Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00230/13.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:DELIMITAÇÃO FREGUESIAS, ÓNUS PROVA
Sumário:1 . Em acção de delimitação territorial entre duas freguesias, a matéria de direito é residual nesta questão, sendo que a decisão acerca da linha divisória, delimitadora entre duas circunscrições territoriais, como são as freguesias, é essencialmente fáctica, ou seja, competindo aos tribunais administrativos a fixação da linha divisória em concreto entre duas freguesias, em caso de diferendo, litígio, essa fixação será baseada no que se apurar dos pontos de delimitação, com base na prova produzida e de acordo com o respectivo ónus.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . A“Freguesia A..., com sede no Largo ..., freguesia A..., ..., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 15 de Julho de 2021, que julgou improcedente a acção administrativa comum, instaurada pela A./Recorrida, contra a Freguesia B..., com sede na Rua ..., Freguesia B..., ..., na qual peticionava, em provimento da acção, que:
- seja declarado que a delimitação das circunscrições entre a Freguesia A... e a Freguesia B... se desenvolve no sentido Nascente/Poente, partindo do Templo de ..., numa linha recta, em direcção ao local onde se situava a porta do Campo de ..., indicada no ponto 27 da legenda do documento ..., inflectindo, antes de chegar a essa porta, no local onde se cruza com a linha recta traçada da foz do rio ..., correspondente ao rio ..., em direcção ao respectivo afloramento, e acompanhando esta última linha, até ao rio..., correspondente à linha imaginária definida a vermelho, na planta junta como documento ...;
- sejam condenados os órgãos representativos da Freguesia B... a deixar de exercer quaisquer poderes relativamente ao espaço situado e às pessoas residentes para além daquela delimitação.

*
2 . No final das suas alegações, a recorrente freguesia A... formulou as seguintes conclusões (renumeradas, na medida em que, por lapso, se omitiu o n.º 23 e se suplicou o n.º 26):
"1- Vem o presente recurso interposto, com impugnação da decisão sobre a matéria de facto, para o Tribunal da Centra Administrativo Norte, a processar como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo, sendo o presente recurso alargado à impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 638º, 639º e 640º NCPC).
2- Em primeiro lugar, como é consabido, é imperativo legal consagrado no artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, a fundamentação clara e indubitável da decisão, sob pena de nulidade da mesma nos termos do artigo 615.º n.º 1, al. b) do CPC.
3- Sucede que a sentença da qual ora se recorre deveria ter indicado as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificado os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
4- Notoriamente assim não sucedeu, sendo, portanto, a sentença da qual se recorre nula por falta de fundamentação.
5- Na verdade, a sentença do tribunal “a quo” limitou-se ao mero repositório da contestação, não trançado o iter lógico e racional que levaram à sua conclusão, sendo a mesma obscura e não permitindo uma imediata compreensão e apreensão dos factos ainda que essa exposição fosse sumária mas contextualizada.
6- Por outro lado, a Apelante entende, salvo melhor opinião, que, atenta a prova documental e testemunhal, a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente procedente a acção.
7- Em rigor, o ónus da prova nos termos do artigo 342.º do Código Civil competia à Autora, o que, com o devido respeito por melhor opinião, foi cumprido sobejamente.
8- Ora, da análise crítica e histórica da prova documental carreada para os autos, designadamente dos documentos ... e ... juntos com a Petição Inicial (Foral de D. Afonso III e respectiva leitura paleográfica), conjugada com a prova testemunhal, mormente aquelas que pela sua idade e experiência nos trouxeram relatos na primeira pessoa, deveria a ação ter sido julgada totalmente procedente.
9- Assim, não deveriam os factos dos “pontos 3 a 6” da matéria provada, ter dado como assente que: “Os limites territoriais reais (ou a linha divisória territorial) entre a Freguesia A... (Autora) e a Freguesia B... (Ré) são e foram, desde que há memória das pessoas vivas, os que foram acolhidos na Carta Administrativa de Portugal (CAOP)”.
10- Outrossim, deveria ter sido declarado que o limite da Freguesia A... com a Freguesia B... é conforme com a linha traçada a vermelho no documento ... da Petição Inicial, e que, consequentemente, se desenvolve no sentido Nascente/Poente, partindo do ... de ..., numa linha recta em direcção ao local onde se encontrava a porta do Campo de ..., indicada no ponto 27 do documento ..., inflectindo antes de chegar a essa porta no local onde se cruza com a linha recta traçada da foz do rio ..., correspondente ao rio ..., em direcção ao respectivo afloramento e, acompanhando esta última linha até ao rio....
11- Ora, tal conclusão resulta da apreciação crítica e coerente dos depoimentos conjugados de AA (gravação 3:46:50 às 4:33:34 do dia 01/03/2018) e BB (gravação 02:25:45 às 03:46:15 do dia 01/03/2018), que de uma forma clara, objectiva e imparcial esclarecem os fundamentos lógicos das suas exposições, contextualizadas na prova documental.
12- E, se assim não bastasse, temos o depoimento das testemunhas CC (gravação 03:54 e 52:00 do dia 01/03/2018), DD (gravação 55:00 a 01:24:00 do dia 01/03/2018), EE (gravação 1:25:00 a 1:43:00 do dia 01/03/2018), FF (gravação 1:43:00 às 1:58:58 do dia 01/03/2018) e GG (02:00:00 às 2:23:00 do dia 01/03/2018).
13- Daí que, nos termos do artigo 662º, n.º 1 do NCPC, entende a Autora que deve ser dada por provada a matéria que se encontra alegada e foi objecto de prova documental e testemunhal acima transcrita, designadamente que o limite da Freguesia A... com a Freguesia B... é conforme com a linha traçada a vermelho no documento ... da Petição Inicial, e que, consequentemente, se desenvolve no sentido Nascente/Poente, partindo do Templo de ..., numa linha recta em direcção ao local onde se encontrava a porta do Campo de ..., indicada no ponto 27 do documento ..., inflectindo antes de chegar a essa porta no local onde se cruza com a linha recta traçada da foz do rio ..., correspondente ao rio ..., em direcção ao respectivo afloramento e, acompanhando esta última linha até ao rio....
14- Daí que, entende a Autora que deve a acção ser antes julgada procedente, atento os concretos meios de prova alegados e citados.
15- Sem prescindir, é nosso entendimento que faz o tribunal “a quo”, uma errada aplicação da lei, designadamente do artigo 1354.º, n.º 2 do Código Civil, sendo, aliás, o nosso entendimento contrário a alguma jurisprudência já produzida.
16- O entendimento da não aplicação do artigo 1354.º do Código Civil ao acaso dos autos resulta numa decisão contrária ao que é o princípio assumido pela jurisprudência dos tribunais administrativos.
17- Se por um lado se tem entendido, e bem, que é da competência dos tribunais administrativos a fixação da delimitação administrativa das freguesias e municípios, é contraditório dizer que o tribunal não decide mantendo a delimitação de uma CAOP que é criada por uma figura administrativa e indicações dadas por um município e que, no caso, nunca mereceram concordância.
18- Como supra alegado, a decisão do tribunal “a quo” representa uma demissão deste da sua função decisora quanto à delimitação, a qual tem que ser devidamente fundamentada e alicerçada em factos históricos, documentos e testemunhos.
19- Caso contrário, tal demissão de função decisora resulta em rendição à delimitação feita pela autoridade administrativa e município.
20- Ora, a não aplicação ao caso dos autos da citada norma do Código Civil conduz a uma justiça “ad hoc” e cerceada de fundamentação factual e sem que para tal encontre sequer suporte na legislação em vigor.
21- Como se afirma supra, mal se compreenderia que a regra da demarcação substancial do direito público fosse distinta do direito privado e mais ainda que aquela não tivesse acolhimento normativo.
22- Aliás, mais flagrante o seria no caso dos autos, uma vez que a delimitação/demarcação das fronteiras entre Autora e Ré não emana de nenhum diploma da Assembleia da República.
23- Assim, a concluir-se que da prova carreada para os Autos pela Ré, designadamente dos documentos n.º ... a ... da Contestação, não existem elementos que confirmem que os limites entre as duas freguesias são os constantes da CAOP, outro critério não pode o Tribunal usar na sua decisão que o artigo 1354.º do Código Civil.
24- É sabido que a CAOP ora em discussão nos autos é da autoria da Direcção Geral do Território sendo que esta foi criada pela Lei orgânica, aprovada a coberto do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro.
25 - Pelo que sendo a lei do conhecimento oficioso e considerando que a CAOP junta pela Ré é desprovida de qualquer suporte científico que firme a razões que levaram ao traçado elaborado, não pode o tribunal “a quo” pura e simplesmente concluir que esse documento é exacto, rigoroso e verdadeiro, e daí dar como provado que é esse o limite que deve vigorar.
26- Por outro lado, não tendo havido alteração dos limites legais do território da Autora, não pode ser outra pessoa coletiva territorial pública (outra Freguesia) a ter jurisdição sobre aquela área geográfica.
27- Pelo que faz o tribunal “a quo” não só uma errada interpretação da prova, impondo-se assim a apreciação da prova gravada, como faz uma errada aplicção do direito.
28- Deste modo foram violadas as disposições legais citadas devendo a apelação ser julgada procedente e no sentido das conclusões".
*
3 . A Ré/Recorrida Freguesia B... apresentou contra alegações. que concluiu nos seguintes termos:
"I. Não se verifica qualquer nulidade da douta sentença, contendo a mesma uma fundamentação clara e indubitável, a qual não tem de ser prolixa nem tem de conter a apreciação da prova produzida ponto por ponto em relação a cada uma das testemunhas, nem muito menos ilações tiradas dos factos instrumentais se não os houver, sendo que a recorrente não indica, afinal, a que facto ou factos instrumentais se refere e sendo que, de resto, para além da motivação constante da douta sentença, a Mª. Juíza a quo acrescentou ainda, relativamente a cada facto provado e não provado, de que documentos e de que depoimentos resultava a sua convicção, em função da valoração que fez de cada depoimento das testemunhas arroladas e ouvidas na audiência final.
II. Muito menos se verifica a nulidade prevista no artigo 615º/1/b) do CPC invocada pela recorrente, pois que a douta sentença recorrida contém, claramente, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
III. Deve o recurso ser rejeitado em consequência do incumprimento por parte da recorrente dos ónus relativos à impugnação da decisão da matéria de facto estabelecidos no artigo 640º/1/ a), b) e c) e nº 2/a) do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 1º e 140º/3 do CPTA.
IV. O que a recorrente pretende é que este Venerando Tribunal proceda a um novo julgamento (total) da matéria de facto, manifestando o entendimento, em geral, que tudo quanto foi dado como provado na douta decisão de facto, seja agora dado como não provado e, outrossim, tudo quanto foi dado como não provado na douta decisão de facto, seja agora dado como provado, sustentando que teria havido um desacerto total da Mª. Juíza a quo.
V. A recorrente limitou-se, praticamente, à transcrição do depoimento das testemunhas que arrolou apenas para tentar provar a credibilidade dos seus depoimentos e infirmar, por essa via enviesada, a motivação constante da douta sentença recorrida e a douta decisão de facto no seu conjunto, sem menção concreta dos trechos que em seu entender apresentavam relevância para o efeito pretendido, ou seja, para que houvesse que se dar como provados determinados pontos da matéria de facto e como não provados outros, sem indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a impugnação de cada um desses pontos e sem proceder a qualquer referência ao assinalado na acta e na própria gravação (isto é, por indicação da referência ao início e termo da gravação de cada um desses depoimentos na parte em que se mostre relevante).
VI. Não se impõe qualquer convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso, sendo que a lei estabelece expressamente que a consequência em tais casos é o da imediata rejeição.
VII. Tendo sido a recorrente a instaurar a acção e não tendo havido por parte da recorrida defesa por excepção, competia àquela, pela positiva, a prova dos factos que alegou, por força das regras de distribuição do ónus da prova no caso concreto constantes do artigo 341º/1 do CC.
VIII. As cinco primeiras testemunhas arroladas pela recorrente empenharam-se todas em relatar que havia um bilheteiro, nas imediações da Capela ..., onde eram cobrados os bilhetes para quem queria ir à Feira... vender, que havia pelo menos, mais três, sendo um em ..., para quem vinha dos lados da ..., outro em ... e outro junto à Ponte ..., para quem vinha de ..., e pelos vistos estrategicamente colocado por causa de quem vinha de barco pelo rio..., segundo o disse a testemunha arrolada pela Autora, AA, tendo acrescentado que os ... iam com carros de bois fazer as descargas das fossas das casas de ... e traziam os dejectos para a freguesia A..., para os terrenos de cultivo, onde eram de seguida espalhados, levando géneros, galinhas, etc., para trocar pelos dejectos, resíduos, matérias das fossas, sendo que apenas o podiam fazer depois da meia noite, sob pena de serem multados.
IX. Na tese da recorrente, os “bilheteiros”, representariam como que uma fronteira, uma linha inultrapassável para quem se dirigia à cidade ... e que, por essa forma, definiriam os limites de ... (possivelmente em relação a todas as freguesias que a rodeavam, pois que nada nos indica que era diferente relativamente aos três restantes bilheteiros, é pouco mais do que surreal).
X. Todavia, como ficou inteiramente claro, os bilheteiros nada mais eram do que os locais ou “pontos fiscais”, como a Câmara Municipal os designava nos artigos 14º e 22º do Código de Posturas do Concelho de ... de 1863, junto aos autos na 2ª. sessão da audiência final realizada em 8.03.2018, onde a Câmara Municipal colocava um funcionário que cobrava as taxas – apenas e só – de quem pretendia vender os seus produtos nas feiras de ....
XI. Não se vê com que base factual ou conceptual, nem isso resultou de qualquer prova produzida nos autos, a Autora associa esses pontos fiscais ou bilheteiros ao estabelecimento de limites ou de uma linha divisória entre as freguesias de freguesia A... e Freguesia B....
XII. Independentemente de tudo, o bilheteiro colocado do lado norte da cidade, é apenas um ponto e este, único que falaram as testemunhas em causa não serve, obviamente, para traçar uma linha divisória, como é evidente, sendo que de linhas divisórias, de marcos e delimitações, nenhuma delas sequer falou.
XIII. Os bilheteiros não constam, de resto, de qualquer “foral”, de qualquer “herdamento” ou de qualquer outro documento esgrimidos pelas duas restantes testemunhas da recorrente, para além, obviamente, do referido Código de Posturas, sendo, por isso, completamente inútil a sua existência para efeitos da delimitação entre as duas freguesias.
XIV. Em matéria de delimitação das freguesias, tais testemunhas nada vieram trazer, adiantar ou esclarecer, nenhuma delas se tendo referido a qualquer marco, a qualquer linha divisória, a qualquer delimitação concreta, muito menos à delimitação que a Autora e ora recorrente apresentou através de uma linha vermelha por si evidenciada no documento nº. ... junto com a petição inicial e era essa – e só essa – que estava em causa nos autos para que a acção pudesse proceder.
XV. Muito embora as referidas testemunhas tivessem vindo referir-se aos bilheteiros e ao despejo das fossas da cidade, factos de que teriam conhecimento pessoal, a verdade é que a testemunha BB veio dizer que o que estava em causa era a reposição da verdade histórica e que a delimitação das freguesias era uma querela que durava já há oito séculos, o que implicava que os limites das duas freguesias fosse, não uma questão do tempo de cada uma das cinco referidas testemunhas, mas antes de uns séculos antes, pelo que não se vê o que teria a ver a história dos bilheteiros com a delimitação das freguesias.
XVI. Os depoimentos destas cinco testemunhas foram, pois, completamente inúteis para o efeito da delimitação das freguesias.
XVII. Quanto às duas restantes testemunhas da Autora/recorrente, BB, economista de profissão, e AA, engenheiro mecânico, os dois mentores da autodenominada “Comissão de Limites da ...”, nem sequer se conseguiram entender quanto às questões fundamentais na lógica da tese da recorrente, sendo que aquilo que as mesmas trataram de fazer não foi trazer aos autos prova testemunhal, mas antes dar conta da sua própria investigação histórica, em contraponto com as mais distintas teses sobre a mesma matéria, limitando-se, pois, a aportar teses, hipóteses, pretensos factos históricos e a sua interpretação dos mesmos, em vez de factos, sendo que os processos judiciais não vivem de História, muito menos de histórias; vivem de factos, de provas concretas, válidas, objectivas e credíveis.
XVIII. Ao passo que a testemunha BB tratou de sacralizar o foral de 1258, alterado em 1262, que seria o título supremo e intocável, donde resultariam inequivocamente os limites da Freguesia A... em relação à vila de ... e, mais tarde, à Freguesia B..., a testemunha AA começou logo por dizer que o foral era dúbio, que havia elementos muito mais importantes, particularmente o aforamento dos baldios.
XIX. Conforme resulta claramente do depoimento da testemunha arrolada pela ora recorrida, HH, professor de história e estudioso da história de ..., autor de uma obra a tal respeito com cinco volumes, o foral não refere quaisquer pontos concretos definidores da linha divisória das duas freguesias, sendo absolutamente omisso a tal respeito e sendo que os únicos limites que o Foral refere são os limites do “herdamento”, que era um território que ficava isento de direitos fiscais e era para benefício e usufruto do concelho, nada tendo a ver com os limites das freguesias, o que é corroborado com o ensinamento de outros investigadores, em particular de Manuel António Fernandes Moreira, cujo excerto a recorrida juntou e transcreveu na sua contestação.
XX. A própria testemunha BB, perante a linha divisória apresentada pela recorrente no doc. nº. 9 junto com a pá. e que pretenderia ver sancionada, disse claramente, que não concordava com ela, que não foi ele que a desenhou, que não deveria ser uma linha recta e que havia que atentar nos arruamentos existentes, não tendo, porém, avançado com qualquer outra linha divisória.
XXI. A testemunha AA, sem ter falado em qualquer linha divisória concreta, tendo-se perdido em deduções e mais deduções, referiu-se, essencialmente, a dois rios que não existem, que estarão submersos há séculos, e que ninguém pode garantir em que local teriam existido, acabou por confessar que certezas não existem sobre o local onde se teriam localizado esses rios.
XXII. Nenhuma destas duas testemunhas referiu desde quando a Freguesia A... teria exercido qualquer jurisdição sobre qualquer parcela do território que no processo a Autora/recorrente veio reivindicar como pertencendo à sua área geográfica, não tendo qualquer das sete testemunhas arroladas pela recorrente referido um único acto – um apenas que fosse! –, que a Autora tivesse praticado em relação a toda a vasta área que diz pertencer-lhe e que porventura pudesse traduzir qualquer poder público, qualquer jurisdição da Freguesia A... sobre tal parcela.
XXIII. Todas as testemunhas da recorrente, relativamente ao primeiro ponto dos temas da prova, disseram em plena audiência final que não conheciam qualquer marco, qualquer divisão ou delimitação física entre as duas freguesias.
XXIV. Apesar de a testemunha da recorrente BB, de forma absolutamente estranha e incompreensível, ter vindo falar em verdades absolutas quanto à localização do “Rivulum Vuiturino”, que na sua opinião seria fundamental para estabelecer os limites das Freguesias segundo o foral, sobretudo depois de um historiador ter vindo colocar a hipótese de que ele ficasse mais perto do local que interessa à tese da recorrente, a verdade é que ninguém sabe com certeza onde se situaria o mesmo, havendo as mais variadas hipóteses (no mínimo quatro) sustentadas pelos mais diversos investigadores, havendo os mais diversos escritos sobre a matéria e as mais diferentes opiniões, manifestadas de forma dúbia (incluindo a opinião escrita da própria testemunha, junta aos autos e acima transcrita e incluindo a da própria testemunha da recorrente AA, que confessou não haver certezas sobre a matéria).
XXV. Com a inexistente prova produzida nos autos, a recorrente pretende dizer que se julgou mal, que se errou, e que há prova inequívoca da linha divisória por si sustentada, com o que seria alterada por completo a face da Freguesia B... e, consequentemente, a face da cidade ..., fazendo com que:
a) Freguesia B..., dos seus 4.672 eleitores inscritos no recenseamento eleitoral pela Freguesia B..., perdesse e deixassem de ser recenseados pela freguesia e deixassem de ter residência na mesma e passassem a ter de ser recenseados pela Freguesia A..., passando a ser residentes nesta, 2.522 cidadãos, ficando Freguesia B... apenas com 2.150 eleitores recenseados na Freguesia B... e que manteriam a sua residência na mesma, ou seja, o que suporia uma transferência populacional de Freguesia B... para freguesia A... de 53,98% (mais de metade da população de Freguesia B..., que ficaria reduzida a 46,02% da população actualmente recenseada e residente na freguesia);
b) as mais variadas ruas da Freguesia B... e edifícios públicos, institucionais e particulares de grande relevo no contexto da cidade, passariam para a Freguesia A...;
c) da área global da Freguesia B..., de 2.079.139,00 m2 (dois milhões, setenta e nove mil cento e trinta e nove metros quadrados), correspondentes a 2,08 Km2 (dois vírgula zero oito quilómetros quadrados), passasse a fazer parte da Freguesia A... uma área de 1.388.053,00 m2 (um milhão trezentos e oitenta e oito mil e cinquenta e três metros quadrados), correspondentes a 1,39 Km2 (um vírgula trinta e nove quilómetros quadrados), ficando Freguesia B... apenas com uma área de 691.086,00 m2 (seiscentos e noventa e um mil e oitenta e seis metros quadrados), correspondentes a 0,69 km2 (zero vírgula sessenta e nove quilómetros quadrados), o que representaria uma redução da área de Freguesia B... de 66,8% (sessenta e seis vírgula oito por cento) da sua área actual;
d) do património (com 46 das principais infraestruturas, equipamentos, estabelecimentos, instalações, etc.) que se encontra na actual Freguesia B... passassem a pertencer à Freguesia A... praias (com o esclarecimento que relativamente à “...” seria apenas a parte da mesma dos “...” ou “...” para ...), escolas, bairros, hotéis, monumentos, principais empresas, instalações desportivas e recreativas, apoios ao porto de mar e outras infraestruturas e estabelecimentos com relevo, que jamais fizeram parte da Freguesia A....
XXVI. Sendo inequívoco que não existe qualquer título que defina os limites entre as duas freguesias, há que seguir a lição do douto Acórdão de 20.11.2014 deste Venerando Tribunal, “(...) 3. O que define a pertença a uma freguesia é o exercício dos poderes públicos da autarquia sobre determinado território, poderes conferidos pelo artigo 14º, n.º 1, da Lei 159-99, de 14.09” (actualmente artigos 7º/2 e 23º/2 do Anexo I à Lei nº. 75/2013, de 12 de Setembro), sendo que a recorrente não fez a mais leve prova do exercício de qualquer poder de facto, de qualquer poder público, sobre o terreno que reivindica nestes autos.
XXVII. Ao contrário daquilo que a recorrente alega sem qualquer sustentação, não foi a CAOP que fez a delimitação entre as duas freguesias, antes se tendo provado que os limites entre as duas freguesias são aqueles que a Ré/recorrida indicou na sua contestação, que se encontram consolidados desde sempre que coincidem com aqueles que constam da CAOP, o que é perfeitamente compreensível, atento o facto de se tratar de limites que desde há séculos sempre vigoraram, foram respeitados por todos e foram aqueles que sobre os quais a Freguesia B... exerceu os seus poderes públicos e a sua jurisdição, sendo que nem sequer lhe competia fazer qualquer prova para que a acção improcedesse totalmente.
XXVIII. Não se verificou qualquer erro do Tribunal ao não aplicar o disposto no artigo 1354º do Código Civil, não só porque a norma é aplicável às relações jurídico-privadas e não à delimitação do território de duas pessoas colectivas públicas de população e território, como são as freguesias, como também se mostra falsa e abusiva a alegação de que o Tribunal não decidiu, mantendo a delimitação da CAOP, quando a verdade é que o Tribunal decidiu e em função da prova produzida, fixou os limites entre as duas freguesias.
XXIX. Não havia – nem há que atribuir qualquer terreno à recorrente, quando se provou inteiramente que os limites entre as duas freguesias são, não os que a recorrente indicou, mas antes aqueles que sempre foram e que a recorrida alegou.
XXX. A prova testemunhal e documental apresentadas pela recorrida e para a qual se remete confirmou, inteiramente, a linha divisória pela mesma sustentada, sendo que, nos termos já aludidos, não competia à Ré/recorrida fazer prova do que quer que fosse, antes incumbindo à recorrente fazer a prova, pela positiva, da linha delimitadora que ela própria indicou e defendeu, o que nem de perto, nem de longe, conseguiu fazer.
XXXI. Salvo o devido respeito, face a tudo quanto se alega e evidencia nesta peça, face a tudo quanto resulta dos autos e, sobretudo, face a tudo quanto resultou da prova produzida em audiência final, não existe o mais leve elemento probatório que possa conduzir à procedência da acção".
*
E termina as suas alegações, com o seguinte PEDIDO:
"TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS.:
A. DEVE SER REJEITADO O RECURSO, POR INCUMPRIMENTO DOS ÓNUS QUE SOBRE A RECORRENTE IMPENDIAM, DECORRENTES DO DISPOSTO NO ARTIGO 640° DO CPC Certamente, por lapso - como se depreende do corpo das contra alegações - a R./Recorrida refere o "ARTIGO 1640º DO CPA...", APLICÁVEL EX VI DO ARTIGO 1° DO CPTA;
B. SUBSIDIARIAMENTE E QUANTO PORVENTURA, CONTRA AQUILO QUE SE ESPERA E ADMITE, ASSIM SE NÃO ENTENDA, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO;
TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS".
*
4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, nada disse.
*
5 . Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA, bem como, a título subsidiário, da ampliação do âmbito do recurso, peticionada pela recorrida I..., SA., deduzida nas contra alegações.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:

1. A Freguesia A..., ora Autora, e a Freguesia B..., ora Ré, são duas freguesias que pertencem ao Concelho ....
--- [cf. factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação)].
2. A área territorial da Autora confronta (i) a Norte com a freguesia ..., (ii) a ... com a Ré, (iii) a Nascente com as freguesias de ... Maior, ..., ... e ..., todas do Concelho ..., e (iv) a Poente com o mar - tendo a actual freguesia A... tido origem na paróquia de ....
--- [cf. factualidade admitida por acordo (cf. artigo 13.º da contestação)].
3. Os limites territoriais reais (ou a linha divisória territorial) entre a Freguesia A... (Autora) e a Freguesia B... (Ré) são e foram, desde que há memória das pessoas vivas, os que foram acolhidos na Carta Administrativa de Portugal (CAOP).
--- [cf. Carta Administrativa de Portugal cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) n.º 1 a n.º 5 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento (doc.) n.º 4 junto aos autos pela Ré, em 19-03-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e HH que, pela sua assertividade, conhecimento directo, objectividade e razão de ciência (em articulação com o teor do acervo documental carreado para os autos) mereceram total credibilidade por parte deste Tribunal. Por outro lado, o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, e GG revelou-se incongruente, contraditório, com nítidas discrepâncias e repleto de notórias inconsistências (mormente porque, principiaram por declarar que não conheciam nenhum marco divisório ou qualquer delimitação entre as freguesias da Autora e da Ré, e, posteriormente, (a) mencionaram a alegada existência bilheteiros colocados em locais distintos (nas imediações da Capela ..., em ..., em ... e junto à Ponte ...) onde eram alegadamente cobrados os bilhetes para quem queria ir à Feira... vender e que alegadamente formavam a uma fronteira imaginária (linha inultrapassável) para quem se dirigia à cidade ..., definindo os limites de .... Ora, este Tribunal entende que tais alegados bilheteiros mais não eram do que os pontos fiscais assim denominados nos artigos 14º e 22º do Código de Posturas do Concelho de ... de 1863 (que se encontra junto aos autos), e onde a Câmara Municipal colocava um funcionário que cobrava as taxas de quem pretendia vender os seus produtos nas feiras de .... (b) Também revelaram-se nítidas incongruências e inconsistências nos seus depoimentos quando mencionaram que carros de bois alegadamente iam fazer as descargas das fossas das casas de ... e traziam os dejectos para os terrenos de cultivo da freguesia A... (onde alegadamente eram espalhados), levando em contrapartida por parte dos habitantes da freguesia A... géneros alimentícios, galinhas, et cetera)) – razão, pela qual, não mereceram a menor credibilidade por parte deste Tribunal. Faz-se notar que o depoimento prestado pelas testemunhas BB e AA revelou-se meramente opinativo, especulativo, sem a necessária objectividade e em dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos – razão, pela qual, não mereceram a menor credibilidade por parte deste Tribunal].
4. A Carta Administrativa de Portugal (CAOP) não veio estabelecer ex novo os limites referidos em 3), tendo-se limitado a acolher aqueles limites que, desde tempos imemoriais, foram os limites entre a Freguesia A... (ora Autora) e a Freguesia B... (ora Ré)
--- [cf. Carta Administrativa de Portugal cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) n.º 1 a n.º 5 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento (doc.) n.º 4 junto aos autos pela Ré, em 19-03-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e HH que, pela sua assertividade, conhecimento directo, objectividade e razão de ciência (em articulação com o teor do acervo documental carreado para os autos) mereceram total credibilidade por parte deste Tribunal. Por outro lado, o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, e GG revelou-se incongruente, contraditório, com nítidas discrepâncias e repleto de notórias inconsistências (mormente porque, principiaram por declarar que não conheciam nenhum marco divisório ou qualquer delimitação entre as freguesias da Autora e da Ré, e, posteriormente, (a) mencionaram a alegada existência bilheteiros colocados em locais distintos (nas imediações da Capela ..., em ..., em ... e junto à Ponte ...) onde eram alegadamente cobrados os bilhetes para quem queria ir à Feira... vender e que alegadamente formavam a uma fronteira imaginária (linha inultrapassável) para quem se dirigia à cidade ..., definindo os limites de .... Ora, este Tribunal entende que tais alegados bilheteiros mais não eram do que os pontos fiscais assim denominados nos artigos 14º e 22º do Código de Posturas do Concelho de ... de 1863 (que se encontra junto aos autos), e onde a Câmara Municipal colocava um funcionário que cobrava as taxas de quem pretendia vender os seus produtos nas feiras de .... (b) Também revelaram-se nítidas incongruências e inconsistências nos seus depoimentos quando mencionaram que carros de bois alegadamente iam fazer as descargas das fossas das casas de ... e traziam os dejectos para os terrenos de cultivo da freguesia A... (onde alegadamente eram espalhados), levando em contrapartida por parte dos habitantes da freguesia A... géneros alimentícios, galinhas, et cetera)) – razão, pela qual, não mereceram a menor credibilidade por parte deste Tribunal. Faz-se notar que o depoimento prestado pelas testemunhas BB e AA revelou-se meramente opinativo, especulativo, sem a necessária objectividade e em dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos - razão, pela qual, não mereceram a menor credibilidade por parte deste Tribunal].
5. A configuração dos limites territoriais da Ré Freguesia B... é a que consta do documento (doc.) n.º 4 [por si junto aos autos, em 19-03-2018], de acordo com a linha delimitadora constante da Carta Administrativa de Portugal (CAOP), tendo a Ré uma área global de 2.079.139,00 m2 (dois milhões, setenta e nove mil cento e trinta e nove metros quadrados), correspondentes a 2,08 Km2 (dois vírgula zero oito quilómetros quadrados).
--- [cf. Carta Administrativa de Portugal cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento (doc.) n.º 4 junto aos autos pela Ré, em 19-03-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Em 2018, a totalidade dos eleitores inscritos, no recenseamento eleitoral pela Ré Freguesia B... – atentos os limites resultantes da Carta Administrativa de Portugal (CAOP) –, era de 4.672 (quatro mil seiscentos e setenta e dois).
--- [cf. Carta Administrativa de Portugal cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento (doc.) n.º 3 junto aos autos pela Ré, em 19-03-2018, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Tem-se, aqui, presente o teor dos documentos constantes dos autos.
--- [cf. documentos (docs.) constantes dos autos e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
*
E considerou, ainda, não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica - como aí se fez constar]:
(i) O Foral de D. Afonso III definiu os limites entre a Freguesia A... e a então vila de ... (e, concomitantemente, entre a freguesia A... e a Freguesia B..., que é a freguesia da cidade que confronta com freguesia A...).
--- [Nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade. Faz-se notar que o Foral de D. Afonso III (junto aos autos pela Autora como documento (doc.) n.º 3 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido) se reporta ao “hereditamento” ou “herdamento”, a saber: “Et do et concedo vobis omnibus populatoribus de ... presentibus et futuris pro vestro hereditamento, videlicet a [herdamento] videlicet a rivulo Vuyturino usque ad terminum per quem divit villa Meydella cum Meyaldi et quantum habeo et de jure habere debeo in ipsa villa de Meydella et in suo termino, et do vobis et concedo pro vestro cauto et pro vestro termino, videlicet sicut divid per rivum Putridum quomodo ipse rivus intrat in Limian et inde per per Limia sicut intrat in mare ei inde per mare usque ad fosse de Ancora et inde per rivum de Ancora, eundo superius sicut divit terra Sancti Martini cum Camya et inde per ubi dividit ... cum ... et inde sicut venit directe ad rivum Putridum et sicut intrat rivus Putridus in Limiam”. Traduzindo do latim: `E dou e concedo a todos vós, povoadores de ..., presentes e futuros, para vosso herdamento, a saber: desde o rio ... até ao termo que divide a vila de ... com ... e quanto tenho de facto e de direito na referida vila de ... e no seu termo; e dou-vos, para vosso couto e vosso termo, a saber: desde o limite constituído pelo rio ..., até entrar no ..., e desde aí pela ... até entrar no mar, e daí pelo mar até à foz do ..., daí pelo rio ..., indo mais para cima, por onde divide a terra de ... com a de ..., daí por onde divide ... com ..., e daí a direito até ao rio ... e à entrada deste no ...” - cf. ANTÓNIO MARANHÃO PEIXOTO, Os Forais de ..., 2008, pág. 70. (cf. documento (doc.) n.º 6 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido). Ora, o herdamento (a) compreendia direitos dentro do território da vila (hoje cidade) de ... e fora dele, pois que se estendia pela então vila da ... e, pelo mar, até à foz do rio ... (município de ...), ..., etc., e (b) compreendia a área de usufruto dos privilégios foralengos, como a isenção da dízima, portagem e nabão (`...uma zona privilegiada em matéria de fiscalidade [que] (...) abrangia o actual território da cidade (freguesias de ... Maior e Freguesia B...), parte no lugar de Povoença, na Freguesia A..., e uma parcela dos lugares de ... e ..., na da ......” - cf. ANTÓNIO MARANHÃO PEIXOTO, Os Forais de ..., 2008, pág. 100. (cf. documentos (docs.) n.º 6 e n.º 7 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido). De forma idêntica, MANUEL ANTÓNIO FERNANDES MOREIRA [O Município e os Forais de ..., pág. 35 - cf. documento (doc.) n.º 7 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] esclarece o seguinte: `D. Afonso III estabeleceu, no Foral, dois territórios. O primeiro aparece sob a de Herdamento, para significar que somente dentro do seu espaço os privilégios podiam ser gozados. Ao outro chamou-lhe couto municipal e termo. Englobava também o primeiro. Aí se circunscrevia o exercício da justiça e a administração camarária [18]. O Herdamento abrangia o actual território da cidade, e ainda parte do lugar de ..., na freguesia A..., e uma parcela dos lugares actuais de ... e ..., da .... [18]. No texto do Foral aparecem claramente definidos os territórios: o Herdamento e o Termo. Não é difícil determinar a significado de cada um. O primeiro, como a própria palavra indica, representa a região a que se circunscrevia a usufruição de privilégios foralengos, isto é, a isenção de dízima, portagem e nabão. É o próprio Foral manuelino que o esclarece: «E a dita dízima, assim de entrada como de sahída, não pagarão os moradores vezinhos de dentro da dita villa de ..., por serem della escusos pelo privilégio e liberdade... Da qual liberdade e privilégio de não pagarem a dízima sobredita gozem somente os moradores e vezinhos de dentro da dita villa e arrabalde, e não os do termo». O mesmo se dizia a respeito do pagamento da portagem. (...) O Herdamento representava uma zona privilegiada sob o ponto de vista fiscal. Os seus moradores eram os «herdeiros» dos privilégios concedidos a ... e os únicos administradores da renda de .... Num documento de 1378 pode constatar-se que D. Afonso III doou aos moradores de ... «por seu próprio erdamento para sempre todas as rendas e foros e dereitos e todas as mais couzas que elle havia de haver em a dita villa e em seu termo» (F.G. 47). Por outro lado, os habitantes do Herdamento transformaram-se nos principais responsáveis do pagamento do tributo colectivo, isto é, dos 1.100 maravedis devidos anualmente á Coroa e que mais tarde, no reinado de D. João I, passaram a ser usufruídos pela Mitra de Braga, como veremos”. E, em consonância com o supra exposto, este o depoimento prestado pela testemunha HH (professor de História, Historiador e Autor da obra “História de ...”, em 5 volumes) que, pela sua assertividade e razão de ciência, mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal. Por outro lado, a testemunha AA declarou liminarmente que o teor do Foral de D. Afonso III era dúbio. Finalmente, o depoimento prestado pela testemunha BB revelou-se meramente opinativo e especulativo sem a necessária objectividade e em dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos pela Ré – razão, pela qual, não mereceu credibilidade por parte deste Tribunal. Razão, pela qual, este Tribunal não pode, de forma alguma, julgar provada tal factualidade].
(ii) A paróquia de ... (ou ...) tinha limites a ..., naquele que era conhecido por rio ... (sito nas fontes ... – ..., essa, onde, actualmente, se localiza o lavadouro público, junto do ... –, nos limites da vila de ...); sendo que o Foral de D. Afonso III refere que os limites ocidentais e setentrionais da vila de ... eram definidos pelo rio ... (sendo que a área que estava a Norte do rio ... fazia parte da freguesia ... (ou ...), actualmente, freguesia A...).
--- [Nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade. Faz-se notar que o Foral de D. Afonso III (junto aos autos pela Autora como documento (doc.) n.º 3 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido) se reporta ao “hereditamento” ou “herdamento”, a saber: “Et do et concedo vobis omnibus populatoribus de ... presentibus et futuris pro vestro hereditamento, videlicet a [herdamento] videlicet a rivulo Vuyturino usque ad terminum per quem divit villa Meydella cum Meyaldi et quantum habeo et de jure habere debeo in ipsa villa de Meydella et in suo termino, et do vobis et concedo pro vestro cauto et pro vestro termino, videlicet sicut divid per rivum Putridum quomodo ipse rivus intrat in Limian et inde per per Limia sicut intrat in mare ei inde per mare usque ad fosse de Ancora et inde per rivum de Ancora, eundo superius sicut divit terra Sancti Martini cum Camya et inde per ubi dividit ... cum ... et inde sicut venit directe ad rivum Putridum et sicut intrat rivus Putridus in Limiam”. Traduzindo do latim: “E dou e concedo a todos vós, povoadores de ..., presentes e futuros, para vosso herdamento, a saber: desde o rio ... até ao termo que divide a vila de ... com ... e quanto tenho de facto e de direito na referida vila de ... e no seu termo; e dou-vos, para vosso couto e vosso termo, a saber: desde o limite constituído pelo rio ..., até entrar no ..., e desde aí pela ... até entrar no mar, e daí pelo mar até à foz do ..., daí pelo rio ..., indo mais para cima, por onde divide a terra de ... com a de ..., daí por onde divide ... com ..., e daí a direito até ao rio ... e à entrada deste no ...” - cf. ANTÓNIO MARANHÃO PEIXOTO, Os Forais de ..., 2008, pág. 70. (cf. documento (doc.) n.º 6 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido). Ora, o herdamento (a) compreendia direitos dentro do território da vila (hoje cidade) de ... e fora dele, pois que se estendia pela então vila da ... e, pelo mar, até à foz do rio ... (município de ...), ..., etc., e (b) compreendia a área de usufruto dos privilégios foralengos, como a isenção da dízima, portagem e nabão (“...uma zona privilegiada em matéria de fiscalidade [que] (...) abrangia o actual território da cidade (freguesias de ... Maior e Freguesia B...), parte no lugar de Povoença, na Freguesia A..., e uma parcela dos lugares de ... e ..., na da ......” - cf. ANTÓNIO MARANHÃO PEIXOTO, Os Forais de ..., 2008, pág. 100. (cf. documentos (docs.) n.º 6 e n.º 7 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido). De forma idêntica, MANUEL ANTÓNIO FERNANDES MOREIRA [O Município e os Forais de ..., pág. 35 - cf. documento (doc.) n.º 7 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] esclarece o seguinte: “D. Afonso III estabeleceu, no Foral, dois territórios. O primeiro aparece sob a de Herdamento, para significar que somente dentro do seu espaço os privilégios podiam ser gozados. Ao outro chamou-lhe couto municipal e termo. Englobava também o primeiro. Aí se circunscrevia o exercício da justiça e a administração camarária [18]. O Herdamento abrangia o actual território da cidade, e ainda parte do lugar de ..., na freguesia A..., e uma parcela dos lugares actuais de ... e ..., da .... [18]. No texto do Foral aparecem claramente definidos os territórios: o Herdamento e o Termo. Não é difícil determinar a significado de cada um. O primeiro, como a própria palavra indica, representa a região a que se circunscrevia a usufruição de privilégios foralengos, isto é, a isenção de dízima, portagem e nabão. É o próprio Foral manuelino que o esclarece: «E a dita dízima, assim de entrada como de sahída, não pagarão os moradores vezinhos de dentro da dita villa de ..., por serem della escusos pelo privilégio e liberdade... Da qual liberdade e privilégio de não pagarem a dízima sobredita gozem somente os moradores e vezinhos de dentro da dita villa e arrabalde, e não os do termo». O mesmo se dizia a respeito do pagamento da portagem. (...) O Herdamento representava uma zona privilegiada sob o ponto de vista fiscal. Os seus moradores eram os «herdeiros» dos privilégios concedidos a ... e os únicos administradores da renda de .... Num documento de 1378 pode constatar-se que D. Afonso III doou aos moradores de ... «por seu próprio erdamento para sempre todas as rendas e foros e dereitos e todas as mais couzas que elle havia de haver em a dita villa e em seu termo» (F.G. 47). Por outro lado, os habitantes do Herdamento transformaram-se nos principais responsáveis do pagamento do tributo colectivo, isto é, dos 1.100 maravedis devidos anualmente á Coroa e que mais tarde, no reinado de D. João I, passaram a ser usufruídos pela Mitra de Braga, como veremos”. E, em consonância com o supra exposto, este o depoimento prestado pela testemunha HH (professor de História, Historiador e Autor da obra “História de ...”, em 5 volumes) que, pela sua assertividade e razão de ciência, mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal. Por outro lado, a testemunha AA declarou liminarmente que o teor do Foral de D. Afonso III era dúbio. Finalmente, o depoimento prestado pela testemunha BB revelou-se meramente opinativo e especulativo sem a necessária objectividade e em dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos - razão, pela qual, não mereceu credibilidade por parte deste Tribunal. Razão, pela qual, este Tribunal não pode, de forma alguma, julgar provada tal factualidade. Mais, o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, e GG revelou-se incongruente, contraditório, com nítidas discrepâncias e repleto de notórias inconsistências; não tendo merecido, por isso, a menor credibilidade por parte deste Tribunal. Finalmente, faz-se notar que os documentos (docs.) juntos aos autos pela Autora, em 19-03-2018 e em 20-03-2018, não detêm o menor valor probatório capaz de sustentar a factualidade consignada neste ponto (ii) e sobre os quais a testemunha BB se limitou a fazer interpretações próprias, especulativas e meramente opinativas sem a necessária objectividade].
(iii) A linha limite entre as freguesias de freguesia A... e de Freguesia B... é a que se desenvolve no sentido Nascente/Poente, partindo da Capela ..., numa linha recta, em direcção ao local onde se situava a porta do Campo de ..., inflectindo, antes de chegar a essa porta, no local onde se cruza com a linha recta traçada da foz do rio ... (correspondente ao rio ...), em direcção ao respectivo afloramento, e acompanhando esta última linha, até ao rio... - sendo que, desde tempos imemoriais, a delimitação entre as duas freguesias desenvolve-se através de uma linha imaginária definida a vermelho, constante do mapa junto como documento n.º ... com a petição inicial.
--- [Nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade. Faz-se notar que, de forma alguma, este Tribunal poderia julgar provada tal factualidade, na medida em que a mesma se encontra em completa contradição com a factualidade supra julgada provada em 3) a 6) e para cuja motivação aqui se remete, por uma questão de economia processual. Mais, sempre se diga, que os documentos (docs.) juntos aos autos pela Autora, em 19-03-2018 e em 20-03-2018, não detêm o menor valor probatório capaz de sustentar a factualidade consignada neste ponto (iii) e sobre os quais as testemunhas BB e AA se limitaram a fazer interpretações e a tecer ilações e considerações próprias, hipotéticas, especulativas e meramente opinativas sem a necessária objectividade e em dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos pela Ré. Da mesma forma, o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, e GG revelou-se incongruente, contraditório, com nítidas discrepâncias e repleto de notórias inconsistências; não tendo merecido, por isso, a menor credibilidade por parte deste Tribunal. Remete-se, aqui, também, para a factualidade supra julgada não provada em (i) e em (ii) e para a inerente motivação].
*
E, em sede acrescida de motivação fáctica, exarou a Sr.ª Juíza de direito do TAF de Braga:
"A convicção do Tribunal quanto à factualidade julgada provada assentou na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam dos presentes autos, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno, pelo qual, se deram como provados os factos admitidos por acordo e por confissão, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento], (iii) da prova produzida em sede de audiência final [Tendo o depoimento das testemunhas HH, II, JJ, KK e HH sido valorado por este Tribunal (merecendo total e absoluta credibilidade) atenta a sua assertividade, conhecimento directo, objectividade e razão de ciência (em articulação com o teor do acervo documental carreado para os autos). Por outro lado, o depoimento das testemunhas CC, DD, EE, FF, e GG revelou-se incongruente, contraditório, com nítidas discrepâncias e repleto de notórias inconsistências - razão, pela qual, não foi valorado nem mereceu credibilidade por parte deste Tribunal. Da mesma forma, não foram valorados nem mereceram credibilidade por parte deste Tribunal, os depoimentos prestados pelas testemunhas BB e AA que se limitaram a fazer interpretações próprias e a tecer considerações hipotéticas, especulativas e meramente opinativas sem a necessária objectividade sobre os documentos (docs.) juntos pela Autora, em 19-03-2028 e em 20-03-2018, e em completa dissonância com o teor do acervo documental junto aos autos], (iv) em articulação com as regras de distribuição do ónus probandi – tudo conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto provada.
Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou de nenhuma prova minimamente consistente e congruente ter sido produzida nesse sentido - tudo conforme aí referido".

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, a sentença recorrida, as alegações apresentadas pela A./Recorrente, maxime, as suas conclusões, supra transcritas, bem como as contra alegações, também supra transcritas, maxime, nestas as conclusões III a VI, importa saber, em primeiro lugar, (i) se o recurso deve ser rejeitado por incumprimento do ónus impugnatório por parte da A./Recorrente Freguesia A... - art.º 640.º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2, al. a) do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi dos arts. 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA - em segundo lugar, (ii) se a sentença é nula por falta, clareza da fundamentação - art.º 615.º, n.º1, al. a) do Cód. Proc. Civil - cfr. conclusões 2 a 5 das alegações recursivas -, em terceiro lugar, (iii) se existe erro quanto à fixação da factualidade provada - cfr. conclusões 9 a 13 das alegações - e, em quarto lugar, (iv) se existe erro de julgamento de direito.
*
(i) Quanto à rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento, como defende a Ré Recorrida Freguesia B..., embora cientes das regras disciplinadoras quanto a esta matéria, pela especificidade da matéria e da prova produzida, onde a sentença opta decidida e fundamentadamente - adiantamos desde já - pela insubsistência da tese da A. ao pretender que a linha imaginária divisória entre as duas freguesias confinantes seja completamente alterada, em prejuízo do status quo de há tempos imemoriais, entendemos que a alegação recursiva, fazendo alusão expressa aos momentos temporais das gravações da audiência de julgamento (v.g., conclusões 11 e 12 das alegações), concluindo que o que deveria ter sido dado como provado era afinal o que defendia na sua pi e foi consequentemente dado como não provado, com destaque para o ponto (iii) acima transcrito, não deve ser rejeitada, impondo-se o conhecimento do recurso, sem necessidade sequer de quaisquer convite a aperfeiçoamentos, sendo perfeitamente apreensível pelo Tribunal a tese em confronto com decisão vertida na sentença recorrida, sendo esta defendida, naturalmente, pela Ré/Recorrida Junta de Freguesia B....
**
(ii) Quanto à nulidade por falta de fundamentação, clareza de fundamentação.
Carece, manifestamente de razão a recorrente.
Sendo a nulidade em causa apenas operante em caso de manifesta, absoluta falta de fundamentação, cremos que a sentença se mostra manifesta e objectivamente fundamentada, em termos de factualidade, dando conta das razões que a levaram a fazer a opção que dela evidentemente resulta, justificando a sua opção, quer dando relevo a determinados documentos em detrimento de outros e igualmente considerando ou desconsiderando os depoimentos das diversas testemunhas.
Discordar dessa fixação de factualidade constitui questão diversa que não tem a ver com nulidade da sentença, mas antes erro de julgamento.
Maioritariamente, se diga quanto à matéria de direito, na medida em que, pelas questões jurídicas que se colocam, nada mais se impunha referir que o que a esse propósito se fez constar da sentença, acrescendo que a questão atinente à aplicação (ou não) ao caso da previsão legal vertida no art.º 1354.º, n.º 2 do Código Civil - matéria atinente ao direito de demarcação - susceptível de algum desenvolvimento acrescido, não foi suscitada na 1.ª instância, antes sendo questão nova, apenas colocada em sede recursiva.
**
(iii) Quanto à factualidade provada.

É nesta parte que se pode situar o nó górdio desta acção, na medida em que, tendo a A., Junta de Freguesia A..., vindo reclamar alteração da linha divisória entre as duas freguesias confinantes - freguesia A... e Freguesia B... - juntou abundante e, por vezes, vetusta, documentação, arrolando testemunhas e - como se impunha, convenhamos - indicando onde deveria ser realinhada a "nova" fronteira, desde os pontos inicial, final e intermédios, indicando mesmo em mapa essa linha divisória (doc. n.º 9, junto com a pi).
Por sua vez, a Ré, Junta de Freguesia B..., sem deduzir excepções, contraditou a posição/tese da Junta de Freguesia A....
O TAF de Braga, no uso dos seus poderes jurisdicionais, com base na vasta documentação junta e na prova testemunhal produzida em sede de audiência, formou a sua convicção, expressou as respectivas razões, indicando de modo facilmente apreensível as razões da sua escolha e que, repetidamente, são exaradas ao elencar a factualidade provada, ponto por ponto e, depois, em sede de motivação, tudo supra transcrito para melhor se apreender da sua assertividade.
É certo que optou, essencialmente, pela tese da Ré, Junta de Freguesia B..., mas não deixou de justificar - concorde-se ou não - essa opção.
**
VEJAMOS!
Mas, antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados e não provados, - ambos questionados em sede recursiva - importa que clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
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Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.
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No mesmo sentido, vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável. Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03).
Sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e /ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância”.
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Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos do Prof. M. Teixeira de Sousa ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348).
…Mercê do que vimos expondo ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
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Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, revertendo ao caso concreto dos autos e efectuada uma reapreciação da prova documental, lidos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, transcritos por técnica sob compromisso de honra - fls. 3 dessa transcrição - cuja fidelidade não foi questionada - não vemos razão para divergir da convicção firmada na 1.ª instância e objectivada na factualidade objectivamente fixada.
Na verdade, reafirmamos a desconsideração para a questão em concreto colocada nos autos e que constitui o seu objectivo - apreciar as aprovas e decidir pelo realinhamento da linha divisória entre as duas freguesias - o Foral régio de 1258 (D. Afonso III), alterado em 1262, na medida em que dele - tal como o demos decifrar, entender - não refere pontos concretos, objectivos que identifiquem a linha divisória entre as duas freguesias, o que não se confunde com os limites do "herdamento", território que, quando muito, fixava os limites de isenção de direitos fiscais inerentes e para benefício do concelho, que não delimitadamente para as duas eventuais freguesias.
Igualmente se tem de desconsiderar a existência dos "bilheteiros", que mais não seriam que os pontos fiscais que, ao invés de delimitarem qualquer linha divisória entre as duas freguesias, mais não seriam que "pontos fiscais", destinados a cobrar as taxas àqueles que pretendiam vender os seus produtos nas feiras daquela zona do Concelho ....
O mesmo se dia quanto aos "carros de bois" que transportavam, depois da meia noite, os dejectos das fossas das casas de ... para a freguesia A..., para os terrenos de cultivo - adubo natural - levando em troca produtos agrícolas e outros.
É verdade que credivelmente testemunhas afirmaram estes hábitos, mas daí retirar a desejada consequência de que se tratava de práticas conducentes a entender como delimitação das duas freguesias, é conclusão que, sem mais, não pode ser acolhida criticamente pelo Tribunal, além de que outras testemunhas, pese embora a sua seriedade e desejo último de contribuir para a verdade dos factos, porque não vivenciaram, como outras, estas práticas ancestrais, mais não são os seus depoimentos, estudos louváveis, que opiniões baseadas já na julgada melhor interpretação da documentação e das palavras das pessoas mais idosas.
Nem se diga - como o faz a Junta de Freguesia A... - que a consideração acrítica da Carta Administrativa de Portugal - CAOP, sendo da autoria de uma entidade pública, diversa dos tribunais, é errada, desprovida de suporte científico.
Porém, basta reler a factualidade provada na sentença para se concluir que o que se entende é que a divisão fixada pelo Tribunal é a que foi acolhida na CAOP, sendo mesmo que aqui não se veio estabelecer "ex novo" os limites encontrados judicialmente, mas se tendo limitado a acolher aqueles limites que, desde tempos imemoriais, já definiam os limites entre as duas freguesias - cfr. pontos 3, 4 e 5 do probatório.
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Tudo visto e ponderado, não se vislumbrando erro de apreciação da prova pela Sr.ª Juíza de direito do TAF de Braga, quanto mais grosseiro, inexiste razão para alterar a factualidade provada, na sua dualidade - provada e não provada.
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(iv) Quanto à matéria de direito.
Como supra já se referiu, a matéria de direito é residual nesta questão, sendo que a decisão acerca da linha divisória, delimitadora entre duas circunscrições territoriais, como são as freguesias, é essencialmente fáctica, ou seja, competindo aos tribunais administrativos a fixação da linha divisória em concreto entre duas freguesias, em caso de diferendo, litígio, essa fixação será baseada no que se apurar dos pontos de delimitação, com base na prova produzida e de acordo com o respectivo ónus.
No caso dos autos, justificada e assertivamente, o TAF de Braga, pela pena da Sr.ª Juíza de direito, no exercício do seu múnus jurisdicional, ponderadas as provas, fixou a sua convicção e decidiu com base nessa conjugação de factores pela insubsistência probatória da A., antes seguindo a tese da Ré.
Inexistindo, assim, dúvidas acerca dessa linha divisória - mantendo-se, no fundo, como dissemos, o status quo desde há tempos imemoriais - mesmo entendendo que não seria de aplicar a norma do art.º 1354.º, n.º2 do Código Civil Dispõe o art.º 1354.º do Código Civil, epigrafado "Modo de Proceder à demarcação", inserido na Secção II - Direito de demarcação:
"1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.
2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um".
, reservada a conflitos privados - inexistiriam os pressupostos de aplicação dessa norma, ou seja, dada a ausência de títulos determinantes dos limites dos prédios, de resolução pela posse ou por outro meio de prova, pois que o TAF convictamente entendeu, no fundo, em desconsideração, improcedência, da tese da A., manter a linha divisória existente, sem qualquer justiça salomónica - cremos, inaplicável ao direito público, divisão, fixação da linha divisória entre freguesias ou municípios.
III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
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Custas pela A./Recorrente.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 1 de Julho de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho