Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01088/12.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES DA VENDA
NULIDADE
Sumário:1. A omissão da afixação do correspondente edital na porta do imóvel que vai ser o objecto da venda a efectuar, porque necessariamente compromete o fim que tal formalidade de publicidade do acto tem em vista, com influência sobre o processo da venda, acarreta uma nulidade, nos termos do estabelecido no art.º 201° do Código de Processo Civil;
2. Sendo declarada a nulidade, fica a venda sem efeito o que importa também a nulidade dos actos subsequentes que dela dependam absolutamente, nos termos do disposto no art.º909º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil e art.º257.º, n.º1 alínea c) do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira e Banco..., SA
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

S..., melhor identificado nos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho do Sr. Director de Finanças de indeferimento do pedido anulatório da venda executiva.
Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:


PRIMEIRA: A questão a decidir nos autos prende-se em saber se a preterição das formalidades legais (reconhecidas pelo próprio Serviço de Finanças) de não terem sido afixados os editais no prédio e bem assim na Junta de Freguesia influenciou ou não o desfecho daqueles autos e bem assim se a verificação de tais formalidades legais permitiria ao reclamante, na qualidade de credor privilegiado (como assim também foi reconhecido pelo órgão de execução fiscal), exercer os direitos que lhe assistiam.
SEGUNDA: E assim o que se mostra efectivamente em discussão nos presentes autos, como, aliás, resulta do teor da petição inicial da Reclamação apresentada é saber se a falta da afixação de editais no imóvel vendido e na própria sede de junta da freguesia (factualidade assente, por reconhecida), em face da prova produzida pelo reclamante nestes autos, configura mera irregularidade ou uma verdadeira nulidade, por ter tido influência na decisão da causa, susceptível de determinar a anulação de todos os actos subsequentes.
TERCEIRA: Em face do relatado pelas aludidas testemunhas e tendo em conta que o imóvel em causa nos autos constitui a casa de morada de família do reclamante, que, desde 2007/2008 alberga o seu agregado familiar, composto por si, pela mulher e pela filha menor, como assim também foi relatado por ambas as testemunhas, e sabendo-se que a dívida em causa nos autos que deu azo a esta situação, era inferior a 500,00€ - o que sempre convidaria o próprio reclamante a pagar a dívida de terceiro, para evitar perder a sua casa de habitação -,
QUARTA: Impunha-se que o tribunal tivesse dado como provada a matéria factual que, decisivamente, estava em discussão nos autos, nomeadamente que:
c) Não obstante o determinado no despacho referido em D) e reproduzido em E) dos factos assentes, não foram afixados os editais determinados por lei, nem no imóvel penhorado, nem na sede da Junta de Freguesia;
d) Se tivessem sido afixados os editais no imóvel penhorado e/ou na sede da Junta da Freguesia o reclamante teria tido conhecimento dos autos de execução, em data anterior à venda do imóvel, e teria acautelado e exercido os seus legítimos direitos relativamente à casa de morada de família
QUINTA: Daí que se entenda que estes concretos pontos de facto, na redacção supra transcrita, foram incorrectamente julgados, por se considerar que, dos concretos meios probatórios, nomeadamente da prova testemunhal produzida, impunha-se decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida, no sentido de constar esses concretos pontos de facto da matéria dada como provada.
SEXTA: Sem prescindir, e salvo o devido respeito, o recorrente também não pode conformar-se com a decisão proferida a respeito da matéria factual dada como não provada.
SÉTIMA: Na verdade, constando do contrato promessa que a escritura definitiva deveria ser realizada assim que qualquer dos outorgantes manifestasse esse desejo e tendo a testemunha Maria Ribeiro confirmado que o reclamante pretendia fazer a escritura, mas que o promitente vendedor não tinha condições de fazer, na falta de outro qualquer elemento probatório que infirmasse o que a essa respeito foi dito pela testemunha e em conjugação com o teor vertido no contrato,
OITAVA: Impunha-se que o tribunal tivesse dado como provada, ao invés do concreto ponto de facto que julgou como não provado, a seguinte factualidade:
AB) – Acontece que não obstante o reclamante ter manifestado vontade ou desejo de que fosse celebrada a escritura definitiva de compra e venda, a verdade é que a mesma não veio a realizar-se por o promitente vendedor não ter condições de a fazer.
NONA: E, por isso, entende o recorrente que o ponto 1. dos Factos não provados foi incorrectamente julgado, quando constavam do processo todos os meios probatórios necessários que impunham decisão sobre aquele concreto ponto de facto diversa da recorrida, nomeadamente no sentido de dar como provada a factualidade que, em concreto, acabou de se deixar reproduzida.
DÉCIMA: Aqui chegados, procedendo a impugnação da decisão proferida sobre a concreta factualidade acima reproduzida, impunha-se que o Tribunal tivesse julgado procedente a presente Reclamação.
DÉCIMA PRIMEIRA: Como resultou demonstrado dos autos, só em momento posterior à venda do imóvel é que o reclamante teve conhecimento da existência do processo de execução fiscal; teve conhecimento de que o prédio onde reside havia sido penhorado à ordem desses autos; e só então teve conhecimento de que a sua casa havia sido vendida.
DÉCIMA SEGUNDA: Esta total e absoluta falta de conhecimento impediu que o reclamante pudesse fazer valer os seus direitos que reconhecidamente lhe assistia e que decorrem do aludido contrato promessa de compra e venda, tendo sido impossibilitado de exercer tais direitos por culpa que não lhe pode ser imputável, mas antes por preterição de formalidades legais, nomeadamente pela omissão de actos ou de formalidades que a lei impõe.
DÉCIMA TERCEIRA: Pois que, como assim resulta inequívoco dos autos, não foram afixados editais na porta da sede da junta de freguesia de São Romão de Arões (freguesia onde se localiza o bem penhorado), nem tão pouco foram afixados editais na porta da casa onde habita o aqui recorrente (bem penhorado).
DÉCIMA QUARTA: De igual forma, também resulta dos autos que o cumprimento daquelas formalidades legais permitiria ao aqui recorrente reclamar, atempadamente, i.e. antes de concretizada a venda, os seus direitos, quer através da reclamação de créditos, com preferência sobre todos os demais credores, quer através dos embargos de terceiro.
DÉCIMA QUINTA: Para além disso, no caso dos autos, foi claramente violado o artigo 217º do C.P.P.T. e o princípio da proporcionalidade, que determina que a natureza gravosa da penhora terá de se limitar ao necessário para satisfação do crédito exequente e das custas, o que acarretou a violação dos mais elementares direitos do aqui recorrente, nomeadamente o seu legítimo direito que lhe assiste sobre o imóvel penhorado nestes autos, de valor superior a 100.000,00€, para pagamento de uma dívida inferior a 500,00€.
DÉCIMA SEXTA: No seguimento do que vem sendo, finalmente, sufragado pelos nossos tribunais, tal procedimento, por violação do princípio da proporcionalidade, constitui irregularidade, cominada com nulidade, que poderia e teria sido arguida pelo reclamante, caso tivesse tido conhecimento da penhora efectuada à sua residência.
DÉCIMA SÉTIMA: Acresce que o exercício por parte do ora recorrente de um desses direitos teria influência directa e decisiva no andamento dos autos e na decisão da causa.
DÉCIMA OITAVA: É, assim, manifesto que as irregularidades cometidas, e que se consubstanciam na falta de afixação de editais na sede de junta da freguesia de São Romão de Arões, do concelho de Fafe, e no prédio penhorado, onde habita o ora requerente, são cominadas de nulidade, por influírem directa e decisivamente no exame e na decisão da causa, conforme assim estatui o artigo 201º, n.º 1 do Código de Processo Civil que se aplica, por analogia, e se requer venha a ser reconhecido por V/ EXAS, Juízes Desembargadores.
DÉCIMA NONA: Com evidente e manifesto prejuízo dos direitos que assistiam ao aqui recorrente, como ficou indubitavelmente demonstrado nos autos.
VIGÉSIMA: E assim, com vista à sanação das nulidades verificadas, e ao saneamento do processo de execução fiscal, deverão V/ EXAS, Juízes Desembargadores, reconhecer a nulidade decorrente da violação do disposto nos números 1 e 2 do artigo 249º do CPPT e a consequente anulação de todo o processado subsequente, pois que só dessa forma poderá tomar-se em consideração o direito real de garantia que assiste ao aqui recorrente, direito esse que prevalece, inclusive, sobre a garantia hipotecária registada em data anterior à referida tradição.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: Sem prejuízo da nulidade invocada, o reclamante pugna ainda pelo reconhecimento da nulidade decorrente da violação do artigo 217º do CPPT, com fundamento no que supra se deixou dito e a consequente anulação de todo o processado posterior à penhora do imóvel.
VIGÉSIMA SEGUNDA: Isto porque como se deixou dito no corpo destas alegações, as considerações tecidas na sentença recorrida a respeito da violação de cada um dos direitos invocados pelo reclamante na petição inicial não têm aplicação ao caso dos autos, nem constituem fundamento válido para que a pretensão do ora recorrente não tivesse sido acolhida.
VIGÉSIMA TERCEIRA: E, assim, em face do exposto, considera o recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância violou o disposto nos artigos 276º e ss. do CPPT e 103º, n.º 3 da LGT, por, em face dos argumentos ora apresentados, não ter sido garantida ao recorrente a tutela jurisdicional efectiva para defesa dos seus direitos e interesses legítimos que, com a concretização da venda impugnada, foram efectiva e materialmente afectados.
VIGÉSIMA QUARTA: Para além disso, vai também invocada e arguida a inconstitucionalidade material da sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, no entendimento perfilhado nessa decisão de que, não obstante ter sido reconhecida a preterição de formalidades que a lei impunha e de que assistiria ao recorrente, em data anterior à concretizada venda do imóvel, a possibilidade de poder reagir e de defender os seus direitos e interesses legítimos, por força da realização da aludida venda – cuja nulidade foi reclamada fosse reconhecida – tais direitos se consideram caducados, como assim se pode ler expressamente, relativamente ao direito de retenção invocado pelo reclamante. E ainda no entendimento perfilhado na sentença de que omissão (reconhecida pelo próprio órgão de execução fiscal) das formalidades legais não foi de molde a influenciar, decisivamente, o desfecho dos autos executivos.
TERMOS EM QUE, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 276º E SS DO CPPT, 103º, N.º 2, DA LGT E 268º, N.º 4 DA CRP, ENTRE OUTROS QUE V/ EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, E POR FORÇA DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, DEVERÁ REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, DECIDINDO-SE PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO,
FAZENDO, ASSIM, V/ EXAS, JUIZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos, fixando-se efeito meramente devolutivo.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o recurso deverá ser rejeitado na totalidade, por a sentença não padecer de nulidade ou erro na apreciação da matéria de facto.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, são estas as questões que importa decidir: (i) se a sentença incorreu em erro de facto; (ii) se foram omitidas formalidades de publicidade da venda; (iii) se resulta inconstitucional o entendimento que a sentença faz das consequências da preterição daquelas formalidades da venda; (iv) se foi violado o princípio da proporcionalidade na penhora de um imóvel de valor superior a 100.000€ para pagamento de uma dívida inferior a 500€.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

A) Encontra-se a correr termos no Serviço de Finanças de Guimarães - 2, contra H…, nif. 2…, o processo de execução fiscal n.º 3476201001027867 e apensos, para cobrança da quantia global de € 433,38, referente a dívidas de IMI do ano de 2009 – cfr. processo de execução fiscal (pef.) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
B) A 12.01.2011, foi penhorado o imóvel inscrito no artigo urbano n.º 1….º, da freguesia de Arões (S. Romão), concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 1…– cfr. fls. 14 a 19 do pef.;
C) A 9.03.2011, foi o executado citado para a execução, notificado da penhora e da nomeação como fiel depositário – cfr. fls. 21 do pef.;
D) Por despacho de 7.10.2011, foi ordenada a venda judicial do referido prédio por meio de leilão electrónico, para o dia 15.11.2011, tendo como valor base 70% do valor atribuído - cfr. fls. 23 do pef.;
E) No despacho referido em D), para além do mais, foi determinado o seguinte:
“ (…). Afixem-se os editais determinados por lei e promova-se a publicação de anúncios num dos jornais mais lidos nesta localidade, bem como a divulgação através da internet, (…).”;
F) A 17.10.2011, por carta registada com aviso de receção, o serviço de finanças notificou o executado nos termos determinados em D) – cfr. fls. 27 e 28 do pef.;
G) A carta foi devolvida com a menção “Objeto não reclamado” – cfr. fls. 40 do pef.;
H) Foram citados os credores com garantia real – cfr. fls. 29 a 36;
I) A 12.10.2011 e 19.10.2011, foram publicados anúncios no Jornal “O Comércio de Guimarães” - cfr. fls. 39 do pef.;
J) Na data da venda, o BCP, credor hipotecário, apresentou a melhor proposta no montante de € 100.000,00, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel – cfr. fls. 41 do pef.;
K) A 22.12.2011, foi depositada a totalidade do preço, pago o DUC de Imposto de Selo e reconhecida a isenção de IMT – cfr. fls. 42 a 46 do pef.;
L) A 30.12.2011, é proferido despacho de cancelamento dos direitos reais caducados e emitido o título de transmissão da venda judicial – cfr. fls. 47 e 48 do pef.;
M) A 2.12.2012, S…, ora reclamante, arguiu junto do órgão de execução fiscal a nulidade da venda – cfr. fls. 55 a 90 do pef.;
N) A 1.03.2012, o Diretor de Finanças de Braga emitiu proposta de indeferimento do pedido de anulação de venda – cfr. fls. 93 a 125 do pef.;
O) O BCP exerceu o direito de audição em concordância com a proposta de indeferimento – cfr. fls. 133 do pef.;
P) O ora reclamante exerceu o direito de audição, mantendo, em suma, a posição inicialmente apresentada – cfr. fls. 139 e 140 do pef.;
Q) A 24.04.2012, o Diretor de Finanças de Braga indeferiu o pedido de anulação de venda – cfr. fls. 141 a 147 do pef.;
R) Em data não concretamente apurada, foi assinado um documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, pelo executado e pelo reclamante, segundo o qual o primeiro promete vender ao segundo uma casa de habitação, sita no Lugar de Senras (Monte da Pena), freguesia de Arões (São Romão), descrita na CRP de Fafe sob o n.º 0…, omissa na respetiva matriz - cláusula 1.ª; o preço total de compra e venda é de € 125.000,00 e como sinal e princípio de pagamento o primeiro outorgante já recebeu do segundo a importância de € 75.000,00 – cláusula 3.ª; a restante parte do preço, na importância de € 50.000,00 será paga na data a celebração da escritura – cláusula 3.ª; a escritura seria celebrada livre de quaisquer ónus ou encargos, logo que qualquer dos outorgantes o deseja, bastando avisar ou outro com antecedência mínima de 30 dias e sempre num prazo de cinco anos – cláusula 4.ª – cfr. fls. 64 dos autos;
S) E porque desde a data da celebração do contrato e da entrega das chaves, passou o reclamante a habitar na casa;
T) Tendo procedido a diversas alterações, com a aplicação de variados materiais, como sejam, trabalhos de carpintaria, aquecimento central, focos de iluminação, portões automáticos, motor de puxar água;
U) Equipando totalmente a sua casa com mobiliário diverso;
V) Aí fazendo as suas refeições, dormindo e recebendo amigos e visitas;
W) Velando pela conservação da mesma, limpando-a, fruindo das suas utilidades;
X) Instalando os serviços de água, luz, telefone, gás e até TV Cabo, negociando com as respectivas empresas os contratos e pagando os respectivos serviços.
Y) O reclamante, no âmbito da execução n.º 28/09.5TBFAF que corre termos contra o executado, no Juízo de Execução do tribunal de Guimarães, deduziu embargos de terceiro que foram indeferidos liminarmente – cfr. fls. 186 a 189 dos autos, aqui reproduzidas para todos os efeitos legais;
Z) Por apenso ao processo de execução n.º 28/09.5TBFAF, o reclamante apresentou reclamação de créditos, tendo por base o incumprimento do contrato promessa referido em R) – cfr. fls. 250 a 261 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
AA) No dia 1.04.2013, foi apresentada a presente reclamação – cfr. fls. 6 a 16 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Factos não provados:
1. Acontece que, não obstante as diversas e variadas interpelações feitas pelo reclamante ao executado, a verdade é que este nunca se disponibilizou a celebrar a escritura definitiva do contrato promessa celebrado.
*


Motivação:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados no teor dos documentos e informações constantes do processo de execução fiscal e nos autos, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
O tribunal teve, ainda, em consideração o depoimento das testemunhas arroladas pelo reclamante, as quais pela forma objetiva e espontânea com que prestaram o seu depoimento mereceram a credibilidade do tribunal. Os seus depoimentos foram valorados positivamente para a fixação da matéria elencada de S) a X).
Os factos não provados resultaram da total ausência de prova».

O Recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que pretende ver contemplados no probatório:

a) “Não obstante o determinado no despacho referido em D) e reproduzido em E) dos factos assentes, não foram afixados os editais determinados por lei, nem no imóvel penhorado, nem na sede da Junta de Freguesia”;
b) “Se tivessem sido afixados os editais no imóvel penhorado e/ou na sede da Junta da Freguesia o reclamante teria tido conhecimento dos autos de execução, em data anterior à venda do imóvel, e teria acautelado e exercido os seus legítimos direitos relativamente à casa de morada de família”;
c) “Acontece que não obstante o reclamante ter manifestado vontade ou desejo de que fosse celebrada a escritura definitiva de compra e venda, a verdade é que a mesma não veio a realizar-se por o promitente vendedor não ter condições de a fazer”.

Quanto ao facto referido em a), admite a Administração tributária que não foram afixados editais no imóvel penhorado, facto assumido na douta resposta da Fazenda Pública, como se alcança da seguinte passagem da informação que sustenta o despacho reclamado de indeferimento do pedido de anulação da venda (cf. fls. 142v. do apenso de execução): «Após a marcação (da venda) foi notificado o executado, foram publicados anúncios no jornal “O Comércio de Guimarães”, foram citados os credores com garantia real, mas não foram afixados quaisquer editais no imóvel como era exigido pelo n.º3 do artigo 249.º do CPPT (entretanto revogado pela Lei n.º64-B/2011, de 30/12 a partir de 1/1/2012».

As testemunhas, cujo depoimento está transcrito nas alegações, nada referem quanto à falta de afixação de editais na Junta de Freguesia.

O que se pretende ver contemplado no probatório e se refere em b), não traduz qualquer facto substanciado, mas uma mera opinião das testemunhas, como se alcança do trecho dos seus depoimentos transcrito nas alegações: “…na minha opinião”; “eu penso que sim”.

Já o que o Recorrente refere em c), é factualidade que os autos, de todo, não evidenciam posto que o depoimento da testemunha M… (transcrito nas alegações), resulta extremamente vago e impreciso [“Se calhar houve ali uma altura em que o S… pretenderia mais que o F… e que o H… a escritura da casa”] e nada esclarece de concreto e relevante quanto às razões do protelamento da celebração da escritura de compra e venda e nem o depoimento é acompanhado de qualquer documento de interpelação.

Assim, após reapreciação da prova dos autos, acrescenta-se ao probatório o seguinte alínea:

AB) Não obstante o determinado no despacho referido em D) e reproduzido em E) dos factos assentes, não foram afixados editais no imóvel penhorado.

Julga-se o recurso improcedente quanto à impugnação da restante matéria de facto.

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

O Recorrente imputa à sentença erro de julgamento de facto ao não ter levado ao probatório que foram omitidas formalidades de publicidade da venda e, por outro lado, erro de julgamento de direito ao não ter retirado desse facto as consequências jurídicas devidas.

Já vimos que assiste razão ao Recorrente, ao menos em parte, no erro de facto apontado, posto que a própria Administração tributária admite que “…não foram afixados quaisquer editais no imóvel como era exigido pelo n.º3 do artigo 249.º do CPPT…”.

Tal facto já foi integrado no probatório, subsistindo para resolver a questão do apontado erro de julgamento quanto às consequências jurídicas a retirar desse facto. Vejamos o raciocínio seguido na sentença recorrida:

«Da Nulidade da venda por violação do artigo 249.º do CPPT.
Nos termos do disposto no artigo 249.º do CPPT, na redacção vigente à data da venda do bem imóvel (15 de Dezembro de 2011), a Publicidade da Venda obrigava-se, para além do mais, aos seguintes formalismos:
(1) Determinada a venda, procede-se à respectiva publicitação, mediante editais, anúncios e divulgação através da internet.
(2) Os editais são afixados, com a antecipação de 10 dias úteis, um na porta dos serviços de execução fiscal e outro na porta da sede da junta de freguesia em que os bens se encontrem.
(3) Tratando-se de prédios urbanos, afixa-se também um edital na porta de cada um deles, com a mesma antecipação.
(4) …
Pela Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vulgo, Lei do Orçamento de Estado), com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2012, o referido artigo 249º, do CPPT, manteve a epígrafe “Publicidade da Venda” e, na parte que aqui interessa, passou a ter a redação seguinte:
(1) Determinada a venda, procede-se à respectiva publicitação, mediante divulgação através da internet;
(2) O disposto no número anterior não prejudica que, por iniciativa do órgão de execução fiscal ou por sugestão dos interessados na venda, sejam utilizados outros meios de divulgação
(3) (revogado)
(4) …
Assim, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o legislador afastou a publicidade da venda por meio de afixação do respetivo edital, designadamente na porta do bem imóvel.
Logo, caso houvesse lugar a anulação da venda realizada em 15 de Dezembro de 2011, a nova venda realizar-se- ia nos exatos moldes da anterior.
Aqui chegados, chama-se à colação o Acórdão do STA, de 31.12.2012, (referido pela FP na sua resposta), disponível em www.dgsi.pt, cujo texto se passa a transcrever na parte que aqui interessa: “(…) pode não fazer sentido anular o acto se, em virtude de vinculação, o resultado não pudesse ter sido senão o obtido. Com efeito, se o tribunal não tiver dúvidas que a decisão tomada pela Administração corresponde à solução imposta pela lei, em aplicação dos princípios da eficiência e da economia de actos públicos, tem o dever de o não anular.” E, isto porque – continua o Acórdão: “o principio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria no nosso Direito, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia jurídica, «uma das dimensões da eficiência indispensável `realização do interesse público» (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit. e João Loureiro, O Procedimento administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares, Coimbra Editora, pág. 137 e 219 e ss e, entre muitos, Acórdãos do STA, de 27/9/00, rec. nº 41.191, de 7/11/01,
rec. nº 38983, de 2/5/02, rec. n.º 48.403, de 12/3/03, rec. nº 349/03, de 2/02/2005, rec. nº
784/04, de 15/2/2007, rec nº 01071/06, de 13/1/2011, rec. nº 01121/09, de 30/3/2011, rec. nº 0877/09). Trata-se, pois, de reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe «alternativa juridicamente válida» que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação. Pergunta-se, pois, num dos acórdãos acima referidos, para quê anular um acto se o novo acto não iria introduzir nenhuma modificação na situação existente e se, no essencial, tudo iria ficar na mesma?”
Deste modo, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto (utile per inutile non viciatur) qualquer eventual irregularidade cometida no PEF, na fase da venda do bem imóvel, não poderá, nem deverá acarretar a anulação da mesma. E, neste caso, não se justifica a anulação de venda, conforme se exporá».

É contra este modo de ver que se insurge o Recorrente, apontando à sentença erro de julgamento e, nomeadamente, que o apelo ao princípio do aproveitamento do acto, no caso, se não compatibiliza com o disposto no art.º268.º, n.º4 da CRP no segmento relativo à tutela jurisdicional efectiva. Vejamos.

Existe uniformidade da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, vazada, entre outros, no Acórdão de 20/6/2012, proferido no proc.º161/2012, segundo a qual, actos como a citação, a penhora e a venda constituem exemplos de “actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional”, (…) “cuja prática o legislador pôs a cargo da AT, enquanto órgão da execução fiscal, a qual age aí como um mero “auxiliar”. E ainda que se possa discutir a natureza destes actos, existe uniformidade que a mesma “será idêntica à dos actos de natureza não jurisdicional que são praticados no âmbito de todos os processos judiciais”.

O que não quer dizer que todos os actos praticados pelo órgão de execução fiscal, que tenham potencialidade lesiva, independentemente da sua natureza, não estejam sujeitos ao controlo judicial através do meio processual da reclamação, consagrado no art.º 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por conseguinte, os actos relativos à publicidade da venda são actos praticados num processo judicial tributário e não num procedimento tributário naquele enxertado.

Ora, tal como resulta da doutrina do recente Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 22/01/2014, proferido no proc.º0441/13, os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e, nomeadamente, as normas que a Lei Geral Tributária prevê para os procedimentos tributários apenas serão de aplicar aos procedimentos tributários enxertados no processo de execução fiscal.

Tal não sendo o caso tratando-se da preterição de formalidades de publicidade da venda, que constituem actos praticados num processo judicial tributário, não há que fazer apelo ao princípio jurisprudencial do aproveitamento dos actos administrativos, segundo o qual e no essencial, os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las.

A sentença incorreu, pois, em erro de julgamento na aplicação que fez dos princípios gerais que regulam a actividade administrativa ao acto em causa relativo a formalidades de publicidade da venda como de um acto do procedimento tributário se tratasse.

A esses actos judiciais aplicam-se as regras do processo civil, ex vi do 2.º, alínea e) do CPPT.

Na redacção da Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, dispunha o art.º249.º, do CPPT, no segmento relevante:
“1 – Determinada a venda, procede-se à respectiva publicitação, mediante editais, anúncios e divulgação através da internet.
2 – Os editais são afixados, com a antecipação de 10 dias úteis, um na porta dos serviços de execução fiscal e outro na porta da sede da junta de freguesia em que os bens se encontrem.
3 – Tratando-se de prédios urbanos, afixa-se também um edital na porta de cada um deles, com a mesma antecipação
4 – (…)”.

Como se vê, a não afixação de edital na porta dos prédios urbanos a vender constitui preterição de formalidade prescrita na lei.

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º201º do CPC (vigente à data), “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Como ensina Alberto dos Reis, «a nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. No segundo caso, é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa» – “Comentário ao Código do Processo Civil Anotado”, vol. 2º, a pág. 484.

Como se escreveu no Acórdão do STA, de 23/01/2013, proferido no proc.º0667ª/12, “…o princípio da redução de nulidade à mera irregularidade, sem consequências, só acontece quando o acto haja atingido o seu fim, e só caso a caso e segundo a prudência e a ponderação dos juízes, pode resolver-se a questão de saber se o acto atingiu o seu fim. E, deste modo, a anulação da venda deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, puder afirmar-se a sua susceptibilidade para influenciar a venda”.

Ora, no caso, a não afixação do edital à porta do prédio urbano a vender é susceptível de influir na decisão da causa, porque não foi dada ampla publicidade à venda do bem objecto da mesma.

Como se deixou consignado no Acórdão do STJ, de 20/09/2005, CJ/STJ, 2005, 3.º-37, também citado na anotação 7 ao art.º890.º, do “CPC Anotado”, Abílio Neto, 22.ª edição, Nov./2009, “…a afixação do edital à porta do prédio chama muito mais a atenção dos eventuais interessados na aquisição, do que a afixação em qualquer outro local”.

E como se salienta no Acórdão da Rel. de Évora, de 18/04/1991, BMJ 406.º-738, também referido na ob. cit. em anotação 4 ao art.º890.º, “I – Com a exigência de publicitação do acto da venda pretende o legislador concitar o máximo de concorrência a tal acto e, assim, criar as condições para que, em manifesto proveito quer do exequente, quer dos credores reclamantes, quer do executado, os bens venham a ser vendidos pelo melhor preço. II - À obrigatoriedade legal de afixação de edital à porta do prédio urbano a vender está subjacente a ideia de que o edital vai, provavelmente, ser notado e lido pelas pessoas que passarem à porta do prédio”.

No caso dos autos, a falta de afixação do edital na porta do prédio a vender foi susceptível de afectar o resultado e o valor da venda – com o qual, de resto, o reclamante/ Recorrente se não conforma por ter resultado insuficiente para pagamento do seu alegado crédito – pela menor publicidade que o acto mereceu junto de potenciais interessados na aquisição do imóvel.

Por outro lado, também o reclamante se viu impossibilitado de exercer tempestivamente direitos processuais que alegadamente lhe assistem e que, bem ou mal, poderia ter feito valer na acção executiva, caso tivesse tido conhecimento da venda por via da ampla publicidade que a lei prevê para o acto.

Com efeito, o reclamante invoca, nomeadamente, ser titular do direito de retenção sobre o imóvel vendido, nos termos do art.º755.º, n.º1 alínea f), do Código Civil, por ter prometido adquirir ao proprietário, promitente-vendedor e executado nos autos, aquele imóvel – cf. alíneas r) a x), do probatório.

E que no desconhecimento da venda se viu, nomeadamente, impossibilitado de se fazer pagar pelo valor da coisa vendida, reclamando espontaneamente o seu crédito preferente na execução fiscal “até à transmissão dos bens penhorados” (art.º240.º, n.º4, do CPPT, art.º869.º, n.º1, do CPC e artigos 759.º, n.º1 e 824.º, n.º3, do Código Civil).

Ressalta pois evidente o interesse do reclamante/ Recorrente na anulação da venda e repetição do acto, com adjudicação pelo valor mais alto possível, ao menos em medida correspondente ao crédito preferente que invoca pretender reclamar na execução fiscal.

Assim, a irregularidade cometida – não afixação de edital à porta do imóvel para venda - constitui uma nulidade nos termos do disposto no art.º 201.º, nº 1, do CPC e não mera irregularidade.

Sendo declarada a nulidade, fica a venda sem efeito o que importa também a nulidade dos actos subsequentes que dela dependam absolutamente, nos termos do disposto no art.º909º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil e art.º257.º, n.º1 alínea c) do CPPT.

Devendo ser designada nova data para o acto e anunciada a venda com observância do que a lei actual prescrever em matéria de formalidades de publicidade da venda judicial.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, anular o despacho reclamado e deferir o pedido anulatório da venda.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

Custas pelos Recorridos em 1ª instância.

Porto, 29 de Janeiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro