Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00049/09.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
GERÊNCIA DE FACTO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS
FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAÇÕES.
Sumário:I. Tendo havido junção ao processo de documentos e informações oficiais com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pelo oponente e pela Representação da Fazenda Pública), que podem ser relevantes para a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do art.º 120º do CPPT.
II. No processo judicial tributário, onde se inclui o processo de oposição à execução fiscal, as alegações referidas no artigo 120.º do CPPT têm como objetivo a discussão da matéria de facto e a de direito.
III. Ao não se notificarem as partes para produzirem alegações escritas (art.º 120.º do CPPT), ocorreu uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (art.º 201.º do CPC), e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (art.º 98.º, n.º 3, do CPPT).
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

O Recorrente, A..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 27.10.2014, que julgou improcedente a pretensão da Recorrente na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal originariamente instaurada contra a sociedade G… - Hardware e Software, Lda., pelo Serviço de Finanças de Coimbra 1, e contra si revertida, por dívidas de IRC e juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2001.

O Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)B- CONCLUSÕES:

1. Em 04-09-2009, no âmbito dos presentes autos, o ora recorrente apresentou requerimento destinado a alcançar a apensação dos processos n.ºs 50/09.1BECBR, 51/09.0BECBR, 52/09.8BECBR aos presentes autos, pelo facto de todos eles terem por objecto os mesmos factos, impondo-se uma tramitação unitária dos mesmos por questões de celeridade e economia processuais.
2. No entanto, nunca houve despacho judicial relativamente ao requerido, violando-se assim o disposto no artigo 21.º do CPPT.
3. A ausência de despacho judicial prejudicou o ora recorrente que viu vedada a oportunidade de uma defesa concertada nos quatro processos, bem como a oportunidade da prova produzida nos demais aproveitar a estes autos.
4. A última notificação que o ora recorrente recebeu dava-lhe conta de que a inquirição de testemunhas havia sido agendada para o dia 25 de Maio de 2010.
5. Por não se encontrarem presentes as testemunhas arroladas, não houve lugar à diligência.
6. Depois dessa intervenção, o ora recorrente foi apenas notificado da douta sentença de que agora se recorre, ou seja, aproximadamente 5 anos depois da diligência frustrada.
7. Consultados os autos, constatou-se que em 11-06-2010, foi proferido despacho no sentido dos autos serem conclusos ao Ministério Público para a emissão de parecer, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 121.º do CPPT, e de que em 10-09-2010 foi junto o douto parecer do Ministério Público.
8. Facto que o recorrente só agora conheceu, através da consulta dos autos, confirmando o mesmo que no âmbito destes autos não foram os interessados notificados para apresentarem alegações por escrito, numa clara violação pelo artigo 120.º do CPTT.
9. Confrontado com a douta sentença e encontrando-se o recorrente a aguardar tal notificação, no intuito de apresentar as suas alegações e nomeadamente juntar prova entretanto produzida nos restantes processos, bem como em outros autos onde se discutiam os mesmos factos, são notórios os prejuízos que a omissão em causa acarreta para o ora recorrente.
10. Atendendo a que não existe nenhum preceito legal que exclua o direito dos interessados (recorrente e Fazenda Pública) de apresentarem as suas alegações escritas, não se concebe como é que foi proferida sentença à revelia das necessárias formalidades legais.
11. Face às omissões processuais acima descritas, e atendendo a que o requerimento de apensação perdeu a sua utilidade, deve a presente sentença ser julgada nula, com a consequente baixa dos autos para que as partes possam alegar o que tiverem por conveniente e, nomeadamente, juntar prova produzidas nos restantes processos cuja apensação oportunamente se requereu.
Sem prescindir,
12. Da prova carreada para os autos resulta provado que o recorrente sempre exerceu as funções de formador e técnico comercial da devedora originária.
13. Demonstrou-se ainda que era o sócio gerente M... que detinha o controlo exclusivo da devedora originária.
14. Salvo melhor opinião, e com base na matéria dada como provada não podia o douto Tribunal a quo julgar improcedente a oposição à execução apresentada por considerar que o oponente foi gerente de facto da devedora originária com base nos seguintes factos «…I) O oponente autorizava a prática de actos de gerência da devedora principal, quando tal lhe era solicitado (...) J) Desde meados de 2001, apesar de já não exercer actividade profissional na sociedade devedora principal, o oponente deslocava-se à sede desta com o único objectivo de assinar documentos que lhe eram apresentados pelo outro sócio gerente, por ser necessária a assinatura de dois gerentes…».
15. Sopesando a prova produzida, e salvo melhor opinião, não restam dúvidas de que a gerência do ora recorrido se circunscrevia a uma mera gerência de direito.
16. Conforme alegado pelas testemunhas inquiridas no âmbito dos processos 50/09.1BECBR e 51/09.0BECBR, era do conhecimento geral que o sócio M... detinha o domínio da devedora originária.
17. Todos estes factos já foram dados como provados no processo 568/04.2TBENT-C que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, cuja douta sentença, transitada em julgado, foi junta aos autos aquando da apresentação da oposição à execução.
18. E mais recentemente no processo n.º 66/05.7IDCBR que correu termos no 4.º Juízo Criminal de Coimbra e no processo 168/06.2TBENT-A que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Penacova, ora juntas.
19. Da prova produzida não se pode inferir que o ora recorrente não mostrou interesse em saber quais os fins visados com os actos praticados pela devedora originária, já que o gerente M... não compartilhava a gerência, nem informações sobre a real situação económica da devedora originária com o aqui recorrente.
20. Não se pode assacar responsabilidade ao ora recorrente pelos actos praticados pelo gerente M..., considerando que o ora recorrente «…se limitava a assinar o que lhe pediam (…) revela manifesto desinteresse pelos destinos da sociedade e, assim, negligência na condução dos seus negócios.», na medida em que aquele desconhecia o conteúdo desses actos.
21. No que respeita a esta matéria, segundo o douto Tribunal Central Administrativo do Sul «…é de manter a procedência da oposição, embora por razões diferentes das constantes do discurso fundamentador da sentença recorrida. …O facto do recorrido e restantes administradores se subordinarem às deliberações do referido presidente do conselho de administração, accionista maioritário, vulgo «patrão», administrando a empresa de acordo com as suas indicações», a nosso e ver e salvo melhor juízo, não obsta à qualificação dos actos praticados pelo recorrido com verdadeiros actos de gestão, que vinculam, seguramente, a devedora originária, como muito doutamente sustenta a Fazenda Pública. E não se venha dizer que o recorrido não passaria de um «testa de ferro» do alegado presidente do conselho de administração, pois como este referiu no seu depoimento, apenas passava cerca de 20% do seu tempo útil na empresa, sendo certo que o recorrido e os outros administradores, embora de acordo com as orientações daquele sempre asseguraram a gestão efectiva da empresa. Mas, para que o recorrido possa ser responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda não basta o mero exercício efectivo da gestão da devedora originária. De facto, atento o artigo 24.º da LGT, impunha-se que a AT provasse que foi por culpa do recorrido que o património da empresa se tornou insuficiente e que esteve génese do não pagamento do tributo, ónus quem manifestamente, não cumpriu. É certo que, tendo o prazo de pagamento voluntário do tributo exequendo terminado no período de administração do recorrido a falta de pagamento da obrigação exequenda, em princípio, ser-lhe-ia imputável. Sucede que, de acordo com a prova produzida, embora o recorrido, em nosso entendimento, tivesse exercido a gerência efectiva da devedora originária, a verdade é que essa gestão era superiormente orientada pelo presidente do conselho de administração, pelo que a falta de pagamento do tributo só a ele poderá ser imputável. Assim sendo, o recorrido não é parte legítima na execução, uma vez que embora tendo exercido a gerência de facto da devedora originária não pode ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas pois que não esta demonstrado que tenha contribuído para a situação de insuficiência patrimonial que esteve na génese do não pagamento da dívida exequenda nem lhe pode ser imputável a falta de pagamento do tributo.» - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – Contencioso Tributário de 19/01/2011, 2.º Juízo, proc. n.º 04296/10, disponível em www.dgsi.pt.
22. No caso sub iudice, considerar que o oponente praticou actos de gestão, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, implica admitir que esses actos de gestão eram totalmente subalternizados, controlados e oriundos das decisões de administração provenientes do verdadeiro gerente da devedora originária – M....
23. Admitindo-se (por mero exercício intelectual) que o recorrido exercia a gerência efectiva da devedora originária, torna-se imperativo admitir é que essa gestão era totalmente orientada pelo gerente M..., pelo que a falta de pagamento do tributo só a ele poderá ser imputável.
24. Salvo melhor opinião, estamos perante uma situação de clarividência no que respeita ao nexo de causalidade entre a gerência do ora recorrente e a insuficiência do património social.
25. Verifica-se uma completa ausência de nexo causal entre a mera gerência de direito titulada pelo ora recorrente e a falta de pagamento dos tributos levada a cabo pelo sócio gerente M....
26. De acordo com as regras da experiência comum e com o conjunto factual que a prova revela, facilmente se infere que o ora recorrente não tinha qualquer poder no que toca à gestão da executada originária (não sendo sequer considerado como sócio e muito menos como sócio gerente pelos trabalhadores da empresa).
27. Pelo que se pode concluir, firmemente, que não foi por culpa do ora recorrente que o gerente M... adoptou os comportamentos em causa.
28. Veja-se que «A culpa em causa no artº.24 nº.1, da L.G. Tributária, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C. Civil) – e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.» - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Contencioso Tributário, 2.º Juízo, Proc. n.º 05392/12, datado de 08-05-2012, disponível em www.dgsi.pt.
29. Salvo melhor opinião, o douto Tribunal a quo erra no seu julgamento ao concluir que o recorrente «… autorizava a prática de actos de gerência da devedora principal…».
30. Através de um juízo de prognose póstuma é notório que a actuação do recorrente não está relacionada com o não pagamento das dívidas tributárias nem com a insatisfação do crédito exequendo.
31. O dano em discussão (não pagamento da dívida de IRC) sempre se verificaria, por não estar na disponibilidade do ora recorrente decidir ou controlar o que quer que fosse.
32. Os actos de administração apenas pertenciam ao gerente de facto M....
33. Factos que já foram dados como provados no processo 568/04.2TBENT-C que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas e, mais recentemente, no processo n.º 66/05.7IDCBR que correu termos no 4.º Juízo Criminal de Coimbra onde foi dado como provado que «Não obstante o arguido A... ser gerente da sociedade arguida, nunca exerceu de facto a gerência, que era exercida exclusivamente por M....» e que «Desde a sua constituição até ao ano de 2002, M... geriu a sociedade arguida, decidindo sobre os destinos da sociedade e tomando as decisões inerentes ao seu funcionamento.»
34. Além de que o afastamento da presunção da gerência de facto através da gerência de direito é admitida por qualquer meio de prova, bastando para tal a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário.
35. Assim sendo, estando cabalmente demonstrado de que o controlo administrativo da devedora originária pertencia exclusivamente ao gerente M..., não seria exigível a prova de que o ora recorrente não praticava actos de gestão.
36. Porém, é notório que os actos praticados pelo ora recorrente não podem ser enquadrados no conceito de exercício da gerência, já que se trata de um conceito que pressupõe um conhecimento da disponibilidade que cabe na esfera jurídica do gerente (o que o recorrente não tinha à data da prática dos factos), pressupondo, também, a existência de uma vontade/uma decisão de praticar os actos que possam vincular a empresa.
37. É por esse motivo que a responsabilização dos gerentes exige uma gerência efectiva, de facto, traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade, uma vez que a culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária exige essa gerência efectiva.
38. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, não sendo admissível o enquadramento da gerência do ora recorrente numa gerência de facto, exercida conscientemente, com conhecimento de causa e por sua vontade, dado que o recorrente não tinha qualquer poder decisório na empresa.
39. Salvo o devido respeito, a prova carreada para ao autos não deixa dúvidas sobre o concreto modo como foi efectuada a gestão da executada originária, encaminhando o julgador no sentido de concluir que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, na medida em que o ora recorrente logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe era imputável.
Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado procedente o recurso ora interposto e revogada a decisão decretada pelo Venerando Tribunal a quo, devendo os autos baixar para que sejam apresentadas as alegações finais das partes e junta aos autos a prova produzida nos processos cuja apensação foi oportunamente requerida, ou, caso assim não se entenda, deve a decisão decretada ser revogada, no que concerne à condenação do recorrente ao pagamento da dívida tributária em causa, com todas as devidas e legais consequências por ser de inteira e merecida JUSTIÇA. (…)
1.2 Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso, atendendo a que houve desvio do formalismo processual prescrito na lei, suscetível de influir no exame e na decisão recorrida, configurando nulidade determinante da anulação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que se aponta à decisão recorrida os seguintes vícios:

a) Nulidade por falta de pronúncia sobre a apensação dos processo de execução fiscal:

b) Nulidade por falta de notificação para alegações escritas nos termos do art.º120.º do CPPT;

c) Erro de julgamento de facto e de direito nomeadamente, se o ora Recorrido exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora, no período em que foi nomeado e se mostram verificados os fundamentos da responsabilidade subsidiária fiscal.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“Atenta a prova produzida, com interesse para a decisão julgo provados os seguintes factos,:
A) A sociedade comercial “G... – HARDWARE E SOFTWARE, LDA” foi alvo de uma ação de inspeção tributário que incidiu sobre o exercício de 2001, no âmbito da qual em 21/11/2005 foi elaborado o relatório de fls. 114 a 120, que se dá por integralmente reproduzido e do qual resultaram alterações à matéria coletável declarada para o dito exercício.
B) Consequentemente, no ano de 2005, foi emitida em nome da dita sociedade a liquidação adicional de IRC do ano de 2001, em que se apurou o valor a pagar de 49.167,40€ e cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 15/12/2005 – fls. 63.
C) Com base na certidão de dívida de fls. 63, foi instaurada contra “G... Harware e Software, Lda”, a execução fiscal n.º 0728200501105361, para cobrança da dívida proveniente de IRC e juros compensatórios do ano de 2001.
D) Por despacho de fls. 74 a 75, cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido, a execução referida na alínea antecedente foi revertida contra o ora oponente.
E) De acordo com a certidão do registo comercial da sociedade devedora originária, de fls…, esta encontra-se registada desde 24/08/1998, foi constituída por quatro sócios, entre os quais o ora oponente, tendo todos eles sido nomeados gerentes e, para a obrigar, bastava a intervenção de dois gerentes.
F) Em 06/03/2003, os sócios M… e o ora oponente foram nomeados gerentes da sociedade devedora originária e passou a bastar a intervenção de apenas um deles para a obrigar – fls...
G) Na mesma data, o oponente cedeu a sua quota naquela sociedade e renunciou à gerência – fls. …
H) Em 26/10/1999, o oponente assinou, na qualidade de representante legal, a declaração de alterações apresentada pela sociedade executada principal, de fls. 107 a 108, em cujo campo 17 consta como seu sócio-gerente.
I) O oponente autorizava a prática de atos de gerência da devedora principal, quando tal lhe era solicitado – facto confessado pelo oponente no artigo 21.º da p.i..
J) Desde meados de 2001, apesar de já não exercer atividade profissional na sociedade devedora principal, o oponente deslocava-se à sede desta com o único objetivo de assinar documentos que lhe eram apresentados pelo outro sócio gerente, por ser necessária a assinatura de dois gerentes – facto confessado pelo oponente nos artigos 25.º e 26.º da p.i.

*
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
*
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.
(…)”.
Nos termos do art.º 662.º do CPC, face à questão dicidenda importa assentar a seguinte matéria de facto:
L) Em 04.03.2009 a Representação da Fazenda Pública contestou e juntou aos autos vários documentos (fls.100 a 122 dos autos);
M) Em 02.07.2009, foi designada data para a inquirição de testemunhas, sendo que na data marcada não compareceram, não tendo havido lugar à diligência (fls. 128 dos autos);
N) Em 20.09.2010 foi dada vista ao Ministério Público e posteriormente foram efetuadas outras diligência com vista ao apuramento do apoio judiciário (fls.139 a 186 dos autos):
o) Em 27.10.2014 foi proferida a sentença recorrida (fls.190 a 204 dos autos);

4. JULGAMENTO DE DIREITO
Nas primeiras conclusões de recurso - n.º 4 a 11 - a Recorrente alega a nulidade da decisão recorrida, por omissão da notificação das partes, para apresentarem alegações escritas, nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do CPPT, a qual acarretou prejuízos para o ora Recorrente na sua defesa.
Vejamos:
As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag.176.
As nulidades processuais, atípicas ou inominadas, estão previstas no artigo 201.º, nº 1, do mesmo CPC (atual art.º195.º), estando a sua arguição sujeita ao regime previsto nos artigos 202.º, 2ª parte e 205.º (atual art.º196.º 2ª parte e 197.º), do mesmo Código.

Prevê-se no art.º 201.º, n.º 1 do CPC (atual art.º195.º), que: ”Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
No presente recurso está em questão, o processo de oposição à execução fiscal cuja tramitação está prevista nos art.ºs 203.º a 213.º do CPPT.
Determina o art.º 211.º do referido Código relativamente ao processamento da oposição que “Cumprido o disposto no artigo anterior, seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreva a seguir ao despacho liminar.”
O artigo 114º do CPPT preceitua que “[n]ão conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias, as quais são produzidas no respectivo tribunal”.
E no que concerne às alegações, prescreve o art.º 120.º do CPPT que “[f]inda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias.
Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, será dada vista dos autos ao Ministério Público (artigo 121º, nº 1 do CPPT).
Dos autos resulta que, após notificação à oponente da contestação e da junção de documentos, foi proferido despacho judicial a designar data para a inquirição de testemunhas, sendo que na data marcada não compareceram, não tendo havido lugar à diligência.
E em 20.09.2010 foi dada vista ao Ministério Público e posteriormente foram efetuadas outras diligência com vista ao apuramento do apoio judiciário.
De seguida, e sem qualquer notificação prévia às partes para produção de alegações escritas, foi proferida a sentença recorrida.
Portanto, foi proferiu a sentença que agora se encontra sob recurso, sem ques se tenha notificado as partes (Recorrente e Representação da Fazenda Pública) para produzirem alegações escritas.
Considerando o caso em presença, constata-se que efetivamente foi omitido nos autos o ato de notificação dos interessados para alegarem por escrito, de harmonia com o disposto no citado artigo 120.º do CPPT.
E a questão que então se coloca é a de saber se ao omitir tal notificação, o tribunal recorrido praticou a nulidade processual.
Ora, a resposta a esta questão foi já dada pela jurisprudência, nomeadamente no acórdão do STA (Pleno) no processo 01230/12 de 08.05.2013, cujo conteúdo, transcrevemos: “(…) tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.
É que, por um lado, e ao invés do entendimento apontado no acórdão recorrido, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado e como, igualmente, se diz no acórdão fundamento, «O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º».
Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)».
E o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa.
Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». (Ob. cit., volume II, p. 298 (nota 8 ao art. 120º).
Aliás, o mesmo autor também acrescenta (Ibidem, nota 3 ao art. 113º, p. 249). que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT).

Não encontramos razões para divergir deste entendimento (que foi o acolhido no acórdão fundamento) e que cremos ser o que decorre da lei. E consequentemente concluímos que no caso dos autos, não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do art. 201º do CPC e art. 2º, al. e), do CPPT, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no art. 98º, nº 3, do CPPT. (…)”
É também a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, designadamente nos acórdãos nºs 2517/11.2BEPRT de 28.06.2012, 2156/10.5BEBRG de 10.10.2013, 00915/10.8BEAVR de 15.11.2013, 1560/10.3BEBRG de 13.09.2013 e 0564/08 BEBRG de 29.09.2014, razão pela qual, não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos.
Transpondo o exposto, para o caso concreto, tendo havido junção ao processo de documentos e informações oficiais com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pelo oponente e pela Representação da Fazenda Pública), que podem ser relevantes para a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do art.º 120º do CPPT.
Importa salientar que quer com a petição quer com a contestação foram juntos documentos constantes do processo de execução fiscal, que foram considerados na matéria de facto julgada provada, na sentença sob recurso.
No processo judicial tributário, onde se inclui o processo de oposição à execução fiscal, as alegações referidas no artigo 120.º do CPPT têm como objetivo a discussão da matéria de facto e a de direito.
Seria forçoso conceder às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só pela pertinência factual que podiam ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podiam retirar.
Pelo que não poderá deixar de se concluir que a omissão ocorrida foi efetivamente suscetível de influir no exame e na decisão da causa.

Por último importará determinar se a nulidade suscitada foi atempadamente arguida.
Nos termos do artigoº 202.º, in fine, atual artigo 196.º do C.PC, estabelece-se que deve aquela ser suscitada nos 10 dias seguintes a ter sido cometida, contando-se tal prazo desde que o oponente interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele (cfr. artigo 153º, atual 149º, e artigo 205, nº 1, 2ª parte, atual 199º, do CPC).
Considerando que o agora Recorrente só teve conhecimento da omissão do ato de notificação das partes para apresentação de alegações aquando da notificação da sentença proferida no processo, dispunha aquela de 10 dias contados da dita notificação, para suscitar tal nulidade, o que veio a acontecer.
Assim, ao não se notificarem as partes para produzirem alegações escritas (art.º 120.º do CPPT), ocorreu uma omissão suscetível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (art.º 201.º do CPC atual 195.º do CPC), e implica a anulação dos atos processuais subsequentes, nos termos do artigo 98.º, nº 3 do CPPT.
Em consequência do exposto procede o recurso, interposto, nesse segmento, o que acarreta a prejudicialidade do conhecimento das restantes questões colocadas.

Sumário:

E assim formulamos as seguintes conclusões:

I. Tendo havido junção ao processo de documentos e informações oficiais com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pelo oponente e pela Representação da Fazenda Pública), que podem ser relevantes para a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do art.º 120º do CPPT.

II. No processo judicial tributário, onde se inclui o processo de oposição à execução fiscal, as alegações referidas no artigo 120.º do CPPT têm como objetivo a discussão da matéria de facto e a de direito.

III. Ao não se notificarem as partes para produzirem alegações escritas (art.º 120.º do CPPT), ocorreu uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (art.º 201.º do CPC), e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (art.º 98.º, n.º 3, do CPPT).

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso quanto à segunda questão suscitada e, em consequência, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de ser fixado prazo para alegações das partes, nos termos do artigo 120.º do CPPT, seguindo-se os ulteriores termos.


Sem custas

Porto, 12 de março de 2015
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento