Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00843/19.1BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPOSTO DE SELO; USUCAPIÃO; ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO; DATA DO FACTO TRIBUTÁRIO;
Sumário:I – A obrigação de pagamento do imposto de selo, em caso de escritura de justificação, nasce com a celebração desta e não com a decisão proferida em ação de impugnação de tal escritura, sob pena de tornar o nascimento da obrigação de pagamento do imposto de selo dependente de um facto absolutamente incerto, quer quanto à sua existência, quer quanto à data da sua ocorrência, uma vez que a lei não define qualquer prazo de caducidade para a dita ação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Exma. Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 29.06.2020, que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida por M., contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que visou a liquidação de Imposto de Selo n.º 20148 2857083, no valor de €3.185,00.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação judicial à margem referenciada, por sentença proferida em 29/06/2020, determinando: a) a anulação parcial do acto tributário de liquidação aqui impugnado na parte em que considerou o valor tributável de €31.850,00, devendo considerar o valor de €8.608,00 (metade de €17.216,00), com as devidas consequências legais, nomeadamente, devendo restituir-se, sendo caso disso, os valores pagos em excesso; b) o direito da Impugnante a juros indemnizatórios, calculados sobre o montante indevidamente pago e contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, devendo a AT apurar em sede de execução de julgado os valores efectivamente pagos, mais condenando a Fazenda Pública no pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que fixou em 73%.
B. Atenta a factualidade carreada para os autos, e no que ao presente recurso interessa, o Tribunal ora recorrido, deu como provado o que consta dos pontos 1. a 11. e 18. do probatório, que, por razões de economia processual, aqui damos como integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos.
C. Ora, com o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal a quo, atenta a factualidade carreada para os autos e os factos dados como provados, como supratranscrito, não podia ter decidido como decidiu, mais concretamente que:
(...) no caso concreto, tendo havido escritura notarial de justificação (ponto 2. dos factos provados), a data do facto tributário é 26-12-2007.
(...) Visto regime legal aplicável, temos que, no caso concreto, a decisão judicial que julgou improcedente a acção de impugnação da escritura de justificação tem a data de 21-12-2015, tendo o registo da aquisição por usucapião sido feito pela AP. 2807, de 2016-02-04 (pontos 4. e 5. do probatório).
(...) Como defende a FP, o valor tributável no caso de transmissão gratuita de bens imóveis, nos termos do art. 13.º n.º 1 do CIS, é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão.
Ora, analisado o probatório, à data da transmissão, em 26-12-2007, o VPT do artigo 417 constante da matriz era de €17.216,00, só tendo passado para € 63.700,00 em 2012 (cfr. ponto 7.).
Ora, assim sendo, nesta parte tem razão a Impugnante, uma vez que na liquidação foi considerado o valor tributável de 1/2 de €63.700,00 (a metade da impugnante), quando deveria ter sido considerado 1/2 de €17.216,00. Assim, nesta parte a Impugnação tem que proceder.
(...) Ora, como resulta do probatório – e acima se disse – a AT não demonstra que notificou a Impugnante ou o seu marido para apresentar a Declaração Modelo 1 do IS quanto ao artigo urbano 417 (actual 694), mas apenas quanto ao artigo rústico 206.
E, por isso, a situação dos autos não cai na norma por ela invocada, ou seja, na norma da al. b) do n.º 2 do art. 60.º da LGT.
Cai, no entanto, na dispensa do direito de audição prevista na al. a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT, que dispõe que é dispensada a audição quando a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte.
Com efeito, foi o que aconteceu no caso concreto, já que a participação Modelo 1 do IS foi apresentada pela Impugnante em 28-09-2018 (ponto 10. dos factos provados, cfr. quadro VIII da declaração).
(...) Assim, em face de tudo o que ficou dito anteriormente, fácil será concluir que a liquidação impugnada resultou parcialmente de um erro imputável aos serviços da AT que procedeu à mesma considerando um valor tributável errado, em violação da lei, nos termos expostos, o que determina, como se constata em sede de impugnação judicial, a sua anulação parcial.
Nos autos apenas está demonstrado o pagamento de 2 de cada uma das 8 prestações autorizadas. Assim, por este pagamento tem a Impugnante, desde já, direito a juros indemnizatórios. Quanto às restantes prestações, o seu pagamento tem que ser apurado em sede de execução de julgado.
Nos termos vistos, entende o Tribunal estarem preenchidos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento de tais juros indemnizatórios.
Os juros em causa serão contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, sendo a sua taxa a mesma prevista para os juros compensatórios.
D. Senão vejamos: a liquidação oficiosa ora impugnada resulta da submissão oficiosa, por incumprimento declarativo da ora Recorrida, da participação de imposto de selo n.º 2170561, que deu origem à liquidação n.º 2857101, da verba 1.2. da Tabela Geral de Imposto de Selo (IS), e respectiva nota de cobrança n.º 2018 8544231, no montante de €3.185,00, de que a ora Recorrida foi notificada em 08/10/2018 (cfr. ponto 11. da matéria de facto dada como provada e processo de reclamação graciosa (PRG) constante do processo administrativo (PA)).
E. Tal participação de IS era devida, em virtude da outorga a favor da ora Recorrida e seu marido, em 19/12/2007, de escritura pública de justificação de aquisição por usucapião relativa ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz da freguesia de (...) sob o artigo 206 (e actualmente sob o artigo 764 da União das Freguesias de (...)), omisso na Conservatória do Registo Predial, com o valor patrimonial de €87,23, e das respectivas benfeitorias, conforme outorga a favor da ora Recorrida e seu marido, em 26/12/2007, da escritura pública de justificação de aquisição por usucapião, relativa ao prédio urbano, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 417 (e actualmente sob o artigo 694 da União das Freguesias de (...)), omisso na Conservatória do Registo Predial, com o valor patrimonial de €17.216,00 (cfr. pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10. da matéria de facto dada como provada e PRG constante do PA).
F. Para tanto, atendeu o SF ao facto de que, em 07/02/2008, foi efectuado o averbamento n.º 1 a esta última escritura de justificação de aquisição por usucapião (referente ao prédio urbano com o artigo 417 e actualmente com o artigo 694), mencionando a pendência no Tribunal Judicial da Comarca de Espinho de acção de impugnação do facto justificado, conforme Despacho datado de 6/02/2008, do aludido Tribunal (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
G. E, em 03/02/2016, foram efectuados os averbamentos n.º 2 e 3 à referida escritura de justificação, mencionando ter a acção de impugnação (...) [sido] julgada improcedente, conforme certidão emitida em 21 de Dezembro de 2015, pelo Tribunal da Comarca de Aveiro, Espinho, Instância Local, Secção de Competência Genérica, bem como o extracto desta justificação [ter sido] publicada no jornal “Jornal de Espinho”, jornal n.º 183, ano VIII, em 9 de Janeiro de 2008 (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
H. Tendo apenas em 04/02/2016 sido averbado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, pela ap. 2807, o registo de aquisição por usucapião, a favor da ora Recorrida e cônjuge, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 417 da freguesia de (...) (e actualmente sob o artigo 694 da União das Freguesias de (...)), e agora descrito sob o n.º 696/20160204, na freguesia de (...), com o valor patrimonial tributário de €63.700,00, conforme avaliação realizada, em 01/10/2012, no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
I. Por outro lado, pelos ofícios n.º 430, de 22/02/2018, e 996, de 09/05/2018, foi o cônjuge da ora Recorrida notificado pelo SF de Espinho, em virtude de não ter procedido ao pagamento de IS pela aquisição por usucapião, para proceder à participação da mesma, sob pena de a mesma ser efectuada oficiosamente (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
J. Por fim, contactada a 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, quanto ao registo da aquisição por usucapião, do prédio urbano inscrito, à data, na matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 417 (e actualmente sob o artigo 694 da União das Freguesias de (...)), e ali realizada pela ap. 2807 de 04/02/2016, foi, em 25/09/2018, comunicado que (...) efectivamente era devido imposto de selo pela aquisição gratuita (usucapião), uma vez que o prazo de prescrição apenas começou a contar a partir da data do averbamento à escritura da decisão de impugnação (3 de fevereiro de 2016), pelo que a aquisição será requalificada como provisória por dúvidas por falta de apresentação do comprovativo desse imposto (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
K. Posto isto, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado no ponto 9. do probatório que, [p]elos ofícios n.º 430, de 22-02-2018 e 996, de 09-05-2018, dos quais consta terem sido enviados por correio registado ao marido da Impugnante, a AT informou o contribuinte de que deveria dar cumprimento ao dever de participação do Imposto do Selo relativamente à aquisição do artigo rústico 206 (cfr. fls. 1 a 3 do PA, Vol V – SITAF), incorrendo assim em erro ao ter considerado que (...) também os ofícios dirigidos ao marido da Impugnante, a que se refere o ponto 9. dos factos provados, dizendo apenas respeito ao artigo rústico identificado, não têm a susceptibilidade de demonstrar que a AT notificou a Contribuinte para entregar a declaração modelo 1 do IS relativa à aquisição por usucapião do artigo urbano 417 (actual 694), concluindo, deste modo, indevidamente, como se demonstrará, que (...) como resulta do probatório – e acima se disse – a AT não demonstra que notificou a Impugnante ou o seu marido para apresentar a Declaração Modelo 1 do IS quanto ao artigo urbano 417 (actual 694), mas apenas quanto ao artigo rústico 206. (...) Com efeito, foi o que aconteceu no caso concreto, já que a participação Modelo 1 do IS foi apresentada pela Impugnante em 28-09-2018 (ponto 10. dos factos provados, cfr. quadro VIII da declaração).
L. Ressalvado o devido respeito, como se retira da prova documental junta aos autos, designadamente as referidas notificações do SF de Espinho, extrai-se expressamente que (...) por sentença proferida pelo 2.º juízo do Tribunal de Espinho, 17/11/2011, no proc. 314/2000, adquiriu o artigo rústico inscrito sob n.º 206 da freguesia de (...) (extinta), por usucapião e com benfeitorias, não foi efectuada, até à data, qualquer participação do mesmo (...) não fazendo entrega da declaração supra mencionada, será feita a respectiva declaração oficiosa do imposto de selo nos termos do artigo 28.º n.º 2 CIS e avaliação do prédio nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 13.º do CIMI (...) – sublinhado e negrito nossos.
M. A esse propósito, conforme sentença proferida, em 17/11/2011, na acção declarativa, que correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, sob o n.º 314/2000, realça-se que foi decidido julgar procedente a excepção de usucapião invocada pelos Réus [entre os quais a ora Recorrida e cônjuge], aí se dando provado que (...) os Réus (...) em finais dos anos 70, negociaram com o então marido da Autora, com o conhecimento e concordância desta, a compra e venda de partes do terreno em causa [prédio rústico inscrito sob n.º 206 da freguesia de (...)], que acordaram entre si a utilização que cada um iria fazer da parcela com que ficara, que cada um deles vedou a sua parcela com um muro, que nela construiu a respectiva casa e cultivou a parte não edificada, que tudo fizeram na convicção de que eram donos do terreno e como tal por toda a gente considerados (...) – sublinhado e negrito nossos (Cfr. documento constante do PRG inserido no PA).
N. Aliás, salvo melhor entendimento, a própria Recorrida reconhece no artigo 4.º da petição inicial de impugnação que (...) adquiriu o artigo rústico inscrito sob n.º 206 da freguesia de (...) (extinta), por usucapião e com benfeitorias (...) – sublinhado nosso.
O. Tudo assim demonstrando que o Juiz a quo deveria ter dado como provado no ponto 9. do probatório que o marido da ora Recorrida foi devidamente notificado de que deveria dar cumprimento ao dever de participação do IS relativamente à aquisição do artigo rústico e respectivas benfeitorias, as quais não poderiam deixar de referir-se ao prédio urbano inscrito, à data, na matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 417 (e actualmente sob o artigo 694 da União das Freguesias de (...)).
P. E, por conseguinte, tendo o cônjuge da ora Recorrida sido, em 22/02/2018 e 09/05/2018, notificado para apresentar a participação de IS relativamente à aquisição por usucapião do prédio já referenciado, não existe violação do direito de audição prévia, pois, conforme resulta da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 26.º, do n.º 2 do artigo 27.º e do n.º 1 do artigo 33.º, todos do CIS, bem como da alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), é dispensada a audição, no caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta sem que o tenha feito, como foi manifestamente o caso dos autos.
Q. Destarte, ainda que, diferente fundamento, salvo o devido respeito, mantém-se válida a conclusão de que inexiste qualquer vício de forma por preterição de formalidades legais.
R. Por outro lado, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado no ponto 10. do probatório que [e]m 28-09-2018 a ora Impugnante entregou à AT a Declaração Modelo 1 do Imposto do Selo, onde consta como facto tributário “Justificação notarial de aquisição por usucapião”, com data de 2016-02-03, relativa a metade do artigo urbano 694, anterior 417 (verba 1.) (fls. 13 e ss. do PA, Vol. IV – SITAF, constando do quadro VIII da participação ter sido a Impugnante a entregá-la),
S. Na exacta medida em que tal declaração foi submetida oficiosamente, e não por impulso da ora Recorrida, conforme resulta da pág. 39 do PRG constante do PA, e como aliás o reconhece a própria no intróito da sua reclamação graciosa, ao referir-se a uma suposta aquisição de imóvel por usucapião, nos termos da Participação, (automática), em epígrafe, (Cfr. doc. n.º 1). – sublinhado nosso.
T. Destarte, o Tribunal ora recorrido, inversamente, deveria ter dado como provado no ponto 10. do probatório a submissão oficiosa da referida participação de imposto de selo.
U. Por fim, o Tribunal a quo fez errada valoração e apreciação da prova nos pontos 4., 5. e 7. do probatório e, concomitantemente, errada interpretação e aplicação do Direito, ao julgar parcialmente procedente a impugnação, por considerar que (...) à data da transmissão, em 26-12-2007, o VPT do artigo 417 constante da matriz era de €17.216,00, só tendo passado para €63.700,00 em 2012 (cfr. ponto 7.). Ora, assim sendo, nesta parte tem razão a Impugnante, uma vez que na liquidação foi considerado o valor tributável de 1/2 de €63.700,00 (a metade da impugnante), quando deveria ter sido considerado 1/2 de €17.216,00.
V. Senão vejamos, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, o IS incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
W. Mais se determinando na alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral de IS, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
X. Por sua vez, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do CIS, no caso das aquisições por usucapião, são sujeitos passivos do imposto os respectivos beneficiários.
Y. Preceituando-se na alínea r) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS que, nas aquisições por usucapião, a obrigação tributária se considera constituída na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial (CRP).
Z. E, finalmente, resulta do n.º 1 do artigo 13.º do CIS que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
AA. Ora, in casu, verifica-se que ocorreu escritura de justificação notarial em 26/12/2007.
BB. No entanto, foram elaborados averbamentos a tal escritura de justificação notarial, nas datas de 07/02/2008 e de 03/02/2016, respectivamente, consignando, quer a pendência judicial de acção de impugnação do facto justificado, quer a decisão transitada em julgado de improcedência desta.
CC. Ademais, apenas mediante a ap. 2607 de 04/02/2016 foi registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra a aquisição por usucapião do prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o artigo 417 (que deu origem ao prédio urbano inscrito sob o artigo 694 da União de freguesias de Anta e Guetim).
DD. Não olvidando ainda que, de acordo com o informado pela supra mencionada Conservatória do Registo Predial ao Serviço de Finanças de Espinho (...) era devido imposto pela aquisição gratuita (usucapião), uma vez que o prazo de prescrição apenas começou a contar a partir da data do averbamento à escritura da decisão de impugnação (3 de fevereiro de 2016) pelo que a aquisição será requalificada como provisória por dúvidas pela falta de apresentação do comprovativo desse imposto.
EE. Isto porque o prazo de prescrição se conta desde a constituição do facto tributário, o que, no caso em apreço sucedeu na data em que foi averbada à escritura de justificação em causa a improcedência da acção de impugnação judicial do facto justificado, por decisão transitada em julgado, ou seja em 04/02/2016, e não da data da celebração da escritura de justificação notarial em 26/12/2007.
FF. A este propósito, é de realçar que a justificação notarial para estabelecimento de trato sucessivo nos termos previstos no n.º 1 do artigo 116.º do CRP consiste numa declaração, feita pelo interessado, em que este se afirma, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e aludindo aos motivos que o impossibilitam de comprovar aquele direito pelos meios normais e, quando for alegada a usucapião, devem ser mencionados expressamente os factos que determinaram o início da posse, bem como os que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 89.º do Código do Notariado (CN).
GG. Ora, fazendo a escritura de justificação notarial prova plena da declaração efectuada perante o oficial público, não a faz, porém, da verdade dessa declaração, como decores do n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil (CC) e do n.º 2 do artigo 372.º do CC, aplicáveis ex vi alínea d) do artigo 2.º da LGT.
HH. Pelo que, antes da decisão a proferir em sede de impugnação judicial da justificação notarial, o conteúdo declaratório exarado na escritura de justificação é probatoriamente insuficiente para a demonstração dos eventos que ali se afirmaram e que suportavam a usucapião.
II. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 07/06/2018, no processo n.º 309/16.1T8VRL.G1, onde se exarou que [a] escritura de justificação notarial tem por escopo providenciar aos interessados um meio de titulação de factos jurídicos relativos a imóveis que, ou não possam ser provados pela forma original, ou cuja eficácia se desencadeia legalmente, sem necessidade de observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão. Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende sobre o justificante o ónus da prova da aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, sem que possa beneficiar da presunção registal emergente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.
JJ. Ora, com o devido respeito, transpondo tais considerações para o presente caso, e à luz do disposto na alínea r) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS, temos que a obrigação tributária apenas se poderá dar por constituída após o averbamento da improcedência da acção de impugnação judicial do facto justificado.
KK. Aliás, como de forma uniforme e reiterada tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) a este propósito, por exemplo no Acórdão de 16/03/2016, proferido no processo n.º 086/16, [é] certo que embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287º e segts. do CC), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão (...). – sublinhado e negrito nossos.
LL. Como tal, considerando que a aquisição ou transmissão do bem por usucapião apenas ocorreu no momento em que se tornou definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão, ou seja, com a decisão final proferida em sede de impugnação judicial do facto justificado, apenas após tal data ocorreu o facto tributário a considerar (ponto 4. e 5. do probatório).
MM. E, assim sendo, se como bem decidiu o Tribunal a quo não se mostra decorrido nem o prazo de caducidade, nem o prazo de prescrição do imposto, o que é certo é que, ao contrário do que decidiu o Tribunal ora recorrido, o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CIS, não era o fixado à data da celebração da escritura de justificação notarial (26/12/2007) (ponto 2. do probatório), mas inversamente, o VPT constante da matriz à data em que se tornou definitivo o documento que titula essa aquisição por usucapião, ou seja, com a decisão final proferida em sede de impugnação judicial do facto justificado, isto é, em 04/02/2016.
NN. E a tal data, o prédio urbano tinha na matriz o VPT de €63.700,00 (ponto 7. do probatório), motivo pelo qual de nenhum vício padece a liquidação oficiosa impugnada, nem são devidos quaisquer juros indemnizatórios, diferentemente do que considerou o Tribunal a quo ao decidir (...) que na liquidação foi considerado o valor tributável de 1/2 de €63.700,00 (a metade da impugnante), quando deveria ter sido considerado 1/2 de €17.216,00.
OO. Por conseguinte, e ressalvado o devido respeito com o decidido na douta sentença recorrida, dela nos permitimos discordar quanto ao entendimento do Meritíssimo Juiz a quo que julgou parcialmente procedente a presente impugnação e sentenciou (...) a anulação parcial do acto tributário de liquidação aqui impugnado na parte em que considerou o valor tributável de €31.850,00, devendo considerar o valor de €8.608,00 (metade de €17.216,00), com as devidas consequências legais, nomeadamente, devendo restituir-se, sendo caso disso, os valores pagos em excesso [e] o direito da Impugnante a juros indemnizatórios, calculados sobre o montante indevidamente pago e contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, devendo a AT apurar em sede de execução de julgado os valores efectivamente pagos, mais condenando a Fazenda Pública no pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que fixou em 73%.
PP. Porquanto, ao decidir, como decidiu, o Meritíssimo Juiz a quo cometeu erro de julgamento na medida em que fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova, e do mesmo modo fez uma errada interpretação e aplicação do Direito, violando o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º, na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º, na alínea r) do n.º 1 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 13.º do CIS, pretendendo-se a revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação totalmente improcedente, mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada, com as demais consequências legais, designadamente a condenação da ora Recorrida no pagamento da totalidade das custas processuais.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
Pede a V. Ex.ª deferimento»

1.3. A Recorrida M. não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«Recorre a FP da sentença proferida pela Mma Juiz do TAF de Aveiro na parte em que considerou procedente a impugnação intentada por M. na sequência do indeferimento da reclamação graciosa em que visou a liquidação de imposto de selo nº 2357101, de 28.9.2018, no valor de € 3 185, 00.
Em causa, assim, o segmento da sentença que determinou “ ... a anulação parcial do ato tributário de liquidação aqui impugnado na parte em que considerou o valor tributável de €31.850,00, devendo considerar o valor de €8.608,00 (metade de €17.216,00)... e o consequente direito a juros indemnizatórios.
Alega a recorrente que sentença padece de erro de julgamento, na medida em que fez uma incorreta valoração e apreciação da prova e uma errada interpretação e aplicação do Direito, violando o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º, na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º, na alínea r) do n.º 1 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 13.º do CIS.
Dirige-se, no tocante aos factos, ao trecho da sentença onde se consigna: “Antes de começar, no entanto, há que fazer uma precisão, na medida em que a liquidação de imposto do selo aqui impugnada não diz respeito ao artigo rústico da freguesia de (...) com o número 206, mas somente ao artigo urbano 694 da mesma freguesia (anterior 417), conforme resulta da participação do IS (ponto 10. do probatório) e da respetiva liquidação (ponto 11.).
E, assim sendo, também os ofícios dirigidos ao marido da Impugnante, a que se refere o ponto 9. dos factos provados, dizendo apenas respeito ao artigo rústico identificado, não têm a suscetibilidade de demonstrar que a AT notificou a Contribuinte para entregar a declaração modelo 1 do IS relativa à aquisição por usucapião do artigo urbano 417 (atual 694).
Verifica-se, porém, que a recorrente contraria esse trecho com o objetivo de demonstrar que a situação não cabe na previsão da norma invocada pela AT, a alínea b) do nº 2 do artº 60º da LGT (dispensa de audição prévia) relativamente ao prédio urbano.
Porém, a Mma Juíza acaba por considerar dispensada a audição prévia com fundamento na alínea a) do nº 2 daquele mesmo normativo pelo que, a meu ver, não assume qualquer relevo, para o fim pretendido, a correção suscitada.
De qualquer modo, não deixa de se notar que a notificação ao marido da impugnante para efeitos da entrega da participação a que alude o artº 26º do CIS (beneficiário de transmissão gratuita sujeita a imposto) faz menção do artº rústico nº 206º da freguesia de (...) por usucapião e com benfeitorias.
Mais se consigna que deveria também fazer entrega da declaração modelo 1 com documentos previstos no artº 37º do CIMI, sem o que seria efetuada oficiosamente a declaração do imposto de selo nos termos do nº 2 do artº 28º do CIS e a avaliação nos termos da alínea a) do nº 3 do artº 13º do CIMI.
Portanto, embora não fazendo expressa menção ao prédio urbano nº 417º da freguesia de (...), o certo é que o mesmo integra as benfeitorias efetuadas naquele outro, afigurando-se percetível para o recetor do ofício que se tratava daquele prédio, relativamente ao qual celebrara escritura de justificação a 26.12.2007 (facto 2 do probatório).
Quanto ao pretenso erro na interpretação e aplicação do Direito afigura-se que não assiste razão à recorrente.
Como decorre dos autos e da matéria de facto assente a impugnante e marido figuraram como réus em ação intentada no ano de 1997, na qual a A. reivindicava a sua condenação à entrega do aludido prédio rústico.
Tal ação correu termos no Tribunal de Espinho sob o nº 314/2000 e teve o seu desfecho a 17.11.2011, por sentença que julgou procedente a exceção de usucapião invocada pelos réus e, consequentemente, improcedente a ação intentada.
Na pendência dessa ação a impugnante e marido celebraram as escrituras de justificação notarial a 19.12.2007 e 26.12.2007 de aquisição de propriedade por usucapião, a primeira do prédio rústico nº 206 e a segunda do prédio urbano nº 417.
Portanto, a ação não foi proposta com o intuito de impugnar a qualquer escritura de justificação, sendo ali apreciada a usucapião na sequência da exceção suscitada pelos réus, entre os quais figurava a impugnante nestes autos.
O artº 1º, nº 3, alínea a) do CIS determina que o imposto de selo incide sobre as transmissões gratuitas de bens, entre as quais figura a aquisição por usucapião.
Por seu turno, o artº 5º, nº 1 alínea r), também do CIS, dispõe que a obrigação tributária se considera constituída “nas aquisições por usucapião na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial”.
Por fim, o nº 1 do artº 13º, ainda do CIS, determina que “O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”.
Com efeito, apelando ao ac. do STA de 12.10.2016, proc. 0718/15:
I - Embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287.º e segs. do CC), a usucapião é, para efeitos de incidência do IS, considerada (ficcionada) como uma transmissão gratuita de bens imóveis [cfr. arts. 1.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea), e 2.º, n.º 2, alínea b), do CIS], que ocorre, no caso de escritura de justificação notarial, no momento em que for celebrada a escritura [cfr. a alínea r) do art. 5.º do CIS].
II - Essa ficção, que se impõe por razões de prevenção e combate à fraude, não se afigura como desproporcionada, sendo que apesar dos efeitos civis da usucapião retroagirem à data do início da posse, a fixação do nascimento da obrigação tributária na data da celebração da escritura não contende com os princípios constitucionais que devem presidir à tributação.
..........
Bem andou a Mma Juíza quando considerou que o valor tributável a considerar na liquidação do imposto de selo deve ser o constante na matriz à data da transmissão, que ocorreu aquando da celebração das escrituras de justificação devendo, assim, improceder o recurso.».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por a prova documental não permitir que se dê como provado o que ficou vertido nos pontos 9 e 10 do probatório, bem como por errada valoração da factualidade fixada nos pontos 4, 5 e 7 do probatório, com o consequente erro de julgamento de direito, ao não ter considerado que o facto tributário apenas se verificou na data considerada pela AT, por ter sido nesta que se tornou definitiva a justificação notarial.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1. Em 19-12-2007, no antigo Cartório Notarial de Espinho foi celebrada uma escritura de justificação notarial de aquisição da propriedade por usucapião, por parte da ora Impugnante e marido, V,, do prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de (...), a favor de M., sob o artigo 206, com o valor patrimonial de € 87,23, (fls. 8 e ss. do PA – II parte - SITAF);
2. Em 26-12-2007, no Cartório Notarial de N., em Espinho, foi celebrada uma escritura de justificação notarial de aquisição da propriedade por usucapião, por parte da ora Impugnante e marido, V,, do prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia de (...), sob o artigo 417, com o valor patrimonial de € 17.216,00, tendo sido atribuído o valor de € 20.000,00 (fls. 11 e ss. do PA – Vol. II - SITAF);
3. M. e outro intentaram a acção de processo ordinário n.º 314/2000, no Tribunal Judicial de Espinho, 2.º Juízo, para reivindicar a propriedade do artigo 206 a que se refere o ponto 1. supra, a qual, por decisão de 17-11-2011, foi julgada improcedente, tendo sido julgada procedente a excepção de usucapião levantada pela ora Impugnante e marido (fls. 17 e ss. e 1 e ss. do PA, Vol. II e III, respectivamente - SITAF);
4. Foi averbado na escritura a que se refere o ponto 2. supra, pela Notária (averbamento 1.), que estava pendente uma acção judicial de impugnação da mesma, conforme despacho do Tribunal de 06-02-2008; na mesma escritura consta o averbamento 2., de acordo com o qual tal decisão tinha sido julgada improcedente em 21-12-2015 (fls. 16 e ss. do PA – Vol. III - SITAF);
5. Pela Ap. 2807 de 2016/02/04 foi registada a aquisição por usucapião do artigo urbano 417 a favor da Impugnante e marido (fls. 15 e ss. do PA, Vol. III - SITAF);
6. O artigo urbano 417 deu origem ao artigo urbano 694 da União de Freguesias de (…) (fls. 22 e ss. do PA, Vol. III - SITAF);
7. O VPT do artigo 417, actual 694, era, em 2007, de € 17.216,00, tendo passado para € 63.700,00 em 2012 (fls. 14 do PA, Vol. IV e fls. 22 do PA, Vol. III - SITAF);
8. A Impugnante é casada com V, (cfr. escrituras de justificação e acção judicial a fls. 8 e ss., 11 e ss. e 17 e ss. do PA, Vol. II - SITAF);
9. Pelos ofícios n.º 430, de 22-02-2018 e 996, de 09-05-2018, dos quais consta terem sido enviados por correio registado ao marido da Impugnante, a AT informou o contribuinte de que deveria dar cumprimento ao dever de participação do Imposto do Selo relativamente à aquisição do artigo rústico 206 (cfr. fls. 1 a 3 do PA, Vol. V - SITAF);
10. Em 28-09-2018 a ora Impugnante entregou à AT a Declaração Modelo 1 do Imposto do Selo, onde consta como facto tributário “Justificação notarial de aquisição por usucapião”, com data de 2016-02-03, relativa a metade do artigo urbano 694, anterior 417 (verba 1.) (fls. 13 e ss. do PA, Vol. IV – SITAF, constando do quadro VIII da participação ter sido a Impugnante a entrega-la);
11. Com data de 28-09-2018 e o n.º 2857101, foi efectuada à Impugnante a liquidação do Imposto do Selo no valor de € 3.185,00, com data limite de pagamento de 31-12-2018, que aqui se dá por reproduzida, tendo a nota de cobrança o n.º 008544231, relativa à participação a que se refere o ponto 10. supra, com base na matéria colectável de 31.850,00 (fls. 7 do PA, Vol. II - SITAF);
12. Em 14-01-2019, a ora Impugnante apresentou no Serviço de Finanças reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º 0078201904000226, contra a liquidação a que se refere o ponto anterior, que aqui se dá por integralmente reproduzida, essencialmente com os mesmos fundamentos da presente impugnação (fls. 3 e ss. do PA, Vol. II - SITAF);
13. Em 20-05-2019, foi elaborada proposta de decisão de indeferimento, a qual se dá por integralmente reproduzida (fls. 15 e ss. do PA, Vol. V - SITAF);
14. Através do Ofício n.º 1031, de 21-05-2019, remetido por correio registado, foi o Exmo. Mandatário da Impugnante notificado do projecto que antecede para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT (fls. 21 e ss. do PA, Vol. V - SITAF);
15. Em 24-06-2019 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que aqui se dá por reproduzido (fls. 24 e ss. do PA, Vol. V - SITAF);
16. Através do Ofício n.º 1246, de 25-06-2019, remetido por carta registada, foi o Exmo. Mandatário da Impugnante notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 27 e ss. do PA, Vol. V - SITAF);
17. A presente impugnação deu entrada neste Tribunal, por correio electrónico, em 20-09-2019 (cfr. 1 e 2 do processo físico);
18. A Impugnante pagou as duas primeiras prestações (de um total de 8) do imposto aqui impugnado, nos valores de € 318,50 cada, em 31-12-2018 e em 28-06-2018 (fls. 3 do PA, Vol. I - SITAF).
3.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo (PA), não impugnados, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Erro de julgamento de facto quanto ao vertido nos pontos 9 e 10 do probatório
Pese embora impute este vício à sentença, como a Recorrente bem assinala na conclusão Q. das suas alegações, a retificação por ela pretendida ao referidos pontos do probatório em nada altera o decidido quanto ao vício formal de omissão de audiência prévia, pois «(…), ainda que com fundamento diferente, mantém-se válida a conclusão de que inexiste qualquer vício de forma por preterição de formalidades legais.».
A impugnação da matéria de facto visa, desde logo, alterar o julgamento feito sobre os factos que venham identificados como incorretamente julgados, mas tendo em vista a alteração do efeito jurídico obtido na decisão recorrida, de modo a alcançar uma decisão favorável ao Recorrente.
Ou seja, o efetivo objetivo da impugnação da matéria de facto é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se o facto ou factos a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente – neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08.02.2018, rec. 96/14.8TBAMR.G1.
Assim sendo, não deve haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente e que, por isso mesmo, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos atos e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 130.º e 131.º todos do CPC.
Ora, sendo evidente que a alteração à matéria de facto pretendida pela Recorrente em nada alterará, na parte respeitante à preterição da audiência prévia, o julgamento de direito já realizado em 1.ª instância e que até lhe foi favorável, não iremos apreciar o recurso nesta parte, por ser manifestamente um ato inútil.

3.2.2. Do erro de julgamento quanto à data da constituição da dívida tributária
Na parte que agora releva apreciar, a decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
«(…)
Passando à apreciação do erro nos pressupostos de facto da liquidação quanto ao erro na base de incidência, defende a Impugnante que, o valor a considerar é o valor patrimonial do prédio à data da transmissão, o que não aconteceu.
A RFP, por seu turno, defende que o valor patrimonial a considerar, nos termos do art. 13.º n.º 1 do CIS, é o constante na matriz à data da escritura de justificação notarial, pelo que nenhuma ilegalidade existiu.
Vejamos, pois.
Como defende a FP, o valor tributável no caso de transmissão gratuita de bens imóveis, nos termos do art. 13.º n.º 1 do CIS, é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão.
Ora, analisado o probatório, à data da transmissão, em 26-12-2007, o VPT do artigo 417 constante da matriz era de € 17.216,00, só tendo passado para € 63.700,00 em 2012 (cfr. ponto 7.).
Ora, assim sendo, nesta parte tem razão a Impugnante, uma vez que na liquidação foi considerado o valor tributável de 1/2 de € 63.700,00 (a metade da impugnante), quando deveria ter sido considerado 1/2 de € 17.216,00.
Assim, nesta parte a Impugnação tem que proceder.
(…)
Finalmente, quanto aos peticionados juros indemnizatórios:
Nos termos do art. 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Nos termos da lei, são, pois, requisitos do direito aos juros indemnizatórios:
a) que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.
Havendo um erro na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à Administração Tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte, como é o caso, já que foi considerado um errado valor tributável.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro. Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral (neste sentido, v. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503).
A Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.
Assim, em face de tudo o que ficou dito anteriormente, fácil será concluir que a liquidação impugnada resultou parcialmente de um erro imputável aos serviços da AT que procedeu à mesma considerando um valor tributável errado, em violação da lei, nos termos expostos, o que determina, como se constata em sede de impugnação judicial, a sua anulação parcial.
Nos autos apenas está demonstrado o pagamento de 2 de cada uma das 8 prestações autorizadas. Assim, por este pagamento tem a Impugnante, desde já, direito a juros indemnizatórios. Quanto às restantes prestações, o seu pagamento tem que ser apurado em sede de execução de julgado.
Nos termos vistos, entende o Tribunal estarem preenchidos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento de tais juros indemnizatórios.
Os juros em causa serão contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, sendo a sua taxa a mesma prevista para os juros compensatórios.».
A Recorrente não se conforma com o assim decidido, sustentando, em resumida síntese, que a escritura de justificação apenas se tornou definitiva com a decisão que recaiu sobre a respetiva impugnação (em 2016), interpretação que resulta quer da informação da Senhora Conservadora do Registo Predial quer do acórdão do STA de 16.03.2016, rec. 086/16.
Vejamos, então:
O artigo 5.º, n.º 1, alínea r), do Código do Imposto de Selo dispunha, à data da outorga das escrituras de justificação em causa nos presentes autos, que a obrigação tributária se considera constituída «Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial.». Só com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, esta alínea passou a incluir «ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial».
Temos, então, que o legislador fiscal relevou os três meios legais de prova do trato sucessivo em caso de aquisição por usucapião [(1) justificação judicial, (2) escritura de justificação notarial e (3) processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial)] aos quais correspondem outros tantos momentos de constituição da obrigação tributária de pagamento do imposto de selo, a saber: a data do trânsito em julgado da ação de justificação judicial; a data da celebração da escritura de justificação notarial; o momento em que se torna definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial.
Daqui decorre que, para efeitos da obrigação fiscal a que nos reportamos, o legislador fiscal entendeu que, quando esteja em causa processo judicial ou o procedimento administrativo previsto no CRP, releva o momento em que a decisão ali proferida transita ou se torna definitiva; já no caso de escritura pública de justificação, a obrigação nasce logo com a respetiva celebração.
Ora, onde a lei distingue não pode o intérprete deixar de o fazer, sendo que a interpretação defendida pela Recorrente apenas seria de admitir se o legislador tivesse optado por, simplesmente, fixar o nascimento da obrigação tributária no momento em que se torna definitivo o ato que estabelece o trato sucessivo para efeito de registo da aquisição por usucapião, fosse ele a decisão judicial, a decisão administrativa ou a escritura pública.
Tal não foi, manifestamente, a opção do legislador e existe uma razão ponderosa para que assim tenha sucedido, que se prende com o facto de não existir prazo de caducidade da ação de impugnação da escritura de justificação. Ora, numa situação como esta, a interpretação sufragada pela Recorrente tornaria o nascimento da obrigação de pagamento do imposto de selo dependente de um facto (decisão de uma hipotética ação de impugnação da escritura de justificação) absolutamente incerto, quer quanto à sua existência, quer quanto à data da sua ocorrência.
Nesta medida, bem andou a sentença em crise ao considerar que a obrigação de pagamento do imposto de selo nasceu no momento da celebração da escritura de justificação notarial e, por isso, que a base de incidência do imposto era o VPT existente àquela data e não o fixado em 2012. Por assim ser, também não merece censura o julgamento efetuado em 1.ª instância quanto aos juros indemnizatórios, o qual deve ser mantido, na medida em que igualmente se manterá o ali decidido quanto à legalidade da liquidação impugnada.
Em suma, a sentença recorrida fez adequada interpretação e aplicação das normas dos artigos 1.º, n.º 3, alínea a), 5.º, n.º 1, alínea r) e 13.º, n.º 1, todos do Código do Imposto de Selo, devendo ser mantida.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, mantendo a sentença recorrida, na parte sindicada.
*
Custas a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
*
Porto, 28 de janeiro de 2021


Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta