Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00969/17.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIAMENTO DE DILIGÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, DOENÇA DO MANDATÁRIO, JUSTO IMPEDIMENTO, PROVA, OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NULIDADE PROCESSUAL, DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Sumário:I - O não adiamento da diligência de inquirição de testemunhas por falta de advogado, previsto no n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, só pode ocorrer se o tribunal tiver dado cumprimento ao disposto no artigo 151.º do CPC, nos termos do n.º 3 daquele artigo 118.º.

II - Perante esta norma do artigo 118.º, n.º 4 do CPPT, a única forma de, nestas circunstâncias, obviar a que a diligência se não realize e possa ser transferida para outro dia, consistirá na intervenção do mandatário faltoso ao abrigo do disposto no artigo 140.º do CPC, se para tanto reunir os necessários requisitos (justo impedimento).

III - O justo impedimento deve ser apreciado em função de cada caso concreto, devendo o seu regime ser devidamente adaptado a situações específicas como a falta a diligências judiciais agendadas por acordo.

IV - O advogado que pretenda adiar diligência de inquirição de testemunhas por motivo de doença súbita e inesperada que não lhe permita estar presente, deverá, antes do início dessa diligência, requerer o seu adiamento, justificando logo aí a verificação de uma situação de justo impedimento (artigo 140.º, n.º 1 do CPC).

V - A prova dessa situação é feita, por regra, pela apresentação de atestado médico, que deve ser junto com o requerimento de invocação de justo impedimento, atento o disposto no artigo 140.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC. Mas se não for logo possível fazê-lo, poderá juntá-lo logo que consiga, desde que, pelo menos, decorra do circunstancialismo inerente ao impedimento essa impossibilidade de apresentação imediata.

VI - O juiz deve adiar a diligência se reconhecer que os factos alegados no requerimento correspondem a um caso de justo impedimento, só assim não fazendo se tiver indícios sérios de que se trata de expediente dilatório para provocar um adiamento injustificado da mesma.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., LDA., NIPC (...), com sede na Zona Industrial (…), interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 10/04/2018, que indeferiu o pedido de adiamento da realização de diligência de inquirição de testemunhas formulado com fundamento em justo impedimento do mandatário da Recorrente, e, bem assim, da sentença, proferida em 22/10/2018, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e IVA e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, no montante total de €1.214.135,43.
O recurso visando o despacho interlocutório mostra-se dirigido a este Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) e o recurso da sentença foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Por determinação do STA, será primeiro conhecido neste tribunal o recurso versando o despacho interlocutório. O recurso da sentença será posteriormente conhecido no STA – cfr. decisão sumária proferida em 05/06/2019.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 10/04/2018 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
a) No passado dia 09.04.2017, a Recorrente requereu o adiamento da diligência designada para o dia 10.04.2018, pelas 10h, por impossibilidade física (doença) do seu mandatário, tendo protestado juntar atestado médico – cfr. requerimento com a referência n.º 579504, junto a fls. dos autos.
b) No mencionado requerimento, o escritório do mandatário da Recorrente reiterou ter informado previamente o Tribunal da mencionada impossibilidade do signatário em comparecer na mencionada diligência, atenta a doença que o afectou, bem como da impossibilidade de substabelecer com reserva, atenta a complexidade da presente acção, requerendo fosse considerada justificada a falta do seu mandatário, atento o justo impedimento, adiando-se, consequentemente, a mencionada diligência - cfr. requerimento com a referência n.° 579504, junto a fls. dos autos.
c) Todavia, no passado dia 12.04.2018, foi o mandatário da Recorrente notificado do despacho que, invocando o disposto no artigo 118.°, n.° 4 do CPPT, decidiu que a falta de mandatário, mesmo que comunicada nos termos do n.° 5 do artigo 151.° do CPC, não é motivo de adiamento, sem que, contudo, se pronunciasse quanto ao requerimento de 09.04.2018, ou seja, sem se pronunciar acerca do invocado justo impedimento – cfr. despacho com a referência 006824636, junto a fls. dos autos.
d) Nos termos do disposto no art. 615.°, n.° 1, al. d), aplicável por força do disposto no art. 613.°, n.° 3, ambos do Código Processo Civil, é nulo o despacho quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".
e) Padece, por conseguinte, o despacho recorrido da apontada omissão de pronúncia, o que acarreta a sua respectiva nulidade.
f) Tal como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 09 2016, processo n.° 13098/14.5YIPRI 61, relator. António Sobrinho, disponível em www.dgsi.pt., o requerimento a pedir o adiamento da audiência de julgamento da Impugnante, por impossibilidade física (doença) do seu mandatário, apresentado no dia anterior à realização da diligência, configura um caso de urgência, nos termos definidos no artigo 162.°, n.° 2, do CPC, aplicável ex vi por força do artigo 2.°, al. e) do CPPT.
g) Tal requerimento estava sujeito a despacho urgente, devendo a secretaria concluir o processo para esse efeito no próprio dia, sendo possível, ou no dia seguinte, mas antes da abertura da audiência, o que se admite possa não ter sucedido.
h) Assim, admitida aquela suposição, no dia 10.04.2018, data em que foi proferido o despacho recorrido, o Mmo. juiz do Tribunal a quo poderia não ter ainda tido conhecimento do requerimento de adiamento da diligência, face ao invocado justo impedimento do mandatário da aqui Recorrente, o que justificaria a prolação do despacho recorrido sem atender ao aludido requerimento.
i) Caso a secretaria não tenha remetido ao Mmo. juiz o aludido requerimento antes da abertura da audiência, a fim de esta proferir despacho, tal omissão consubstancia uma irregularidade processual susceptível de influir, como influiu, no exame ou decisão da causa, na medida em que, o não adiamento da audiência no próprio dia desta (1 dia depois do pedido), permitiu que fosse realizada a audiência de julgamento sem a presença do mandatário da Impugnante e sem que esta pudesse proceder à produção de prova.
j) Tal como determina o artigo 157.°, n.° 6, do CPC, aplicável ex vi por força do artigo 2.°, al. e), do CPPT, "os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".
k) A ter sucedido tal omissão da secretaria, estamos perante uma irregularidade processual susceptível de influir, como influi, no exame ou decisão da causa.
I) Tal omissão constitui uma nulidade secundária sujeita ao regime dos artigos 195.° e seguintes do CPC, pelo que deve ser revogado o despacho proferido e anulados todos os actos posteriores à prolação do despacho, ordenando-se a designação de nova data para a audiência de discussão e julgamento, como vista à inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante.
m) O despacho proferido pelo M. juiz, que não adiou a diligência, por falta do mandatário da Recorrente, mesmo que comunicada nos termos do n.° 5 do art. 151.° do CPC, obedece ao estrito cumprimento do disposto no artigo 118.°, n.° 4 do CPPT, que proíbe tal adiamento.
n) Todavia, perante tal norma, na redacção introduzida pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, a única forma de, nestas circunstâncias, obviar a que a diligência se não realize e possa ser transferida para outro dia, consistirá na intervenção do advogado faltoso ao abrigo do disposto no artigo 140.° do CPC, se para tanto reunir os, necessários requisitos (justo impedimento) - Cfr, neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.01.2007, processo n.° 01414/06, secção CT - 2.° Juízo, relator: Eugénio Sequeira, disponível em www.dgsi.pt.
o) No caso em apreço, o escritório do mandatário da Recorrente apresentou requerimento nos autos via SITAF, no passado dia 09.04.2018, informando que aquele (mandatário) foi acometido de um estado de doença imprevisível, que o impediria de estar presente na sessão designada para o dia 10 de Abril, pelas 10h, tendo o seu escritório comunicado naquele dia o justo impedimento - Cfr requerimento com a referência n.° 579504, junto a fls. dos autos.
p) O facto de o mandatário da Recorrente ter sido acometido no dia anterior à diligência de um estado de doença imprevisível, que o impossibilitava de estar presente na diligência designada para o dia seguinte, corresponde a um evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, e que obsta à prática atempada do acto, motivo pelo qual encontram-se reunidos os requisitos necessários para se considerar justo impedimento - Cfr. artigo 140.° do CPC.
q) Acresce que, foi ainda comunicada ao tribunal a inviabilidade de o mandatário da Recorrente substabelecer com reserva, considerando a complexidade da acção que deu origem aos presentes autos.
r) Assim, atento o alegado justo impedimento, impunha-se que o Tribunal a quo considerasse justificada a falta do mandatário da Recorrente e, consequentemente, adiasse a mencionada diligência.
s) Por outro lado, apesar do disposto no art. 140.°, n.° 2 do CPC, impor que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova, deve entender-se que, sendo necessário que a comunicação seja logo efectuada até à abertura da audiência, não é exigível que prontamente seja exibido atestado médico, pois se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu não comparecimento e não estiver ainda munido de documento comprovativo do impedimento legítimo, deve convencer o juiz da seriedade do motivo invocado, sem prejuízo de, posteriormente e no mais curto prazo, remeter o documento justificativo da sua ausência - Cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.05.2016, processo n.° 1117/12.4TEWNO.E1, relator: Elisabete Valente, disponível em www.dgsi.pt.
t) Repete-se, no requerimento de 09.04.2018 foi protestado juntar atestado médico, porquanto, na altura da apresentação daquele requerimento, o mandatário ainda não estava munido desse documento, não sendo, portanto, exigível que, com o requerimento, fosse logo exibido documento comprovativo do impedimento legítimo do mandatário.
u) Tendo o mandatário, logo que lhe foi possível, junto aos autos o atestado médico protestado juntar, não podemos senão concluir que cumpriu com o disposto no n.° 2 do art. 140.° do CPC, por ter oferecido, logo que lhe foi possível, a prova do alegado justo impedimento - cfr requerimento com a referência 580525, junto a fls. dos autos.
v) O não adiamento da diligência coarctou à Recorrente o seu direito de defesa, violando o despacho recorrido o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, direitos, esses, plasmados no art. 20.°, n.° 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve o despacho recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que considere justificada a falta do mandatário da Recorrente, por se encontrarem preenchidos os requisitos de justo impedimento, determinando-se, consequentemente, o adiamento da referida diligência.
Termos em que
Deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, consequentemente:
Deve o despacho em crise ser declarado nulo por omissão de pronúncia;
Caso a secretaria não tenha aberta conclusão do requerimento apresentado no dia 09.04.2018 antes da abertura da diligência, a fim de ser proferido despacho, estamos perante uma irregularidade processual que acarreta uma nulidade secundária sujeita ao regime dos artigos 195.° e seguintes do CPC, devendo ser revogado o despacho recorrido e anulados todos os actos posteriores à prolação do despacho, ordenando-se a designação de nova data para a audiência de discussão e julgamento, com vista à inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante;
Deve o despacho em crise ser revogado, substituindo-se por outro que considere justificada a falta do mandatário da Recorrente, por se encontrarem preenchidos os requisitos de justo impedimento, determinando-se, nessa conformidade, o adiamento da referida diligência.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso do despacho interlocutório.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a decisão interlocutória enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, se incorre em nulidade processual, por omissão pela secretaria judicial de apresentação ao juiz do requerimento onde se invoca justo impedimento, e conhecer, ainda, acerca da legalidade do despacho interlocutório, que indeferiu o pedido de adiamento da realização de diligência de inquirição de testemunhas formulado com fundamento em justo impedimento do mandatário da Recorrente, por eventual erro de julgamento.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Com relevância para o conhecimento do recurso interposto da decisão interlocutória, indicam-se as seguintes ocorrências processuais, que resultam da observação da tramitação dos autos:
1 - A diligência de inquirição de testemunhas foi agendada para o dia 10/04/2018, uma das datas indicadas pelo excelentíssimo mandatário da impugnante, em cumprimento do disposto no artigo 151.º do Código de Processo Civil.
2 - Em 09/04/2018, às 19h35, foi apresentado requerimento, via Site, em nome do ilustre mandatário da impugnante, solicitando o adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, nos seguintes termos:
“(…) 1) O aqui signatário foi acometido de um estado de doença imprevisível, que o impedirá de estar presente na sessão de inquirição de testemunhas que se encontra designada para amanhã, dia 10 de Abril, pelas 10:00 horas, tendo o seu escritório comunicado, hoje, a este Tribunal, o justo impedimento.
2) Atento o exposto e considerando, ainda, a complexidade da acção que deu origem aos presentes autos, torna-se inviável o substabelecimento com reserva, para a diligência em apreço.
3) Nestes requer a V. Exa. se digne considerar justificada a sua falta, adiando, consequentemente, a mencionada diligência.
Protesta juntar o respectivo atestado médico.
Requer a junção deste aos autos.
Pede deferimento.
P’lo Advogado (...)”
3 - O despacho interlocutório, e que consta transcrito na acta da diligência de inquirição de testemunhas lavrada em 10/04/2018, que foi proferido após abertura desta diligência, tem o seguinte teor:
«Nos termos do disposto no art. 118, n.º 4, do CPPT, a falta de testemunha, de representante da Fazenda Pública ou de advogado não é motivo de adiamento da diligência.
Havendo acordo na marcação da diligência tal como previsto no art. 151, n.º 1, do CPC, a falta do mandatário, mesmo que comunicada nos termos do n.º 5 do art. 151 do CPC, não justificará o adiamento da diligência, sendo precisamente essa uma das especialidades que o n.º 4 deste art. 118 do CPPT consagra em relação ao regime do processo civil, em que se prevê como causa de adiamento da audiência a falta de algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência.
Com efeito, a observância do art. 151 do CPC que se determina no n.º 4 deste art. 118 restringe-se à marcação da diligência, não podendo ver-se nele uma remissão global para o regime do art. 151.
Veja-se a este propósito o acórdão do STA de 21/09/2011, no processo 0404/11, segundo o qual:
Se na marcação da data da audiência para inquirição de testemunhas foram observadas as regras previstas nos números 1 a 3 do artigo 155, do Código de Processo Civil, como impõe o n.º 3 do artigo 118, do CPPT, a falta de mandatário dos oponentes, bem como a do representante da Fazenda Pública e/ou das testemunhas não constitui motivo para o adiamento da diligência (artigo 118.º n.º 4 do CPPT).
Compulsados os autos verificamos que o Tribunal observou o disposto no art. 151 do CPC, tendo a diligência sido designada para uma das datas indicadas pelo mandatário da Impugnante.
Por conseguinte, não se adia a diligência agendada por inadmissibilidade legal.
Todavia, uma vez que apenas se encontra presente o IRFP dá-se a mesma por encerrada.
As testemunhas faltosas, devidamente notificadas, vão condenadas em multa que se fixa em 2 UC, nos termos do disposto no art. 508.º, n.º 4 do CPC ex vi art. 2, e) do CPPT.
Dou por encerrado o período de instrução.
Notifique as partes para, querendo, alegarem no prazo de 20 dias.
Notifique.»
4 - Em 16/04/2018, foi apresentado pelo ilustre mandatário da impugnante o atestado médico que protestara juntar, onde o médico aí identificado, especialista em medicina geral e familiar, atesta, por sua honra, que no dia 09/04/2018 (….) se encontra incapacitado para o trabalho, por um período de três dias, razão pela qual não pode comparecer no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

2. O Direito

A Recorrente alega verificar-se nulidade processual, por omissão de prática de acto urgente pela secretaria judicial, na sequência de apresentação de requerimento solicitando o adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, por impossibilidade de comparência por doença do seu mandatário, invocando justo impedimento.
Esta alegação tem subjacente o facto de se tratar de requerimento urgente, que devia ter sido apresentado como tal para despacho judicial, traduzindo esta omissão uma irregularidade que influi na decisão da causa.
Neste contexto, não residem dúvidas que estaremos, alegadamente, perante uma nulidade de processo, na medida em que a Recorrente invoca a verificação de desvio em relação ao formalismo processual prescrito na lei, que, in casu, consubstancia uma omissão.
Nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do acto em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta/desvio.
Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da decisão, como a omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da decisão, como, efectivamente, ocorreu no caso em apreço – cfr. Acórdão do Pleno do STA, da Secção de Contencioso Administrativo, de 02/10/2001, proferido no âmbito do recurso n.º 42385, publicado no AP-DR de 16/04/2003, página 985. Também o Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo, de 09/10/2002, recurso n.º 48236 e Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário, de 04/12/2002 e de 10/07/2002, proferidos nos recursos n.º 1314/02 e n.º 25998, respectivamente.
É esta a doutrina adoptada pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta do Acórdão de 6 Julho de 2011, do Pleno dessa Secção, proferido no processo com o n.º 786/10.
As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag.176.
O artigo 162.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) determina que a secretaria judicial deve fazer os processos conclusos ao juiz no prazo de cinco dias, salvo nos casos de urgência, tendo em vista a prolação de despacho ou sentença, conforme os casos.
Na situação em apreço, o requerimento versando o adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, invocando justo impedimento, por impossibilidade física do mandatário da Recorrente, foi apresentado na véspera da diligência, em 09/04/2018, entregue via Site no SITAF às 19h35.
Nesta conformidade, só seria viável apresentar o requerimento à Meritíssima Juíza “a quo” no dia seguinte, ou seja no próprio dia do agendamento da diligência – em 10/04/2018.
Tudo indica que assim aconteceu, dado decorrer da respectiva acta da diligência a prolação do despacho em crise, com a fundamentação reproduzida supra.
Nestes termos, não vislumbramos, com a segurança e certeza exigíveis, que tenha sido cometida qualquer omissão pela secretaria judicial, traduzida em nulidade processual; pelo que, quanto a este segmento, o recurso não merce acolhimento.

A Recorrente imputa, ainda, à decisão recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que, na sua óptica, o tribunal recorrido não se teria pronunciado sobre o requerimento que apresentou em 09/04/2018, no que concerne ao invocado justo impedimento.
No entendimento da Recorrente, a Meritíssima Juíza “a quo” decidiu que a falta de mandatário, mesmo que comunicada nos termos do artigo 151.º, n.º 5 do CPC, não é motivo de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, ignorando, no entanto, que a impugnante requereu que fosse justificada a falta do mandatário, atento o justo impedimento, consubstanciado na doença que o afectou.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Efectivamente, não residem dúvidas que a questão que se impunha decidir se prendia com o adiamento da diligência, estando em causa julgar se a falta do mandatário, que invocou justo impedimento, era motivo de adiamento dessa diligência.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Analisado o requerimento apresentado em 09/04/2018, bem como o despacho transcrito na acta da diligência, afigura-se-nos não ocorrer a assacada omissão de pronúncia, dado que a Meritíssima Juíza “a quo” se pronunciou sobre a possibilidade de adiamento da diligência, tendo mencionado expressamente que, ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 4 do CPPT, a falta do mandatário não constitui causa para tal adiamento, norma que entendeu consagrar um regime especial face ao regime geral ínsito no Código de Processo Civil.
Resulta, assim, do entendimento da Meritíssima Juíza “a quo” que a falta do mandatário não constitui fundamento de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, independentemente da ocorrência ou não de justo impedimento.
Logo, também este fundamento recursivo improcede, sem prejuízo de poder consubstanciar um erro de julgamento, mas não nulidade da decisão, por omissão de pronúncia.

Vejamos, então, se o tribunal recorrido errou ao recusar o adiamento da diligência de inquirição de testemunhas.
A questão decidenda consiste em saber se, no âmbito processual tributário, a falta de mandatário forense é causa de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, sendo invocado justo impedimento pelo mesmo.
O Código de Procedimento e de Processo Tributário preceitua, no que aqui releva, no seu artigo 118.º, n.º 3, que o juiz, na marcação de tal tipo de diligências, no âmbito do processo de impugnação judicial, deve observar o disposto no artigo 155.º do CPC (actual artigo 151.º). Salienta-se que o seu n.º 4 acrescenta que a falta, quer das testemunhas, quer do Representante da Fazenda Pública ou do mandatário forense do impugnante, não constituem causas de adiamento da diligência em questão.
O CPPT regula de forma expressa tal questão, determinando, sem margem para quaisquer ambiguidades, que a falta de qualquer daqueles intervenientes processuais não constitui causa de adiamento daquele tipo de diligências.
Por consequência, não há que fazer apelo ao Código de Processo Civil, uma vez que a sua aplicação no âmbito processual tributário apenas se legitima a título subsidiário.
Assim, a jurisprudência entende que, quando o artigo 118.º, n.º 3 do CPPT remete para o artigo 155.º (como referimos, actual artigo 151.º), fá-lo apenas nos precisos e limitados termos ali expressos, ou seja para efeitos de marcação da diligência de inquirição de testemunhas.
No fundo, o que o artigo 118.º, n.º 3 do CPPT determina é que o juiz, para a marcação da diligência, e no sentido de evitar o respectivo adiamento, deverá promover as diligências adequadas ali prescritas.
No entanto, por força do que preceitua o n.º 4 do mesmo artigo 118.º, o n.º 5 do artigo 155.º do CPC (n.º 5 do artigo 151.º do CPC) será inaplicável no processo tributário.
Do que dissemos resulta que, ou o advogado não pode comparecer à diligência por sobreposição de datas com outras diligências judiciais, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 151.º, o deverá comunicar com a antecedência legal ao juiz do processo, ou não o pode por motivo ponderoso e inultrapassável.
Nesta última hipótese, das duas uma: ou tal motivo impeditivo ocorre em tempo útil de se fazer substituir, ou ocorre em circunstâncias de não poder substabelecer, caso em que apenas lhe restará o recurso ao justo impedimento, nos termos do preceituado no artigo 140.º do CPC – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 01/04/2003, proferido no âmbito do processo n.º 6827/02.
Porém, o regime do «justo impedimento» terá que ser adaptado à situação, pois reconduzindo-se à possibilidade de «o requerente praticar o acto fora do prazo» apenas é directamente aplicável quando a parte deixou de praticar um acto que deveria ter sido praticado em determinado prazo, o que não é manifestamente a situação da não comparência a um acto público do próprio tribunal.
Estando em causa uma diligência para produção de prova, consideradas as consequências gravosas que poderá ter no desfecho do processo a não realização da mesma, mais nos convence da aplicabilidade do regime do justo impedimento, devidamente adaptado, à situação dos autos.
Tal mostrava-se espelhado no n.º 5 do artigo 651.º do anterior CPC, traduzindo-se na possibilidade de o advogado faltoso poder requerer «renovação de alguma das provas produzidas, se alegar e provar que não compareceu por motivo justificado que o impediu de dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 155.º».
Mas, este regime é aplicável, como resulta expressamente do texto do referido n.º 5 do artigo 651.º, «fora das circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1», isto é, quando tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 155.º - cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/05/2008, proferido no âmbito do processo n.º 0952/07.
Actualmente, o correspondente artigo 603.º do CPC contempla o justo impedimento da seguinte forma, introduzindo uma alteração substancial ao regime anterior do Código de Processo Civil, sendo evidente a preocupação do legislador de 2013 de reduzir os casos de adiamento da audiência final:
“1 - Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
2 - Se a audiência for adiada por impedimento do tribunal, deve ficar consignado nos autos o respectivo fundamento; quando o adiamento se dever à realização de outra diligência, deve ainda ser identificado o processo a que respeita.
3 - A falta de qualquer pessoa que deva comparecer é justificada na própria audiência ou nos cinco dias imediatos, salvo tratando-se de pessoa de cuja audição prescinda a parte que a indicou.”
Realmente, a reforma de 2013 restringiu as causas de adiamento da audiência final em caso de falta do advogado, apenas admitindo essa possibilidade no caso de a audiência não ter sido marcada com o acordo prévio dos mandatários ou em situações de justo impedimento.
Salientamos que a previsão do n.º 3 deste artigo 603.º não se aplica à falta dos mandatários com o propósito de adiar o julgamento. Esse preceito está especialmente pensado para a falta das partes ou de quaisquer outros intervenientes acidentais (vide, a propósito: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2, 3.ª Ed., pág. 688) e tem por finalidade única permitir às pessoas em causa que vejam as suas respectivas faltas oportunamente justificadas, estabelecendo-se para o efeito um prazo máximo de 5 dias.
Perante a norma do artigo 118.º, n.º 4 do CPPT, a única forma de, nessas circunstâncias, obviar a que a diligência se não realize e possa ser transferida para outro dia, consistirá na intervenção do mandatário faltoso ao abrigo do disposto no artigo 140.º do CPC, se para tanto reunir os necessários requisitos (justo impedimento) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30/01/2007, proferido no âmbito do processo n.º 01414/06.
Por tudo o exposto, não obstante a falta do mandatário da impugnante não ser motivo de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas, pois o tribunal deu cumprimento ao disposto no artigo 151.º do CPC, nos termos do n.º 3 do artigo 118.º do CPPT; se invocado, o tribunal não pode deixar de ponderar a verificação de justo impedimento.
Cabe, então, continuar a análise do eventual erro de julgamento, ponderando a situação de justo impedimento nos moldes em que foi invocada.
Relevou a Recorrente que o escritório do advogado comunicou de imediato o justo impedimento, na véspera da diligência, informando a doença imprevisível, que impedia o mandatário de estar presente na inquirição das testemunhas, alertando para a impossibilidade, de véspera, substabelecer o mandato, atenta a complexidade do processo e protestando apresentar o respectivo atestado médico. Que efectivamente foi apresentado em 16/04/2018.
Em suma, defende a Recorrente que a invocação de justo impedimento determina o adiamento da diligência, nos termos do artigo 140.º do CPC.
A matéria do “justo impedimento”, como já referimos, vem regulada no artigo 140.º do CPC, onde se estabelece que:
«1– Considera-se “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
«2– A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o Requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
«3– É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do acto dentro do prazo.»
A este respeito, escreve também Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3.ª Ed., pág. 275-276) que constituem justo impedimento «as situações de doença súbita (…) quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (…). Hoje, constituem justo impedimento não só a impossibilidade total e absoluta, mas também o obstáculo à plena realização do acto, tal como a parte ou o mandatário a prefiguraram; mas continuará a não haver justo impedimento se o acto a praticar pelo mandatário impedido constituía facto perfeitamente fungível.»
Efectivamente, há nota de abundante jurisprudência bastante exigente na configuração de situações de justo impedimento – cfr., a título de exemplo, o Acórdão do TCA Norte, de 02/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00129/04, o Acórdão do TCA Sul, de 18/06/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08100/14 ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 3188/17.8T8LRA-A.C1, de onde resulta que a doença do próprio advogado só pode constituir justo impedimento se, pela sua natureza e gravidade, o impossibilita em absoluto de praticar o acto, de avisar o constituinte e de substabelecer o mandato.
Contudo, entendemos que a questão deve ser apreciada em função de cada caso concreto.
Reconhecemos que a Recorrente se limitou a comunicar a impossibilidade de comparência do mandatário na diligência de inquirição de testemunhas, por este se encontrar doente; protestando juntar atestado médico e nada alegando quanto à impossibilidade de então apresentar prova da comunicada doença.
Observa-se que não foi apresentada com a comunicação dirigida ao tribunal qualquer prova da invocada situação de doença, exigindo-se particular ênfase na descrição da situação e quiçá também na justificação para a não apresentação imediata do atestado médico.
Todavia, julgamos que se verifica uma situação de justo impedimento, porque emergente de facto inesperado, não imputável à parte ou ao seu mandatário, relativo ao seu estado de saúde, encontrando-se provado por atestado médico que objectivamente estava impedido de comparecer no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
A nosso ver, a circunstância de o atestado médico certificar que o mandatário da Recorrente está incapacitado para o trabalho, por um período de três dias, razão pela qual não pode comparecer no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, é suficiente para provar o justo impedimento.
“O atestado não tem de indicar a doença concreta da pessoa em menção, até porque se o fizesse sem autorização expressa do doente, o médico estaria a violar deveres deontológicos de reserva e sigilo profissional que se lhe impõem.
Basta assim que o médico especifique de forma suficiente as limitações à capacidade de trabalho. Sendo que, salvo se for invocada a falsidade do atestado ou das declarações dele constantes, se um médico atesta por sua honra que determinada pessoa está doente e não pode por isso cumprir com as suas obrigações profissionais, é porque por razões de saúde ela não o pode efetivamente fazer.
Um atestado médico tem a força probatória própria que a lei atribui a um juízo pericial sobre os factos que atesta (Art. 388º do C.C.) e, mesmo sendo certo que esse juízo está sujeito à livre apreciação do tribunal (Art. 389º do C.C.), só se o juiz tiver especiais conhecimentos técnicos sobre a matéria e se encontrar devidamente habilitado a julgar doutro modo é que poderá afastar as conclusões duma prova assim produzida.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/12/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1734/13.5TBTVD.217.
In casu, estava em causa uma deslocação ao tribunal e o acompanhamento da produção de prova na diligência de inquirição de testemunhas. Estas são obrigações profissionais do mandatário da Recorrente, enquanto advogado, que o atestado médico certifica, ainda que em termos genéricos, que não podiam ser cumpridas por motivo de doença.
O problema é que este documento (o atestado médico) não foi logo apresentado com o requerimento nos termos do qual o mandatário da Recorrente pediu o adiamento da diligência, com fundamento em justo impedimento, sendo que o artigo 140.º, n.º 2 do CPC parece onerar a parte com a junção imediata dos meios de prova desse facto justificativo.
A este respeito há que realçar que o artigo 140.º, n.º 2 do CPC tem duas previsões distintas. Num primeiro momento, esta norma exige que a parte que alega o justo impedimento ofereça logo a respectiva prova. Numa segunda parte, impõe que a decisão do juiz aprecie a verificação do impedimento e reconheça que a parte se apresentou a requerer logo que o mesmo cessou.
Esta segunda parte do preceito não se adequa, na sua literalidade, à situação do adiamento de uma diligência, nomeadamente naqueles casos em que o requerente, em face das razões que justificam o próprio impedimento inesperado, não consegue logo reunir a prova necessária à sua demonstração.
Quanto à questão concreta da necessidade de prova imediata do justo impedimento, não poderemos deixar de reproduzir um trecho do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1117/12.4TBVNO.E1: «Apesar do art.º 140.º, n.º 2 do CPC impor que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova, deve entender-se que, sendo necessário que a comunicação seja logo efetuada, até à abertura da audiência, não é exigível que prontamente seja exibido atestado médico, pois, se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu comparecimento e não estiver ainda munido de documento comprovativo do impedimento legítimo, deve convencer o juiz da seriedade do motivo invocado, sem prejuízo de, posteriormente e no mais curto prazo, remeter o documento justificativo da sua ausência (note-se que, não sendo tal documento enviado, o mesmo não evidencie uma causa de doença que impeça o advogado de comparecer ou o juiz duvide da genuinidade do documento, terá o mandatário de suportar as custas devidas pelo desenvolvimento processual anómalo a que deu causa).»
Ora, no caso, em nome do advogado, foi o seu escritório que, na véspera da diligência, invocou em requerimento estar impedido de comparecer na diligência, por motivo de doença imprevisível, [que o colocava em situação de incapacidade para o seu trabalho nos próximos 3 dias].
Perante esta alegação, o juiz deveria ponderar se tinha razões sérias para duvidar desses factos, se haveria algum indício de que o adiamento requerido mais não era que um expediente dilatório destinado exclusivamente a atrasar o andamento da causa. Mas isso não parece que se tenha verificado no caso concreto dos autos. Em face da prova por atestado médico que veio depois a ser apresentada, constata-se que o impedimento por motivo de doença era real.
Acresce que é da experiência comum que alguém que seja acometido de doença súbita não tem logo ali à mão um médico que lhe passe um atestado, sendo que essa é a forma normal e mais adequada de fazer prova de incapacidade para o exercício duma actividade profissional por motivo de doença. – cfr. o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/12/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1734/13.5TBTVD.217.
Tudo indica que devido à doença do mandatário, foi o seu escritório de advocacia que comunicou a doença ao tribunal e terá sido também por isso (a experiência comum vai nesse sentido) que não foi logo junto o atestado médico, que estaria, eventualmente, na posse do próprio advogado. Na medida em que a doença, previsivelmente, se prolongaria por 3 dias, somente após este período poderia o mandatário deslocar-se ao seu escritório, levando o atestado médico. Neste circunstancialismo, afigura-se-nos razoável o prazo de 5 dias em que o atestado foi enviado ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – 16/04/2018 (salientamos que 14 e 15 de Abril de 2018 foram sábado e domingo).
No que tange à impossibilidade de substabelecimento, no requerimento com a invocação do justo impedimento é afirmada a inviabilidade do substabelecimento com reserva para a diligência em apreço, atenta a complexidade da acção que deu origem aos presentes autos.
Desde logo, verifica-se o cuidado em justificar o motivo pelo qual outros advogados não estariam em condições de exercer o patrocínio da parte e assegurar a colaboração devida à realização da justiça.
É nossa convicção que o caso concreto dos autos, porque o mandatário impedido assim logo o justificou, se enquadra numa situação em que se mostra inviável o substabelecimento.
De véspera, seria muito difícil outro advogado que desconhecesse os contornos do processo assegurar um eficaz acompanhamento da produção da prova. Para mais quando está em causa um litígio que envolve alguma complexidade técnica e um particular estudo das suas especificidades, como resulta dos articulados e da prova requerida.
Efectivamente, estão em causa liquidações efectuadas na sequência de uma acção inspectiva, onde a AT concluiu pela verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta na determinação da matéria tributável, em que ocorreu procedimento de revisão, sendo controvertido o próprio recurso aos métodos indirectos e a existência de erro na quantificação da matéria tributável; não sendo ainda despiciendo que as liquidações adicionais em sede de IVA e IRC têm o valor global de €1.214.135,43, referentes a factos relacionados com uma actividade muito específica de valorização de resíduos metálicos, tendo em vista a recuperação de metais preciosos e não preciosos, comércio e prestação de serviços e tendo ainda subjacente a compra e venda de ouro e prata.
No caso não havia razões para se entender que o requerimento de adiamento com fundamento em justo impedimento do mandatário da Recorrente fosse um expediente dilatório, sendo que qualquer eventual dúvida sobre a seriedade da justificação apresentada foi desfeita com a junção do atestado médico, num curto período de tempo (cinco dias).
Deveria, então, o adiamento da diligência ser deferido, por, neste caso concreto, ser muito menos gravoso para a realização da justiça existir um adiamento (eventualmente menos fundado) do que não ser produzida pela impugnante, de todo, qualquer prova, como veio a ocorrer.
Em suma, a decisão interlocutória enferma de erro de julgamento, por se impor no caso o deferimento do requerimento de adiamento da diligência, por se verificar justo impedimento e se considerar que o atestado médico terá sido apresentado logo que foi possível ao requerente.
A conclusão de que o tribunal recorrido devia ter adiado a diligência de inquirição de testemunhas por justo impedimento do mandatário da Recorrente consubstancia uma nulidade processual, devidamente invocada, por omissão desse acto que a lei prescreve e em simultâneo pela prática de um acto (o não adiamento) que a lei não admite, nos termos que já abordamos supra.
Efectivamente, o artigo 195.º, n.º 1 do CPC preceitua que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Esta influência na decisão da causa revela-se ser manifestamente o caso, na medida em que a recusa de adiamento da diligência significou a não produção da prova testemunhal requerida, o encerramento do período de instrução, pondo em questão o julgamento da matéria de facto e, consequentemente, da sentença recorrida.
Nestes termos é aplicável o disposto no artigo 195.º do CPC, sendo de anular os actos praticados no tribunal tributário subsequentes a esse despacho e ordenar a substituição desse despacho por outro que designe novo dia e hora para a inquirição de testemunhas, com observância das formalidades legais.
Logo, procedem as conclusões das alegações de recurso da Recorrente que estão em conformidade com o exposto, devendo o despacho recorrido ser revogado.

Conclusões/Sumário

I - O não adiamento da diligência de inquirição de testemunhas por falta de advogado, previsto no n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, só pode ocorrer se o tribunal tiver dado cumprimento ao disposto no artigo 151.º do CPC, nos termos do n.º 3 daquele artigo 118.º.
II - Perante esta norma do artigo 118.º, n.º 4 do CPPT, a única forma de, nestas circunstâncias, obviar a que a diligência se não realize e possa ser transferida para outro dia, consistirá na intervenção do mandatário faltoso ao abrigo do disposto no artigo 140.º do CPC, se para tanto reunir os necessários requisitos (justo impedimento).
III - O justo impedimento deve ser apreciado em função de cada caso concreto, devendo o seu regime ser devidamente adaptado a situações específicas como a falta a diligências judiciais agendadas por acordo.
IV - O advogado que pretenda adiar diligência de inquirição de testemunhas por motivo de doença súbita e inesperada que não lhe permita estar presente, deverá, antes do início dessa diligência, requerer o seu adiamento, justificando logo aí a verificação de uma situação de justo impedimento (artigo 140.º, n.º 1 do CPC).
V - A prova dessa situação é feita, por regra, pela apresentação de atestado médico, que deve ser junto com o requerimento de invocação de justo impedimento, atento o disposto no artigo 140.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC. Mas se não for logo possível fazê-lo, poderá juntá-lo logo que consiga, desde que, pelo menos, decorra do circunstancialismo inerente ao impedimento essa impossibilidade de apresentação imediata.
VI - O juiz deve adiar a diligência se reconhecer que os factos alegados no requerimento correspondem a um caso de justo impedimento, só assim não fazendo se tiver indícios sérios de que se trata de expediente dilatório para provocar um adiamento injustificado da mesma.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso referente ao despacho interlocutório, revogar essa decisão recorrida proferida em 10/04/2018, anular os actos praticados no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto subsequentes a esse despacho e ordenar a substituição desse despacho por outro que designe novo dia e hora para a inquirição de testemunhas, com observância das formalidades legais.

Após trânsito em julgado, sejam os autos remetidos ao STA para decisão do destino do recurso interposto da sentença.

Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de Janeiro de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães