Artº 1 nº 1 da Lei nº 53/2007, de 31 de Agosto – dependendo do membro do Governo responsável pela Administração interna – cfr. Artigo 2º do referido preceito”, bem como subsumindo correctamente os factos ao direito interpretado de acordo com os cânones jurídicos, ao qualificar os contratos em causa como contratos de aquisição de serviços adjudicados à Recorrente pela PSP, por ajuste directo, em 2011, e assim abrangidos pela redução remuneratória prevista no artigo 19º da Lei n.º 55-A/2010, ex vi artigo 22º dessa mesma Lei – o qual, no seu n.º 1 expressamente determina que tal redução se aplica aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte – e posteriormente, por força do artigo 26º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro que prescreveu que o disposto no artigo 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis nº 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que, em 2012, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objecto e, ou, contraparte de contrato vigente em 2011 (...), não merece a mesma qualquer censura, inexistindo o alegado erro de interpretação e de aplicação das normas postas em causa pela Recorrente.
Sublinhando-se, face ao exposto, a irrelevância do argumento aduzido pela Autora/Recorrente, segundo o qual os serviços que continuou a prestar à PSP, por ajustes directos, na sequência da celebração de contrato de prestação dos serviços de limpeza com a PSP, adjudicado no ano de 2007, no âmbito de concurso público internacional, configuram “novos contratos” “não sujeitos a concurso público” e assim não abrangidos pelo disposto no artigo 22º da Lei n.º 55-A/2010, cujo âmbito de aplicação se deve entender, sustenta, como não abrangendo os contratos de aquisição de serviços novos, mas apenas “contratos com idêntico objecto e idêntica contraparte” celebrados ou renovados em 2011 [referindo agora nesta sede “em 2012” cfr. Ponto III das conclusões de recurso].
Visto que, e como bem se refere na sentença recorrida, tal argumentação “não encontra abrigo na lei dado o nº 1 do artº 22º da Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, referir os contratos que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objecto e a mesma contraparte – redacção igualmente constante do artº 26º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro - como é caso – cfr. Alíneas A), B), F), G), H) e I) da matéria de facto assente – sendo os contratos em apreço contratos de aquisição de serviços, (...).”
Em síntese, estando em causa nos autos contratos de aquisição de serviços celebrados em 2011, por ajuste directo, a recorrida PSP encontrava-se vinculada, em cumprimento da lei, a aplicar o regime de redução remuneratória previsto nos artigos 19º e 22º, n.ºs 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, conjugado com o disposto no n.º 1, do artigo 3º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e mantido pelo artigo 26º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
Não se verificando errada interpretação do disposto nos artigos 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 nem errada aplicação do disposto no respectivo artigo 22º, improcedendo este fundamento de impugnação da sentença recorrida.
No que se respeita à alegada violação do princípio da “boa-fé” impõe-se referir que os princípios gerais de direito público, enquanto ordenadores da actividade administrativa e a sua hipotética ofensa só relevam no âmbito da actividade discricionária, já que em sede de poderes vinculados da Administração a haver violação, a mesma consubstancia-se, e esgota-se, na violação do normativo legal ou regulamentar invocado, ou na violação do princípio da legalidade por violação de normas legais que alegadamente vinculam a Administração – assim, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11/05/2000, proc. N.º 44777 e de 16/04/2000, proc. N.º 46378, de 8/07/2010, proc. N.º 275/10, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/11/2011, proc. 01380/07.2BEVIS, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.09.2008, Proc. N.º 01101/05.
O que bem se compreende já que a lei, em sede de poderes administrativos vinculados, estabelece inequivocamente a forma de actuação da Administração, condicionando-a a agir nos exactos termos nela previstos, não detendo a mesma qualquer margem de liberdade, salvo, naturalmente, em caso de inconstitucionalidade.
Situação que ocorre no caso vertente, na medida em a PSP actuou em sede de poderes claramente vinculados, cumprindo estritamente os pressupostos de facto e de direito das normas em causa.
Não obstante, o fundamento em causa – o de a aplicabilidade normativa da “redução remuneratória” em causa significar uma alteração unilateral do procedimento concursal de 2007 que teve como factor determinante de adjudicação o “preço mais baixo” – sempre teria de improceder atendendo ao facto de estar em causa nos autos não esse procedimento, mas novos contratos de prestação de serviços efectuados por ajuste directo no ano de 2011.
Improcede assim este fundamento de discordância da sentença recorrida.
Por fim, e no que respeita à invocada aplicação pela entidade adjudicante e, concludentemente, pela sentença recorrida de normativos inconstitucionais (os arts. 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010), a Recorrente limitou-se a invocar a violação do n.º 1 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por a actuação daquela entidade de alterar unilateralmente em pleno curso da adjudicação da prestação de serviços à Autora mediante a aplicação da contestada “redução remuneratória” consubstanciar uma “situação de desigualdade” da lei face aos demais cidadãos.
Argumentação manifestamente insuficiente para integrar tal violação.
O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP pressupõe fundamentalmente o tratamento igualitário em matéria de direitos e deveres de todos os particulares em relação aos poderes públicos, não podendo uns, ser privilegiados, em detrimento de outros, pelo que proíbe benefícios no gozo de qualquer direito e prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito. Nele se destacando três dimensões: (a) a proibição do arbítrio, que impede quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, que impede diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas; (c) a obrigação de diferenciação como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou cultural – vide J.J. Gomes Canotilho, e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª edição revista, Coimbra editora, nota IV ao art. 13.º p. 127.
Ora, nada resulta dos autos no sentido de a aplicação dos artigos 19º e 22º da Lei n.º 55-A/2010 à situação da Recorrente configurar de per si uma violação de tal princípio, já que a mesma não demonstra que cidadãos ou empresas colocadas na sua situação tenham obtido da Administração um tratamento desigual sem fundamento ou justificação razoável.
Aliás, e como é sabido, tais normas consagraram medidas estaduais destinadas à contenção do défice orçamental dentro de determinados limites pela via da redução da despesa pública, face ao excesso de dívida e de défice que exigiu ajuda externa, incidindo o artigo 22º da Lei n.º 55-A/2010, no que agora interessa, excepcional e transitoriamente, sobre a generalidade dos cidadãos e empresas que tinham vínculos contratuais com o Estado ou que o viessem a ter no ano de 2011.
Neste contexto, com relevo para o caso vertente, invoca-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011 que não declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º, da Lei n.º 55-A/2010”, e cujos fundamentos, no caso, relativos ao princípio da igualdade, se aplicam igualmente à norma constante do artigo 22º da mesma Lei, citando-se aqui parte dos mesmos:
Não cabe, evidentemente, ao Tribunal Constitucional intrometer-se nesse debate, apreciando a maior ou menor bondade, deste ponto de vista, das medidas implementadas. O que lhe compete é ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos.
Não pode afirmar-se que tal seja o caso. O não prescindir-se de uma redução de vencimentos, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de actuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador. Intentando-se, até por força de compromissos com instâncias europeias e internacionais, conseguir resultados a curto prazo, foi entendido que, pelo lado da despesa, só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata, sendo, nessa medida, indispensável. Não havendo razões de evidência em sentido contrário, e dentro de “limites do sacrifício”, que a transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardam, é de aceitar que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental. Em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas – vinculada que ela está, é oportuno lembrá-lo, à prossecução do interesse público - não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual.”.
Improcede assim a invocada inconstitucionalidade.
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Atento o exposto inexistindo os apontados erros de apreciação ou de julgamento da sentença recorrida, improcede o recurso interposto pela Recorrente.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. Artigo 131º n.º 5 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).
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Porto, 24 de Outubro de 2014
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Fernanda Brandão