Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00358/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/29/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS - IVA - TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
Sumário:I - Embora seja criticável o comportamento da Secretaria do Tribunal Tributário de 1.ª instância, então na dependência funcional do Ministério das Finanças, que só notificou a sentença ao RFP mais de seis meses depois de a ter notificados ao Impugnante e ao Ministério Público, essa crítica fica-se, a este nível, pelo plano ético, não podendo aquele facto suportar a conclusão de intempestividade do recurso deduzido pela Fazenda Pública, que só pode contar-se a partir da data em que os autos documentam a sua notificação, a menos que tivesse ficado demonstrado que o RFP teve conhecimento da sentença antes dessa data.
II - Efectuada a notificação pessoal da sentença ao Representante da Fazenda Pública em 9 de Dezembro de 2003, não pode considerar-se intempestivo o recurso cujo requerimento de interposição foi apresentado no dia 31 desse mês, pois, após o termo do prazo de 10 dias para o efeito (que ocorreu no dia 19), a Fazenda Pública ainda dispunha de mais três dias úteis, nos termos do art. 145.º, n.º 5, do CPC (sendo que a Fazenda Pública, à data, estava isenta do pagamento da respectiva multa), e o período compreendido entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro é de férias judiciais (art. 12.º da LOFTJ), pelo que durante o mesmo se suspende a contagem do prazo (art. 144.º do CPC).
III - Quando a AT, através do controlo efectuado à situação tributária do contribuinte, fundamentadamente considere que as declarações não traduzem a realidade, a lei permite-lhe que seja ela a quantificar a matéria tributável, o que será feito por métodos directos, no caso de tal ser possível e, não sendo possível, com recurso a métodos de prova indirecta ou presunções.
IV - No caso de tributação por métodos indiciários, a lei impõe especial fundamentação, devendo a AT especificar os motivos por que a contabilidade não merece crédito, por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável (cf. arts. 82.º, n.º 1, do CIVA, art. 51.º do CIRC, ex vi do art. 38.º do CIRS, e 81.º do CPT, em vigor à data).
V - Tendo a AT dado resposta cabal a todas essas exigências, quer formal quer substancialmente, a Contribuinte só pode conseguir a anulação da liquidação em sede de impugnação judicial se demonstrar que os pressupostos de facto de que partiu a Administração não correspondem à realidade ou que o critério utilizado na quantificação da matéria tributável enferma de erro quanto aos pressupostos de facto de que arranca ou que é arbitrário ou desadequado ao fim prosseguido.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), após uma visita de fiscalização à sociedade denominada “Gonçalves & , Lda.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrida) e que abrangeu os exercícios dos anos de 1993 a 1995 entendeu, para além do mais (() A AT promoveu também correcções com base em métodos directos, mas que estão fora do âmbito do presente processo.), por um lado, «verificaram-se muitas e variadas anomalias que levam a concluir que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos» e, por outro lado, que «é impossível saber qual o seu valor exacto, por forma a adequar o volume de negócios do sujeito passivo ao efectivamente obtido»(() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.), pelo que decidiu proceder à fixação do volume de negócios para efeitos de tributação em Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com recurso a métodos directos e indirectos.

A Contribuinte reclamou ao abrigo do disposto no art. 84.º do Código de Processo Tributário (CPT) para a Comissão de Revisão e a reclamação foi decidida pelo Presidente da Comissão, que manteve o volume de negócios inicialmente fixado para cada um dos exercícios em causa.

Com base nesses valores, foram liquidados o IVA(() Em sede de IVA, os actos de fixação da matéria colectável e de liquidação do imposto confundem-se.) considerado em falta em cada um dos exercícios em causa, bem como os respectivos juros compensatórios.

1.2 A Contribuinte impugnou essas liquidações, pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra que as anulasse.
Para tanto, e em síntese, invocou a falta dos requisitos legais que autorizariam o recurso aos métodos indiciários para a determinação da matéria tributável, questionando a impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável invocada pela AT.

1.3 O Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra julgou a impugnação judicial procedente a anulou as liquidações impugnadas. Se bem interpretamos a fundamentação aduzida na sentença (() Fundamentação que, salvo o devido respeito, não é inequívoca, pois, após numa primeira parte afirmar que «a matéria dada como assente foi no sentido de que os elementos contabilísticos não reflectem a exacta situação patrimonial nem o resultado obtido pela empresa» e de que não é possível «o apuramento e quantificação rigorosa dos elementos para determinação da “matéria colectável”», numa segunda afirma que «a Fazenda Pública não logrou» demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, deixando a investigação que se lhe impunha «aquém do esforço exigível».), porque considerou que a Fazenda Pública não logrou provar os pressupostos de facto que serviram de base à presunção, motivo porque existe dúvida fundada, a determinar a anulação das liquidações impugnadas.

1.4 Inconformada com essa sentença, a Fazenda Pública dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1- A douta sentença dá como provada, apenas com base em prova testemunhal insuficiente, a existência de circunstâncias, como o caso dos monos, que a auditoria contabilística desmente, dada a grande rotatividade de stocks neste tipo de actividade.
2- A impugnante não oferece qualquer prova ou apreciação técnica que permita considerar o apuramento por métodos indiciários incorrecto ou excessivo.
3- A Administração apresenta, com o relatório, prova cabal de que muitas omissões ao registo das vendas, subfacturação ou facturação que não foi processada e manipulação ostensiva dos inventários, de modo a equilibrar as existências.
4- Por isso, a impugnante, como não facturava também não registava como entradas de caixa os recebimentos resultantes dessas omissões o que levava a que o saldo da conta Caixa apresentasse saldos negativos, o que não é possível acontecer do ponto de vista prático, situações colmatadas com os também fictícios empréstimos à firma.
5- Assim, a Administração Fiscal cumpriu a sua parte do ónus da prova, ou seja demonstrou os factos que serviram de base à presunção.
6- Por falta de argumentos e prova pela impugnante, não se pode concluir, como fez a douta sentença, pela existência da dúvida fundada, uma vez que nada é demonstrado que infirme a quantificação operada pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (SPIT), nem os pressupostos da utilização dos métodos indirectos, sendo certo que a contribuinte poderia ter feito tal prova pelo recurso à sua contabilidade e aos testemunhos arrolados, o que não aconteceu.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente IMPUGNAÇÃO, assim se fazendo

JUSTIÇA»(() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).

1.5 Por despacho do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra foi extinto, tendo sucedido na respectiva competência o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.), o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.6 A Impugnante contra alegou, sustentado que o recurso não devia ter sido admitido porque intempestivo por duas razões:
– primeira, a sentença, datada de 18 de Junho de 2003, foi-lhe notificada a ela nessa data e ao Representante do Ministério Público em 24 do mesmo mês, enquanto ao Representante da Fazenda Pública, «com domicílio profissional a escassos metros do Tribunal a quo», só foi notificada «volvidos seis meses da prolação da mesma»;
– segunda, a Recorrente, notificada em 9 de Dezembro de 2003, apenas deu entrada ao requerimento de interposição do recurso em 31 de Dezembro de 2003.

Sem prescindir da invocada intempestividade, sustentou ainda que as alegações não devem ser admitidas e, consequentemente, o recurso deve ser julgado deserto, porque a Fazenda Pública não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão dos mesmos em sentido diverso, assim como não indica quais as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ou, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entender, deveria ter sido aplicado, tudo em violação do disposto nos arts. 280.º e 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 690.º, n.º 2, e 690.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

Ainda sem prescindir, mais sustentou que não pode o recurso ser provido, pois os factos que foram dados como provados demonstram claramente a inexistência dos pressupostos para a tributação por métodos indiciários, não logrando a AT demonstrar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável nem indicar os critérios que utilizou na sua quantificação.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e julgada a impugnação judicial improcedente. Para tanto, em síntese, considerou o seguinte:
– a contabilidade da Impugnante, como a AT verificou através da fiscalização, «evidenciava omissões de proveitos, omissão de vendas, inexistência de inventários que apenas foram elaborados na altura em que ocorreu a fiscalização fazendo constar existências por valores superiores aos reais e as margens de comercialização espelhadas na contabilidade eram muito inferiores às reais», o que significa que a AT «fez prova de que se verificavam os pressupostos que a legitimaram a determinar o lucro tributável [(() Atenta a natureza do imposto em causa, por certo quereria dizer-se o volume de negócios ou a matéria tributável.)] por métodos indiciários»;
– a sentença recorrida, incorreu em erro no julgamento da matéria de facto, pois limitou-se a «mera transcrição acrítica dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos, não tendo dado qualquer relevância aos erros e omissões constatados no exame e fiscalização da escrita da impugnante»;
– a Impugnante não logrou demonstrar qualquer erro nos pressupostos para o recurso aos métodos indiciários nem logrou demonstrar, como lhe competia, o erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável.

1.8 Os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos.

1.9 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber
– se o recurso foi interposto tempestivamente e, na afirmativa,
– se a Recorrente observou o disposto nos arts. 280.º e 281.º do CPPT e 690.º, n.º 2, e 690.º-A, n.º 1, do CPC, estas suscitadas pelo Recorrido; suscitadas pela Recorrente,
– se a sentença recorrida fez correcto quando entendeu que não estavam verificados os requisitos legais justificativos do recurso aos métodos indirectos para a determinação da matéria tributável, designadamente considerando que a AT não levou a sua actividade instrutória tão longe quanto lhe competia, que ignorou “elementos relevantes e proporcionadores de outra conformação analítica de actuação da impugnante”, sendo assim que a decisão de tributação por métodos indirectos tem “sustentáculo factual e documental marcadamente deficitário”, gerador da dúvida fundada, não logrando a Administração fundamentar suficientemente a sua decisão, maxime no que respeita à especificação dos motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável e aos critérios da sua quantificação.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos, que ora transcrevemos ipsis verbis:
«Consideram-se provados os seguintes factos que, ou resultam dos documentos que se mostram retratados nos depoimentos das testemunhas oferecidas, merecedoras de credibilidade, dentro do princípio legal da livre apreciação das provas, consignado no art. 655º do CPCivil, por estarem na linha das regras da experiência comum e nada haver de suspeição sobre a idoneidade de tais testemunhas:
A empresa impugnante foi objecto de fiscalização, relativamente aos anos de 1993, 1994 e 1995, em sede de IVA e IRC;
A actividade principal exercida pela impugnante consiste na venda por grosso e a retalho de artigos de vestuário;
Vendendo também, acessoriamente, bijutaria, brinquedos, loiças, alumínios e plásticos;
No que se refere ao comércio por grosso de vestuário, o mesmo é exercido em feiras e mercados, destinados a revenda;
Em relação a retalho, o mesmo vem sendo continuamente exercido na loja onde está a sede da firma;
E ainda numa loja sita em Carregal do Sal, entretanto encerrada;
Dispunha, ainda, de um armazém de retém/exposição (sito no nº 100 da rua Pedro Álvares Cabral, enquanto a sede é no nº 90), onde efectuava venda por grosso, quer do vestuário, quer da bijutaria (em 1993 e 1994);
A qual entregou ao senhorio, como se refere a fls. 144, «Em Março do corrente»;
A impugnante chegou a ter, também, 3 lojas, Oliveira do Hospital, Carregal do Sal e Olhão;
Onde eram vendidos artigos por “300”;
No entanto, um ano e pouco depois estas 3 lojas fecharam, devido a roubos e desvios de mercadoria;
“Hoje”, só existe a loja do Norton de Matos e em fase liquidatária;
Na “Comissão de Revisão da matéria colectável”, a Fazenda Pública estimou em 45% a 50% as margens de lucro;
Enquanto que a impugnante tinha como adequada a margem de 25 a 30%;
Pois enfrentavam nas vendas de feira uma forte concorrência;
E suportavam todas as contingências atmosféricas que, às vezes, transformavam os produtos em verdadeiros “monos”;
A impugnante atrasou-se a apresentar os inventários;
O que ficou a dever-se aos trabalhos de feira permanentes, de noite e de dia, a que estavam obrigados;
A testemunha José de Aguiar Tavares, contabilista da impugnante, considera, no entanto, que, ainda assim, havia valores de inventários elevados, na transição de um ano para o outro;
Admitindo, também, haver conta caixa negativa, em determinados períodos, o que, de todo, não seria normal;
Nos anos em causa havia dificuldades no ramo;
Pois em termos de concorrência, sofreram com a abertura das grandes superfícies;
Paulo Filipe Oliveira Correia, testemunha, como fornecedor sempre teve grande dificuldade em receber da impugnante, face à dificuldade verificada no ramo;
Os sócios da impugnante trabalhavam de sol a sol;
A impugnante chegou a ter várias casas de negócio e carros de trabalho, sendo que tudo faliu, por completo;
A Administração Fiscal considera (fls. 139) que «a fundamentação da liquidação está cabalmente explanada no relatório»;
Assentando a «proposta de tributação por métodos indiciários» e «métodos utilizados e quantificação de valores» no elenco narrativo e apreciativo de fls. 160 a 168;
Assinalando, em [(() Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: onde se escreveu um queria, por certo, dizer-se em.)] particular, que existiram «entregas de suprimentos, sem documento de suporte adequado, tudo levando a supor ser movimentos “fictícios”, por forma a que o Caixa não ficasse a descoberto»;
«As margens desdobradas por sectores são completamente díspares e desajustadas da realidade;
anomalias e incompatibilidades entre as guias de transporte e as vendas a dinheiro;
A forma como algumas vendas são contabilizadas (documentos avulso para vendas a retalho em feiras) indicia[(() Permitimo-nos também corrigir o erro de concordância.)] a intenção de apenas acertar vendas;
Os inventários são completamente irreais, denotando quantidades e valores desajustados da realidade, e impossíveis de acondicionar no espaço físico existente»;
A leitura do quadro de fls. 149 «evidencia-nos numa situação anómala e incongruente, designadamente a nível da evolução de stocks, e correspondente rotação, duração do ciclo de exploração e rentabilidade;
Por outro lado, (fls. 160), o comportamento da conta caixa evidencia saldos credores, apenas colmatados por entregas de caixa sem suporte documental adequado «as quais nos parecem meramente fictícias»;
Terminando, na mesma folha (160) que o «confronto das guias de transporte com as vendas a dinheiro emitir, vem, por outro lado, permitir a conclusão de todo o raciocínio anterior: as vendas declaradas estão aquém do seu valor real».

Estes os factos apurados a que cumpre aplicar o Direito».

2.1.2 Sem prejuízo da sua manutenção na parte em que não vem posta em causa – designadamente na parte em que se refere às condições em que a Recorrida exercia a sua actividade: que «enfrentavam nas vendas de feira uma forte concorrência», que «suportavam todas as contingências atmosféricas que, às vezes, transformavam os produtos em verdadeiros “monos”», que «Nos anos em causa havia dificuldades no ramo» e que «em termos de concorrência, sofreram com a abertura das grandes superfícies», entendemos necessário reformular o julgamento da matéria de facto, o que fazemos, ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC, nos termos seguintes:

a) A sociedade denominada “Gonçalves , Lda.” foi constituída por escritura de 12 de Abril de 1983 e tinha como sócios Manuel , Dominique e Francisco (cf. o relatório da Fiscalização Tributária, a fls. 143);
b) Nos exercícios de 1993, 1994 e 1995, a sociedade dedicava-se, a título principal, à venda por grosso e a retalho de artigos de vestuário e, a título acessório, à venda de bijutaria, sendo sujeito passivo de IVA e estando inscrita sob o regime normal de periodicidade mensal (cf. relatório da Fiscalização Tributária, a fls. 143);
c) A sociedade exercia a actividade de venda por grosso de artigos de vestuário em feiras e mercados destinados à revenda, sendo que por vezes cada um dos três sócios ia, com um carro de mercadorias, para uma feira diferente (cf. o referido relatório da Fiscalização Tributária, a fls. 143);
d) A actividade de venda a retalho de vestuário era exercida na loja onde está sedeada a sociedade, em Coimbra, e numa loja sita em Carregal do Sal, que a sociedade encerrou no início de 1996 (cf. o mesmo relatório, a fls. 143);
e) Quanto ao comércio de bijutaria, a actividade era exercida na loja da sede, na loja de Carregal do Sal e em mais duas lojas, uma em Olhão, que laborou no período entre Março de 1993 e Maio de 1994, e a outra em Oliveira do Hospital, que laborou até Fevereiro de 1993 (cf. o referido relatório, a fls. 144);
f) A sociedade dispunha ainda de um armazém de retém e exposição em Coimbra, onde efectuava venda por grosso de vestuário e de bijutaria, armazém esse que entregou ao senhorio em Março de 1996 (cf. o mesmo relatório, a fls. 144);
g) A sociedade utilizava ainda três garagens como armazém (cf. o referido relatório, a fls. 145);
h) Com referência ao período de 1993 a 1995, a sociedade tinha ao seu serviço três carrinhas (cf. o referido relatório, a fls. 145);
i) No mesmo período, a sociedade dispunha de contabilidade organizada, agrupada em dois diários (caixa e diário de operações diversas), sendo a numeração dos documentos registados seguida e de acessível consulta (cf. o referido relatório, a fls. 145);
j) No que se refere às compras e despesas, os lançamentos são efectuados por resumo de vários documentos e também as vendas não se encontram desdobradas por «secções/lojas», não inviabilizando esse comportamento o respectivo controlo (cf. o referido relatório, a fls. 145);
k) A AT procedeu à fiscalização da sociedade com referência aos anos de 1993 a 1995 (cf. o referido relatório);
l) No âmbito dessa fiscalização, solicitou à sociedade em 23 de Julho de 1996 as guias de remessa e de transporte respeitantes aos anos de 1994 e 1995, bem como os inventários respeitantes a todos os anos abrangidos pela fiscalização (cf. o referido relatório, a fls. 146);
m) No dia seguinte, a sócia Dominique informou os Serviços de Fiscalização de que as únicas guias de que dispunha eram aquelas cujos duplicados tinham sido recolhidas em acções de fiscalização, sendo que as restantes haviam sido destruídas (cf. o referido relatório, a fls. 146);
n) No mesmo dia 24 de Julho de 1996, o sócio gerente Francisco informou que não entregava os inventários porque os mesmos estavam em rascunho e a ser passados a limpo (cf. o referido relatório, a fls. 146);
o) Em 26 de Julho de 1996, foi notificado pelos Serviços de Fiscalização para proceder à entrega dos inventários no dia 29 de Julho de 1996, sendo tal prazo marcado de acordo com o referido sócio gerente, que entendeu ser o prazo razoável para passar a limpo os inventários (cf. o referido relatório, a fls. 146);
p) No dia 29 de Julho de 1996, a sócia Dominique informou os Serviços de Fiscalização de que os inventários ainda não estavam prontos e solicitou mais dois dias para a apresentação dos mesmos (cf. o referido relatório, a fls. 146);
q) Ainda no mesmo dia, mediante solicitação dos Serviços de Fiscalização, informou que os inventários estavam “em rascunho”, tendo os Serviços pedido que lhe fossem de imediato exibidos os rascunhos, pois necessitavam de colher alguns elementos e logo os devolveriam, para serem ultimados (cf. o referido relatório, a fls. 146);
r) Dominique não apresentou os rascunhos dos inventários nesse dia e, quando contactada pelos Serviços de Fiscalização, afirmou estar a trabalhar neles, motivo por que acordou com os Serviços apresentá-los no dia seguinte, no estado em que se encontrassem, isto é, em rascunho se ainda não passados a limpo (cf. o referido relatório, a fls. 146);
s) No dia 30 de Julho de 1996, Dominique não compareceu nos Serviços de Fiscalização para fazer a entrega dos inventários e, ao fim do dia, compareceu Francisco Gonçalves, mas sem os inventários, reiterando que estes existiam, mas que estavam em rascunho (cf. o referido relatório, a fls. 147);
t) No dia 31 de Julho de 1996, Francisco Gonçalves compareceu nos Serviços de Fiscalização com os inventários de 1992, 1993 e 1994, referindo que o de 1995 estava a ser passado a limpo (cf. o referido relatório, a fls. 147);
u) Nessa data, os Serviços de Fiscalização insistiram pela apresentação dos rascunhos do ano de 1995, afirmando o referido sócio gerente que o traria no dia seguinte (cf. o referido relatório, a fls. 147);
v) Mais nada foi dito pelos gerentes da sociedade até 6 de Agosto de 1996, data em que Dominique comunicou telefonicamente aos Serviços da Fiscalização que “tinha metade do inventário de 1995 feito”, se queriam que o trouxesse e que traria o resto logo que pronto (cf. o referido relatório, a fls. 147);
w) Os Serviços responderam que fizesse como entendesse, mas que o que fazia falta era o inventário completo, não uma parte do mesmo, e que já o consideravam em falta desde a data estipulada na notificação (cf. o referido relatório, a fls. 147);
x) De 12 de Agosto até 2 de Setembro de 1996 a fiscalização foi interrompida e nesta última data o inventário de 1995 já estava pronto (cf. o referido relatório, a fls. 147);
y) Os inventários apresentados não coincidem com os rascunhos, sendo que nestes muitas das parcelas não indicam os valores, mas tão-só os artigos e respectivas quantidades, para além de que não referem nem o ano nem o local em que foi efectuada a contagem física (cf. o referido relatório, a fls. 157);
z) Há artigos vendidos que não aparecem como adquiridos, assim como não aparecem nas existências diversos artigos que foram adquiridos e não constam como vendidos e aparecem artigos nas existências que não constam como adquiridos (cf. o referido relatório, a fls. 158 e 160);
aa) Os inventários revelam existências que a sociedade não tem capacidade para armazenar no espaço físico disponível (cf. o referido relatório, a fls. 161);
bb) O sócio gerente Francisco Gonçalves admitiu aos Serviços de Fiscalização ter pago “por fora” (isto é, sem que relevasse os pagamentos na contabilidade) a dois trabalhadores (cf. o referido relatório, a fls. 147);
cc) A rotação de stocks, cuja média em 1991 era de cerca de 5 meses, passou a cerca de 16 meses em 1995 (cf. o referido relatório, a fls. 149);
dd) O saldo da conta “caixa” ficaria por diversas vezes com saldo credor se não fossem estarem registadas diversas entradas feitas pelos sócios a título de empréstimos/suprimentos, com suporte documental não credível (cf. o referido relatório, a fls. 150);
ee) Em Maio de 1993, por lapso, deu-se entrada no caixa a mais Esc. 3.700.000$00 (Esc. 3.737.800$00, em vez de Esc. 37.800$00), sendo que em Julho desse ano foi registada uma entrada de Esc. 6.000.000$00 a título de “empréstimos/suprimentos”, tendo o ano encerrado com um saldo de caixa de Esc. 110.556$00 (cf. o referido relatório, a fls. 150);
ff) Como o referido lapso não foi corrigido, tal implicaria o encerramento do ano de 1993 com um saldo de caixa credor em Esc. 3.589.444$00 (3.700.000$ - 110.556$) (cf. o referido relatório, a fls. 150);
gg) As declarações fiscais apresentadas pelos sócios não revelam rendimentos que lhe permitissem efectuar as entradas referidas em dd) pelos montantes que foram registados (cf. o referido relatório, a fls. 150);
hh) Em 1993 a sociedade procedeu a um aumento de capital de Esc. 9.000.000$00, utilizando a conta de prestações suplementares constituída pelos sócios nos termos descritos em dd) (cf. o referido relatório, a fls. 150, corrigido, no que se refere à data, pela Impugnante);
ii) Só em alguns períodos surgem documentos respeitantes a vendas a retalho efectuadas em feiras (cf. o referido relatório, a fls. 152);
jj) Com referência às vendas efectuadas na feira da Carapinheira, verifica-se que nos dias em que não houve fiscalização apenas foram emitidas 1, 2 ou 3 facturas por dia, enquanto nos dias em que a fiscalização esteve presente há emissão de facturas quase contínua a partir da hora de início da operação fiscalizadora (cf. o referido relatório, a fls. 152/153);
kk) Existem guias de transporte que não têm correspondência em documentos de venda (cf. o referido relatório, a fls. 153);
ll) Existem guias de transporte com dois lugares de descarga distintos, sendo que nas respectivas datas ou não foram emitidos documentos de venda ou apenas o foram num dos dois locais (cf. o referido relatório, a fls. 154);
mm) O valor das existências quase quadruplica entre Janeiro de 1991 e Dezembro de 1995 enquanto as vendas no mesmo período sofreram um acréscimo inferior a 10% (cf. o referido relatório, a fls. 153);
nn) A contabilidade, quanto ao vestuário, revela margens com uma quebra de 30% de 1993 para 1994 e um aumento de 40% de 1994 para 1995 (cf. o referido relatório, a fls. 159);
oo) Quanto à bijutaria, revela um aumento de 80% de 1993 para 1994 e uma baixa de 120% de 1994 para 1995 (cf. o referido relatório, a fls. 159);
pp) Os serviços de Fiscalização Tributária propuseram a tributação por métodos indiciários, justificando a proposta nos seguintes termos:

«[…] verificámos várias anomalias e incorrecções, como segue:
→ Entregas de suprimentos/empréstimos de sócios, sem documento de suporte adequado, tudo levando a supor ser movimentos “fictícios”, por forma a que o Caixa não ficasse a descoberto;
→ Pagamento a colaboradores sem que a contabilidade evidencie tais pagamentos (pagamento “por fora”);
→ As margens desdobradas por sectores são completamente díspares e desajustadas da realidade, contrariando a que a contabilidade evidencia na sua margem global;
→ Há anomalias e incompatibilidades entre as guias de transporte e as vendas a dinheiro;
→ A forma como algumas vendas são contabilizadas (documentos avulso para vendas a retalho em feiras) indicia [(() Permitimo-nos corrigir o erro de concordância.)] a intenção de apenas acertar vendas;
→ Os inventários são completamente irreais, denotando quantidades e valores desajustados da realidade e impossíveis de acondicionar no espaço físico existente, o que de resto igualmente se verifica pelo coeficiente de rotação de stocks, para além de algumas existências não respeitarem o critério valorimétrico indicado;
→ Não nos foram exibidos no prazo da notificação os inventários de existências nem os respectivos rascunhos (que nos diziam existir), verificando-se uma grande diferença entre os rascunhos e os inventários exibidos.

Estão assim reunidos todos os pressupostos a que alude a alínea d) do número 1 do art.º 51º do CIRC, com vista a determinar o lucro tributável por métodos indiciários.

[…]

Face ao anteriormente descrito e constatado não restam quaisquer dúvidas que os valores declarados são bastante inferiores aos valores reais de venda. Importa assim calcular o valor real de venda, ou tão próximo quanto possível dessa realidade uma vez que é impossível saber o seu valor exacto, por forma a adequar o volume de negócios do sujeito passivo ao efectivamente obtido (ou próximo dessa realidade), e efectuar as competentes correcções»

(cf. o referido relatório, a fls. 160 e 161);
qq) Para apurarem o volume de negócios, os Serviços de Fiscalização socorreram-se do método, cuja utilização justificaram nos seguintes termos:
«[…] vários critérios se oferecem todos eles passíveis de modificação para mais no volume de negócios. O mais correcto seria o de corrigir por sectores de actividade o volume de compras (ou de custo de existências vendidas) aplicando a margem bruta em cada um desses sectores. Só que a única margem que foi possível determinar com segurança foi a de venda por grosso, e apenas no mês de Dezembro de 1995, quando é certo que no Verão a mesma será superior, sendo impossível determinar qual a margem nos outros sectores. Assim este critério não conduziria a resultados correctos por não se conhecerem com rigor as respectivas margens.
Por outro lado os inventários são completamente desajustados da realidade pelo que o custo das existências vendidas não está igualmente correcto, porque afectado pelos inventários.
Assim sendo, e embora seja um facto que as existências vão variando (basta ir comprando e vendendo) também é verdade que face à evolução das compras essas existências não terão uma variação significativa. Assim e embora não restem dúvidas que no fim do ano (e ao longo do ano) há existências, e que há alguma variação de existências, podemos pressupor que essa variação será nula, ou seja, embora as existências num ano sejam diferentes da do ano anterior (salvo uma ou outra excepção - monos), o seu valor global não terá uma diferença significativa face à evolução do binómio compras/vendas, pelo que será mais correcto trabalhar com compras em vez de com o custo de existências vendidas uma vez que este é irreal.
Por outro lado o contribuinte “trabalhou” a margem por forma a que a contabilidade evidenciasse uma margem global que fosse consentânea com a actividade desenvolvida e aceite na análise interna efectuada pela DGCI.
Assim vamos aceitar esta margem que o contribuinte “propõe”, mas em vez de trabalhar com o custo de existência vendida (que é irreal como vimos) vamos operar com as compras, ou seja, embora haja variação de existências a mesma considera-se nula não significando que o que se comprou num ano se vendeu nessa ano (as existências dum ano embora diferentes em quantidade e qualidade das do ano anterior não terão uma diferença significativa em valor, comparando o binómio compras/vendas e jogando ainda com o rácio de rotação de stocks normal no sector de actividade).
Então operando virá:

Descrição
1993
1994
1995
1
2
Compras
Margem s/ custo
110.415.424$00
44,09%
81.302.923$00
51,93%
66.282.111$00
50,19%
3 = 1 + (1 x 2)
4
Compras + Margem
Vendas declaradas
159.097.584$00
132.259.861$00
123.523.530$00
106.438.395$00
99.549.102$00
90.470.826$00
5 = 3 – 4
Falta
26.837.723$00
17.085.135$00
9.078.276$00
»

(cf. o referido relatório a fls. 162 e 163);
rr) Consequentemente, os Serviços de Fiscalização propuseram a fixação do volume de negócios em falta em Esc. 26.837.723$00, 17.085.135$00 e 9.078.276$00, para os anos de 1993, 1994 e 1995, a que corresponde o IVA em falta de Esc. 4.294.036$00, 2.733.622$00 e 1.543.307$00, tudo respectivamente (cf. o referido relatório, a fls. 163 e 164)
ss) Com base no relatório dos Serviços de Fiscalização, o Chefe da 1.ª Repartição de Finanças do concelho de Coimbra fixou o montante do IVA em falta para os anos de 1993, 1994 e 1995 em Esc. 4.294.036$00, 2.733.622$00 e 1.543.307$00, bem como liquidou os juros compensatórios em Esc. 2.600.675$00, 936.632$00 e 260.170$00, tudo respectivamente (cf. cópia do despacho de fixação a fls. 42 e 43 e o ofício remetido à Contribuinte a fls. 41);
tt) A Contribuinte reclamou da fixação do volume de negócios para a Comissão Distrital de Revisão ao abrigo do disposto no art. 84.º do CPT e, na ausência de acordo entre os vogais da Contribuinte e da Fazenda Pública, o Presidente da Comissão decidiu pela manutenção dos valores inicialmente fixados, no essencial, pelos fundamentos invocados pelos Serviços de Fiscalização (cf. cópia da acta da reunião da Comissão Distrital de Revisão, a fls. 62, e, quanto à decisão da reclamação, cópia a fls. 171/172);
uu) Consequentemente, foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA dos anos de 1993, 1994 e 1995, dos montantes de Esc. 4.294.036$00, 2.733.622$00 e 1.543.307$00 e dos respectivos juros compensatórios, dos valores globais (por ano) de Esc. 2.600.675$00, 936.632$00 e 260.170$00, tudo respectivamente (cf. as notas de liquidação ínsitas nas cópias dos documentos de cobrança com cópia de fls. 12 a 40);
vv) A Contribuinte foi notificada dessas liquidações, bem como para proceder ao respectivo pagamento voluntário até 30 de Novembro de 1997 (cf. cópia dos documentos de cobrança de fls. 12 a 40);
ww) Em 2 de Março de 1998, a Contribuinte fez dar entrada na 1.ª Repartição de Finanças do concelho de Coimbra a petição inicial que deu origem ao presente processo, pela qual veio pedir a anulação das liquidações ditas em (cf. a petição inicial de fls. 2 a 10, bem como o carimbo de entrada que lhe foi aposto);
xx) A impugnação judicial foi decidida por sentença proferida em 29 de Maio de 2003 e rectificada em 17 de Junho do mesmo ano (cf. a sentença de fls. a 181 a 194 e a rectificação a fls. 196);
yy) Para notificação da sentença rectificada à Impugnante, a Secretaria do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra remeteu à sua Mandatária judicial carta registada em 20 de Junho de 2003 (cf. cota e talão de registo a fls. 197 v.º);
zz) O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra assinou o termo de notificação da sentença, lavrado no processo, em 24 de Junho de 2003 (cf. termo de notificação a fls. 197 v.º);
aaa) O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra assinou o termo de notificação da sentença, lavrado no processo, com data de 9 de Dezembro de 2003 (cf. termo de notificação a fls. 198);
bbb) Mediante requerimento entrado no Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra em 31 de Dezembro de 2003, o Representante da Fazenda Pública junto daquele Tribunal veio interpor recurso da sentença (cf. requerimento de fls. 199 e carimbo de entrada que lhe foi aposto).

2.1.3 Dos factos alegados e com interesse para a decisão, não ficou demonstrado, por ausência de apresentação de qualquer meio de prova, que os sócios da Contribuinte entregassem a alguns fornecedores cheques pessoais para caucionar o fornecimento de mercadorias, que o sócio gerente tenha tido “ajudas continuadas dos pais” e tenha recorrido à “herança transmitida pelo sogro”. Quanto a este último facto, encontramos no depoimento da 1.ª testemunha uma referência a que «a sócia Dominique injectou na empresa dinheiro, que lhe adveio de uma herança, e que estaria titulado por documento assinado por ela ou por depósito bancário» (cf. fls. 177). Tal referência, desacompanhada de qualquer comprovação documental, não convenceu o Tribunal de 1.ª instância, nem nos convence a nós.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO

A Recorrida sustentou a intempestividade do recurso com dois fundamentos, que cumpre analisar separadamente:

2.2.1.1 Primeiro, a Recorrente sustentou a intempestividade do recurso com o fundamento de que a sentença, datada de 18 de Junho de 2003, foi-lhe notificada a ela Impugnante naquele mesmo dia e ao Representante do Ministério Público em 24 do mesmo mês, enquanto ao Representante da Fazenda Pública, «com domicílio profissional a escassos metros do Tribunal a quo», só foi notificada «volvidos seis meses da prolação da mesma». É certo que, enquanto a Impugnante foi notificada da sentença, cuja rectificação data de 18 de Junho de 2003, por carta registada remetida para a sua Mandatária judicial em 20 do mesmo mês e o Procurador da República junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra foi notificado da sentença no dia 24 ainda do mesmo mês, o Representante da Fazenda Pública naquele Tribunal apenas em 9 de Dezembro de 2003 assinou o termo de notificação lavrado a fls. 198 (cf. factos que demos como provados sob as alíneas xx) a bbb) em 2.1.2).
Tal comportamento é, sem dúvida, profundamente criticável; tanto mais, pela suspeição que lança sobre a Secretaria do Tribunal, à data a cargo de funcionários da Direcção-Geral dos Impostos (() Como é sabido, até 31 de Dezembro de 2003 a organização administrativa dos tribunais tributários de 1.ª instância estava a cargo do Ministério das Finanças. A Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, determinou a transferência para o Ministério da Justiça das competências do Estado nesse domínio, incumbindo o Governo de regular, por decreto-lei, os termos em que se processaria a transferência. Seguidamente, o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, veio dar um novo enquadramento à justiça administrativa e tributária, estabelecendo os fundamentos da sua nova organização. Só com o Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, se pôs cobro a uma situação em que os tribunais tributários, não só funcionavam em espaços do Ministério das Finanças, como também os quadros das suas secretarias eram integrados por funcionários daquele ministério.).
As diligências para notificação dos intervenientes processuais deveriam ter sido, todas elas, efectuadas na mesma data.
No entanto, na ausência de qualquer elemento que nos permita concluir que o Representante da Fazenda Pública tomou conhecimento da sentença e do seu teor antes da data em que assinou o respectivo termo de notificação e nada tendo alegado a Recorrida a esse propósito, o prazo para a Fazenda Pública recorrer não pode contar-se de outra data que não aquela em que foi assinado o termo de notificação.
Improcede, pois, a invocada intempestividade do recurso com a referida fundamentação.

2.2.1.2 A Recorrida sustentou ainda a intempestividade do recurso com o fundamento de que a Recorrente foi notificada em 9 de Dezembro de 2003 e o requerimento de interposição do recurso apenas deu entrada em 31 de Dezembro de 2003.
Não fixando a lei directamente o prazo para a apresentação do requerimento de interposição do recurso, este deverá ser apresentado dentro do prazo supletivo de dez dias, a contar da data da notificação da sentença, nos termos do disposto no art. 153.º do CPC, aplicável subsidiariamente (cf. art. 2.º, alínea e), do CPPT).
Assim, estando demonstrada nos autos a notificação do Representante da Fazenda Pública em 9 de Dezembro de 2003, o prazo para apresentação do requerimento de interposição do recurso teve o seu termo em 19 desse mês.
No entanto, por força do disposto no art. 145.º, n.º 5, do CPC, o requerimento de interposição de recurso podia ainda ser apresentado «independentemente de justo impedimento, […] dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo», sendo que à Fazenda Pública, à data, não era exigível a multa de cujo pagamento a lei faz depender a validade do acto praticado ao abrigo daquela disposição. Na verdade, aquela estava então isenta do pagamento de custas e multas processuais (cf. art. 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro) (() Actualmente, já assim não é, pois o Estado está sujeito a custas (cf. art. 189.ºdo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, e arts. 4.º e 38.º do Código das Custas Judiciais).-() Neste sentido, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Fevereiro de 1995, proferido no processo com o n.º 018161, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Julho de 1997, págs. 496 a 498, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/85af30cb4f2aed36802568fc00398328?OpenDocument
- de 25 de Maio de 2005, proferido no processo com o n.º 0195/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Dezembro de 2005, págs. 1152 a 1155, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a053ec8b0dea721b8025701400553648?OpenDocument
- de 31 de Novembro de 2005, proferido no processo com o n.º 0212/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Fevereiro de 2006, págs. 2161 a 2164 e com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5f10d76044641606802570d70050d137?OpenDocument.).
O dia 19 de Dezembro de 2003 foi sexta-feira e a segunda-feira imediatamente seguinte, dia 22 de Dezembro, já é período de férias judiciais de Natal, que decorrerem entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro (cf. art. 12.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, em vigor à data (() Aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e alterada pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro.) (LOFTJ)).
Ora, nos termos do disposto no art. 144.º, n.º 1, do CPC, o prazo que termine durante o período de férias (a menos que superior a seis meses ou respeitante a acto a praticar em processo urgente) suspende-se.
Do que vimos de dizer, resulta que, tendo o requerimento de interposição de recurso dado entrada no Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra em 31 de Dezembro de 2003, em pleno período de férias judiciais, temos que o considerar como tempestivo.
A invocada intempestividade do recurso também com esta fundamentação não pode proceder.

2.2.2 DO INVOCADO INCUMPRIMENTO DOS ÓNUS PREVISTOS NOS ARTS. 690.º, N.º 2, E 690.º-A, N.º 1, DO CPC
A Recorrida sustentou que o recurso deve ser julgado deserto, porque a Fazenda Pública não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão dos mesmos em sentido diverso, assim como não indica quais as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ou, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entender, deveria ter sido aplicado, tudo em violação do disposto nos arts. 280.º e 281.º do CPPT e 690.º, n.º 2, e 690.º-A, n.º 1, do CPC, estes na redacção em vigor à data, ou seja, antes da sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Salvo o devido respeito, não tem razão a Recorrida nesta questão prévia que suscita. Vejamos:
Desde logo, a Recorrente, pese embora a alusão de que «é patente o erro de julgamento da matéria de facto, baseado em testemunhos difusos», não invoca propriamente o erro no julgamento da matéria de facto, caso em que se justificariam as reservas apontadas pela Recorrida quanto ao incumprimento do art. 690.-A, n.º 1, do CPC (() Dispunha o art. 690.º-A, n.º 1, hoje com correspondência em igual número do art. 685.º-B do mesmo Código:
«1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.».), mas antes errada interpretação dos factos. Ou seja, a Recorrente não afirma que determinada facto concreto que tenha sido dado como provado na sentença o não devesse ter sido, como também não afirma que determinado facto que não foi dado como provado o deveria ter sido. O que a Recorrente alega é que, face ao teor do relatório elaborado pelos Serviços de Fiscalização, a AT estava legitimada a agir, corrigindo o volume de negócios declarado pela Contribuinte com recurso a métodos indirectos, e que a Contribuinte não logrou de modo algum pôr em causa a factualidade recolhida pela Administração e que demonstra a existência de motivos para o recurso àquele método de tributação indirecto.
Ora, as exigências do art. 690.º-A, n.º 1, do CPC, aplicável à data, ao impor a identificação dos concretos pontos de facto considerados mal julgados e a especificação dos concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão desses pontos em sentido diverso do efectuado na decisão recorrida, apenas se justificam quando o recorrente pretende que o julgamento relativamente a determinada matéria deveria ter sido feito em sentido diverso daquele que o foi.
Mas a Recorrida sustentou ainda que se decida pela deserção do recurso com o fundamento de que nas alegações do recurso não foi observado o disposto no art. 690.º, n.º 2, do CPC, na redacção em vigor à data (() Que hoje tem correspondência no art. 685.º-A, n.º 2, do CPC, e que dispunha:
«2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada».).
Também quanto a este ponto, entendemos que a Recorrida carece de razão. Na verdade, a Recorrente indica claramente as razões de direito por que discorda da sentença recorrida: a seu ver, a decisão de tributação por métodos indirectos está legitimada face aos factos apurados pela Administração ao longo do procedimento, verificando-se a situação prevista na alínea d) do art. 51.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data, e aplicável ex vi do art. 84.º do Código do IVA (CIVA).
Por tudo isto, julgamos improcedente a questão prévia suscitada pela Recorrente, de deserção do recurso com fundamento em violação das exigências da alegação.

2.2.3 O ERRO NO JULGAMENTO
A sentença recorrida, salvo o devido respeito, é uma peça de difícil compreensão: inicialmente, afirma textualmente que «a matéria dada como assente foi no sentido de que os elementos contabilísticos não reflectem a exacta situação patrimonial nem o resultado obtido pela empresa», como o evidencia a «a circunstância de não se conseguir o apuramento e quantificação rigorosa dos elementos para determinação da “matéria tributável” apuramento», o que tudo levava a crer que a sentença decidiria pela improcedência da impugnação judicial.
Acontece, no entanto, que entre esses considerandos surpreendemos uma passagem que, manifestamente, não se refere à situação sub judice, pois alude a «omissão de parte dos valores das transacções de venda de lotes de terreno e fracções». O que, conjugado com a ulterior exposição, nos leva a crer que esse segmento da sentença só por lapso terá aí sido incluído.
Na verdade, mais à frente, a sentença, designadamente
- depois de referir os pressupostos legais da tributação por métodos indirectos, afirma que do confronto dos elementos justificativos avançados pela AT com os invocados pela Impugnante, resulta que «o enunciado conclusivo da Fiscalização – porque fragmentário e inconsequente e porque ignorou elementos relevantes e proporcionadores de outra conformação analítica de actuação da impugnante, em termos de conformação fiscal – representa um ensaio de objectivação de apreciação redutoramente subjectivista. Com sustentáculo factual e documental marcadamente deficitário»;
- mais afirma que a formulação utilizada pela AT não dá cumprimento pleno às exigências de fundamentação impostas pelo art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República e do art. 1.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, se bem que pareça referir essa insuficiência de fundamentação, não ao plano formal, mas ao plano substancial, ou seja, à insuficiência dos motivos aduzidos para justificar o recurso aos métodos indirectos e para comprovarem a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e à ausência de indicação dos critérios utilizados na sua quantificação (() Apesar da sentença aludir a transmissão, é manifesto o lapso de escrita.);
- finalmente, considerou que a actividade instrutória da AT «está aquém do esforço exigível para esta», o que gera «fundada dúvida».
Ou seja, se bem interpretamos a sentença recorrida, nesta considerou-se não demonstrados os requisitos legais que autorizariam o recurso aos métodos indiciários para a determinação da matéria tributável, designadamente não estarem especificados os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, bem como não ter sido justificado o método de cálculo utilizado pela AT para a quantificação da mesma matéria.
A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela veio recorrer. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, questiona a sentença por entender que está fundamentado, substancialmente, o recurso aos métodos indiciários para a fixação do volume de negócios, bem como o critério utilizado na quantificação da matéria tributável.
Cumpre, pois, apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto àqueles aspectos, adiantando desde já que, salvo o devido respeito, na mesma se não distingue convenientemente entre fundamentação formal e fundamentação substancial.
Na verdade, como resulta da alegação aduzida na petição inicial, a Impugnante discorda das liquidações cuja anulação pediu nestes autos com fundamento na falta dos requisitos legais que autorizariam o recurso aos métodos indiciários para a determinação da matéria tributável, designadamente a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (cf. supra ponto 1.2).
Ou seja, nunca a Impugnante assacou às liquidações impugnadas o vício de falta de fundamentação. No entanto, se bem que na sentença se faça referências às regras legais respeitantes à fundamentação, a argumentação aduzida parece reconduzir-se à não verificação de alguns dos motivos invocados para justificar o recurso à tributação por métodos indirectos e à insuficiência dos demais para esse efeito.
Ou seja, embora o discurso adoptado na sentença aluda à falta de fundamentação enquanto vício formal (() Como decorre, para além do mais, da menção que aí é feita ao arts. 268.º, n.º 3, da Constituição da República e ao art. 1.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.), a verdade é que parece tê-lo reconduzido também à falta dos requisitos legais para a utilização dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Ora, esta invalidade integra vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (se for posta em causa a correspondência à realidade dos factos invocados pela Administração como suporte fáctico da sua actuação) e de direito (se for posta em causa a subsunção jurídica que a Administração fez desses factos), não vício de forma por falta de fundamentação, como se parece ter considerado nalgumas passagens da sentença recorrida.
Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto (() Isto, como bem salienta VIEIRA DE ANDRADE, sem prejuízo de a exigência de fundamentação formal não se bastar com «uma qualquer declaração do agente sobre os fundamentos do acto», nem de ser «a ausência total de menção dos fundamentos a única modalidade de vício de forma por incumprimento desse dever», pois «[o] conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-de consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa» (O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 1991, pág. 231).); outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa. Como diz VIEIRA DE ANDRADE, distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (() Ob. e loc. cit.).
O mesmo Autor salienta que por vezes esta distinção não é fácil mas, a nosso ver, não é esse o caso dos autos.
As questões suscitadas na presente impugnação judicial (com origem na discordância da Impugnante relativamente à AT) são as de saber se as razões que a AT invocou para considerar que a contabilidade da Impugnante não reflecte a realidade são ou não suficientes para suportar a decisão de tributar a Impugnante em IVA por métodos indirectos ou deviam conduzir a uma solução diferente e se, sim ou não, está justificado o método utilizado para quantificar a matéria tributável. Assim, os vícios relativamente aos quais havemos de sindicar o julgamento feito na sentença recorrida não são de forma, mas substanciais: vícios de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito.
Como é sabido, no nosso sistema fiscal, tal como configurado na legislação aplicável à situação sub judice, vigora o princípio da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável, o que implica um acréscimo dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a AT, entre os quais avultam os de manter uma contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal e que permita o apuramento e fiscalização do IVA (arts. 78.º do CPT (() Que hoje tem correspondência no art. 75.º da Lei Geral Tributária.) e 28.º, n.º 1, alínea g) e 44.º do CIVA) e o da entrega da declaração periódica (art. 28.º, n.º 1, alínea c), do CIVA).
Nos n.ºs 1 e 2 do art. 76.º do CPT dizia-se:

«1. O processo de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vicio destas, com base em todos os elementos de que disponha a entidade competente.

2. O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que sejam apresentadas nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à administração fiscal os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária».

Como dizem ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, «A declaração é um acto pelo qual o contribuinte leva ao conhecimento da Administração Fiscal a existência da matéria tributável que integra o facto tributário, indicando o seu montante e todos os elementos necessários para o cálculo do imposto (encargos, deduções, etc.).
A declaração é exigida pela lei e traduz um acto de colaboração do contribuinte face à natureza pública do imposto justificada pela ideia de que a obrigação tributária não é uma obrigação voluntária, contratual, mas o cumprimento de um dever legal. É um acto obrigatório e se o contribuinte, estando nas condições previstas na lei, não o cumprir, está sujeito a sanções (arts. 31º e 32º do RJIFNA)[(() Hoje a falta de entrega de declarações está prevista como contra-ordenação pelo art. 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, de 4 de Agosto.)].
A declaração é uma base suficiente para a imposição e é um elemento justificativo da receita correspondente.
Além de ser uma obrigação do contribuinte traduz uma prova de matéria colectável» (() Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3.ª edição, nota 4 ao art. 76.º, pág. 162.).

O sistema fiscal português consagra, pois, o método da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável (arts. 57.º a 61.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), art. 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção aplicável, e arts. 28.º a 40.º do CIVA).
No entanto, nem sempre o apuramento da matéria colectável se fará com base na declaração do contribuinte: desde logo, como é óbvio, não se fará quando o contribuinte não apresente a declaração, caso em que a AT procederá oficiosamente à sua determinação, com base nos elementos de que dispuser ou que lhe sejam fornecidos pelos serviços de fiscalização; não se fará quando, como resulta do citado n.º 2 do art. 76.º do CPT, a declaração não seja apresentada nos termos previstos na lei ou quando o contribuinte não forneça à AT os elementos indispensáveis ao controlo da situação tributária dele; não se fará também quando do controlo efectuado resultar que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade.
Nos termos do art. 78.º do CPT, «quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».
Assim, se a declaração do contribuinte estiver de acordo com os elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presume-se que a matéria tributável declarada é a real.
No entanto, na falta de declaração, quando esta divirja dos elementos constantes da escrita ou da contabilidade ou quando a AT, através do controlo efectuado à situação tributária do contribuinte, fundamentadamente considere que das declarações resulta um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, a lei permite-lhe que seja ela a quantificar a matéria tributável, o que será feito por métodos directos, no caso de tal ser possível e, não sendo possível, com recurso a métodos de prova indirecta ou presunções, impondo neste caso a lei que a AT especifique os motivos daquela impossibilidade e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável (cf. art. 82.º, n.º 1, do CIVA , art. 51.º do CIRC, ex vi do art. 38.º do CIRS, e 81.º do CPT (() Dispunha o art. 81.º do CPT:
«A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação».), em vigor à data).
Ou seja, o recurso a métodos indiciários, a estimativas ou presunções para determinar a matéria tributável está rodeado de algumas cautelas que visam assegurar que aquele constitui uma ultima ratio nas relações do contribuinte com a AT.
Entre essas cautelas avultam a fundamentação especial que deve acompanhar o exercício do poder de recurso aos métodos indirectos. Assim, aos deveres gerais de fundamentação dos actos tributários – à data decorrentes de forma genérica do art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República, do art. 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e do art. 21.º do CPT – acrescem, no caso de tributação por métodos indiciários, a indicação dos motivos por que a contabilidade do contribuinte não merece credibilidade, por que não é possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável e também a indicação do critério utilizado para a quantificação da matéria tributável (cf. art. 81.º do CPT, em vigor à data (() Hoje, o art. 77.º, n.º 4, da LGT.)).
Na presente impugnação judicial, a Contribuinte sustentou, por um lado, que não estão verificados os requisitos enunciados no art. 51.º do CIRC para que seja possível o recurso aos métodos indirectos na fixação da matéria tributável e, por outro, que não está justificado o critério utilizado na quantificação dessa matéria não é legal.
A sentença deu-lhe razão, mas a Fazenda Pública discorda desse julgamento.
Os motivos pelos quais o Presidente da Comissão de Revisão (directamente e por remissão para o relatório da fiscalização) entendeu que a contabilidade da sociedade Contribuinte não era merecedora de credibilidade são os seguintes:
- existem suprimentos/empréstimos dos sócios sem suporte documental adequado e sem os quais o Caixa ficaria a descoberto;
- foi confessado o pagamento a colaboradores sem que a contabilidade evidencie tais pagamentos (pagamento “por fora”);
- as margens, quando desdobradas por sectores, revelam-se desajustadas à actividade e denotam disparidades injustificadas;
- verificam-se anomalias e incompatibilidades entre as guias de transporte e as vendas a dinheiro;
- existem documentos avulso para vendas a retalho em feiras;
- os inventários denotam quantidades e valores desajustados da realidade e impossíveis de acondicionar no espaço físico existente, para além de algumas existências não respeitarem o critério valorimétrico indicado;
- os inventários não foram exibidos no prazo da notificação, como também o não foram os respectivos rascunhos (que a Contribuinte dizia existirem), verificando-se uma grande diferença entre os rascunhos e os inventários exibidos.

Por outro lado, a Administração considerou estar impossibilitada de proceder à quantificação directa e exacta do volume de negócios, por não ter como calcular os valores reais das vendas.
Para quantificar a matéria tributável, a Administração utilizou o seguinte método: utilizando as margens de lucro bruto declaradas e na impossibilidade de as aplicar ao custo das existências vendidas declarado (dada a falta de credibilidade dos inventários), aplicou-as ao valor das compras em cada ano (desprezando a variação das existências).
A nosso ver, os elementos recolhidos pela AT permitiam-lhe concluir, como concluiu, que a contabilidade da Contribuinte não merecia credibilidade.
Na verdade, os factos apontados, sobretudo lidos conjugadamente e à luz das regras de experiência, constituem fortes índices de que a contabilidade, apesar da sua correcção formal, não reflecte a real situação patrimonial da sociedade nem os resultados por ela efectivamente obtidos.
Procurou a Contribuinte, é certo, apresentar explicações que retirassem a alguns dos referidos factos aquela carga indiciária. Só que olvidou outros, relativamente aos quais não encontramos, nem ao longo do procedimento nem na petição inicial, a tentativa de explicação alguma. É o caso do referido pagamento a colaboradores à margem da contabilidade, é o caso da insuficiência do suporte documental dos suprimentos, é também o caso da não oportuna exibição dos rascunhos dos inventários e de os inventários revelarem divergência com os rascunhos ulteriormente exibidos, é o caso de os inventários não respeitarem os critérios valorimétricos e é ainda o caso das impossibilidade física de armazenamento das existências reveladas pelos inventários. É também, em parte, o caso das inexplicadas situações de saldo credor do Caixa, assumindo aqui especial relevância o lapso referido nas alíneas ee) e ff) dos factos que demos como assentes.
Bastam estes factos coligidos pela Administração e nunca questionados pela Contribuinte para afastar a presunção da veracidade da contabilidade e para dar como assente que esta, pese embora a sua regularidade formal, não espelha a real situação patrimonial da Contribuinte.
A factualidade alegada pela Contribuinte, alguma dela dada como assente e que a sentença relevou como sustentando uma tese contrária, refere-se apenas a circunstâncias do exercício da actividade em nada susceptíveis de contender com os referidos factos-índice.
De igual modo, o facto de a Administração não ter relevado essa factualidade não permite de modo algum imputar-lhe qualquer falha na actividade instrutória desenvolvida ao longo do procedimento, a justificar, na óptica da sentença, a dúvida fundada quanto aos pressupostos fácticos que autorizam a tributação por métodos indirectos.
Temos, assim como materialmente fundamentada a conclusão de que a contabilidade não era credível.
A nosso ver, está também apontada a razão por que a Administração considerou não poder proceder à determinação e quantificação directa da matéria tributável.
A Contribuinte afirmou, é certo, que a Administração violou o disposto no art. 51.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável, porque não demonstrou a impossibilidade de comprovação e de quantificação directa e exacta da matéria tributável, alegando até que os próprios Serviços de Fiscalização se teriam «descaído a certa altura» quando afirmaram que “compilando documento a documento, conseguiram reconstituir as compras período a período”. Salvo o devido respeito, o que está em causa é a possibilidade de reconstituir a matéria tributável, ou seja, o volume de negócios da Contribuinte, não as compras por esta efectuadas. Ora, os Serviços de Fiscalização sempre afirmaram não ter elementos que lhe permitissem apurar os valores reais das vendas (cf. alínea pp) dos factos que demos como assentes).
Tal basta para que se dê como devidamente especificados os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação da matéria tributável por métodos directos.
Finalmente, também quanto ao critério utilizado na quantificação da matéria tributável entendemos que a Administração cumpriu com todas as exigências de fundamentação exigíveis, tanto a nível formal como a nível substancial.
A AT, não só referiu o critério que utilizou (fundamentação formal), como também enunciou os elementos que permitem, quer à Contribuinte quer ao Tribunal, ficar a conhecer o processo lógico subjacente ao mesmo, a fim de sindicar a validade do mesmo critério (fundamentação material).
No caso sub judice, o critério adoptado para a quantificação da matéria tributável foi o de aplicar as margens brutas declaradas pela Contribuinte aos valores das compras. Acresce que a AT explicou por que adoptou esse critério, que se nos afigura como uma forma válida de aproximação à realidade.
Assim, também o critério utilizado na quantificação da matéria tributável deve ter-se por materialmente fundamentado.

Por tudo o que ficou dito, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a sentença que, julgando em sentido diverso, anulou as liquidações adicionais impugnadas.

2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Embora seja criticável o comportamento da Secretaria do Tribunal Tributário de 1.ª instância, então na dependência funcional do Ministério das Finanças, que só notificou a sentença ao RFP mais de seis meses depois de a ter notificados ao Impugnante e ao Ministério Público, essa crítica fica-se, a este nível, pelo plano ético, não podendo aquele facto suportar a conclusão de intempestividade do recurso deduzido pela Fazenda Pública, que só pode contar-se a partir da data em que os autos documentam a sua notificação, a menos que tivesse ficado demonstrado que o RFP teve conhecimento da sentença antes dessa data.
II - Efectuada a notificação pessoal da sentença ao Representante da Fazenda Pública em 9 de Dezembro de 2003, não pode considerar-se intempestivo o recurso cujo requerimento de interposição foi apresentado no dia 31 desse mês, pois, após o termo do prazo de 10 dias para o efeito (que ocorreu no dia 19), a Fazenda Pública ainda dispunha de mais três dias úteis, nos termos do art. 145.º, n.º 5, do CPC (sendo que a Fazenda Pública, à data, estava isenta do pagamento da respectiva multa), e o período compreendido entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro é de férias judiciais (art. 12.º da LOFTJ), pelo que durante o mesmo se suspende a contagem do prazo (art. 144.º do CPC).
III - Quando a AT, através do controlo efectuado à situação tributária do contribuinte, fundamentadamente considere que as declarações não traduzem a realidade, a lei permite-lhe que seja ela a quantificar a matéria tributável, o que será feito por métodos directos, no caso de tal ser possível e, não sendo possível, com recurso a métodos de prova indirecta ou presunções.
IV - No caso de tributação por métodos indiciários, a lei impõe especial fundamentação, devendo a AT especificar os motivos por que a contabilidade não merece crédito, por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável (cf. arts. 82.º, n.º 1, do CIVA, art. 51.º do CIRC, ex vi do art. 38.º do CIRS, e 81.º do CPT, em vigor à data).
V - Tendo a AT dado resposta cabal a todas essas exigências, quer formal quer substancialmente, a Contribuinte só pode conseguir a anulação da liquidação em sede de impugnação judicial se demonstrar que os pressupostos de facto de que partiu a Administração não correspondem à realidade ou que o critério utilizado na quantificação da matéria tributável enferma de erro quanto aos pressupostos de facto de que arranca ou que é arbitrário ou desadequado ao fim prosseguido.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em seis UC.

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Porto, 29 de Outubro de 2009
(Francisco Rothes)
(Moisés Rodrigues)
(Fonseca Carvalho)